Prorrogação de período de graça e o segurado contribuinte individual

Resumo: Este artigo pretende ajudar a dirimir eventual dúvida acerca da possibilidade ou não da prorrogação de período de graça ( art. 15, II da lei 8.213/91) para o segurado contribuinte individual. Para tanto será definido o que se entende por contribuinte individual perante a Previdência Social e o conceito de carência e qualidade de segurado. A abordagem contará com decisões jurisprudenciais tanto no âmbito dos juizados especiais como de outros tribunais pátrios, por fim a conclusão sobre o cabimento ou não da concessão dos benefícios previdenciários para os contribuintes individuais que deixam de recolher as contribuições previdenciárias por determinado período.

Palavras-chaves: período de graça. Contribuinte individual. Previdência social. Jurisprudência. Carência.

Abstract: This article seeks to rebut the doubts about whether or not the extension of the grace period (article 15, Law 8.213/91 II) for the insured individual taxpayer. To do so will be defined what is meant by individual taxpayer with respect to Social Security and the concept of grace and an insured. The approach will include both court decisions under the special courts and other patriotic courts finally the conclusion about the appropriateness or otherwise of granting social security benefits to individual taxpayers who fail to pay social security contributions for a certain period.

Keywords: grace period. Individual contributors. Social Security. Jurisprudence. Grace.

Sumario: Introdução; 1. Conceito de segurado contribuinte individual; 2. Conceito de qualidade de segurado; 3. Da perda da qualidade de segurado; 4. Impossibilidade de prorrogação de período de graça para contribuinte individual; 5. Reaquisição da qualidade de segurado a partir do primeiro recolhimento sem atraso; Conclusão; Referências

Introdução

A real compreensão do que se entende por segurado contribuinte individual se torna imprescindível para a interpretação da lei previdenciária e sua aplicação no âmbito judicial nos casos de ações propostas visando a concessão de benefícios.

Neste sentido, buscar-se-á explicar a conceituação desta espécie de segurado, a forma em que adquire a qualidade de segurado perante o Regime Geral da Previdência Social trazendo decisões jurisprudenciais que demonstram a popularização desta qualidade de segurado no Brasil moderno.

1.Conceito de segurado contribuinte individual

Contribuinte individual, nas palavras dos mestres Eduardo Rocha dias e Jose Leandro Monteiro (1): “ é aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas sem relação de emprego ou que exerce, por conta própria, atividade econômica de natureza urbana, com fins lucrativos ou não”.

Segundo as palavras de Ivan Kertzman e Luciano Martinez (2): ” A maioria das pessoas conhece estes segurados como autônomos. Na realidade, os autônomos fazem parte desta categoria. Como exemplos, temos o pintor, contratado para pintar uma casa ou uma empresa, o eletricista que faz reparos em uma residência, ou, ainda, o psicanalista que atende pacientes por conta própria. ”

No site do Ministério da Previdência Social ao tratar da filiação conceitua o Contribuinte Individual como[1]:

“Nesta categoria está (sic) as pessoas que trabalham por conta própria (autônomos) e os trabalhadores que prestam serviços de natureza eventual a empresas, sem vínculo empregatício. São considerados contribuintes individuais, entre outros, os sacerdotes, os diretores que recebem remuneração decorrente de atividade em empresa urbana ou rural, os síndicos remunerados, os motoristas de táxi, os vendedores ambulantes, as diaristas, os pintores, os eletricistas, os associados de cooperativas de trabalho e outros.”

Ao se inscrever, o segurado deve observar os seguintes códigos na Guia de Recolhimento da Previdência Social (GPS)[2].

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2. Conceito de qualidade de segurado

A Previdência Social é organizada na forma de regime geral, com caráter contributivo, onde deverá existir, de um lado, o recolhimento da contribuição para que, do outro, possa gozar de benefícios previdenciários quando do surgimento de algum evento previamente estabelecido na legislação.

A qualidade de segurado é adquirida com a primeira contribuição recolhida para a Previdência Social. Não se deve confundir com carência que se refere a uma quantidade mínima de recolhimento para que o segurado possa fazer jus a um benefício previdenciário.

Assim, podemos concluir que pode haver uma situação em que a pessoa possa ser segurado da previdência, todavia não terá direito a um determinado benefício previdenciário porque não adimpliu o mínimo de contribuições.

No artigo da lavra de  Fabio Camacho Dell´amore Torres(3) bem exemplifica essa diferença. Verbis

“A qualidade de segurado é adquirida com a filiação ao regime geral de previdência social, que por sua vez ocorre com o exercício de atividade laborativa remunerada para os segurados obrigatórios, e pela inscrição e pagamento da contribuição previdenciária para os segurados facultativos.

A carência, por sua vez, é o número mínimo de contribuições mensais vertidas para a Previdência Social. Consoante, aliás, reza o artigo 24 da Lei 8.213/91, “Período de carência é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências.”

A ausência de recolhimento das contribuições após o prazo que a lei previu acarreta, como consequência, a perda da qualidade de segurado.

3.Da perda da qualidade de segurado

Como vimos, para gozar de qualquer benefício previdenciário é indispensável que o segurado mantenha esta qualidade através do recolhimento das contribuições previdenciárias.

É desnecessário dizer que o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) é essencialmente de caráter contributivo, onde a cobertura dos riscos sociais do trabalhador é assegurada na medida em que este permaneça filiado ao regime, o que significa dizer, em outros termos, enquanto contribua para o sistema regularmente estará acobertado em face dos riscos sociais. Nesse passo, se o trabalhador deixa de contribuir, a proteção previdenciária contra os riscos não lhe pode ser outorgada.

Contudo, antes que se acuse o RGPS de injusto, é bom que se diga que ele confere proteção ao segurado mesmo que este falte com as contribuições por mais de  12 meses, podendo essa proteção ser estendida  até 24 ou 36 meses, conforme a hipótese legal. Trata-se do “período de graça” no qual é prorrogada a condição de segurado pelo prazo mínimo de 12 meses, possibilitando o exercício de todos os direitos previdenciários dentro desse prazo.

Nesse sentido dispõe o art. 15, II, da Lei nº 8.213/91, a saber:

“Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:

I – sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;

II – até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;  (…)

 § 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.

 § 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.

 § 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.

§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos”.

 4. Impossibilidade de prorrogação de período de graça com fundamento em desemprego involuntário para contribuinte individual

Nos casos dos segurados obrigatórios, na condição de contribuinte individual é seu o ônus/responsabilidade de velar pelo recolhimento das contribuições previdenciárias, nos termos do art. 30, inciso II, da Lei nº 8.212/91, verbis:

“Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas: (Redação dada pela Lei nº 8.620, de 5.1.93) (…)

II – os segurados contribuinte individual e facultativo estão obrigados a recolher sua contribuição por iniciativa própria, até o dia quinze do mês seguinte ao da competência; (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)”

Assim sendo, nos casos de segurados contribuintes individuais não se pode atribuir ao INSS a responsabilidade de zelar pelo recolhimento das contribuições previdenciárias, vez que esta foi legalmente atribuída ao segurado. Assim, a ausência de tais contribuições pelo período previsto na norma previdenciária acarretará na perda da qualidade de segurado.

Trazemos a baila importante decisão da turma recursal do Paraná que aborda  com maestria a situação concluindo pela impossibilidade de prorrogação do período de graça pelo contribuinte individual sob o fundamento de desemprego involuntário :

“Prevê o art. 15 § 2º da LBPS:

Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:(…)

§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.”

Pela análise do § 2º extrai-se que a intenção do legislador não foi a de abranger os segurados facultativo e individual na extensão de  12 meses do período de graça, já que refere-se explicitamente a segurado desempregado.

Tendo em vista o tratamento diferenciado dado pela previdência a segurado empregado e segurado contribuinte individual (já que este é o responsável pela própria contribuição, diferentemente daquele), não é possível fazer interpretação extensiva do conceito de desempregado, pois se diversa fosse a intenção do legislador, não seria utilizada esta palavra, que remete ao segurado empregado que perdeu seu trabalho.

Não se aplica assim o acréscimo de 12 meses ao período de graça do autor, já que este era contribuinte individual. gn

Tendo a autora cessado suas contribuições em 02/05, a qualidade de segurada manteve-se até 16/04/06, conforme art. 15 § 4º da Lei 8.213/91 c/c art. 30, II da Lei 8.212/91, não havia assim qualidade de segurada na DII (11/12/06), sendo portanto indevido o benefício de aposentadoria por invalidez, bem como de auxílio-doença.”[3]

No mesmo sentindo podemos citar as decisões de outros tribunais:

“Ementa

PENSÃO POR MORTE. DECRETO 83.080/79. REQUISITOS. 1. Na vigência do Decreto 83.080/79 a condição de segurado do instituidor não deixou de ser exigida. 2. Recurso conhecido e improvido.

Inteiro Teor

I – RELATÓRIO Trata-se de recurso interposto por CÌCERO LUIZ DOS SANTOS, JÉFERSON DRUZIAN DOS SANTOS E NELSON DRUZIAN DOS SANTOS contra sentença que, depois de inúmeras diligências frustradas no sentido de comprovar a internação da falecida ainda no período de graça, julgou improcedente pedido de pensão por morte, sob o argumento de que, ao tempo do óbito, a pretensa instituidora não mais ostentava a qualidade de segurado. Os recorrentes alegam, em síntese, que o Decreto 83.080/79 não exigia a qualidade de segurado para o pensionamente, sendo necessário apenas o cumprimento da carência de 12 meses, portanto, desnecessária a comprovação de que a falecida "adoecera no período de graça e desta doença foi à óbito". Não foram apresentadas contra-razões. II – VOTO: Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. A pensão por morte é regida pela lei vigente ao tempo do óbito (26/05/1990). Vigia à época o Decreto 83.080, de 1979. Para os autores, exigia-se para o pensionamento a carência de 12 meses, não sendo importante perquirir a qualidade de segurado. Com a devida vênia, o desdobramento dessa tese importaria em abalo tremendo à unidade lógica do ordenamento previdenciário. Basta imaginar a hipótese de um segurado que contribuiu por doze meses no início de sua vida produtiva, e depois se afastou do mercado de trabalho e também deixou de recolher contribuição individual. Sem a qualidade de segurado, não teria, p. ex., direito à proteção securitária em caso de doença, mas conservaria a prerrogativa de instituir pensão. Forçoso concluir que mesmo no sistema anterior, onde não se dava o devido valor ao equilíbrio atuarial, tal pretensão não seria acolhida. Em razão disso, deixo de acolher a orientação dos respeitáveis julgados colacionados na peça recursal, os quais não traduzem a jurisprudência amplamente dominante. É provável que o equívoco tenha derivado da técnica utilizada na redação do art. 67 do Decreto 83.080, em cujos termos se repete o período de carência para a pensão por morte, antes referido no art. 32 do mesmo diploma normativo. Confira-se, na parte que interessa examinar, a redação: "Art. 67. A pensão por morte é devida, a contar da data do óbito, ao dependente do segurado que falece após 12 (doze) contribuições mensais ou em gozo de benefício". Com efeito, a referência aos doze meses de carência não foi para suprimir a condição de segurado. Por fim, cumpre lembrar que a previsão de perda da qualidade de segurado também se fazia presente na então vigente legislação (art. 7º). A propósito, no que concerne ao período de graça, os recorrentes alegam que faltou reconhecer acréscimo de 12 meses, pela condição de segurado desempregado, argumento que não merece prosperar por tratar-se de inscrição relacionada a contribuinte individual.(gn) Do exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso. Sem condenação em honorários advocatícios por falta de contra-razões. É como voto.”[4]

“APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PERDA da QUALIDADE de SEGURADA. TRANSCURSO DO PERÍODO de GRAÇA. FALTA de COMPROVAÇÃO SOBRE A INCAPACIDADE PARA O TRABALHO E CONSEQUENTEMENTE PARA A EXTENSÃO DO PERÍODO de GRAÇA. BENEFÍCIO INDEVIDO. 1. Tendo a autora perdido a qualidade de segurada, assim como havendo transcorrido o prazo de graça, sem que houvesse retorno às contribuições para o sistema, ou que houvesse a autora recorrido ao Judiciário, operou-se a caducidade do direito. 2. A concessão de auxílio-doença só se justifica quando há comprovação de incapacidade para recolher contribuições. Na ausência desta prova, o período de graça não pode ser prorrogado. 3. Recurso provido.

Inteiro Teor

I. RELATÓRIO.Trata-se de recurso interposto INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL contra a sentença que julgou procedente o pedido inicial, de concessão de aposentadoria por invalidez.Alega, em suas razões, que a autora perdera a qualidade de segurada. Contra-razões a fls. 43/48.É o relatório. II. VOTO. A demanda imposta nestes autos cinge-se apenas à qualidade de segurada da autora.Consta dos autos que a recorrida recolheu contribuições à previdência, inicialmente, de 01/07/1980 a 01/11/1983, num total aproximadamente de 3 anos.Retornou a verter contribuições à previdência em 1997 até agosto de 2002, na qualidade de contribuinte individual. Ao todo foram aproximadamente oito anos de contribuição.Em dezembro de 2003 entrou com esta ação judicial, pleiteando o benefício de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.Não há nos autos prova ou informação sobre a data do início da incapacidade da autora, uma vez que o laudo médico de fls.22 é muito singelo e impreciso.Pois bem, com essas considerações, tenho que a autora, de fato, perdeu a qualidade de segurada.No caso, por ser contribuinte individual, a autora não tem como provar a situação de desemprego e seu período de graça, após a cessação das contribuições, é de apenas 12 meses.(gn) Também não houve mais de 120 contribuições para que tal período fosse prolongado. Assim sendo, o período de graça da autora terminou em 15 de setembro de 2003.Desse modo, transcorrido o período de graça, e não havendo prova de que a autora, em face de incapacidade laborativa, não pôde continuar a recolher contribuições, é de se admitir que não tem direito à aposentadoria em virtude de não preencher os requisitos legais. Posto nestes termos, VOTO PELO CONHECIMENTO DO RECURSO e seu PROVIMENTO, reformando a sentença prolatada para cassar o benefício concedido. Sem custas. É COMO VOTO”[5]

5. REAQUISIÇAO DA QUALIDADE DE SEGURADO A PARTIR DO PRIMEIRO RECOLHIMENTO SEM ATRASO

Nas hipóteses em que o contribuinte individual tenha deixado de recolher suas contribuições para os cofres públicos pelo lapso de tempo previsto na norma previdenciária, e por consequência tenha perdido a condição de segurado, para que readquira a qualidade de segurado é obrigatória a observância legal de recolhimento da contribuição sem atraso, para tanto devemos nos socorrer ao disposto no art. 27, inciso II, da Lei nº 8.213/91, senão vejamos:

“Art. 27. Para cômputo do período de carência, serão consideradas as contribuições:

I – referentes ao período a partir da data da filiação ao Regime Geral de Previdência Social, no caso dos segurados empregados e trabalhadores avulsos referidos nos incisos I e VI do art. 11;

II – realizadas a contar da data do efetivo pagamento da primeira contribuição sem atraso, não sendo consideradas para este fim as contribuições recolhidas com atraso referentes a competências anteriores, no caso dos segurados empregado doméstico, contribuinte individual, especial e facultativo, referidos, respectivamente, nos incisos II, V e VII do art. 11 e no art. 13”. (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)gn

Confira-se, a respeito os seguintes julgados:

Turma recursal de Pernambuco[6]

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO. AUXÍLIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE. AUSÊNCIA DA QUALIDADE DE SEGURADO. CONTRIBUIÇÃO INDIVUDUAL EXTEMPORÂNEA. RECOLHIMENTO APÓS A DII. REQUISITOS LEGAIS NÃO CUMPRIDOS. RECURSO PROVIDO.

Trata-se de Recurso inominado interposto pela parte ré contra sentença que julgou procedente o pedido de concessão de auxílio-doença/aposentadoria por invalidez, por entender que estavam presentes os requisitos autorizados da referida concessão.

A questão controvertida nos autos é acerca da qualidade de segurado tendo em vista que houve recolhimento extemporâneo de contribuição de contribuinte individual, em momento posterior ao inicio da incapacidade, mas referente a período anterior.

Estabelece o caput do artigo 59 da Lei nº 8.213/91 que o benefício previdenciário do auxílio-doença “será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos”.

O artigo 42, da Lei 8.213/91, estabelece que será devida aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida a carência exigida, quando for o caso, ao segurado que for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, sendo-lhe paga enquanto permanecer nessa condição. O auxílio-doença, por sua vez, será devido quando o prognóstico é de que haja a recuperação para a atividade habitual ou reabilitação para outra atividade. Assim, sendo possível a reabilitação, o benefício a ser concedido é o auxílio-doença, e não,  a aposentadoria por invalidez.

 Devem ser consideradas, para efeito de carência quanto à obtenção do benefício de auxílio-doença, as contribuições previdenciárias recolhidas com atraso, desde que posteriores à primeira paga sem atraso.  Tal possibilidade decorre diretamente da interpretação do disposto no art. 27 , II , da Lei nº 8.213 /91. Importa, para que esse pagamento seja considerado, que não haja perda da qualidade de segurado. Precedente do STJ (REsp 642243/PR, Rel. Ministro Nilson Naves, Sexta Turma, julgado em 21/03/2006, DJ 05/06/2006 p. 324).

 No caso dos autos, não há o que se falar em carência, posto que a incapacidade é decorrente de cardiopatia grave, o que afasta a necessidade do cumprimento de carência, conforme previsão da Instrução Normativa 45/2010 do INSS, que assim se pronuncia sobre a isenção de carência:.  

Art. 152. Independe de carência a concessão das seguintes prestações: (…)
III – auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, nos casos de acidente de qualquer natureza, inclusive decorrente do trabalho, bem como nos casos em que o segurado, após filiar-se ao RGPS, for acometido de alguma das doenças ou afecções relacionadas abaixo: (…)
g) cardiopatia grave;

O cerne da questão posta no recurso interposto pelo INSS está no pagamento efetuado depois que foi descoberta a doença que isenta carência.

 A Lei  8.213/91 é clara:

Art. 27. Para cômputo do período de carência, serão consideradas as contribuições:

I – referentes ao período a partir da data da filiação ao Regime Geral de Previdência Social, no caso dos segurados empregados e trabalhadores avulsos referidos nos incisos I e VI do art. 11;

II – realizadas a contar da data do efetivo pagamento da primeira contribuição sem atraso, não sendo consideradas para este fim as contribuições recolhidas com atraso referentes a competências anteriores, no caso dos segurados empregado doméstico, contribuinte individual, especial e facultativo, referidos, respectivamente, nos incisos II, V e VII do art. 11 e no art. 13. (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)

Portanto, é necessário que os recolhimentos tem começado DEPOIS de sua filiação ao RGPS, que por lei, só deve ser contada após o primeiro pagamento SEM ATRASO da parcela mensal (GFIP) ou após o registro VERDADEIRO na CTPS.

 De acordo com o laudo pericial (anexo 14), a incapacidade ocorreu em 2010, quando o autor sofreu um infarto do miocárdio. Ocorre que, conforme consta no anexo 16, a parte autora efetuou uma contribuição isolada em 11/04/2011, na qualidade de contribuinte individual, referente à competência de 03/2010, o que, na linha da fundamentação supra, não pode ser aceito.

 Desta forma, merece reforma a sentença tendo em vista que o recolhimento extemporâneo ocorreu em data POSTERIOR ao início da incapacidade, ainda que referente a competência anterior a DII, o que torna ilegal a concessão do benefício.

Por todas as razões acima expostas, bem como em razão de ser esta fundamentação suficiente para a apreciação de todos os pedidos formulados pelas partes, considero como não violados os demais dispositivos suscitados, inclusive considerando-os como devidamente prequestionando, possibilitando, de logo, a interposição dos recursos excepcionais cabíveis (RE e PU).

Assim, e tendo em vista que os embargos de declaração não se prestam para um novo julgamento daquilo que já foi decidido, ficam advertidas as partes que a sua oposição protelatória ensejará a aplicação de litigância de má-fé, na forma dos arts. 18 e 538 do CPC.

Por este entender, voto pelo conhecimento do recurso para DAR-LHE PROVIMENTO.

Fica o INSS autorizado a revogar a tutela antecipada. Deverá a parte autora devolver o que recebeu via antecipação de tutela, mesmo sendo verba alimentar recebida de boa-fé, conforme decisão do STJ (RESP 201300320893, HERMAN BENJAMIN, STJ – PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:30/08/2013). Caso seja necessário, os descontos não devem exceder a 10% dos proventos, conforme a mesma decisão. 

Sem condenação em honorários advocatícios, ante a ausência de recorrente vencido.

 “Ementa 

PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO RETIDO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. NÃO CUMPRIMENTO DA CARÊNCIA MÍNIMA EXIGIDA. RECOLHIMENTO EM ATRASO. ART. 27, INCISSO II. BENEFÍCIO INDEVIDO[7].

1. Não se conhece de agravo retido não-reiterado pelo agravante nas contra-razões de apelação, conforme o exige o § 1º do artigo 523 do Código de Processo Civil.

2. Para a concessão de aposentadoria por invalidez é necessário o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, observado para o contribuinte individual o disposto no inciso II do art. 27 da Lei nº 8.213/91, o qual exige que o efetivo pagamento da primeira contribuição seja sem atraso, a fim de que não se burle a legislação e considere para fins de carência contribuições anteriores à efetiva filiação à Previdência Social, uma vez que esta ocorre, para o contribuinte individual, somente mediante a "inscrição formalizada com o pagamento da primeira contribuição" (§ 3º do art. 11 e parágrafo único do artigo 20 do Decreto nº 3.048/99).  Enfim, após a regular inscrição, com o pagamento da primeira contribuição sem atraso, eventuais atrasos quanto às contribuições subseqüentes poderão sempre ser sanadas, desde que o recolhimento se dê enquanto o interessado não tiver perdido a qualidade de segurado (§ 4º do art. 11 do Decreto nº 3.048/99).

3. Recolhimentos em atraso após a perda da qualidade de segurado não têm o condão de restabelecer a filiação à Previdência Social, não podendo as respectivas contribuições ser computadas para fins de carência.

4. Não cumprida a carência, desnecessária a incursão sobre os demais requisitos para concessão do benefício previdenciário.

5. Agravo retido do INSS não conhecido. Apelação do Autor improvida.”

“Ementa

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. INSCRIÇÃO POST MORTEM. REGULARIZAÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES APÓS O ÓBITO. IMPOSSIBILIDADE[8].

I – O contribuinte individual está obrigado a recolher a contribuição aos cofres da previdência por iniciativa própria, sendo certo que a qualidade de segurado decorre exclusivamente, no caso dos citados contribuintes individuais, da prova do recolhimento das referidas contribuições previdenciárias nos moldes do art. 30, II da Lei 8.212/91.

II – O simples exercício da atividade remunerada não mantém a qualidade de segurado do de cujus, sendo necessário, no caso, o efetivo recolhimento das contribuições respectivas pelo próprio segurado quando em vida para que seus dependentes façam jus ao benefício de pensão por morte.

III – Não é possível a concessão do benefício de pensão por morte aos dependentes do segurado falecido, contribuinte individual, que não efetuou o recolhimento das contribuições respectivas à época, não havendo amparo legal para a dita inscrição post mortem ou para que sejam descontadas as contribuições pretéritas, não recolhidas pelo de cujus, do benefício da pensão por morte percebido pelos herdeiros.”

CONCLUSAO

Diante das normas legais citadas e jurisprudências atuais de nossos Pretórios é evidenciável prima facie que o contribuinte individual exerce atividade laboral por conta própria sendo assim podemos concluir que:

As obrigações pelo recolhimento das contribuições previdenciárias são de única e exclusiva responsabilidade do segurado contribuinte individual;

Não poderá ser aplicada ao segurado contribuinte individual a prerrogativa de prorrogação de período de graça por 36 meses, tendo em vista que para este contribuinte a figura de patrão e empregado se confundem na mesma pessoa não sendo possível admitir a situação de desemprego involuntário.

 

Referências
1.DIAS, Eduardo Rocha. Curso de direito previdenciário/Eduardo Rocha DIAS, Jose Leandro Monteiro de Macedo, 2 ed, pg 135 Editora Metodo, 2010.
2.MARTINEZ, Luciano; KERTZMAN, Ivan. Guia Prático da Previdencia Social, 4,ed.Salvador:JusPodivm, 2010. pg 25
3. TORRES, Fabio Camacho Dell´amore. Carência x qualidade de segurado no Regime Geral de Previdência Social, www.direitonet.com.br/artigos/exibir/7172/Carencia-x-qualidade-de-segurado-no-Regime-Geral-de-Previdencia-Social.

Notas

[2] http://www8.dataprev.gov.br/e-aps/servico/641

[3] Processo 2008.70.50.011518-8; Relatora: Juíza Federal Ana Carine Busato Daros; Origem: Juizado Especial Federal de Curitiba – SJPR; Curitiba, 28 de julho de 2009.

[4] Processo 337176720074013 Relator(a) CARLOS AUGUSTO TÔRRES NOBRE
1ª Turma Recursal – GO Fonte DJGO 08/05/2008

[5] Processo 202776320054013; Relator(a)JOSÉ PIRES da CUNHA Órgão julgador 1ª Turma Recursal – MT Fonte DJMT 11/01/2006

[6] PROC N: 0502184-65.2013.4.05.8300, inclusão: 01/07/2014, Relator : Jorge André de Carvalho Mendonça, 2ª Turma Recursal de Pernambuco

[7] AC 879209; processo: 200161020082131 uf: SP órgão julgador: décima turma; fonte: DJU data:31/08/2005 página: 371; tribunal regional federal da 3ª regiao ; relator(a): juiz Galvão Miranda

[8] Processo: 200572950133107; Órgão Julgador: Turma Nacional de Uniformização Fonte: DJU 21/05/2007; Relator(a): JUIZ FEDERAL MARCOS ROBERTO ARAÚJO DOS SANTOS


Informações Sobre o Autor

Ana Paula Albuquerque Ximenes Rocha

Procurador federal lotada no Núcleo Previdenciário da Procuradoria Regional Federal da 5ª região com atuação perante as Turmas Recursais de Pernambuco


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