Proteção contra dispensa imotivada no direito do trabalho brasileiro: Uma análise da proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa

Sumário: 1. Introdução – 2. Da dispensa desmotivada: 2.1 Do direito comparado; 2.2 Da Convenção n.158 da Organização Internacional do Trabalho – 3. Princípios: 3.1 Conceituação de Princípios; 3.2 Princípio da dignidade da pessoa humana; 3.2.1 Conceito e caracterização do princípio da dignidade da pessoa humana; 3.2.2 Função exercida pelo princípio da dignidade da pessoa humana; 3.3. Princípio da continuidade do contrato de trabalho; 3.4. Princípio da proporcionalidade – 4. O ordenamento jurídico pátrio veda a dispensa desmotivada e sem justa causa: 4.1 Dos direitos fundamentais: 4.1.1 Do conceito; 4.1.2 Classificação dos direitos fundamentais; 4.1.3 A vinculação das entidades privadas aos direitos fundamentais; 4.1.4 Direitos fundamentais e o dever de proteção; 4.1.5 Vinculação direta do empregador aos direitos fundamentais do empregado; 4.2 A dispensa não é o direito potestativo do empregador: 4.2.1 Do poder diretivo do empregador; 4.3 Do ato ilícito e do abuso de direito: 4.3.1 Do ato ilícito; 4.3.2 Do abuso de direito – 5. Da despedida arbitrária ou sem justa causa: 5.1 Dispensa com justa causa; 5.2 Da despedida arbitrária – 6. Da reintegração e da indenização: 6.1 Reintegração como a medida adequada contra a dispensa arbitrária; 6.2 Indenização em substituição à reintegração: 6.2.1 Da indenização prevista pelo art.10, inciso I, do ato das disposições constitucionais transitórias; 6.2.2 Fundo de garantia por tempo de serviço não se confunde com a proteção contra a dispensa desmotivada – 7. Da eficácia da norma constitucional disposta no art. 7º, I, da Constituição Federal de 1988: 7.1 Classificação das normas constitucionais; 7.2 Significado da norma contida no art. 5º, §1º, da Constituição Federal de 1988. – 8 ConclusõesReferências Bibliográficas


O empregado deve ser considerado como ser humano que deve ser tratado com dignidade cujos serviços prestados por ele sirvam também para proporcionar-lhe um meio de sustento e realização pessoal. Por isso, uma vez provada pelo empregado a sua dispensa desmotivada e sem justa causa pelo empregador, a sentença judicial determinará a sua reintegração ou, harmonizando-se com o princípio da proporcionalidade, fixará uma indenização compensatória.


1 INTRODUÇÃO


Segundo a lição de Silva, A. (1992, p. 38), pode-se conceituar o emprego como o lugar ocupado pelo trabalhador no processo produtivo. Processo este que organiza e dispõe da força do trabalho do trabalhador para atingir seus fins e se realiza através da atividade empresarial. A integração do trabalhador na empresa é concretizada através do instrumento jurídico chamado contrato de trabalho, surgindo assim uma relação jurídica, denominada de relação de emprego, cujos partícipes são o empregado e o empregador.


O empregado vende a sua capacidade de trabalho, coloca-se à disposição e subordina-se ao empregador para se integrar no processo produtivo, cujo resultado somente a este último pertence. A participação de ambos no processo produtivo não é idêntica, o empregado oferece a mercadoria trabalho enquanto o empregador dá em troca o preço salário. O emprego é para o empregador apenas o meio de obtenção de lucro, porém, para o empregado, é o meio de sua subsistência e de sua família. Por isso, apesar do desequilíbrio de forças e o maior poder de decisão do empregador, a perda do emprego atinge a subsistência do empregado, de sua família ou de seus dependentes econômicos.


O contrato de trabalho cessa pela sua execução ou quando cumprido e atingido o fim almejado pelas partes, ou seja, quando cessa a existência da vontade das partes no mundo jurídico. Já no caso de contrato de trabalho por prazo indeterminado, a cessação não é um resultado esperado e só se verifica por causas supervenientes que nem sempre representam a vontade de ambas as partes. Neste caso, o critério mais seguro para a análise metódico da cessação do contrato de trabalho é a enumeração dos motivos da cessação, pois é a vontade do empregado e do empregador que confluem para a constituição do contrato de trabalho e são as mesmas vontades que são capazes de desfazê-lo.


 Porém, a ruptura do contrato de trabalho pela manifestação volitiva lícita do empregador assume maior significado do que as demais. Pois, quando a cessação da relação de emprego se verifica por iniciativa voluntária do empregado, tem ela pouca importância para o Direito Laboral, que enxerga este ato como o direito do empregado de ganhar novamente sua liberdade pessoal dissolvendo o contrato de trabalho que não mais lhe interessa, pois, caso contrário seria equivalente a uma nova forma de escravidão. Já a cessação da relação de emprego que se verifica por iniciativa voluntária do empregador adquire uma profunda significação social. Por meio desta, o empregado perde seu emprego involuntariamente, e, em conseqüência, o meio único de sua subsistência de que dispõe, podendo ocasionar reflexos na sua auto-estima e até mesmo na sua dignidade. Tal dispensa ocasiona o desemprego juntamente com os danos psicológicos e econômicos ao trabalhador vítima da vontade arbitrária do empregador.


 O interesse público também é afetado pela dispensa imotivada. Pois o desemprego pode levar ao aumento da criminalidade já que muitos poderão ser levados a praticar atos delituosos para prover o próprio sustento e/ou o da sua família, além de significar maior ônus ao seguro social podendo ocorrer até a situação dramática de poucos trabalhadores empregados terem de custear, através de encargos sociais, um grande contingente de desempregados.  


E exatamente pelo fato do uso indiscriminado do poder de despedir causar tantos problemas sociais, surgiu a idéia na doutrina de que a perda do emprego não poder ser disciplinada segundo o princípio da plena liberdade do empregador. O constituinte originário de 1988 chegou a elaborar na Carta Política o artigo 7º, I, da Constituição Federal de 1988, nele dispondo que é direito dos trabalhadores urbanos e rurais a relação de emprego protegida contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos.


2 DA DISPENSA DESMOTIVADA


Apesar do ideal de que a relação de emprego deva perdurar no tempo, diversos fatores extintivos podem ocasionar a cessação do contrato de trabalho. A diversidade desses fatores tende a produzir efeitos jurídicos diferenciados que se expressam pela incidência de verbas rescisórias de tipo e valor igualmente diversificados. A terminologia usada na doutrina e na legislação para designar as formas de cessação da relação de trabalho enseja divergência e vacilações, que prejudicam a uniformidade dos conceitos. Por isso, é muito difícil que se chegue, na doutrina, a uma unidade conceitual em relação aos diversos tipos de rupturas do contrato de trabalho. Por isso, independente da denominação que é dado pela doutrina ou pela lei, seja dispensa ou despedida sem justa causa ou imotivada, será o objeto de análise a possibilidade do tipo de cessação sem a exigência de alguma motivação socialmente justificada para que a ruptura do contrato de trabalho ocorra[1].


A dispensa desmotivada é uma causa eficiente do término contratual consistente no exercício lícito da vontade empresarial objetivando a dissolução do pacto empregatício, ou seja, corresponde à denúncia vazia do contrato por ato volitivo do empregador.  Os elementos constitutivos da dispensa desmotivada, segundo as lições de SILVA, A. (1992, p. 46-47) são:


– Manifestação da vontade expressa pelo empregador;


– Vontade unilateral do empregador;


– Ocorrer, principalmente, nos contratos de trabalho por prazo indeterminado[2];


– Independer da concordância do empregado ou de qualquer outra atitude de sua parte, sendo que a simples declaração da vontade do empregador altera a situação e atinge de imediato o seu fim resolutivo do contrato de trabalho;


– Finalidade específica dirigida para a cessação do contrato de trabalho.


Como bem leciona Delgado (2004, p.1164-1167), o critério da motivação jurídica tipificada do ato empresarial de ruptura de contrato de trabalho há décadas não tem sido prevalecente no Direito brasileiro. Isto é, desde o estabelecimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço através da Lei n. 5.107 de 1966 e hoje regulado pela Lei n. 8.036, de 1990, a regra geral nas últimas décadas tem sido a chamada denúncia vazia do contrato empregatício pelo empregador e o critério da motivação da dispensa somente comparecia em situações fático-jurídicas pouco comuns como nos contratos dos antigos estáveis celetistas ou nos contratos de empregados conjunturalmente favorecidos por alguma das garantias provisórias de emprego existentes no Direito Brasileiro, como, por exemplo, o caso do dirigente sindical e do dirigente eleito de Comissão Interna de Prevenção de Acidentes. Sendo que, neste último caso de garantia provisória de emprego, o do dirigente eleito de Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, o legislador, através do artigo 165, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho, criou o conceito de despedida arbitrária, que é a dispensa não fundada em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro.   


Quando o empregado é dispensado imotivadamente, o entendimento predominante na doutrina e na jurisprudência é de que os direitos assegurados aos empregados por lei incluem: o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço; o acréscimo sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço previsto no art. 10, I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que tem natureza constitucional indenizatória; o aviso prévio; a remuneração das férias vencidas e proporcionais; o 13º salário proporcional; indenização pelo tempo anterior à inclusão do empregado no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, se existente, nos termos do art. 477, da Consolidação das Leis do Trabalho.


 No âmbito constitucional, o artigo 7º, I, da Constituição Federal de 1988, dispõe que é direito dos trabalhadores urbanos e rurais a relação de emprego protegida contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos. Ademais, tal regra constitucional relaciona-se à regra transitória contida no caput e inciso I, do art. 10, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988, que dispõe ficar limitada a proteção prevista no art. 7º, I, da Constituição Federal de 1988 ao aumento para quatro vezes da porcentagem prevista no art. 6º, caput e §1º, da Lei n. 5.107, de 13 de setembro de 1966 até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o mencionado dispositivo constitucional para disciplinar a matéria.


2.1 DO DIREITO COMPARADO


Segundo Süssekind (1999, p.108-109), foi na República Federativa da Alemanha que se iniciou a reformulação do instituto da estabilidade, com o fim de tornar ineficaz apenas a despedida arbitrária do empregado, pois a reforma legislativa alemã adotada em 1951 e 1952[3] estabeleceu que, em princípio, só é lícita uma despedida socialmente justificada. Neste sentido, importa transcrever o ensinamento de ÁLVARES DA SILVA: “o sistema alemão acolhido na Lei de 10.8.1951 constitui um dos mais avançados sistemas sobre a proteção contra a dispensa, que se transformou em modelo ou influenciou as leis de vários países na Europa e no mundo” (SILVA, A., 1992, P.72). 


De acordo com as lições de Silva, A. (1992, p.99-100), esta lei de proteção contra a dispensa alemã de 1951 qualificou a dispensa em socialmente justificada (em alemão sozial gerechtfertigt) ou em socialmente injustificada (em alemão sozial ungerechtfertigt), conforme se baseasse ou não em motivos centrados na pessoa (em alemão Personenbedingte Kündigung), no comportamento (em alemão Verhaltensbedingte Kündigung) ou no estabelecimento (em alemão Betriebsebedingte Kündigung). Segundo o ordenamento jurídico alemão, existia a possibilidade da dispensa imediata ou extraordinária por motivo grave, equivalente à dispensa por justa causa do Direito obreiro brasileiro, que antecipa a eficácia da ruptura do vínculo empregatício e agindo como excludentes de direitos ao empregado. E a baseada em motivos de menor intensidade e justificadores da dispensa, que não excluem o direito de indenização e prolongam a ruptura do vínculo pelo decurso de certo prazo equivalente ao aviso prévio.


Atualmente, conforme informa Nascimento (2003, p.669), as leis estrangeiras sobre a ruptura do contrato de trabalho, como a legislação da Alemanha, a Constituição do México de 1927 e a atual Lei Federal do Trabalho, o Direito legislado da Inglaterra, as normas vigentes na Espanha, as Leis n. 604, de 1966, e 300, de 1970, da Itália, as Leis da França de 1973 e 1975 e as Leis sobre Despedimento de Portugal, de 1975, 1976 e 1977, demonstram essa nova tendência, qual seja: as dispensas individuais deverem ser motivadas, causadas, dependentes de uma justificação.  


2.2 DA CONVENÇÃO N.158 DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO


O problema da dispensa do empregado de forma injustificada foi também objeto dos estudos desenvolvidos pela Organização Internacional do Trabalho. Segundo as lições de Süssekind (1999, p.112-114), em 1963, a Organização Internacional do Trabalho estabeleceu a noção de despedida com causa justificada através da aprovação Recomendação n. 119 na Conferência Internacional do Trabalho, ou seja, estabeleceu a diretriz de que há o direito do empregado de não ser dispensado sem um motivo que o justifique.        


Nascimento (2003, p.659-661) informa em sua obra que, em 1982, foi aprovada a Convenção n.158 pela Conferência Internacional do Trabalho, convenção esta que contém normas gerais destinadas a proteger o trabalhador contra as dispensas imotivadas. Sendo que, no artigo 4º da Convenção[4], dispõe expressamente que só é possível pôr fim à relação de trabalho caso exista uma causa justificada relacionada com a capacidade ou conduta do trabalhador ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa. 


No Brasil, a matéria foi tratada da seguinte forma: na data de 4 de janeiro de 1995, o Decreto Legislativo n.68, do Congresso Nacional, ratificou a Convenção n.158 da Organização Internacional do Trabalho, sendo que em 10 de abril de 1996, com o Decreto de Promulgação n. 1.855, as regras da Convenção tiveram eficácia no território nacional. Porém, em 20 de novembro de 1996, o Presidente da República, através do Decreto n.2.100, denunciou essa ratificação.


A questão não passou despercebida pelo Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade com pedido liminar de suspensão dos efeitos da Convenção n.º 158 da Organização Internacional do Trabalho foi ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal com o objetivo de questionar a validade juridico-constitucional do Decreto Legislativo n. 68/92, que aprovou a Convenção nº. 158 da Organização Internacional do Trabalho (O.I.T.), e do Decreto n. 1.855/96, que promulgou esse mesmo ato de direito internacional público.


O Plenário do Supremo Tribunal Federal deferiu, parcialmente, sem redução de texto, o pedido de medida cautelar, na data de 04 de setembro de 1997, concedendo a liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade, ADIN-1480-3-DF, e suspendendo os efeitos da referida Convenção. Já o processo de controle abstrato de constitucionalidade, ADIN-1480[5], foi julgado extinto na data de 26/06/2001 e o Excelentíssimo Ministro Celso de Mello foi o seu relator.


3 PRINCÍPIOS


3.1 CONCEITUAÇÃO DE PRINCÍPIOS


Princípios não são considerados mais como idéias jurídicas norteadoras que aguardam a concretização na lei e na jurisprudência. Mas sim como normas jurídicas que, uma vez inseridos na esfera jusconstitucional, encabeçam o sistema jurídico, guiam e fundamentam todas as demais normas que a ordem jurídica institui e tendem a exercitar a função axiológica, ou seja, são, segundo Bonavides (2001), “normas-valores providos de eficácia suprema no sistema jurídico” (BONAVIDES, 2001, p. 248). Conforme leciona Bonavides (2001, p.246), o recurso aos princípios se impõe ao jurista para orientar a interpretação das leis de teor obscuro ou para suprir-lhes o silêncio. 


Nesse contexto, importa mencionar sete dos critérios mais comumente propostos pela doutrina para a distinção entre princípios e regras, espécies de normas jurídicas, segundo Barcellos (2002, p.46-51).


Quanto ao conteúdo, os princípios estão mais próximos da idéia de valor e de direito. Eles formam uma exigência da justiça, da eqüidade ou da moralidade, ao passo que as regras têm um conteúdo diversificado e não necessariamente moral. Rodolfo L. Vigo chega a identificar determinados princípios, que denomina de “fortes”, como os direitos humanos.


Quanto à origem e validade, a validade dos princípios decorre de seu próprio conteúdo, ao passo que as regras derivam de outras regras ou dos princípios. Dessa forma, é possível identificar o momento e a forma como determinada regra tornou-se uma norma jurídica, perquirição essa que será inútil no que diz respeito aos princípios.


Quanto ao compromisso histórico, os princípios são para muitos, em maior ou menor medida, universais, absolutos, objetivos e permanentes, ao passo que as regras caracterizam-se, de forma bastante evidente, pela contingência e relatividade de seus conteúdos, dependendo do tempo e lugar.


Quanto à função no ordenamento, os princípios têm uma aplicação explicadora e justificadora em relação às regras, e, da mesma forma que os axiomas e leis científicas, os princípios sintetizam uma grande quantidade de informação de um setor ou de todo o ordenamento jurídico, conferindo-lhe unidade e ordenação.


Quanto à estrutura lingüística, os princípios são mais abstratos que as regras, em geral, os princípios não descrevem as condições necessárias para sua aplicação e, por isso mesmo, aplicam-se a um número indeterminado de situações. Já quanto às regras, é possível identificar, com maior ou menor trabalho, suas hipóteses de aplicação.


Quanto ao esforço interpretativo exigido, os princípios exigem uma atividade argumentativa muito mais intensa, não apenas para precisar seu sentido, como também para inferir a solução que ele propõe para o caso, ao passo que as regras demandam apenas uma aplicabilidade técnica.


Finalmente, o critério de suma relevância para a análise do artigo 7º, I, da Constituição Federal de 1988 e por isso é analisado com mais afinco neste trabalho que é quanto à aplicação. Dado o seu substrato fático típico, as regras só admitem duas espécies de situação: ou são válidas e se aplicam ou não se aplicam por inválidas. Uma regra vale ou não vale juridicamente, não existindo a possibilidade de gradações. Ao contrário das regras, os princípios determinam que algo seja realizado na maior medida possível, admitindo uma aplicação mais ou menos ampla de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas existentes. Estes limites jurídicos, que podem restringir a otimização de um princípio, são: regras que excepcionam algum ponto e outros princípios opostos que procuram igualmente maximizar-se, daí surge a necessidade eventual de ponderá-los. Preciosas são os ensinamentos do professor Bonavides (2001) que cita o critério gradualista-qualitativo de Alexy (1993, p.86-87)[6] fazendo a diferenciação entre regras e princípios quanto à aplicabilidade de tais normas:


O critério gradualista-qualitativo de Alexy não se acha contido, conforme ele mesmo declara, na lista dos critérios referidos, mas explica a maior parte daqueles até então tradicionais e que se reputavam decisivos.


Ponto determinante desse critério – entendidos os princípios como ‘ mandamentos de otimização’ (Optimierungsgebot) – é o reconhecimento de que eles são normas.


Mas normas de otimização, suja principal característica consiste em poderem ser cumpridas em distinto grau e onde a medida imposta de execução não depende apenas de possibilidades fáticas, senão também jurídicas.


Daqui resulta, segundo ele, que a esfera das possibilidades jurídicas se determina por princípios e regras de direção contrária. Por outro lado, as regras, prossegue Alexy, são normas que podem sempre ser cumpridas ou não, e quando uma regra vale, então se há de fazer exatamente o que ela exige ou determina. Nem mais, nem menos.


Demais disso, como as regras contêm, desse modo, estipulações no espaço fático e jurídico do possível, isto significa, segundo ele, que, então, existe aí, entre as regras e os princípios, distinção qualitativa, e não de grau, e que norma é regra ou princípio. (BONAVIDES, 200, p.250)


A distinção entre regras e princípios é também um dos pontos centrais da original concepção de Dworkin (1980) sobre as normas jurídicas, coincidindo, em muitos aspectos, com a de Alexy (1993). Leciona Dworkin (1980) que a principal distinção entre princípios e regras é de caráter lógico, e diz respeito aos respectivos mecanismos de aplicação. As regras, segundo o ilustre Mestre de Harvard, são aplicáveis à maneira de tudo ou nada, ou seja, se ocorrerem os fatos estipulados nas regras, então esta regra será válida e, nesse caso, a resposta que der deverá ser aceita, porém, se os fatos não acontecerem, a regra não servirá para a decisão. Ou seja, as regras incidem sob a forma do “all or nothing” (tudo ou nada), o que não acontece com os princípios. Na dicção de Dworkin (1980): “if the facts a rule stipulates are given, then either the rule is valid, in which case the answer it supplies must be accepted, or it is not, in which case it contributes nothing to the decision[7]” (DWORKIN, 1980, p. 24 apud  SARMENTO, 2001, p. 52). 


 O conceito de validade da regra é conceito de tudo ou nada apropriado para a mesma, mas incompatível com a dimensão de peso, que pertence somente com a natureza de princípio. Somente os princípios, de acordo com o ensinamento de Dworkin (1980), possuem a dimensão de peso, importância ou valor.


Principles have a dimension that rules do not – the dimension of weight or importance. When principles intersect (…), one who must resolve the conflict has to take into account the relative weight of each. This cannot be, of course, an exact measurement, and the judgment that a particular principle or policy is more important than another will often be a controversial one. Nevertheless, it is an integral part of the concept of a principle that it has this dimension, that it makes sense to ask how important or how weighty it is[8]”.( DWORKIN, 1980  apud  NEGREIROS, 2001, p. 353). 


Enquanto num sistema de regras não se pode dizer que uma regra é mais importante do que outra quando entram em conflito nem se pode dizer que uma regra possa prevalecer sobre outra em razão de seu maior peso, num sistema de princípios, o princípio aplicado em um determinado caso, se não prevalecer, nada obsta a que, no futuro, noutras circunstâncias, volte ele a ser utilizado de maneira decisiva. 


3.2 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA


3.2.1 Conceito e caracterização do princípio da dignidade da pessoa humana


Conforme ensina Barcellos (2002, p.103), um dos poucos consensos teóricos do mundo contemporâneo diz respeito ao valor essencial do ser humano. A dignidade da pessoa humana, o valor do homem como um fim em si mesmo, é a atual axioma da civilização ocidental.


A relevância do valor essencial do ser humano não passou despercebida no Direito do Trabalho por Silva, A. (1992, p.54). O autor, tomando como base as lições de Däubler, foi incisivo ao lecionar que o exercício ilimitado da cessação da relação contratual pela vontade unilateral do empregador o coloca na condição de senhor absoluto da relação de emprego com poderes para retirar de outra parte do contrato de trabalho a possibilidade de sobrevivência digna. 


Segundo as valiosas lições de Sarlet (2002, p. 32-33), Kant, a partir da natureza racional do ser humano, constrói a sua concepção de dignidade do ser humano e afirma que a autonomia da vontade, entendida como a faculdade de determinar a si mesmo e agir em conformidade com a representação de certas leis, é um atributo apenas encontrado nos seres racionais, constituindo-se no fundamento da dignidade da natureza humana. Com base nesta premissa, Kant defende que o homem, assim como todo ser racional, existe como um fim em si mesmo, não simplesmente como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Ao contrário, em todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele como nas que se dirigem aos outros seres racionais, o homem tem sempre de ser considerado simultaneamente como um fim. Portanto, conclui Kant, o valor de todos os objetos que possamos adquirir pelas nossas ações é sempre condicional. Os seres cuja existência depende não da nossa vontade, mas da natureza, têm, caso sejam seres irracionais, apenas um valor relativo como meios e por isso se chamam coisas, já os seres racionais se denominam pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos, quer dizer, como algo que não pode ser empregado como simples meio, limitando todo o tipo de arbítrio.     


Agora eu afirmo: o homem – e, de uma maneira geral, todo o ser racional – existe com fim em si mesmo, e não apenas como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Em todas as suas ações, pelo contrário, tanto nas direcionadas a ele mesmo como nas que o são a outros seres racionais, deve ser ele sempre considerado simultaneamente como fim. Todos os objetos das inclinações têm um valor apenas condicional, pois se não existissem as inclinações e as necessidades que nelas se fundamentam seria sem valor o seu objeto. As próprias inclinações, porém como fontes das necessidades, tão longe estão de possuir um valor absoluto que as torne desejáveis em si mesmas que, muito pelo contrário, melhor deve ser o desejo universal de todos os seres racionais em libertar-se totalmente delas. Portanto, o valor de todos os objetos que possamos adquirir pelas nossas ações é sempre condicional. Os seres, cuja existência não assenta em nossa vontade, mas na natureza, têm, contudo, se são seres irracionais, um valor meramente relativo, como meios, e por isso denominam-se coisas, ao passo que os seres racionais denominam-se pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos, ou seja, como algo que não pode ser empregado como simples meio e que, portanto, nessa medida, limita todo o arbítrio (e é um objeto de respeito). (KANT, 2004, p.58-59).


Kant (2004), afirmando a qualidade peculiar e insubstituível da pessoa humana, ainda leciona que, no reino dos fins, tudo possui um preço ou uma dignidade. Quando algo possui um preço, pode ela ser trocada por outra equivalente, mas, quando uma coisa está acima de todo preço, não permitindo ser substituída por um equivalente, essa coisa possui dignidade. A dignidade, para Kant, está infinitamente acima de todo o preço, ou seja, nunca poderia a dignidade ser posta em cálculo ou confronto com qualquer coisa que tivesse um preço.


No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade. (KANT, 2004, p. 65).


Kant (2004) preconiza ainda que o ser humano não poderá jamais ser tratado como objeto ou mero instrumento para realização dos fins alheios. Tal postulado, segundo os ensinamentos de Sarlet (2002, p.51-52), não veda que alguém esteja em situação de desvantagem em prol de outrem, mas sim que as pessoas nunca poderão ser tratadas de tal forma que se venha a negar a importância distintiva de suas próprias vidas, ou seja, o homem não pode servir simplesmente como meio para uso arbitrário desta ou daquela vontade, o que não impede do homem prestar um serviço para o outro.


Lamentavelmente o tratamento com indignidade do empregados não está longe da realidade atual no Brasil, mormente no momento da ruptura do contrato de trabalho pelo empregador, neste sentido, importa transcrever o seguinte trecho do artigo escrito por Jacinto (2005) no jornal Estado de Minas datado de 11 de setembro de 2005:


O assistente contábil Alonso Antônio de Sá, de 30 anos, foi pego de surpresa quando seus chefes lhe comunicaram a demissão, justamente num momento em que a empresa estava muito bem economicamente. ‘Meu trabalho era respeitado e eu tinha um relacionamento muito bom com colegas e chefias. Depois de dez anos me dedicando à empresa, sinceramente não sei por que isso aconteceu’, diz.


(…)


O motivo de todos os cuidados é que, por mais esperada que seja a demissão, ela sempre causa um baque na vida da pessoa, principalmente quando não acontece com respeito ao profissional. A professora de educação física Valéria Reis Barcelos, por exemplo, teve que entrar na Justiça contra a instituição de ensino para a qual trabalhava. ‘Eles me demitiram quando o semestre letivo já estava em andamento. Por lei, isso é proibido’, diz. Mesmo com todos os sinais de que a demissão iria acabar acontecendo, não acho que eles foram honestos comigo. Fiquei muito chateada com a situação.[9]


É justamente no pensamento de Kant que a doutrina jurídica nacional e estrangeira identifica as bases de uma fundamentação e, de certa forma, de uma conceituação da dignidade da pessoa humana. A concepção Kantiana é de suma importância na medida em que fornece a idéia de que a dignidade da pessoa humana, esta (pessoa) considerada como fim e não como meio, repudia toda e qualquer espécie de coisificação e instrumentalização do ser humano.


Para conceituar a dignidade da pessoa humana, preciosas são as palavras de Sarlet:


Assim sendo, temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (SARLET, 2002, p. 62).


A dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana, é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, de tal forma que não se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que lhe seja concedida a dignidade, que ela supõe não possuir. A dignidade, como qualidade integrante e irrenunciável da própria condição humana, pode e deve ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo, contudo ser criada, concedida a outrem ou retirada, já que existe em cada ser humano como algo que lhe é inerente (SARLET, 2002, p. 41-42).


 Além disso, a dignidade independe das circunstâncias concretas, já que é inerente a toda e qualquer pessoa humana, visto que, todos são iguais em dignidade, no sentido de serem reconhecidos como pessoas, não podendo a dignidade, mesmo daquelas pessoas que cometem as ações mais indignas e infames, ser objeto de desconsideração. Neste sentido dispõe o artigo I da Declaração dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas : “ todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.” [10]


Para Sarlet (2002, p. 61), pode-se considerar atingida a dignidade da pessoa humana sempre que o indivíduo, pessoa concreta, fosse rebaixado a objeto, a mero instrumento, tratada como uma coisa, em outras palavras, sempre que a pessoa venha a ser descaracterizada e desconsiderada como sujeito de direitos. Também para a ordem jurídico-constitucional a concepção do homem-objeto ou homem-instrumento, com todas as conseqüências que daí podem e devem ser extraídas, constitui justamente a antítese da noção de dignidade da pessoa.


A nossa Constituição vigente, como manifesta reação ao período ditatorial precedente, foi a primeira na história do constitucionalismo brasileiro a prever um título próprio destinado aos princípios fundamentais, situado logo após o preâmbulo e antes dos direitos fundamentais (SARLET, 2002, p. 63). O constituinte originário teve por intenção outorgar aos princípios fundamentais a qualidade de normas embasadoras e informativas de toda a ordem constitucional, especialmente das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, que integram, juntamente com os princípios fundamentais, o núcleo essencial da Constituição formal e material. Por isso, o constituinte originário preferiu não incluir a dignidade da pessoa humana no rol dos direitos e garantias fundamentais, guiando-a à condição de princípio fundamental, reconhecendo dessa forma a dignidade da pessoa humana como fundamento do nosso Estado Democrático de Direito (artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988)[11], ou seja, admitindo, categoricamente, que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal. Registre-se que a dignidade da pessoa humana foi objeto de expressa previsão no texto constitucional vigente mesmo em outros capítulos de nossa Lei Fundamental, por exemplo, quando estabeleceu que a ordem econômica tem por finalidade assegurar a todos uma existência digna (artigo 170, caput)[12]. Assim, percebe-se que a dignidade da pessoa humana mereceu a devida consideração por parte da ordem jurídica positiva brasileira.


Consoante leciona Sarlet (2002), não se pode sustentar que a dignidade da pessoa humana, ela própria, é um direito fundamental, mas sim um princípio fundamental que traduz a certeza de que o artigo 1º, inciso III, de nossa Carta Fundamental não contém somente uma declaração de conteúdo ético e moral, mas que constitui norma jurídico-positiva dotada, em sua plenitude, de status constitucional formal e material e, como tal, inequivocamente carregado de eficácia e alcançando a condição de valor jurídico fundamental da comunidade. Informa o autor que, na qualidade de princípio fundamental, a dignidade da pessoa humana constitui valor-guia não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda a ordem jurídica constitucional e infraconstitucional, razão pela qual, se justifica plenamente a sua caracterização como princípio constitucional de maior hierarquia axiológico-valorativa, assumindo uma posição privilegiada no âmbito de uma eventual necessidade de ponderação entre os bens jurídico-constitucionais. Sarlet (2002) ainda faz a ressalva de que não se pode falar de um princípio absoluto. Mesmo que o princípio da dignidade da pessoa humana prevaleça em face de todos os demais princípios e regras do ordenamento jurídico, não há como afastar a necessária relativização do princípio da dignidade da pessoa humana, frise-se relativização e não supressão ou renúncia, em homenagem à igual dignidade de todos os seres humanos. Na sua perspectiva principiológica, a dignidade da pessoa atua, portanto, como um mandado de otimização, ordenando a proteção e promoção da dignidade da pessoa, que deve ser realizado na maior medida possível considerando as possibilidades fáticas e jurídicas existentes. Portanto, o princípio da dignidade da pessoa humana pode ser realizado em diversos graus, isto sem falar na necessidade de se resolver eventuais tensões entre a dignidade de diversas pessoas (SARLET, 2002, p. 69-80).   


Vale aduzir ainda que princípio e direito fundamental não são conceitos antitéticos e reciprocamente excludentes, pois as próprias normas de direitos fundamentais encontram o seu fundamento, em regra, na dignidade da pessoa humana, porém não há como reconhecer que existe um direito fundamental à dignidade, pois a dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana, não poderá ser ela própria concedida pelo ordenamento jurídico, muito embora seja violável a pretensão de respeito e proteção que dela decorre, podendo servir de fundamento autônomo para o reconhecimento de um direito subjetivo sem qualquer referência direta a determinado direito fundamental consagrado no texto constitucional, como ocorre quando há o desrespeito à dignidade humana de alguém por outrem e se pleiteia o reconhecimento e proteção ou promoção dessa dignidade. (SARLET, 2002, p. 72). Dessa forma, quando se afirma, de forma equivocada, em direito à dignidade, está, na verdade, se referindo a respeito do direito ao reconhecimento, ao respeito, à proteção e até mesmo à promoção e desenvolvimento da dignidade, podendo inclusive falar-se de um direito a uma existência digna, sem prejuízo de outros sentidos que se possa atribuir aos direitos fundamentais relativos à dignidade da pessoa. Por tais considerações, conclui Sarlet (2002, p.72-73) que a inexistência de uma eventual ofensa a determinado direito fundamental não impede que ocorra a violação do âmbito de proteção da dignidade da pessoa humana.


3.2.2 Função exercida pelo princípio da dignidade da pessoa humana


Dentre as funções exercidas pelo princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, destaca-se o fato dela ser o elemento que confere unidade de sentido e legitimidade a uma determinada ordem constitucional, uma vez que, como já mencionado, a Constituição faz da dignidade da pessoa humana fundamento de nosso Estado democrático de Direito. O reconhecimento e a proteção por parte da ordem jurídica da dignidade humana constituem requisitos indispensáveis para que a ordem jurídica possa ser tida como legítima.


A respeitável doutrinadora Barros (2005, p.579) foi muito feliz ao lecionar que o empregador, ao dirigir a empresa, não poderá desconhecer os direitos básicos do empregado previstos na legislação infraconstitucional trabalhista e previdenciária, nas normas coletivas, no regulamento interno das empresas, no contrato individual e, principalmente, na Constituição, onde estão inseridos os direitos fundamentais, núcleo do ordenamento jurídico, cuja existência está baseada na dignidade da pessoa humana. A dignidade humana é um valor superior que deverá presidir as relações humanas, entre as quais as relações jurídico-trabalhistas.


Com isso, pode-se afirmar que os direitos e garantias materialmente fundamentais são as que encontram seu fundamento, ainda que de modo e intensidade variáveis, de forma direta e imediata na dignidade da pessoa humana, do qual seriam concretizações deste princípio fundamental. Conceito este diverso dos direitos e garantias fundamentais denominados diretos formalmente fundamentais, ou seja, os incluídos no catálogo do art. 5º ao art.17 da Constituição Federal de 1988. Portanto, a dignidade da pessoa humana exige e pressupõe o reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais de todas as dimensões. Essa é a lição de Barcellos:


De forma bastante simples, é possível afirmar que o conteúdo jurídico da dignidade se relaciona com os chamados direitos fundamentais ou humanos. Isto é: terá respeitada sua dignidade o indivíduo cujos direitos fundamentais forem observados e realizados, ainda que a dignidade não se esgote neles. (BARCELLOS, 2002, p.103).


Impõe-se que seja destacada ainda a função instrumental integradora e hermenêutica do princípio da dignidade humana, na medida em que este serve de parâmetro para aplicação, interpretação e integração não apenas dos direitos fundamentais e das demais normas constitucionais, mas de todo o ordenamento jurídico (SARLET, 2002, p. 85).


No caso em estudo, o princípio da dignidade da pessoa humana, usando as palavras de Barcellos, é um vetor interpretativo geral, pelo qual o intérprete necessariamente se guiará em seu ofício.


Como se sabe, os princípios constitucionais – e especialmente o princípio da dignidade da pessoa humana – manifestam as decisões fundamentais do constituinte, que deverão vincular o intérprete em geral e o Poder Público em particular. Assim, os elementos aleatórios acima referidos – diferentes concepções da ordem jurídica, preconceitos etc. – devem ser substituídos pelos princípios constitucionais na definição das escolhas com as quais o intérprete inevitavelmente se depara. Em suma: o princípio da dignidade da pessoa humana há de ser o vetor interpretativo geral, pelo qual o intérprete deverá orientar-se em seu ofício. (BARCELLOS, 2002, p.146).


Neste sentido vale trazer à baila o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, proferido em 25 de agosto de 1999 e relatado pelo Desembargador Osvaldo Stefanello[13], citado pelo Professor Sarlet (2002) em sua obra Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988: 


(…) Igualmente buscando uma exegese comprometida com as exigências da dignidade, registre-se recente Acórdão do tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, entendendo que, no âmbito do concurso de credores no processo falencial, o crédito decorrente das contribuições previdenciárias não pode – a despeito da previsão legal – estar acima dos trabalhistas, já que estes são indispensáveis à própria sobrevivência do ser humano, dizendo respeito à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho, devendo-se-lhes atribuir caráter prioritário. (SARLET, 2002, p.86-87)


Sob a perspectiva da dignidade como limite, na hipótese de conflitos entre princípios constitucionalmente assegurados, no âmbito da indispensável ponderação e hierarquização de valores, o princípio da dignidade da pessoa humana acaba por justificar e até mesmo exigir a imposição de restrições a outros bens constitucionalmente protegidos, mesmo que se cuide de direitos fundamentais. Por exemplo, pode-se citar o direito constitucional à propriedade privada, em que há a necessidade de uma interpretação das normas sobre a propriedade à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. No mesmo sentido, pode-se afirmar que, em prol de uma proteção da dignidade da pessoa, mister reconhecer limitações à liberdade individual, especialmente no campo da autonomia privada e liberdade contratual. Percebe-se que os dois princípios estão envolvidos na atividade empresarial. Através do princípio de liberdade da autonomia privada, serve-se o empregador do instrumento do contrato de trabalho para vincular o empregado à sua empresa e do princípio da propriedade para dispor livremente sobre ela.


Ao denominados direitos sociais, econômicos e culturais, seja na condição de direitos de defesa, seja na sua dimensão prestacional, constituem exigência e concretização da dignidade da pessoa humana. Os direitos constitucionais elencados na Constituição Federal de 1988, mais especificamente do artigo 6º ao artigo 11, foi o resultado das reivindicações das classes trabalhadoras, em virtude do alto grau de opressão e degradação que caracterizava, de modo geral, as relações entre capital e trabalho, não raras vezes, resultando em condições de vida e trabalho manifestamente indignas. Na verdade, se tratam de direitos fundamentais de liberdade e igualdade outorgados aos trabalhadores com o intuito de assegurar-lhes um espaço de autonomia pessoal não mais apenas em face do Estado, mas especialmente dos assim denominados poderes sociais dos particulares ou das entidades privadas.


Pode-se concluir então que a dignidade não se limita à liberdade do indivíduo perante o Estado, assim, constitui pressuposto essencial para o respeito da dignidade da pessoa humana a garantia da isonomia de todos os seres humanos, que, portanto, não podem ser submetidos a tratamento arbitrário nem mesmo por particulares. Neste contexto, pode-se afirmar que o Estado encontra-se vinculado ao princípio da dignidade da pessoa humana, impondo-se a ele um dever de respeito, na medida em que deve se abster de ingerências na esfera individual que seja contrária à dignidade pessoal. Está obrigado também a proporcionar condições mínimas de existência com dignidade aos seus cidadãos e ainda possui a tarefa de proteger a dignidade pessoal de todos os indivíduos contra agressões oriundas de terceiros, vale dizer, inclusive contra agressões oriundas de particulares, especialmente, dos assim denominados detentores dos poderes sociais ou econômicos, dentre eles o empregador. Ou seja, o princípio da dignidade da pessoa humana não apenas impõe um dever de abstenção, mas também condutas positivas tendentes a efetivar e proteger a dignidade dos indivíduos, inclusive dos empregados. Dessa forma, sem que se reconheçam à pessoa humana todos os direitos fundamentais que lhe são inerentes, estar-se-á lhe negando a própria dignidade (SARLET, 2002, p. 89-93).


No âmbito do Direito Laboral, vale aduzir que não levar em consideração o sentido social e segurança do emprego e relegá-lo ao mero jogo das forças econômicas, no entendimento de Silva, A., “é o mesmo que reduzir à barbárie as relações sociais e aceitar que o progresso econômico deve ser seguido a qualquer custo, mesmo que o homem se transforme em meio e não em fim deste desenvolvimento.” (SILVA, A., 1992, p.106)


Neste sentido, é imperioso não se permitir que o empregado possa extrapolar o seu poder empregatício e destruir a dignidade do seu empregado por atitudes puramente arbitrárias, como dispensá-lo a seu bel-prazer. Por isso, é importante reconhecer que uma certa dose de proteção ao emprego e certos limites ao livre direito de despedir são necessários.


Da mesma forma entende Mendonça (1978): 


Em conclusão, a despedida absoluta, sem justa causa, por simples deliberação do empregador, pertubando uma célula do bom funcionamento da sociedade e destruindo os princípios básicos da conduta do empregado, visto que o seu comportamento de nada vale, em função de uma vontade pessoal do patrão, não resiste à lógica dos fatos, mesmo porque é uma contradição insuperável em a nova ordem e um desrespeito aos valores fundamentais da pessoa. (MENDONÇA, 1978, p.101)


Por outro lado, considerando que também o princípio isonômico, no sentido de tratar os desiguais de forma desigual ser corolário direto da dignidade, é forçoso admitir que a própria dignidade individual acaba por aceitar certa relativização, frise-se relativização ou flexibilização e não supressão ou renúncia, desde que justificada pela necessidade de proteção da dignidade de terceiros. Neste sentido, importa trazer o entendimento de Sarlet (2002) a respeito da relativização do princípio da dignidade da pessoa humana:


(…) é neste sentido que não podemos deixar de relembrar – na esteira de Alexy – que até mesmo o princípio da dignidade da pessoa humana (por força de sua própria condição principiológica) acaba por sujeitar-se, em sendo contraposto à igual dignidade de terceiros, a uma necessária relativização, e isto não obstante se deva admitir – no âmbito de uma hierarquização axiológica – sua prevalência no confronto com outros princípios e regras constitucionais, mesmo em matéria de direitos fundamentais. (SARLET, 2002, p. 131-132)


Para finalizar, importa aduzir que, como já frisado, o art. 1º, III, da Constituição inclui a dignidade da pessoa humana entre os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, vale nesse momento, analisar-se o art. 170, caput, da Constituição Federal de 1988. O dispositivo constitucional deixa claro que a existência digna está intimamente relacionada ao princípio da valorização do trabalho humano. A interpretação conjunta entre as duas normas constitucionais evidencia que a dignidade da pessoa humana é inalcançável quando o trabalho humano não merecer a adequada valorização.


A dignidade da pessoa humana transcende ao interesse meramente privado ou individual. Da redação do caput, do art. 170 da Carta de 1988, evidencia-se que a Ordem Econômica não está voltada para o indivíduo isoladamente considerado, mas sim para a coletividade. O livre exercício da atividade econômica é uma garantia assegurada pela Constituição, contudo, essa garantia somente subsiste quando a Economia for capaz de solucionar a questão do emprego, que afeta a totalidade das pessoas. E, quando a atividade econômica não for capaz de satisfazer o princípio da dignidade da pessoa humana na medida em que desconsidera a questão do emprego, a atuação estatal se torna inútil.   


3.3 PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO


A falsa ilusão da autonomia da vontade, que escondia a imposição do mais forte socioeconomicamente, impunha a instabilidade nas relações empregatícias, o que prejudicava a maioria das pessoas que se vale apenas de sua força de trabalho para participar do sistema produtor de bens e serviços e receber em troca o necessário para seu sustento e realização pessoal. Portanto, uma das principais conquistas do Direito do Trabalho em favor do trabalhador é a resistência na duração do contrato de trabalho. Esta é a lição a respeito do princípio da continuidade de Schick:


Lembremo-nos de que sua vigência foi uma das principais conquistas que o Direito do Trabalho consagrou em favor do trabalhador, ao outorgar ao contrato extrema dureza e resistência na duração, superando a liberdade da locação e a dissolução quando o vínculo era regulado conforme a locação de serviços. Essa instabilidade marcou o primeiro momento da relação de trabalho na era industrial, onde a falsa ilusão da autonomia da vontade disfarçava a imposição do mais forte. A maioria das pessoas se vale de sua força de trabalho para participar do sistema produtor de bens e serviços e receber, como contraprestação, o necessário para seu sustento e realização pessoal. Se não fosse protegida sua permanência, o trabalhador poderia ser, às vezes, privado, de um dia para outro, de sua renda alimentar, que em período de crise comprometeria sua realização como ser humano (SCHICK, 1991, p. 1835. apud  RODRIGUEZ, 2004, p. 241-242). 


Nesse contexto, o Direito do Trabalho não se conforma apenas com o presente do trabalhador, mas também com o seu futuro. Nas considerações de Rodriguez (2004, p.240), tudo o que vise à conservação da fonte de trabalho, a dar segurança ao trabalhador, constitui um benefício para ele, transmitindo para o mesmo uma sensação de tranqüilidade.


Delgado (2001, p.61) assevera que apenas mediante a permanência do vínculo empregatício e com a integração do trabalhador na estrutura e dinâmica empresariais é que a ordem justrabalhista cumprirá, satisfatoriamente, o objetivo teleológico do Direito do Trabalho de assegurar melhores condições para o empregado de pactuação e gerenciamento da força de trabalho em uma determinada sociedade. Dessa idéia, segundo Barros (2005, p.174), surgiu o princípio da continuidade da relação de emprego, que visa à preservação do emprego e objetiva a segurança econômica do trabalhador e a incorporação do empregado ao organismo empresarial. Portanto, no Direito Obreiro, parte-se do princípio de que a relação de emprego deve perdurar no tempo.


Contudo, a proteção excessiva ao empregador quanto à sua permanência no emprego pode trazer problemas graves à economia. Ensina Almeida (1998, p.575), que uma estabilidade rígida e indiscriminada não é adequada ao regime de economia de mercado, onde há a alternância de fases de prosperidade e de crise econômica, de crescimento e recessão das empresas, além de existir a competitividade natural entre as empresas concorrentes. Portanto, de fato, a manutenção de trabalhadores ociosos no emprego nas épocas de recessão ou defasados na constante evolução tecnológica traz prejuízos injustificáveis ao empregador. Além disso, ressalta Silva, A.(1992, p.106), a proteção excessiva do empregado pode contribuir para o aumento do desemprego, pelo fato de impedir o acesso das forças novas de trabalho ao mercado enquanto faltarem investimentos para a criação de novos postos de trabalho e haja proteção excessiva dos existentes. Portanto, conclui de forma consciente o autor, é relevante reconhecer que uma certa possibilidade de dispensa, mesmo na ausência de justa causa, deve ser admitida em favor do empregador.


A permanência forçada do empregado não parece ser a melhor solução, apesar possibilidade do empregador de rompimento do contrato de trabalho, por sua vontade exclusiva, representar uma conduta a ser abolida em respeito à dignidade humana do trabalhador, conforme visto anteriormente. Em vista disso, a melhor solução parece ser a seguinte: deve se proteger o empregado contra a dispensa desmotivada, o que implica que um trabalhador tenha o direito de conservar o seu emprego até que surja uma causa que justifique a cessação da relação de emprego.  Sendo que, para Delgado (2001, p.1106), a exigência da motivação para a validação das rupturas contratuais trabalhistas é o mais importante incentivo à permanência do contrato de trabalho. Delgado (2001, p.1106), bem ressalta que o critério motivado dirige-se, essencialmente, às rupturas envolventes a contratos de duração indeterminada, espécie de contrato que é a regra no Direito obreiro brasileiro.


3.4 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE


Conforme se constatou anteriormente, a resolução dos conflitos entre princípios constitucionais requer uma análise da situação concreta em que emergiu o conflito. O equacionamento das tensões principiológicas só pode ser empreendido à luz das variáveis fáticas do caso, as quais indicarão ao intérprete o peso específico que deve ser atribuído a cada princípio constitucional em confronto e a técnica de decisão que, sem perder de vista os aspectos normativos do problema, é o método de ponderação de bens.


No caso em estudo, o interesse dos empregados está na manutenção do emprego e o do empregador na dispensa de toda força-trabalho que se tornou desnecessária, não produtiva ou indisciplinada. Os modelos extremos de cada lado são: a liberdade absoluta de despedir de um lado e a segurança plena no emprego equivalente a impossibilidade absoluta de dispensa de outro.


Ao realizar a ponderação, deve o aplicador do Direito, em um primeiro momento, verificar se o caso concreto está efetivamente compreendido na esfera de proteção de mais de um princípio, o que pode ser feito através da interpretação dos cânones em jogo.


Caso fique constatado que a hipótese realmente é tutelada por mais de um princípio, passa-se a fase ulterior, da ponderação propriamente dita. Aí o intérprete, à luz das circunstâncias concretas, impõe “compreensões” recíprocas sobre os bens jurídicos protegidos pelos princípios em disputa, objetivando lograr um ponto ótimo, onde a restrição a cada bem seja a mínima indispensável à sua convivência com o outro.


Apesar de se tentar tutelar a dignidade do empregado limitando o direito de dispensa por parte do empregador, há que se reconhecer que nenhuma empresa sobrevive sem rentabilidade suficiente e sem que se elimine eventuais prejuízos ou compense o déficit sofrido. Por isso, até um determinado limite, não se pode negar o direito do empregador de despedir quando a necessidade de diminuição do pessoal empregado é indispensável ao eficiente funcionamento da empresa, sob pena de arruinar o processo produtivo.


O nível de restrição de cada bem jurídico será inversamente proporcional ao peso que se emprestar, no caso ao princípio do qual ele se deduzir, e diretamente proporcional ao peso que se atribuir ao princípio protetor do bem jurídico concorrente. A solução do conflito terá de ser casuística, pois estará condicionada pelo modo com que se apresentarem os interesses em disputa, e pelas alternativas pragmáticas viáveis para o equacionamento do problema. Assim, citando a doutrina de Alexy (1993, p.89)[14], Bonavides (2001) discorre a respeito da colisão entre princípios:


Com a colisão de princípios, tudo se passa de modo inteiramente distinto, conforme adverte Alexy. A colisão ocorre, p.ex., se algo é vedado por um princípio, mas permitido por outro, hipótese em que um dos princípios deve recuar. Isto, porém, não significa que o princípio do qual se abdica seja declarado nulo, nem que uma cláusula de exceção nele se introduza.


Antes, quer dizer – elucida Alexy – que, em determinadas circunstâncias, um princípio cede ao outro ou que, em situações distintas, a questão de prevalência se pode resolver de forma contrária.


Com isso – afirma Alexy, cujos conceitos estamos literalmente reproduzindo – se quer dizer que os princípios têm um peso diferente nos casos concretos, e que o princípio de maior peso é o que prepondera.


Já, os conflitos de regras – assevera o eminente Jurista – se desenrolam na dimensão da validade, ao passo que a colisão de princípios, visto que somente princípios válidos podem colidir, transcorre fora da dimensão da validade, ou seja, na dimensão do peso, isto é, do valor.(BONAVIDES, 2001, p.251)


Na ponderação de bens, assume extrema relevância o princípio da proporcionalidade, sob a égide do qual devem ser efetivadas todas as restrições recíprocas entre princípios constitucionais. Conforme a doutrina mais autorizada, o princípio da proporcionalidade é passível de divisão em três subprincípios: da adequação, que exige que as medidas adotadas tenham aptidão para conduzir aos resultados almejados; da necessidade, que impõe, entre os vários meios aptos ao atingimento de determinados fins, opte sempre pelo menos gravoso; da proporcionalidade em sentido estrito, que preconiza a ponderação entre os efeitos positivos da norma e os ônus que ela acarreta aos seus destinatários. Assim, para conformar-se ao princípio da proporcionalidade, uma norma jurídica deverá, a um só tempo, ser apta para os fins a que se destina, ser a menos gravosa possível para que se logre tais fins, e causar benefícios superiores às desvantagens que proporciona. Segundo BONAVIDES (2001), constatou a doutrina a existência de três elementos, conteúdos parciais ou subprincípios que governam a composição do princípio da proporcionalidade:


Desses elementos o primeiro é a pertinência ou aptidão (Geeignetheit), que, segundo Zimmerli, nos deve dizer se determinada medida representa ‘o meio certo para levar a cabo um fim baseado no interesse público’, conforme a linguagem constitucional dos tribunais. Examina-se aí a adequação, a conformidade ou a validade do fim. Logo se percebe que esse princípio confina ou até mesmo se confunde com a vedação do arbítrio (Übermassverbot), que alguns utilizam com o mesmo significado do princípio geral da proporcionalidade. Com o desígnio de adequar o meio ao fim que se intenta alcançar, faz-se mister, portanto, que ‘a medida seja suscetível de atingir o objetivo escolhido’, ou, segundo Hans Huber, que mediante seu auxílio se possa alcançar o fim desejado.


O segundo elemento ou subprincípio da proporcionalidade é a necessidade (Erforderlichkeit), ao qual também alguns autores costumam dar tratamento autônomo e não raro identifica-lo com a proporcionalidade propriamente dita. Pelo princípio ou subprincípio de necessidade, a medida não há de exceder os limites indispensáveis à conservação do fim legítimo que se almeja, ou uma medida para ser admissível deve ser necessária.


(….)


Finalmente, depara-se-nos o terceiro critério ou elemento de concretização do princípio da proporcionalidade, que consiste na proporcionalidade mesma, tomada ‘stricto sensu’. Aqui assinala Pierre Muller, a escolha recai sobre o meio ou os meios que, no caso específico, levarem em conta o conjunto de interesses em jogo.


Quem utiliza o princípio, segundo esse constitucionalista, se defronta ao mesmo passo com uma obrigação e uma interdição; obrigação de fazer uso de meios adequados e interdição quanto ao uso de meios desproporcionados.


(…)


A incosntitucionalidade ocorre enfim quando a medida é ‘excessiva’, ‘injustificável’, ou seja, não cabe na moldura da proporcionalidade. (BONAVIDES, 2001, p.360-361)


A ponderação de bens deve assim reverenciar ao princípio da proporcionalidade em sua tríplice dimensão. Observação esta bem destacada pelos ensinamentos de Alexy (1993):


Ya se ha insinuado que entre la teoría de los principios y la máxima de la proporcionalidad existe una conexión. Esta conexión no puede ser más estrecha: el carácter de principio implica la máxima de la proporcionalidad, y está implica aquélla. Que el carácter de principio implica la máxima de la proporcionalidad, con sus tres máximas parciales de la adecuación, necesidad (postulado del medio más benigno) y de la proporcionalidad en sentido estricto (el postulado de ponderación propiamente dicho) se infiere lógicamente del carácter de principio, es decir, es deducible de él. El Tribunal Constitucional Federal ha dicho, en una formulación algo oscura, que la máxima de la proporcionalidad resulta ‘en el fonfo ya de la propia esencia de los derechos fundamentales’. En lo que sigue, habrá de mostrarse que esto vale en un sentido estricto cuando las normas iusfundamentales tienen carácter de principio. (ALEXY, 1993, p. 111-112) [15]


Desta sorte, a compressão de cada interesse em jogo, num caso de conflito entre princípios constitucionais, só se justificará na medida em que: mostrar-se apta a garantir a sobrevivência do interesse contraposto; não houver solução menos gravosa; e o benefício logrado com a restrição a um interesse compensar o grau de sacrifício imposto ao interesse antagônico. 


Como bem observa Silva, A. (1992, p.115-116), os motivos restritivos da dispensa também devem estar num ponto lógico de equilíbrio. Pois a proteção ao emprego não pode ir ao extremo de prejudicar ou impossibilitar a atividade econômica e a atividade econômica não pode ser tida como objeto principal do mundo capitalista atual que deva ser conseguida a qualquer custo inclusive com a exploração e a desconsideração ou desrespeito à dignidade do trabalhador e desumanização das relações de trabalho. No caso em análise há a colisão dos princípios da propriedade privada e da autonomia da vontade contra os da dignidade da pessoa humana e o da continuidade do contrato de trabalho. Portanto, há que se medir a possibilidade entre os meios alternativos de manutenção do vínculo de emprego e as razões da dispensa, estabelecendo uma proporcionalidade e equilíbrio entre eles. Por exemplo: desde que o empregado não tenha incorrido em justa causa, há a possibilidade de permanência no emprego depois de cursos de reciclagem e atualização ou a possibilidade da colocação do empregado em outra função na empresa, dando a ele a oportunidade de continuar no trabalho e sem que essa permanência ocasione prejuízos para o empregador. No ultimo caso, não havendo essa possibilidade, importa existir uma justificativa ou motivação para que o empregador dispense o empregado, seja ela disciplinar, por motivos econômicos ou até mesmo por questão de aprimoramento dos meios de produção, isto é, por motivos tecnológicos.


4. O ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO VEDA A DISPENSA DESMOTIVADA E SEM JUSTA CAUSA


4.1 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS


4.1.1 Do conceito


Para conceituar os direitos fundamentais importa transcrever as  magníficas palavras do eminente jurista Bonavides (2001):


Criar e manter os pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana, eis aquilo que os direitos fundamentais almejam, segundo Hesse, um dos clássicos do direito público alemão contemporâneo. Ao lado dessa acepção lata, que é a que nos serve de imediato no presente contexto, há outra, mais restrita, mais específica e mais normativa, a saber, direitos fundamentais são aqueles direitos que o direito vigente qualifica como tais. (BONAVIDES, 2001, p.514)


Os direitos fundamentais podem ser considerados aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado. Sendo que todos os direitos fundamentais equivalem a vínculos substanciais que condicionam a validade substancial das normas produzidas no âmbito estatal, ao mesmo tempo em que expressam os fins últimos que norteiam o moderno Estado constitucional de Direito, dentre eles, na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a concretização do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.


Pode-se afirmar que os direitos fundamentais vão além do catálogo do art. 5º ao art.17 da Constituição Federal de 1988[16]. Ou seja, o princípio da dignidade da pessoa humana, que foi objeto de análise, serve como critério para a construção de um conceito materialmente aberto de direitos fundamentais na nossa ordem constitucional. Para além daqueles direitos e garantias expressamente reconhecidos como tais pelo constituinte, existem direitos fundamentais assegurados em outras partes do texto constitucional que não no Título II, sendo também acolhidos os direitos positivados nos tratados internacionais em matéria de Direitos Humanos. Igualmente, conforme expressa previsão do artigo 5º, § 2º, da Carta de 1988, foi chancelada a existência de direitos não-escritos decorrentes do regime e dos princípios da nossa Constituição, assim como a revelação de direitos fundamentais implícitos, subentendidos naqueles expressamente positivados. De início, pode-se afirmar que o princípio da dignidade da pessoa humana serve como diretriz material para a identificação de direitos implícitos e sediados em outras partes da Constituição.


Na verdade, não se questiona o fato de que os direitos fundamentais expressam uma ordem de valores objetiva, cujos efeitos normativos alcançam todo o ordenamento jurídico, no âmbito do que se convencionou denominar de eficácia irradiante.


4.1.2 Classificação dos direitos fundamentais


Os direitos fundamentais são classificados em dimensões devido à mutação histórica experimentada por esses direitos e pelo caráter de complementariedade. Os da primeira dimensão são os direitos da liberdade, os da segunda são os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, os da terceira são os direitos da fraternidade e os da quarta são, segundo o ilustre professor Bonavides (2001, p.516-526), o direito á democracia, o direito á informação e o direito ao pluralismo.  


Merecem destaque, neste trabalho, os direitos fundamentais da segunda dimensão. Pois tais direitos podem ser considerados uma densificação do princípio da justiça social, além de corresponderem à reinvidicação das classes menos favorecidas, de modo especial, a classe operária, a título de compensação, em virtude da extrema desigualdade que caracterizava e ainda caracteriza as relações com a classe empregadora, destacadamente a detentora de um maior ou menor grau de poder econômico. Dentre os direitos fundamentais da segunda dimensão está o art. 7º, inciso I, da Constituição Federal de 1988, objeto de análise no presente trabalho, dispondo ser direito dos trabalhadores urbanos e rurais “a relação de emprego protegida contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos”.


4.1.3 A vinculação das entidades privadas aos direitos fundamentais


O constituinte não previu expressamente uma vinculação das entidades privadas aos direitos fundamentais. Porém, através do art. 5º, §1º[17], da Carta Constitucional de 1988, pode-se considerar que todos os direitos fundamentais são normas de aplicabilidade imediata, ou seja, a eficácia e aplicabilidade das normas de direitos e garantias fundamentais implica a vinculação do poder público, nas suas mais variadas formas de expressão, incluindo-se, por óbvio, o legislador privado e os órgãos jurisdicionais competentes para a aplicação destas normas, no âmbito de seu poder-dever de solucionar os conflitos entre os particulares. Portanto, observa-se que a ausência de uma referência expressa à vinculação do poder público aos direitos fundamentais não afasta a circunstância de que esta vinculação existe.    


Atualmente, partindo da idéia de que o direito à propriedade privada não é absoluto e, portanto, também sujeito às restrições, houve a superação da concepção liberal-burguesa de que os direitos fundamentais são oponíveis apenas e sempre contra o Estado. O ponto de partida para o reconhecimento de uma eficácia dos direitos fundamentais na esfera das relações privadas é a constatação de que, no Estado Social de Direito, os direitos fundamentais não apenas têm por escopo proteger o indivíduo das ingerências por parte dos poderes públicos na sua esfera pessoal, mas também contra os mais fortes no âmbito da sociedade, isto é, os detentores de poder social e econômico. Importa trazer as palavras de Delgado (2004) a respeito destes detentores do poder social e econômico: “Hoje é hegemônica na Ciência Política a conclusão de que existem centros distintos de poder salpicados no interior da sociedade civil, ao lado do centro de poder principal que se conhece, consubstanciado no Estado.” (DELGADO, 2004, p. 646)


Sarlet (2002, p. 112-114) leciona que, por sua natureza igualitária e por exprimir a idéia de solidariedade entre os membros da comunidade humana, o princípio da dignidade da pessoa vincula também no âmbito das relações entre os particulares. A constatação do dever de proteção e respeito dos particulares ou das entidades privadas ao direito da dignidade da pessoa humana de um indivíduo decorre do fato que o Estado não ser o único e maior inimigo das liberdades e direitos fundamentais em geral. A opressão socioeconômica exercida pelos assim detentores dos poderes sociais e econômicos tais como a dispensa desmotivada  e sem justa causa do empregado pelo empregador, prova essa afirmativa. A própria eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre os particulares tem encontrado importante fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana, fazendo com que os direitos fundamentais vinculassem também diretamente os particulares nas relações entre si, mormente na relação empregatícia.


Segundo Delgado (2004, p. 628), o poder empregatício concentra um conjunto de prerrogativas de grande relevo socioeconômico, que favorecem o empregado, conferindo-lhe enorme influência no âmbito do contrato e da própria sociedade.


Além de vincularem todos os poderes públicos, os direitos fundamentais exercem sua eficácia vinculante também no âmbito das relações jurídicas entre particulares. Certamente, pode-se afirmar que, dentre os direitos fundamentais, há direitos que têm por destinatário única e exclusivamente os órgãos estatais, tais como os direitos políticos, as garantias fundamentais na esfera processual como o habeas corpus e o mandado de segurança, assim como parte dos direitos fundamentais sociais, a exemplo dos direitos à assistência social e previdência social. Por outro lado, não há como negar também que há direitos fundamentais que se dirigem diretamente aos particulares, tais como diversos direitos sociais, de modo especial no que diz respeito aos direitos dos trabalhadores que têm por destinatário os empregadores, em regra, particulares.


Porém, mesmo nos casos em que parece indiscutível uma vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, é possível questionar qual a forma desta vinculação, se é direita, ou seja, os acordos de direito privado, os negócios e atos jurídicos não podem contrariar os direitos fundamentais, ou indireta, a aplicação dos direitos fundamentais para a solução de conflitos de direito privado deve realizar-se mediante os meios colocados à disposição pelo próprio sistema jurídico seja no plano da legislação, seja no plano da interpretação realizada pelo poder judiciário. Há duas concepções distintas, segundo SARLET (2000, p.128), no que pertine aos destinatários da vinculação dos direitos fundamentais na esfera privada: as relações que se estabelecem entre indivíduo e os sujeitos particulares detentores de poder social e as relações entre os particulares em geral, caracterizadas por uma pelo menos tendencial igualdade, já que, na última concepção, todos os personagens envolvidos na relação jurídica estão situados fora das relações de poder.


A princípio, há que se reconhecer uma vinculação direta no caso de entidades particulares dotadas de poder social e econômico, por se tratar de uma posição semelhante a que se registra no âmbito das relações entre o particular e o Estado. Isto é, configura uma relação caracterizada por um significativo desnível poder capaz de afetar, inequivocadamente, a paridade entre os pólos da relação jurídico-privada, configurando o desequilíbrio de poder social e econômico na referida relação em causa. Tal entendimento decorre do fato dos direitos fundamentais dos indivíduos carecerem de proteção também em relação aos agentes privados, especialmente grupos empresariais e grandes corporações, que são dotados de significativo poder social e econômico.  Tal observação é feita por Sarlet (2000):


Se mesmo em Estados desenvolvidos e que, de fato, assumem (em maior ou menor grau) as feições de um estado democrático (e social) de Direito já se aceita – inobstante as ressalvas já referidas – que nas relações cunhadas pela desigualdade, o particular mais ‘poderoso’ encontra-se diretamente vinculado aos direitos fundamentais do outro particular (embora ambos sejam titulares de direitos fundamentais), mais ainda tal vinculação deve ser reconhecida na ordem jurídica nacional, onde, quando muito, podemos falar na previsão formal de um estado social de Direito que, de fato, acabou sendo concretizado apenas para um diminuta parcela da população. De fato, é perfeitamente viável questionar até que ponto o assim denominado estado social e democrático de Direito, entre nós e ao menos para a maior parte da população, não passou até agora de um projeto insculpido na constituição formal. No mínimo, importa reconhecer que quanto mais sacrificada a liberdade e igualdade substanciais, maior haverá de ser o grau de proteção exercido pelo Estado no âmbito dos seus deveres gerais e específicos de proteção, atuando positivamente no sentido de compensar as desigualdades, mediante intervenção na esfera da autonomia privada e liberdade contratual.(SARLET, 2000, 153)


Ainda a respeito do poder social e econômico, no âmbito da relação de emprego, percebe-se que o detentor de tal poder é quem possui os meios de produção, ou seja, o empregador, neste sentido importa transcrever a preciosa lição de Silva, A. (1992):


(…) Quem governa o modo de produção capitalista é quem possui os meios de produção, assim como, no regime feudal, quem fazia a guerra e impunha a paz era o detentor da propriedade imóvel. Mudou-se apenas o objeto da propriedade para que se atualizasse na história o domínio de uma classe sobre outra. (Silva, A., 1992, p.15).


Contudo, o particular ou entidade detentor de certo grau de poder social não deixa de ser também titular de direitos fundamentais, devendo-se aferir a variação da intensidade do exercício deste poder, para que ocorra diversificação quanto ao grau e medida desta aplicação direta e inviabilize a existência de soluções uniformes, e por conseqüência, a eficácia direta absoluta dos direitos fundamentais em face os particulares. As soluções da uma eventual violação aos direitos fundamentais por um sujeito privado detentor de poder social podem apenas ser devidamente aferidas à luz do caso concreto mediante ponderação de direitos, impedindo um tratamento idêntico ao das relações particular-poder público, vez que as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais possuem natureza eminentemente principiológica. Ou seja, não se pode criar restrições à atividade do empregador capaz de inviabilizar a sua atividade econômica e leva-lo à ruína. Tal ressalva é bem observada por Sarlet (2000):


Desde logo, cumpre assinalar que – a despeito do mérito de ampliar as possibilidades de uma vinculação direta dos particulares – também esta concepção não poderá ser aceita de forma ampla e irrestrita, pena de uma simplificação equivocada. Em primeiro lugar, há que levar a sério a objeção de que não é a existência de uma situação de ‘poder privado’ ou de desigualdade na relação entre particulares que irá alterar o caráter jurídico-privado da relação jurídica em causa, nem afastara a circunstância de que, em última análise, estamos – também aqui – diante de uma relação entre dois titulares de direitos fundamentais, já que, à evidência, também o particular ou entidade detentor de certo grau (por maior que seja) de poder social, não deixa de ser titular de direitos fundamentais. Assim, também nas relações deste tipo não se poderá deixar de reconhecer a existência de um conflito de direitos fundamentais, tornando-se indispensável uma compatibilização (harmonização) à luz do caso concreto, impedindo um tratamento idêntico ao das relações particular-poder público. (SARLET, 2000, p.129-130).


Vale ainda ressaltar que a tensão inevitável entre o princípio da autonomia privada de modo geral, e a liberdade contratual como sua principal manifestação, e outros direitos fundamentais, assim como o da dignidade humana e o do valor social do trabalho, muito embora possa apresentar dimensões específicas, é idêntica aos conflitos entre quaisquer outros dos direitos fundamentais numa concepção calcada na idéia da ponderação entre princípios diante um determinado caso concreto.   


Ademais, não se pode desconsiderar outros argumentos, que também merecem ser citados a favor da vinculação direta do particular detentor do poder social. Primeiramente pode-se afirmar seguramente que há a exigência do dever geral de respeito por parte de todos, seja do Estado, seja de particulares em relação aos direitos fundamentais. Isto é, os direitos fundamentais constituem normas expressando valores aplicáveis para toda a ordem jurídica, como decorrência do princípio da unidade da ordem jurídica, bem como em virtude do postulado da força normativa da Constituição. Não há como aceitar a hipótese da vinculação exclusivamente do poder público aos direitos fundamentais. Além disso, conforme já mencionado, na Constituição Federal de 1988 nos deparamos com normas, tais como os direitos sociais dos trabalhadores elencados no art. 7º, que expressamente vinculam sujeitos particulares, mais especificamente os empregadores.


Por fim, há que levar em conta o fato de que os direitos fundamentais constitucionalmente assegurados constituem concretizações do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, de tal sorte que todas as normas de direitos fundamentais, ao menos no que diz com o seu conteúdo em dignidade humana, vinculam diretamente o Estado e os particulares. Vejamos o que afirma Sarlet (2000), que cita a doutrina e jurisprudência constitucional germânica nesta seara:


Como bem o demonstrou Jörg Neuner, em recente e instigante tese de cátedra apresentada na Universidade de Munique, Alemanha, a partir de uma exegese do art. 1º da Lei Fundamental da Alemanha, tanto o princípio da dignidade da pessoa humana (inciso I), quanto os direitos humanos (inciso II), por sua natureza indisponível, vinculariam sempre até mesmo o Poder Constituinte Originário, sendo portanto, inquestionável a vinculação do poder público e dos próprios agentes privados. Segundo Neuner, tal conclusão se revela como imperativa, desde uma perspectiva histórica (já que os autores da lei Fundamental partiram do reconhecimento de um núcleo de direitos de cunho supraestatal, que a todos vinculam), encontrando, sustentáculo já na própria expressão literal do texto constitucional, na medida em que, consoante dispõe o art. 1º da Lei Fundamental, a ‘ dignidade da pessoa humana é intangível’ (die Würde des Menschen ist unantastbar) e que o povo alemão – e não apenas o poder público – reconhece os direitos humanos. Por derradeiro, ainda de acordo com Neuner, também uma interpretação sistemática e teleológica implica o reconhecimento de uma vinculação multidirecionada (vertical e horizontal) do art. 1º da lei Fundamental. Com efeito, tal conclusão se impõe seja em virtude da existência de normas de direitos fundamentais que expressamente vinculam os particulares, seja em razão de que estas normas integram o rol das ‘cláusulas pétreas’, ao menos, no que diz com o seu conteúdo em dignidade humana. Para além disso, resulta evidente que a dignidade da pessoa humana não se encontra sujeita apenas às agressões oriundas do Estado, mas também de particulares, já que, em verdade, pouco importa de quem provém a ‘bota no rosto do ofendido’ . (SARLET, 2000, p.149).


4.1.4 Direitos fundamentais e o dever de proteção


Os direitos fundamentais constituíam e ainda constituem limites negativos à atuação do Poder Público, impedindo ingerências indevidas na esfera dos bens jurídicos fundamentais. Porém, com a teoria dos deveres de proteção decorrente das normas definidoras de direitos fundamentais, impõe-se aos órgãos estatais o dever de proteção dos particulares mais frágeis contra agressões aos bens jurídicos fundamentais constitucionalmente assegurados, inclusive quando as mencionadas agressões forem decorrentes de outros particulares, ou seja, uma atuação positiva do Estado em defesa do indivíduo perante particulares mais poderosos no aspecto social e econômico. Segundo Alexy (1993, p. 435), por “derechos a protección habrá e entenderse aquí los derechos del titular de derecho fundamental frente al Estado para que este lo proteja de intervenciones de terceros.”


Quanto a Teoria do Dever de Proteção, preconiza Mendes (1999):


A concepção que identifica os direitos fundamentais como princípios objetivos legitima a idéia de que o Estado se obriga não apenas a observar os direitos de qualquer indivíduo em face das investidas do Poder Público (direito fundamental enquanto direito de proteção ou de defesa – Abwehrrecht), mas também a garantir os direitos fundamentais contra agressão propiciada por terceiros (Schutzpflicht des Staats)


(…)


A jurisprudência da Corte Constitucional alemã acabou por consolidar entendimento no sentido de que do significado objetivo dos direitos fundamentais resulta o dever do Estado não apenas de se abster de intervir no âmbito de proteção desses direitos, mas também de proteger esses direitos contra a agressão ensejada por atos de terceiros.


Essa interpretação do Bundesverfassungsgericht empresta sem dúvida uma nova dimensão aos direitos fundamentais, fazendo com que o Estado evolua da posição de adversário (Gegner) para uma função de guardião desses direitos (Grundrechtsfreund oder Grundrechtsgarant).


(…)


 Os direitos fundamentais não contém apenas uma proibição de intervenção (Eingriffsverbote) expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote). Haveria, assim, para utilizar uma expressão de Canaris, não apenas uma proibição do excesso (Übermassverbote), mas também uma proibição de omissão (Untermassverbote).(MENDES, 1999, p.217-218).


4.1.5 Vinculação direta do empregador aos direitos fundamentais do empregado


O Direito do Trabalho nasceu como conseqüência de que a liberdade de contrato entre pessoas com poder e capacidade econômica desiguais conduziria a diferentes formas de exploração, inclusive, as mais abusivas e iníquas. Portanto, a finalidade do Direito Laboral é fazer com que o trabalhador, a parte hipossuficiente na relação de emprego, situe-se no mesmo nível que o empregador através da superioridade jurídica, ou seja, através de uma desigualdade compensatória da sua condição de hipossuficiente. Neste sentido, importa trazer o valioso ensinamento de Rodriguez (2004):


Quanto ao argumento derivado da finalidade do Direito do Trabalho, não é exato que seu objeto seja estabelecer o equilíbrio das partes da relação de trabalho. Esse equilíbrio resulta do fortalecimento e do apoio, isto é, da proteção do elemento trabalhador, graças ao qual pode situar-se no mesmo nível que a parte contrária. Ou seja, a paridade resulta da proteção. E essa proteção, que tem o sentido de uma desigualdade compensatória de outras desigualdades, transcende a atitude do legislador para projetar-se na tarefa do intérprete.(RODRIGUEZ, 2004, p.92-93).


Pode-se concluir que há na relação empregatícia situações de desigualdades geradas pelo exercício de um maior ou menor poder econômico e social, razão pela qual não podem ser toleradas discriminações ou agressões que atentem contra a dignidade da pessoa humana do trabalhador, devendo o poder público zelar pela proteção do particular hipossuficiente numa relação jurídico-privada contra eventuais arbitrariedades e abusos cometidos pelos particulares detentores de poder social, os empregadores, através da vinculação direta destes aos direitos fundamentais dos empregados e da garantia desses direitos fundamentais contra eventuais agressões propiciadas pelos mesmos. 


Ou seja, nos termos do art. 7º, I, da Carta Magna de 1988, os empregadores estão vinculados diretamente ao dever de não dispensarem os empregados de modo que fira a dignidade humana dos mesmos, isto é, de forma denominada na doutrina de arbitrária. No entanto, imprescindível levar-se em consideração também os direitos fundamentais dos empregadores, eles não podem ser forçados a arcar com prejuízos financeiros e verem ser prejudicado o processo produtivo por causa de uma proteção excessiva e cega ao trabalhador, capaz, inclusive, de levar à ruína a empresa e ao desestímulo da iniciativa privada. Por isso, não se deve vedar totalmente a possibilidade de dispensa por iniciativa do empregador, mas deve-se condicionar tal possibilidade de ruptura da relação empregatícia apenas na hipótese de justa causa ou de alguma motivação para tanto.


4.2 A DISPENSA NÃO É O DIREITO POTESTATIVO DO EMPREGADOR


Segundo a definição de Delgado (2004), “o direito potestativo é a prerrogativa assegurada pela ordem jurídica a seu titular de alcançar efeitos jurídicos de seu interesse mediante o exclusivo exercício de sua própria vontade.” (DELGADO, 2004, 649). O entendimento majoritário da doutrina nacional é que a dispensa feito pelo empregador é direito potestativo pleno perante o atual Direito do Trabalho Brasileiro, existindo apenas o dever de pagamento dos insignificantes encargos de natureza indenizatória ao empregado.


Contudo, pede-se vênia para divergir de tal entendimento, pois, não se pode conceituar a dispensa como direito meramente potestativo do empregador. A liberdade do empregador de por fim ao contrato de trabalho, por ato unilateral e dependente única e exclusivamente da sua vontade, representa a já ultrapassada negação da autonomia do Direito do Trabalho em relação ao Direito Privado. Segundo as lições de Silva, A. (1992, p.204-206), a restrição da vontade do empregador representa a história do Direito do Trabalho em todos os compartimentos em que hoje se divide: no contrato de trabalho do Direito Individual, pelo reforço da lei ao mais fraco e, no Direito Coletivo, pelo estabelecimento das condições de trabalho no mesmo plano de igualdade pelos sindicatos. Ou seja, a evolução do Direito do Trabalho sempre foi acompanhada pela restrição da vontade do empregador para que ele, tanto no Direito Individual como no Coletivo, não tenha poderes para, através de atos unilaterais, criar situações definitivas.


Ademais, Mendonça (1978) faz uma preciosa consideração quando aduz que há uma oposição frontal do ordenamento jurídico brasileiro ao direito potestativo do empregador pelo fato da dispensa desmotivada feita por este ser limitado pela intervenção legal, ou seja, por haver a apreciação e julgamento do fato pela Justiça do Trabalho, que condena o empregador, se for o caso de tal dispensa, ao pagamento de indenização ao empregado.    


Portanto, pode-se dizer que as restrições ao injustificado e abusivo poder pleno e unilateral de dispensar do empregador representa mais uma conseqüência da evolução do Direito do Trabalho. A dignidade do trabalhador e as conseqüências sociais da dispensa trouxeram uma nova concepção do emprego e da empresa, que preponderam sobre os interesses meramente econômicos e lucrativos do empregador.


Interessante citar o entendimento do doutor Silva, A. (1992):


Conclui-se, portanto, que os chamados direitos potestativos são um conceito inútil e desnecessário dentro da dogmática do Direito Individual do Trabalho. Sua decadência, em virtude da democratização da empresa, é um fato evidente. Nunca será um empecilho à limitação da dispensa. Se ela ainda é, no Brasil, um direito praticamente ilimitado do empregador, este fato apenas atesta nosso atraso em relação às nações capitalistas do mundo ocidental, de cujo círculo fazemos parte, pelo menos no que diz respeito ao lugar que ocupamos, de 8ª economia mais desenvolvida do mundo atual. (SILVA, A., 1992, p. 206)


Imprescindível também transcrever a lição de Mendonça (1978):


Não se venha argumentar que em se aceitando a justificativa de que o empregador é quem é responsável pelo risco do negócio, por esse motivo tem todo o direito de despedir quando assim quiser, em qualquer hipótese.


Se tal direito fosse reconhecido, não haveria a indenização nem o poder que tem a Justiça do Trabalho de apreciar e julgar o fato, mandando, se for o caso, que o empregado receba indenização. Dir-se-á que o empregador já sabe que vai pagar pela despedida. Eis uma justificativa de que não perde o direito de despedir como e quando quiser, pois é o proprietário ou um dos proprietários da empresa. Se a lei estabelece sanções, houve ilícito. E se o ilícito existe, não existe o direito potestativo de cometer o próprio ilícito. (MENDONÇA, 1978, p.77)


A argumentação não convence, pois esse direito potestativo se acha limitado pela intervenção legal na despedida injusta, o que contradiz o tal direito potestativo, pois só se é possuidor desse direito quem desfruta mansa e pacificamente em toda a sua plenitude, sem restrições ou reservas, no caso em discussão.


Além do mais, com a marcha evolutiva do conceito de empresa, proporcionando a possibilidade de se constituir junto ao contrato de sociedade, ou pelo menos uma integração mais perfeita do empregado na empresa, esse direito potestativo passará a ser uma relíquia ou uma borboleta morta na coleção de seus caçadores. (MENDONÇA, 1978, p. 81-82)


Neste contexto, importa fazer uma breve análise no poder diretivo e disciplinar do empregador na relação empregatícia.


4.2.1 Do poder diretivo do empregador


O poder empregatício, conforme a lição de Delgado (2004, p.629), é o conjunto de prerrogativas concentradas e asseguradas ao empregador pela ordem jurídica para exercício no contexto da relação de emprego.  O poder empregatício é dividido em: poder diretivo, poder regulamentar, poder fiscalizatório e poder disciplinar. No presente trabalho, importar analisar-se o poder diretivo.


Segundo Barros (2005, p.553), a teoria que fundamenta a existência dos poderes empregatícios do empregador no contrato de trabalho é a mais consistente. Segundo esta teoria, os poderes empregatícios são conseqüências imediatas da celebração do ajuste entre empregado e empregador, sendo que este último passa a ser o responsável pela organização e disciplina do trabalho realizado na empresa.


Como o poder empregatício do empregador emana do contrato, conclui-se que aquele deve ser exercido com restrições. Nos termos do art. 421 do Código Civil, “ a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”, e essa função social, que mitiga a autonomia contratual, é perfeitamente aplicável subsidiariamente ao Direito do Trabalho[18]. Portanto, pode-se afirmar que a natureza que atualmente é a mais condizente com o poder empregatício é o direito-função, que consiste no poder atribuído ao titular para agir em tutela de interesse alheio e não de estrito interesse próprio. O empregador não é somente detentor de uma prerrogativa favorável a ele, mas também possui um dever correlato de levar em consideração o interesse da comunidade dos trabalhadores contratados. È uma concepção unilateral atenuada em que o empregador, titular do direito, tem de apreender e reverenciar, de alguma forma, os interesses que lhe sejam contrapostos, os dos empregados.


Já o poder diretivo é o conjunto de prerrogativas concentradas na figura do empregador para a organização da estrutura e espaço empresariais internos, inclusive o processo de trabalho adotado no estabelecimento e na empresa, e, no caso da prestação de serviços, para especificação e orientação dos empregados. A concentração do poder de organização está na figura do empregador, que possui o controle jurídico sobre o conjunto da estrutura empresarial e assume os riscos do empreendimento. Pode-se dizer que o conteúdo do poder diretivo compreende três funções: as decisões executivas, relacionadas à organização do trabalho; a instrução, exteriorizada por intermédio de ordens ou recomendações; e a função de controle, que consiste na faculdade do empregador de fiscalizar as atividades profissionais de seus empregados.  


 Barros (2005, p.553-555), com brilhantismo, leciona que o exercício do poder diretivo possui limites externos impostos pela Constituição Federal de 1988, por outras leis, pelo contrato e pelas normas coletivas, e também um limite interno, que é a boa-fé e o exercício regular deste poder diretivo.  Dentre estes limites externos, há, além da tutela da dignidade do empregado, nos termos do art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988, a vedação da dispensa desmotivada, sem que ocorra a justa causa, do empregado pelo empregador, nos termos do art. 7º, I, da Constituição Federal de 1988.


4.3 DO ATO ILÍCITO E DO ABUSO DE DIREITO


Vale aduzir ainda que não há dúvidas de que as concepções de ato ilícito, de abuso de direito e, por conseqüência, de responsabilidade civil são aplicáveis também no âmbito da Justiça do Trabalho. O art. 8º, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho, dispõe expressamente que: “o direito comum será fonte subsidiária do Direito do Trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.” Posição esta defendida por Barros (2005) que ensina: “a responsabilidade civil se aplica não só ao âmbito da respectiva disciplina, mas de todas as que derivam desse ramo, inclusive do Direito do Trabalho.” (BARROS, 2005, p. 603-604)


4.3.1 Do ato ilícito


Outro argumento relevante a ser trazido à baila é o da dispensa imotivada e sem justa causa ser um ato ilícito. Assim estabelece o art. 186 do código civil de 2002 como sendo a cláusula geral de responsabilidade civil baseada no ato ilícito: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Segundo as lições de Tolomei (2003, p. 356-357), pode-se conceituar como ato ilícito toda conduta humana que venha a transgredir um dever jurídico imposto pela lei. No caso em análise, a dispensa desmotivada e sem justa causa viola diretamente o art. 7º, I, da Carta Maior da República. O ato ilícito pode ser decomposto em três elementos essenciais: a conduta dolosa ou culposa do agente; o dano; e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano.


Não há dúvidas que, a dispensa desmotivada, sem que ocorra a justa causa, caracterizada pela manifestação expressa da vontade unilateral do empregador, é uma manifestação de conduta dolosa. Tal conduta, impedindo o exercício do trabalho pelo empregado sem qualquer motivo juridicamante ou socialmente relevantes, é uma causa da supressão das condições financeiras para que o empregado mantenha o seu sustento e o da sua família, além de, como é evidente, impedi-lo de realizar-se pessoalmente e integrar-se na sociedade exercendo o trabalho.  Sem contar com o dano psicológico sofrido pelo empregado quando despedido injustificadamente, que passa a se ver considerado apenas um instrumento que não satisfaz mais o empregador, ferindo profundamente a sua dignidade como ser humano. Não há dúvidas a respeito do dano causado ao trabalhador pela sua dispensa desmotivada, sem que haja justa causa, pelo empregador. A doutrina sempre identificou o dano, caracterizado pela lesão a um bem jurídico, como um dos elementos inafastáveis do ato ilícito, sem o qual este não existiria. E, apenas será considerado um dano ressarcível o certo e o atual.


A respeito da ilicitude da dispensa desmotivada, preciosas são as palavras do respeitável e renomado doutrinador Rodriguez (2004):


Deve-se salientar que, em qualquer hipótese, a despedida não justificada, ou sem justa causa, constitui um ato ilícito ao qual o ordenamento jurídico, como característica muito especial, reconhece plenos efeitos e validade, sem prejuízo das sanções que se impõem ao empregador por haver transgredido as normas protetoras. (RODRIGUEZ, 2004, p. 276)


Nas lições de Tolomei (2003, p.366-367), caso os danos sejam economicamente apreciáveis, são chamados de patrimoniais, mas, na hipótese destes efeitos serem insuscetíveis de quantificação econômica específica, os danos serão considerados extrapatrimoniais ou morais. O Supremo Tribunal Federal tem considerado o dano moral como um “mal evidente[19]”, já o Superior Tribunal de Justiça tem admitido indenização por dano moral apenas em casos de “aborrecimento extremamente significativo”[20]. Contudo, atualmente, não mais se justifica qualquer hesitação acerca da efetiva reparabilidade do dano moral, consagrada pela constituição no artigo 5º, incisos V e X[21], pela legislação ordinária no art. 186, do Código Civil de 2002, e pelos Tribunais. Da mesma forma, nada impede a cumulabilidade entre danos patrimoniais e morais.


Barros (2005, p.615-617) observa que os danos morais pressupõe um dano efetivo e não um simples aborrecimento decorrente de uma sensibilidade excessiva ou amor próprio pretensamente ferido, além disso, segundo a autora, no Brasil, não há ainda um regramento legal estabelecendo critérios objetivos fixando a compensação alusiva ao dano moral e psicológico nem há um critério objetivo para quantificá-lo. Contudo ousa-se discordar da autora na mediada em que a própria professora BARROS leciona que não se cabe em cogitar de prova do dano moral por não se exigir do lesado, desde que seja a violação seja recente, a demonstração de seu sofrimento. Além disso, segundo o autor Tolomei (2003, 368-369), alguns critérios têm sido identificados para homogeneizar as decisões no momento da quantificação do dano moral tais como a gravidade do dano, a gravidade da culpa, a capacidade econômica do ofensor e a capacidade econômica do ofendido. Neste sentido, vale transcrever as valiosas palavras de Souto Maior:


Vale verificar, ademais, que já vêm se inserindo na realidade das Varas do Trabalho os pedidos de indenização por dano pessoal, mal denominado ‘dano moral’, para as hipóteses de dispensa sem justa causa, tendo à vista os prejuízos experimentados pelo trabalhador em face do desemprego imotivado. (SOUTO MAIOR, 2004).


Ademais, conforme as valiosas lições de Silva, A.: “a justificativa básica do instituto jurídico da proteção contra a dispensa é exatamente evitar os danos que provoca através da dissolução unilateral do contrato de trabalho.” (SILVA, A., 1992, p.57). Tais danos, seja material ou moral, refletem diretamente no empregado e, por conseqüência, em toda a sociedade.


4.3.2 Do abuso de direito


O Código Civil de 2002 consagrou, de forma expressa, a teoria do abuso do direito. De acordo com o art. 187 do Código Civil de 2002[22], o exercício de cada direito deve respeitar o seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, buscando assim a realização ideal de justiça além da letra da lei. O critério do abuso não está apenas na intenção de causar danos, mas no desvio do direito de sua finalidade ou função social, ou seja, o ato abusivo consiste na atuação anti-social.


 Portanto, caso não se entenda que a dispensa desmotivada não viola diretamente o comando legal do art. 7º, I, da Carta Magna de 1988, que dispõe expressamente ser vedado a despedida arbitrária ou sem justa causa, certamente a dispensa desmotivada cometida pelo empregador viola o valor que justifica o reconhecimento da possibilidade da cessação da relação de emprego por ato do empregador, qual seja o do livre exercício da atividade econômica, que é necessariamente limitado pelo valorização do trabalho humano.


Nos termos da lição de Carpena (2003, p. 377-380), o ato abusivo é concebido atualmente como aquele pelo qual o sujeito, no caso em estudo, o empregador, excede limites ao exercício do direito, sendo estes fixados por seu fundamento axiológico, ou seja, o abuso surge no interior do próprio direito, sempre que ocorre uma desconformidade com o sentido teleológico em que se funda o direito subjetivo. O fim, seja social ou econômico, de um certo direito subjetivo não é estranho à sua estrutura, mas elemento de sua própria natureza. No caso em estudo, conforme já mencionado alhures, a ordem econômica tem por finalidade assegurar a todos uma existência digna (artigo 170, caput da Carta Maior da República) e deve ser fundado não somente pela livre iniciativa, mas também pela valorização do trabalho humano, ou seja, a atividade econômica exercida pelo empregador não visa a somente proporcionar-lhe lucros, mas sim o sustento e a existência digna aos seus empregados por meio do trabalho exercido por estes sob a direção do empregador. Segundo o princípio da dignidade da pessoa humana disposto no art.1º, III, da Magna Carta, os empregados, por serem seres humanos, possuem o direito material subjetivo a serem também tratados com dignidade, ou seja, não podem ser considerados meros instrumentos da cadeia produtiva subordinados à vontade livre do empregador, mas sim seres humanos que devem ser tratados com dignidade cujos serviços prestados por eles sirvam também para proporcionar-lhes um meio de sustento e realização pessoal. Para corroborar tal entendimento, vale aduzir que, ao lado da livre iniciativa, está o valor social do trabalho como um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil[23]. Brilhante é o ensinamento de Carpena:


O ilícito, sendo resultante da violação de limites formais, pressupõe a existência de concretas proibições normativas, ou seja, é a própria lei que irá fixar os limites para o exercício do direito. No abuso não há limites definidos e fixados aprioristicamente, pois estes serão dados pelos princípios que regem o ordenamento, os quais contêm os seus valores fundamentais.(…)(CARPENA, 2003, p.382).


Portanto, considerando a já mencionada função hermenêutica do princípio da dignidade humana, na medida em que este serve de parâmetro para aplicação, interpretação e integração de todo o ordenamento jurídico, não pode o empregador dispensar o empregado, cessando a relação de emprego, segundo a sua vontade. Pelo contrário, deve haver motivos socialmente e juridicamente relevantes para a ruptura do contrato de trabalho. Exercer legitimamente um direito não é apenas ater-se à sua estrutura formal, mas sim cumprir o fundamento axiológico-normativo, que constitui este mesmo direito e justifica seu reconhecimento pelo ordenamento jurídico. Tal fundamento axiológico-normativo constitui a expressão da normatividade dos princípios constitucionalizados.   


Por fim, vale mencionar que a caracterização da dispensa desmotivada tanto como ato ilícito ou como ato abusivo enseja a responsabilidade civil do empregador ensejando as mesmas sanções, uma vez que em ambos os casos ele atua sem direito. Neste sentido, mister a citação da lição de Carpena (2003):


As teorias que negam a autonomia do ato abusivo o equiparam ao ilícito em virtude da identidade de efeitos. De fato, tanto um quanto outro ensejam a responsabilidade civil do agente, visto que em ambos os casos ele atua sem direito. As duas espécies de atos atrairão, assim, as mesmas sanções. Contudo, a caracterização do ato ilícito não enseja necessariamente a obrigação de indenizar, que pode ou não lhe ser conseqüente. Pode haver um dano ao qual não corresponda a obrigação de indenizar, de que seria exemplo aquele resultante do ato praticado em legítima defesa, pois somente ao dano provocado ilicitamente ou ao dano injusto corresponde a obrigação de indenizar. (CARPENA, 2003,381-382).  


A teoria do abuso de direito no ato de dispensa desmotivada pelo empregador também é defendido por ilustres doutrinadores no Direito do Trabalho, dentre eles, vale citar as valiosas palavras de Mendonça:


(….) Se o empregador é obrigado a indenizar todo aquele que é despedido sem justa causa, decerto que não tem, no sentido absoluto, o direito de despedir. Estaria cometendo um abuso de direito, segundo alguns teoristas.


Daí por que advogamos o princípio de que se o emprego não é propriedade absoluta do empregador. Se há sanções legais contra ele, empregador, esse direito usado seria um abuso do direito ao se despedir sem justa causa.


Há uma relação social tão profunda entre emprego e o empregado que não se pode reconhecer ao empregador o direito absoluto de despedir (mesmo em se tratando do não estável), como se fosse uma prerrogativa sagrada, na sua condição de empresário. A evolução do conceito de empresa hoje não mais pode se compatibilizar com tal posse de um direito nessas condições. Há um abuso de direito social, a nosso ver, quando ocorre uma despedida sem justa causa. Não mais é a empresa a propriedade completa de quem detém os seus capitais ou de quem a dirige.  (MENDONÇA, 1978,76-77).


5. DA DESPEDIDA ARBITRÁRIA OU SEM JUSTA CAUSA


No referente às expressões despedida arbitrária ou sem justa causa, o artigo 165, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho, fornece o conceito de despedida arbitrária para o caso de estabilidade do titular de representação dos empregados nas Comissões Internas de Prevenção de Acidentes, que é a não fundada em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro. Portanto, para Magano (1992, p.27), a justa causa significa a quebra de padrão esperado de conduta pelo empregado e a despedida arbitrária quer dizer a atuação do empregador não amparada em razão objetiva, ou seja, de ordem técnica, econômica ou financeira. Já Carrion (2002. p.340) entende que a norma não usa expressões inúteis, devendo se afastar a idéia de que se tratam de sinônimas, deixando claro que, com a garantia do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço para todos, tanto a justa causa como outras razões objetivas permitem o despedimento do empregado. Carrion (340) aduz ainda que a lei complementar deverá fixar os requisitos da despedida arbitrária e suas conseqüências, enquanto isso não ocorre, não está vedado o despedimento em geral, a não ser do eleito para a direção das comissões internas de prevenção de acidentes e da gestante. Já para Haddad (1998, p.59), a demissão sem justa causa está englobada na dispensa arbitrária, pois esta é aquela não fundada em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro, o que inclui a figura da justa causa. Mesma opinião compartilha Süssekind (1999, p.122), o ilustre doutrinador entende que a expressão despedida arbitrária já contempla a que não se fundar em justa causa. Por fim Silva (1992) conceitua a despedida por justa causa como: “a dispensa que se verifica por razão de um motivo grave imputável ao empregado, que torne impossível o prosseguimento da relação empregatícia”(SILVA, A., 1992, p.227). Enquanto o conceito de despedida arbitrária, para o ilustre doutrinador, é a mesma dada pela lei alemã de proteção à dispensa para a dispensa socialmente justificada, ou seja, é “a que se baseia em motivos ligados à pessoa do empregado, ao seu comportamento e a causas relacionadas com a empresa-estabelecimento”(SILVA, A., 1992, p.233). 


Dos entendimentos expostos, o mais condizente com o ordenamento jurídico e também o mais adequado em termos de tutela dos interesses do empregado é o do formidável professor Magano (1992, p.24-25). Segundo ensina o professor, a leitura atenta do texto do art. 7º, I, da Constituição Federal de 1988, revela que a lei complementar deverá ser editada para dispor sobre a indenização compensatória no caso de a rescisão contratual verificar-se sem a observância das limitações constitucionais. Ou seja, a lei complementar não deverá surgir para tornar exeqüíveis os conceitos de despedida arbitrária ou sem justa causa.


5.1 DISPENSA COM JUSTA CAUSA


Para Magano (1992, p.25), o conceito de justa causa encontra-se sedimentado e exteriorizado nas suas principais configurações concretas na relação constante do artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho, ou seja, a dispensa por justa causa é decorrente de inadimplência culposa ou dolosa do contrato de trabalho cometida pelo empregado.


Os motivos relativos à conduta culposa ou dolosa do empregado, as chamadas justas causas para a dissolução do contrato de trabalho, que têm, em sua maioria, natureza disciplinar, não dão ensejo a maiores divergências a respeito da possibilidade da cessação da relação empregatícia pelo empregador quando tais motivos estiverem presentes. Pois eles, segundo a valiosa lição de Silva, A. (1992, p.94), são inerentes à natureza do próprio contrato de trabalho e constituem a certeza de que uma das partes pode resolvê-lo quando haja conduta culposa da outra que impeça o prosseguimento da relação empregatícia. Ou seja, não podem ser excluídas por convenção entre as partes, sob pena de desnaturar o conceito da relação de emprego. E, pela impossibilidade do vínculo empregatício, ocasiona a dissolução imediata do contrato de trabalho, não havendo que se falar em aviso prévio.


5.2 DA DESPEDIDA ARBITRÁRIA


Já a despedida arbitrária, denominada de dispensa desmotivada no presente trabalho, corresponde ao postulado de que a rescisão contratual justificada não compreende exclusivamente as dispensas disciplinares, os casos de justa causa, mas também em razões sociais relevantes de caráter econômico ou técnico.


Tal modelo já havia anteriormente refletido no art. 165, da Consolidação das Leis do Trabalho, que dispõe: “Os titulares de representação dos empregados das CIPA(s) não poderão sofrer despedida arbitrária, entendendo-se como tal a que se fundar em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro.” 


A despedida não arbitrária fundada em razão socialmente relevante de natureza tecnológica consiste, para Magano (1992, p.21), na modernização do equipamento produtivo ou do conjunto de meios empregados no processo produtivo pelo empregador, contribuindo para o aumento da riqueza nacional, e, portanto, para o bem comum. O que justifica a dispensa de empregados tornados ociosos.


Já a despedida não arbitrária fundada em razão econômica, segundo o mesmo autor[24], consiste no fato do empregador, por exemplo, em virtude de grave retração de mercado, ficar impossibilitado de dar vasão à sua produção. Magano (1992, p.28) bem ressalva que os fatos econômicos justificadores da dispensa são, necessariamente, os relacionados com a atividade da empresa livres de arbítrio e não de fato estranho ao círculo da empresa como incêndio, inundação, terremotos ou qualquer evento decorrente de força maior. Vale citar a seguinte passagem de sua obra:


Considerando-se as indicações do Direito Comparado, poderão ser concretamente inseridas, na categoria aludida, as seguintes situações: baixa sensível de encomendas; dificuldades financeiras; transferência de atividades; alterações de estruturas jurídicas; supressão ou transformação de cargos, etc. (MAGANO, 1992, p.28).


Não é justo nem razoável forçar o empregador a ter prejuízos para garantir o emprego de todos os seus empregados, contrariando o princípio da economia de mercado, subjacente ao art. 170 da Constituição Federal de 1988. Por isso, há a possibilidade de dispensa justificada pela razão econômica.


A crítica do professor Silva, A. (1992) ao conceito de despedida não arbitrária de Magano (1992) não procede. O professor Silva, A. (1992, p.236) observa que o art. 165 da Consolidação das Leis Trabalhistas só faz referência a motivos ligados à empresa-estabelecimento e não à pessoa do empregado e ao seu comportamento. Contudo, ousa-se discordar totalmente da crítica do ilustre doutrinador, pois o autor está criando uma restrição à proteção contra à dispensa imotivada baseada na doutrina e legislação alienígenas. Vale aduzir que o poder disciplinar, segundo Barros (2005, p.570), pode ser conceituada como a capacidade concedida ao empregador de aplicar sanções ao empregado infrator dos deveres a que está sujeito por força de lei, de norma coletiva ou do contrato, com a finalidade de manter a ordem e a harmonia no ambiente de trabalho.


Barros (2005, p.570-571) com o brilhantismo leciona que atribui-se ao exercício do poder disciplinar a qualificação de ato de autotutela privada, que, no âmbito das relações trabalhistas, fundamenta a vigência do princípio da legalidade. Conseqüentemente, só é permitida a aplicação de sanções pelo empregador ao seu empregado por motivos disciplinares que estejam reconhecidos em lei ou negociação coletiva. Possibilitando ao empregado o direito de impugnar os atos ilegítimos no exercício do poder disciplinar e ao Estado a limitação e o controle deste poder.


O que se pretende aduzir através do entendimento da autora é que, se o empregador não pode aplicar sanções aos empregados por motivos disciplinares que não possuem previsão legal ou estejam estipuladas em negociação coletiva, o que dirá dispensar, hipótese de maior gravidade do que qualquer outra sanção no Direito do Trabalho brasileiro, utilizando-se de entendimento mais prejudicial ao empregador e baseado em motivos previstos apenas em legislação e doutrina alienígenas.


Ademais, eventualmente, se houver o entendimento da extrema necessidade do empregador verificar as aptidões técnicas e o comportamento do empregado, há a possibilidade do empregador firmar o contrato de experiência com o empregado nos termos do art. 443, §2º, “c”, da Consolidação das Leis do Trabalho[25] para tal intento.  Pode-se também dispensar o empregado por justa causa por mau procedimento, por desídia ou por indisciplina ou subordinação[26]. No primeiro caso o empregado deve demonstrar um comportamento incorreto ferindo a discrição pessoal, o respeito, o decoro, ou quando a sua conduta configurar impolidez ou falta de compostura capaz de ofender a dignidade de alguém, prejudicando as boas condições de trabalho. Já no segundo, basta que o empregado demonstre deficiência qualitativa do trabalho ou redução de rendimento, ou seja, a má vontade, o desleixo, a falta de zelo ou de interesse no exercício de suas funções para dispensar o empregado por justa causa. Por fim, no caso de indisciplina ou insubordinação, não é preciso nada mais do que a desobediência do empregado às normas de caráter geral ou o desrespeito do mesmo, de forma deliberada, a uma ordem específica dirigida a ele para desvincular o obreiro da empresa.


E, mesmo com o conceito de Magano (1992), no improvável entendimento de que o conceito “despedida arbitrária” ainda é indeterminado, pode-se aduzir que a norma do art.7º, I, da Constituição Federal de 1988, como direito fundamental do empregado, ainda vincula diretamente o empregador, excluindo a dispensa unilateral imotivada do ordenamento jurídico brasileiro. Pois, se o direito fundamental, mesmo que possua conceito indeterminado em seu texto normativo vincula o poder público em todas as suas manifestações e gera direitos subjetivos para os particulares, não há como entender por qual motivo, no âmbito das relações entre particulares, ainda que caracterizadas pelo conflito entre direitos fundamentais de diversos titulares, tal abertura e indeterminação, por si só, passem a ser impeditivas da vinculação dos empregadores com eficácia direta ao direito fundamental à vedação da despedida arbitrária ou sem justa causa do empregado. Ainda mais quando tal concepção, levada ao extremo, pode acabar por negar o reconhecimento dos direitos fundamentais como direitos subjetivos oponíveis contra os detentores dos poderes sociais ou econômicos, dentre eles os empregadores.


Por fim, o fato do art. 165 da Consolidação das Leis do Trabalho não fazer referência à dispensa coletiva não prejudica o entendimento de que seja uma despedida arbitrária. Isto é, o mencionado dispositivo só se refere à dispensa do titular de representação dos empregados nas Comissões Internas de Prevenção de Acidentes, porém não se pretende, através do artigo, discutir a respeito da estabilidade deste titular nem a respeito da dispensa coletiva, mas sim o conceito legal de despedida arbitrária no ordenamento jurídico brasileiro. Conceito este que é válido tanto para dispensa individual como a coletiva.  


Portanto, pode-se concluir que a dispensa do empregado pelo empregador deveria estar limitada às hipóteses de dispensa motivada. Ou seja, a dispensa do empregado pelo empregador deve estar limitada às hipóteses de dispensa motivada, consoante o artigo 10, II, “a” do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988, assim como o dirigente eleito de Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, que, nos termos do artigo 165, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho só pode ser dispensado pela vontade do empregador por motivos tecnológicos ou econômicos. Com a ressalva de que: a dispensa por motivos técnicos ou tecnológicos e econômicos ou financeiros, ou seja, a não arbitrária, ao contrario da por justa causa, jamais deve provocar a resolução imediata do contrato de trabalho, o empregado a ser dispensado deve ter um tempo para que encontre outro emprego, por isso tal modo de cessação da relação empregatícia é sempre acompanhado do aviso prévio.


6. DA REINTEGRAÇÃO E DA INDENIZAÇÃO


O art. 10, inciso I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias dispõe que até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Carta Maior da República, fica limitada a proteção nele referida ao aumento para quatro vezes, da porcentagem prevista no art. 6º, caput e §1º, da Lei n.º 5.107, de 13 de setembro de 1966.


Leciona Almeida (1998, p.573-576) que, o salvo acordo em juízo, a indenização compensatória resultante de sentença para o caso concreto é a melhor maneira de efetivar e alcançar a verdadeira e desejada finalidade da proteção contra a despedida arbitrária disposta no texto constitucional, visto que atenderá principalmente à situação pessoal do trabalhador, em face da perda do emprego, tendo em vista as circunstâncias em que se encontrar diante o mercado de trabalho e as obrigações que deva enfrentar no sustento próprio e de seus dependentes. Por outro lado, entende Carrion (2002, p. 340-341) que, com exceção dos casos do eleito para a direção das comissões internas de prevenção de acidentes e da gestante, a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa consiste unicamente no pagamento de 40% do saldo da conta vinculada do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço, conforme dispõe o art. 10, inciso I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e, mesmo assim, desde que não haja razões de ordem técnica, econômica ou financeira, pois, nestes casos, será permitido apenas o saque de Fundo de Garantia de Tempo de Serviço depositado sem o acréscimo de 40%. Contudo, Souto Maior (2004), divergindo da maioria da doutrina, entende que somente a dispensa motivada dá ensejo ao recebimento pelo empregado de uma indenização equivalente a 40% do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço, enquanto a dispensa com justa causa, devidamente comprovada, nos termos do artigo 482, da Consolidação das Leis do Trabalho, provoca a cessação do vínculo sem direito à indenização e a dispensa imotivada dá ensejo à reintegração do empregado ao emprego ou à condenação ao pagamento de uma indenização, cujo valor será fixado de acordo com o caso concreto, não se limitando ao valor de 40% do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço.


6.1 REINTEGRAÇÃO COMO A MEDIDA ADEQUADA CONTRA A DISPENSA ARBITRÁRIA


A respeito dos três entendimentos doutrinários acima citados, pertinente é a lição de Silva, A. (1992, p. 241-243) que aduz ser a indenização um descaracterizador da proteção contra dispensa não arbitrária, que só faz sentido quando, não sendo pronunciada por motivos ou causas juridicamente ou socialmente relevantes, haja a reintegração. Ou seja, segundo o autor, a medida adequada e única eficaz contra a dispensa arbitrária é a reintegração, pois somente dessa forma é que se estará criando um sistema capaz de proteger o empregado. O autor cita expressamente o art. 165, parágrafo único da Consolidação das Leis do Trabalho para argumentar que a reintegração não é novidade e pertence ao Direito do Trabalho Brasileiro e por isso é uma sanção adequada da dispensa já escolhida no ordenamento jurídico brasileiro.


Conclui Silva, A (1992) que ao acolher a reintegração com a promulgação e publicação da Lei n.º 6.514 de 22 de dezembro de 1977, que deu a atual redação ao citado art. 165 da Consolidação das Leis do Trabalho, o Direito do Trabalho Brasileiro colocou-se entre os mais evoluídos do mundo.


Merecem aplausos o entendimento do professor Silva, A. quanto à questão da reintegração. Contudo, peça-se vênia para discordar do entendimento do brilhante professor e prestigiar o entendimento de Souto Maior. A reintegração com o pagamento dos salários e demais vantagens a que teria direito o empregado pelo período de afastamento não é a única, mas a mais adequada sanção eficiente e compatível com a proteção contra a dispensa arbitrária. Certamente a previsão do pagamento de mera soma de dinheiro de caráter indenizatório não é o instrumento mais eficaz para a prevenção e proteção contra a dispensa desmotivada do empregador, muito pelo contrário, seria apenas uma compensação ao empregado pela perda do posto de trabalho. Pode-se até aduzir que as indenizações fazem partir do falso pressuposto de que a dispensa desmotivada é um direito patronal, mas que o dificultam economicamente e o fazem mais oneroso.


Contudo, há determinadas ocasiões em que devem ser analisadas as circunstâncias do caso concreto, já que, conforme leciona Rodriguez (2004, p.275), há situações na qual o distanciamento entre as partes e a reduzida dimensão da empresa obriga o contato direto entre o empregador e o empregado, tornando inadequada a fixação da reintegração.


Tal entendimento é harmônico e condizente com o princípio da proporcionalidade. A solução do conflito deve ser casuística, pois estará condicionada pelo modo com que se apresentarem os interesses em disputa, pelas circunstâncias que envolvem a dispensa pelo empregador e pelas alternativas pragmáticas viáveis para o equacionamento do problema. Ademais, a solução escolhida, seja ela reintegração ou indenização compensatória ou outra qualquer só se justificará na medida se mostrar-se apta a garantir a sobrevivência dos interesses contrapostos, não houver outra solução menos gravosa e o benefício logrado com a restrição a um interesse compensar o grau de sacrifício imposto ao interesse antagônico. Isto é, não se pode tomar atitude que, além de não for apta a restabelecer a dignidade do empregado, viole a dignidade ou tolha qualquer direito fundamental do empregador. Dessa forma, como bem observa o próprio Silva, A. (1992, p.252), deve-se levar em conta o tamanho da empresa e o número de empregados ao se vedar a dispensa desmotivada ou sem justa causa. Deve-se atentar para o caso das pequenas empresas que suportam contratar um número limitado de empregados. Até um certo número de empregados e até um determinado tamanho e capacidade financeira do estabelecimento, a questão da determinação do retorno do empregado dispensado desmotivadamente e sem justa causa ao seu antigo emprego deve ser relativizada e flexibilizada, pois uma reintegração numa pequena empresa pode arruiná-la sem que se resolva, com esta ato de força, o problema do empregado, além de estar violando a dignidade do empregador como ser humano. Por outro lado, a substituição da reintegração por indenização nas grandes empresas seria uma medida inócua à proteção do empregado contra a dispensa desmotivada e sem justa causa, desmoralizando a garantia constitucional da proteção contra a dispensa arbitrária e não restabelecendo a dignidade do empregado.


Conforme aduzido anteriormente, o empregador não deixa de ser também titular de direitos fundamentais. Portanto, deve-se aferir a variação da intensidade do exercício do poder sócio-econômico do mesmo, para que ocorra diversificação quanto ao grau e medida da aplicação direta da obrigatoriedade deles atenderem os direitos fundamentais dos empregados, de modo a inviabilizar a existência de soluções uniformes, que em nada contribuirão para a solução da desproteção contra a dispensa desmotivada. Ou seja, até um certo número de empregados e até um determinado tamanho e capacidade financeira do estabelecimento, a questão da reintegração deve ser relativizada e flexibilizada, pois uma reintegração forçada pode arruína-las sem que se resolva o problema do empregado.


Ademais, o art. 10 da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho[27] apenas prevê a possibilidade de indenização quando a lei nacional dos diferentes países não previrem a reintegração do empregado, ou o Tribunal ou o órgão encarregado da solução da lide não achar conveniente a reintegração.


Por isso, a imposição da reintegração conviria a apenas médias e grandes empresas, além disso, com exceção de empregados que desempenham funções de alta hierarquia ou de confiança, dificilmente há o contato direito entre o empregador e o empregado, o que não causaria constrangimentos ao empregado como nas pequenas empresas quando condenadas à reintegração.


Voltando à questão da reintegração, conforme leciona o jurista uruguaio Rodriguez (2004, p. 271), a sentença que determina a reintegração torna sem efeito a decisão do empregador de romper o contrato de trabalho, tornando nula a dispensa. Dessa forma, não há a criação de um direito novo, mas sim a retroação ao estado das coisas à situação em que se encontrava antes da data em que a medida de dispensa imotivada foi adotada.


Vale ressaltar que a sentença judicial declaratória torna sem efeito a rescisão feita pelo empregador, fazendo renascer o vínculo empregatício e ficando o empregado à disposição do empregador. Portanto, o fato do empregador não utilizar os serviços do empregado não o libera da obrigação de remunerá-lo. 


Insurgindo-se o empregador contra a determinação de reintegração, incorrerá o mesmo nas sanções a que se refere o art. 729 da Consolidação das Leis do Trabalho.


No caso em análise, vale também argumentar que o art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho[28] dispõe expressamente que, com exceção naquilo em que for incompatível com as normas do processo judiciário do trabalho, nos casos omissos, o direito processual civil será fonte subsidiária do direito processual do trabalho. Pois bem, no art. 642 do Código de Processo Civil[29] está disposto que se o devedor praticou o ato, a cuja abstenção estava obrigado pela lei ou pelo contrato, o credor requererá ao juiz que lhe assine o prazo para desfazê-lo e o art. 643 do mesmo diploma[30] dispõe que havendo recusa ou mora do devedor, o credor requererá ao juiz que mande desfazer o ato à sua custa, respondendo o devedor por perdas e danos, e somente não sendo possível desfazer-se o ato, a obrigação resolve-se em perdas e danos, ou seja, indenização. Ademais, o art. 461, caput[31], e art. 461, §1º[32], ambos, do Código de Processo Civil dispõe que na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento, sendo que a obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente. Neste sentido, valiosas são as palavras do ilustre processualista Câmara (2004):


Instaurado processo de natureza sincrética (em que haverá fusão da cognição com a execução, na forma do art. 461 do CPC) que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de não fazer, é de se adotar o mesmo sistema anteriormente exposto para as obrigações de fazer. Assim, é que incumbirá ao juiz, na sentença, condenar o demandado a se abster de praticar o ato proibido, sob pena de incidir em multa pelo descumprimento da obrigação. A utilização dos meios de coerção é, aqui, essencial, na medida em que toda a obrigação de não fazer é infungível.(…) (CÂMARA, 2004. v.2, p.257)


Portanto, a obrigação de fazer não pode ser substituída por outra, contudo, se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente, há a condenação do réu ao pagamento da indenização. No âmbito trabalhista, uma vez reconhecendo o Juízo de que houve dispensa desmotivada, deve ser o empregador, necessariamente, condenado a reintegrar o empregado dispensado para que seja cumprida a obrigação de não dispensar o empregado de forma arbitrária e sem justa causa. Nas palavras de Câmara (2004):


Verifica-se, facilmente, que neste caso o demandante virá a juízo manifestando pretensão de obter o desfazimento daquilo que foi feito indevidamente. O que se busca, pois, nesta espécie de execução é um desfazer, uma prestação positiva. Por esta razão, aliás, é que já se afirmou em doutrina que a execução de obrigação de não fazer é, em verdade, uma execução de obrigação de fazer. (CÂMARA, 2004. v.2, p.257).


Dessa forma, por solicitação do empregado dispensado, o empregador está obrigado a fornecer-lhe os motivos que fundamentaram a dispensa. Caso contrário, o empregador, desde que o empregado prove a dispensa arbitrária e sem justa causa, a sentença judicial determinará a reintegração tornando sem efeito a decisão do empregador de romper o contrato de trabalho e, por conseqüência, tornará nula a dispensa. Contudo, pode haver casos em que ocorre a impossibilidade da reintegração, em que ela em nada contribuirá para a solução da desproteção contra a dispensa, por isso pode-se chegar à conclusão também da possibilidade de condenação do empregador ao pagamento de uma indenização compensatória substitutiva da reintegração quando verificada a dispensa desmotivada e sem que ocorra a justa causa.


6.2 INDENIZAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO À REINTEGRAÇÃO


A indenização por despedida, segundo Rodriguez (2004, p.265-266), é uma compensação em dinheiro calculada de forma tarifária em função da antigüidade de cada trabalhador.  A eficácia desta medida restritiva dependerá essencialmente de sua onerosidade, quanto mais gravosa for a sanção, menos dispensas desmotivadas haverá, ou seja, tal limitação ao arbítrio do empregador é meramente econômico e não jurídico. 


O art. 7º, I, da Carta Maior dispõe que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais a relação de emprego protegida contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos da lei complementar, que preverá indenização compensatória dentre outros direitos. Da leitura do texto normativo, por vontade expressa da própria Constituição Federal de 1988, deve haver uma indenização compensatória, que não é a do caso de dispensa desmotivada e sem justa causa, pois tal hipótese, como exaustivamente demonstrado, é proibida no ordenamento jurídico brasileiro, dando ensejo à restituição das coisas ao estado anterior. Somente quando a reintegração do trabalhador ao emprego não for possível ou recomendável, deverá ser fixada uma indenização substitutiva da reintegração.  Importa a análise do parâmetro mais adequado para a fixação da indenização compensatória, que não se limita ao valor de 40% do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Com bem ensina Souto Maior (2004):


O fato é que com o tempo, num exercício de erros e acertos, a jurisprudência, mais sábia que o legislador no que se refere ao tratamento de casos concretos, saberá fixar, de forma mais definida, os contornos dessa indenização, que não se limita, como dito acima, deforma alguma, ao valor de 40% do FGTS. (SOUTO MAIOR, 2004)


O art.8º, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho indica as formas do juiz preencher as lacunas na lei.


O preenchimento de lacunas por meio da analogia é expressamente permitido pelo ordenamento jurídico brasileiro, nos termos do art. 8º, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho e do art. 4º, da Lei de Introdução do Código Civil[33] . Portanto, adotando-se como parâmetro legal a regra do art. 496, da Consolidação das Leis do Trabalho, por aplicação analógica, o juiz do trabalho poderá, considerando desaconselhável a reintegração do empregado estável pelo grau de incompatibilidade resultante do dissídio, especialmente quando for o empregador pessoa física, converter a obrigação de reintegração em indenização prevista no art. 478 da Consolidação das Leis do Trabalho[34] em dobro. Ou seja, literalmente, o pagamento da indenização por rescisão do contrato por prazo indeterminado multiplicada por dois. Essa indenização é calculada com base na maior remuneração recebida pelo empregado na empresa, acrescida de 1/12 do 13º salário[35], e multiplicada pelo número de anos do empregado no emprego em dobro. E, de acordo com o Enunciado 28 do Tribunal Superior do Trabalho[36], o direito aos salários é assegurado até a data da primeira decisão que determinou essa conversão.    


6.2.1 Da indenização prevista pelo art. 10, inciso I, do ato das disposições constitucionais transitórias


Nas dispensas por justa causa, conforme o ensinamento de Silva, A. (1992, p.172), exonera-se o empregador da obrigação de indenizar em virtude da falta do empregado dar motivo para a imediata resolução do contrato de trabalho. O que não traz maiores divergências.


Contudo, Silva, A.(1992, p.241-243) entende ainda ser a dispensa por motivos técnicos, econômicos ou financeiros, assim como a dos casos de justa causa, não ser indenizado pelos empregadores. Contudo, ousa-se mais uma vez discordar do brilhante professor e concordar com outro ilustre professor, Souto Maior. O art. 7º, I, da Carta Maior dispõe que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais a relação de emprego protegida contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos da lei complementar, que preverá indenização compensatória dentre outros direitos. Da leitura do texto normativo, por vontade expressa da própria Constituição Federal de 1988, deve haver uma indenização compensatória, que não é a mencionada no tópico anterior para o caso de dispensa desmotivada e sem justa causa, conforme já argumentado. Isto é, até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Carta Maior da República, o art. 10, inciso I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias dispõe expressamente que fica limitada a proteção referida no dispositivo constitucional ao aumento para quatro vezes, da porcentagem prevista no art. 6º, caput e §1º, da Lei n.º 5.107, de 13 de setembro de 1966, indenização esta também disposta no art. 9º, §1º, do Decreto n.º 99.684, de 1990.


Ora a existência de culpa grave, à semelhança de toda responsabilidade civil, exclui a obrigação de indenizar já que a imputabilidade pelo dano causado é do próprio empregado. Portanto, a prática do empregado da conduta considerada  justa causa conforme prevista em uma das hipóteses do artigo 482, da Consolidação das Leis do Trabalho, e devidamente comprovada pelo empregador, provoca a cessação do vínculo sem direito à indenização. Já na dispensa causada por motivos técnicos, econômicos ou financeiros, o empregado perde o emprego sem qualquer culpa e, frise-se, no interesse exclusivo do empregador, portanto, deve este, também neste caso, indenizar o empregado como forma de compensá-lo pelo emprego perdido.


Conforme já aduzido, tal indenização não é a mesma a que a dispensa imotivada e sem justa causa na impossibilidade fática de reintegração, ou seja, à condenação ao pagamento no valor fixado de acordo com a regra do art. 496, da Consolidação das Leis do Trabalho nem o empregado dispensado desmotivadamente recebe o valor de 40% do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço como indenização compensatória. Neste sentido, importa trazer à baila as palavras de Souto Maior (2004):


Desse modo, a dispensa que não for fundada em justa causa, nos termos do art. 482, da CLT, terá que, necessariamente, ser embasada em algum motivo, sob pena de ser considerada arbitrária. A indenização prevista no inciso I, do art. 10, do ADCT, diz respeito, portanto, à dispensa sem justa causa, que não se considere arbitrária, visto que esta última está proibida, dando margem não à indenização em questão, mas à restituição das coisas ao estado anterior, quer dizer, à reintegração do trabalhador ao emprego, ou, não sendo isto possível ou recomendável, a uma indenização compensatória.(SOUTO MAIOR, 2004)


O entendimento que se pretende transmitir é a de que, até a promulgação e publicação da lei complementar mencionada no art. 7º, I, da Constituição Federal de 1988, a indenização para o caso de dispensa causada por motivos técnicos, econômicos ou financeiros é a de 40% do valor dos depósitos realizados pelo empregador na conta vinculada do Fundo de Garantia do Trabalhador, que está prevista no art. 10, inciso I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e no art. 9º, §1º, do Decreto n.º 99.684, de 1990[37].          


6.2.2 Fundo de garantia por tempo de serviço não se confunde com a proteção contra a dispensa desmotivada.


Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, criado através da Lei n. 5.107, de 1966, e hoje regulado pela Lei n. 8.036, de 1990, é constituído de uma conta bancária formada pelos depósitos feitos na Caixa Econômica Federal pelo empregador em nome do empregado no valor de 8% da remuneração do empregador ou 2% da remuneração no caso do aprendiz. Com a Constituição Federal de 1988, o ingresso no fundo passou a ser automático independente de qualquer ato volitivo do empregado.


Segundo Silva, A. (1992, p.259), o fundo pode assumir a função de reforço da inferioridade social e econômica do trabalhador, que o empregado poderá utilizar em determinadas situações independente de dispensa, transformando-se num seguro social.


Conforme as lições de Barros (2005, p.955-956), em relação à conta do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, é permitida a sua movimentação imediata na cessação do contrato por: dispensa injusta; rescisão indireta; encerramento das atividades da empresa, inclusive por motivo de força maior; término de contrato a prazo; aposentadoria; e culpa recíproca. Além dessas hipóteses, conta do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço poderá ser recebida também na vigência do contrato de trabalho, conforme as hipóteses previstas no art. 20 da Lei 8.036 de 1990. Dentre outras, pode-se citar as seguintes: na hipótese de o trabalhador ou seus dependentes terem contraído neoplasia maligna ou forem portadores do vírus HIV; quando o trabalhador for pagar total ou parcialmente o preço da aquisição da moradia própria nas condições vigentes para o Sistema Financeiro de Habitação; ou quando tiver o trabalhador idade igual ou superior a 70 anos.


Além disso, enquanto subsistir o contrato de trabalho, os depósitos do Fundo de Garantia serão utilizados pelo governo no sistema habitacional do país e no saneamento básico. Por isso, Silva, A. (1992, p.259) alega que os depósitos são uma espécie de contribuição social.


 Disposta de forma isolada no art. 7º, III, da Constituição Federal de 1988, na verdade, o constituinte quis conceder ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço forma autônoma e independente da indenização por dispensa pelo empregador. Portanto, o legislador não poderá elaborar a lei complementar prevista no art. 7º, I, da Carta Magna de 1988, dispondo que o depósito do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço será a indenização compensatória.  Martins (2000, p.217-219) ensina que a lei complementar a respeito da indenização compensatória prevista no inciso I, do art.7º, da Carta Magna de 1988 não poderá prever o Fundo de Garantia de Tempo de Serviço como a referida indenização, pois o referido fundo já é um direito do trabalhador previsto no artigo 7º, III, da Lei Maior de 1988 e a indenização compensatória está prevista no artigo 7º, I, da Constituição de 1988, ou seja, são direitos que se complementam e são cumulativos, não havendo que se falar em fusão dos dois regimes.


Por isso, não sem razão que Silva, A. (1992, p.261) leciona ser o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço uma poupança obrigatória, feita em nome do empregado, que terá a natureza da um seguro social, ou seja, possui a natureza tributária, que representa uma garantia a mais do trabalhador, que não se confunde com a proteção contra a dispensa. Sendo que, se houver dispensa por motivos técnicos, econômicos ou financeiros, o empregador deverá pagar 40% do valor dos depósitos mensais atualizados, realizados por ele na conta vinculada do Fundo de Garantia do Trabalhador.


Lembrando que, a dispensa imotivada e sem justa causa dá ensejo à reintegração do empregado ao emprego ou, na impossibilidade da primeira hipótese, à condenação ao pagamento de uma indenização, cujo valor será fixado de acordo com a regra do art. 496, da Consolidação das Leis do Trabalho.


7. DA EFICÁCIA DA NORMA CONSTITUCIONAL DISPOSTA NO ART. 7º, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.


7.1 CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS


È conhecida a clássica disposição tripartida das normas constitucionais criada por Silva, J. (2003, p.88-118), que as classifica em: normas de eficácia plena e aplicabilidade imediata; normas constitucionais de eficácia contida e aplicabilidade imediata, mas passíveis de restrição pela atuação do legislador; e normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida, que não receberam normatividade suficiente do constituinte, de modo que dependem da intervenção legislativa para produzirem seus principais efeitos. Com base nesta classificação, diversos autores justrabalhistas fizeram a classificação do art. 7º, I, da Constituição Cidadã. Leciona Haddad (1998, p.61) que o mencionado dispositivo apenas se limita a instituir a proteção contra a despedida arbitrária através de lei complementar, que também fixará a indenização compensatória pelo ato danoso do empregador, por isso, a mencionada lei complementar que estabelecerá meios e critérios de proteção contra despedida arbitrária é necessária para conferir a eficácia plena ao mencionado dispositivo constitucional. Entendimento este corroborado por Martins (2000, p.218), que assevera não ser o inciso I, do artigo 7º da Constituição uma norma de eficácia plena, mas sim de eficácia limitada. Em contraposição a esta opinião, o próprio Silva, J. (2000, p. 293) entende que a norma do artigo 7º, I, conjugada com a do artigo 5º, §1º, ambos, da Constituição de 1988, em termos técnicos, é de aplicabilidade imediata e de eficácia contida.  Entende o professor que a proteção contra a dispensa sem justa causa ou arbitrária é um direito ou garantia fundamental e a lei complementar apenas virá determinar os limites dessa aplicabilidade com a definição dos elementos despedida arbitrária e justa causa, que delimitarão a sua eficácia. Inclusive, para o autor, há a possibilidade de esta lei complementar prever a conversão a perda do emprego em indenização compensatória. Por fim, consoante ensina Souto Maior (2004), da previsão constitucional do artigo 7º, I, da Constituição Federal de 1988, não se pode entender que a proibição de dispensa arbitrária ou sem justa causa dependa de lei complementar para ter eficácia jurídica. Pelo contrário, é uma norma de eficácia plena, pois tal proteção trata-se de uma garantia constitucional dos trabalhadores e a complementação necessária a esta norma diz respeito aos efeitos do descumprimento da garantia constitucional.  


Ao invés de aferir qual dessas classificações é a mais adequada importa aduzir que, segundo Barcellos (2002, p.40-43), alguns dos autores de maior referência no direito brasileiro, assim como Silva, J., também já cuidaram de classificar as normas constitucionais de variadas formas. Na maior parte dos casos, o critério utilizado corresponde a uma relação de completude, normatividade ou densidade do texto e sua capacidade de produzir efeitos de forma autônoma, independentemente de intervenção legislativa.


Barbosa (1933. v. 2, p.488) apud Barcellos (2002, p.40) desenvolveu a distinção entre normas constitucionais auto-aplicáveis, isto é, as capazes de produzir efeitos independentemente de atuação do legislador em virtude da completude de seu conteúdo, e não auto-aplicáveis correspondente à classificação tradicional da doutrina norte-americana do início do século XX.


Teixeira (1991, p.316 e ss.) apud Barcellos (2002, p. 40-41) entendia que mesmo as normas não auto-aplicáveis dispunham de alguma forma de aplicação como a eficácia negativa, espécie de barreira à atuação do legislador, típica das chamadas norma programáticas. Por esta razão, o autor passou a classificar as normas constitucionais como normas de eficácia plena, que produzem, desde sua promulgação, todos os seus efeitos essenciais, e normas de eficácia limitada ou reduzida, subdivididas em programáticas e de legislação. As normas de eficácia limitada não apresentam normatividade suficiente para produzirem todos os seus efeitos essenciais desde a promulgação, deixando total ou parcialmente essa tarefa ao legislador ordinário, ainda que se lhes reconheça a referida eficácia negativa e que elas influenciem a aplicação de outras normas, através de sua eficácia interpretativa e integradora.


Bastos e Brito (1998) apud Barcellos (2002, p. 41) propuseram nova classificação baseado no mesmo critério referido inicialmente. Os autores partiram de dois elementos distintivos: o modo de incidência das normas, que as distingue em normas de mera aplicação ou inintegráveis, grupo que não compartilha seu espaço com a manifestação do legislador ordinário, e normas integráveis, que admitem a convivência com a vontade legislativa inferior. O segundo elemento distintivo diz respeito à eficácia, pelas quais as normas podem ser de eficácia parcial ou plena.


Diniz (1989) apud Barcellos (2002, p. 42) procurou sistematizar as várias propostas em torno deste critério apresentando uma classificação em quatro grupos: normas com eficácia absoluta, correspondentes às cláusulas pétreas, que independem da intervenção legislativa para produzirem efeitos; normas com eficácia plena, que, ainda que não sejam cláusulas pétreas, também independem da participação legislativa; normas com eficácia legislativa restringível, mas de aplicabilidade direta e imediata; e normas com eficácia relativa dependente de complementação legislativa, de aplicação apenas mediata, por não serem dotadas de normatividade suficiente para se aplicarem diretamente.


Mello (RDP n.º 57/58, 1991, p.233 e ss.) apud Barcellos  (2002, p. 42) classifica as normas constitucionais enfocando a posição jurídica em que elas investem o jurisdicionado, além disso, agregou à visão tradicional uma apreciação a respeito do conteúdo das próprias normas e de sua função no sistema constitucional. O autor apresenta as normas constitucionais divididas em três grupos: normas concessivas de poderes jurídicos; normas concessivas de direitos; e normas meramente indicadoras de uma finalidade a ser atingida. As duas primeiras categorias, ainda que possam ou não sofrerem restrições em decorrência da ação do legislador ordinário, criam para os indivíduos situações de fruição imediata, independentemente da atuação legislativa.


Barroso (2000, p.93 e ss.) apud Barcellos (2002, p. 43) utilizando os mesmos critérios que Mello e, por sua vez, tendo em vista a consistência da situação jurídica dos indivíduos ante os preceitos constitucionais, propõe uma classificação em três grupos: normas de organização, as quais, ainda que possam repercutir na esfera jurídica dos indivíduos, dirigem-se principalmente ao próprio Estado; normas definidoras de direitos, que veiculam, como regra, direitos subjetivos exigíveis prontamente; e normas programáticas, que demandam integração legislativa, mas dispõem de eficácia negativa.


Contudo, há a consolidação na doutrina do entendimento de que as normas jurídicas, inclusive as constitucionais, podem ser classificadas, quanto à sua estrutura, em duas categorias: princípios e regras. Tanto as regras como os princípios dizem o que devem ser constituídos como mandados de permissão ou de proibição. Segundo o entendimento de Alexy :


A menudo, no se contraponen regla y principio sino norma y principio o norma y máxima. Aquí la reglas y los principios serán resumidos bajo el concepto de norma. Tanto las reglas como los principios son normas porque ambos dicen lo que debe ser. Ambos pueden ser formulados con la ayuda de las expresiones deónticas básicas dela mandato, la permisión y la prohibición. Los principios, al igual que las reglas, son razones para juicios concretos de deber ser, aun cuando sean razones de un tipo muy diferente. La distinción entre reglas y principios es pues una distinción entre dos tipos de normas. (ALEXY, 1993, p. 86).[38]


Atualmente, apesar das classificações acima citadas continuarem válidas e úteis tendo em vista os fins para os quais foram elaboradas, houve a superposição da classificação baseadas na diferença entre princípios e regras, o que foi objeto de análise anteriormente, sobre as classificações já existentes. Uma vez que a diferença na estrutura das normas jurídicas repercute sobre a eficácia jurídica própria de cada uma dessas espécies de normas, e a eficácia foi, em muitos casos, o critério adotado pelas classificações acima referidas. Além disso, pelo fato de, dentro de cada uma das classes identificadas a partir desses critérios conviverem normas-princípios e normas-regras, que dificilmente admitirão um tratamento distinto, a distinção entre princípios e regras poderá provocar alguma desordem nas classificações que adotam como parâmetro o conteúdo da norma ou a sua função no sistema. Nas palavras de Barcellos (2002):


Paralelamente a todo o debate envolvendo a classificação das normas constitucionais, a teoria geral do direito consolidou o entendimento, hoje generalizadamente aceito, de que as normas jurídicas –  e assim também as normas constitucionais – podem ser classificadas, quanto à sua estrutura, em duas categorias: princípios e regras.


Essa é a opinião, e.g., de Paulo Bonavides, Eros Roberto Grau, Luís Roberto Barroso, dentre outros. Na doutrina estrangeira vale registrar as posições de Robert Alexy, Ronald Dworkin e J.J. Canotilho.


(…)


E não se trata apenas de mais uma categoria acadêmica. Muito ao revés, a distinção entre princípios e regras terá repercussões importantes em toda a vida da norma: em sua interpretação individual, em seu papel no sistema a que pertence e no ordenamento como um todo e em sua eficácia jurídica. Com efeito, a diferenciação estrutural que há entre princípios e regras, e o fato de uma norma ter a natureza de um ou de outra, é determinante para a compreensão de sua eficácia jurídica e, em conseqüência, da posição em que investe o particular. A razão jurídica pela qual uma norma produz ou não efeitos independentemente da atuação legislativa decorre, em boa parte, dessa distinção.


Note-se, por muito importante, que as classificações adotadas pelos autores acima referidos continuam válidas e úteis, tendo em vista os fins para os quais forma cunhadas. Convém apenas fazer duas observações. É natural que haja algum grau de superposição das categorias princípios e regras com as classificações já existentes, uma vez que, como se verá adiante mais detalhadamente, a diferença na estrutura repercute sobre a eficácia jurídica própria de cada uma dessas espécies de normas, e a eficácia foi, em muitos casos, o critério adotado pelas classificações acima referidas. Afora isso, a distinção entre princípios e regras poderá provocar alguma desordem nas classificações que adotam como parâmetro o conteúdo da norma ou a sua função no sistema. Isso porque, em geral, dentro de cada uma das classes identificadas a partir desses critérios convivem normas-princípios e normas-regras, que dificilmente admitirão um tratamento indistinto. (BARCELLOS, 2002, p.43-46).  


7.2 SIGNIFICADO DA NORMA CONTIDA NO ART. 5º, §1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.


A norma contida no art. 5º, §1º, da Carta Magna de 1988 que dispõe: “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, trata de norma de cunho principiológico, ou seja, um mandado de otimização ou maximização que exige dos órgãos estatais a tarefa de reconhecerem maior eficácia possível aos direitos fundamentais. Há com relação às normas definidoras de direitos e garantias fundamentais uma presunção de aplicabilidade imediata e plena em virtude de suas fundamentalidades formais no âmbito da Constituição, negar-se aos direitos fundamentais esta condição privilegiada significaria, em última análise, negar-lhes a própria fundamentalidade, ressalvadas exceções que, para serem legítimas, dependem de convincente justificação á luz do caso concreto. Razão pelas quais os direitos fundamentais possuem, relativamente às demais normas constitucionais, maior aplicabilidade e eficácia, o que, por outro lado, não significa que mesmo dentre os direitos fundamentais não possam existir distinções no que concerne à graduação desta aplicabilidade e eficácia, dependendo da forma de positivação, do objeto e da função que cada preceito desempenha. Neste sentido vale trazer à baila o precioso ensinamento do ilustre professor Sarlet (2003):


Levando-se em conta esta distinção, somos levados a crer que a melhor exegese da norma contida no art. 5º, §1º, de nossa Constituição é a que parte da premissa de que se trata de norma de cunho principiológico, considerando-a, portanto, uma espécie de mandado de otimização (ou maxização), isto é, estabelecendo aos órgãos estatais a tarefa de reconhecerem a maior eficácia possível aos direitos fundamentais, entendimento este sustentado, entre outros, no direito comparado, por Gomes Canotilho e compartilhado, entre nós por Flávia Piovesan. Percebe-se, desde logo, que o postulado da aplicabilidade imediata não poderá resolver-se, a exemplo do que ocorre com as regras jurídicas (e nisso reside uma de suas diferenças essenciais relativamente às normas-princípio), de acordo com a lógica do tudo ou nada, razão pela qual o seu alcance (isto é, o quantum em aplicabilidade e eficácia) dependerá do exame da hipótese em concreto, isto é, da norma de direito fundamental em pauta. Para além disso (e justamente por este motivo), cremos ser possível atribuir ao preceito em exame o efeito de gerar uma presunção em favor da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, de tal sorte que eventual recusa de sua aplicação, em virtude da ausência de ato concretizador, deverá (por ser excepcional) ser necessariamente fundamentada e justificada, presunção esta que não milita em favor das demais normas constitucionais, que, como visto, nem por isso deixarão de ser imediatamente aplicáveis e plenamente eficazes, na medida em que não reclamarem uma interpositio legislatoris, além de gerarem – em qualquer hipótese – uma eficácia em grau mínimo. Isto significa, em última análise, que, no concernente aos direitos fundamentais, a aplicabilidade imediata e eficácia plena assumem a condição de regra geral, ressalvadas exceções que, para serem legítimas, dependem de convincente justificação à luz do caso concreto, no âmbito de uma exegese calcada em cada norma de direito fundamental e sempre afinada com os postulados de uma interpretação tópico-sistemática, tal qual proposta, entre nós, na já referida e referencial obra de Juarez Freitas. (SARLET, 2003, p.258-259).


Ainda consoante a lição de Sarlet (2003, p.263), não se questiona a plena eficácia dos direitos de defesa, integrados principalmente pelos direitos políticos e posições jurídicas fundamentais em geral, que, preponderantemente, reclamam uma atitude de abstenção dos poderes estatais e dos particulares, estes como destinatários dos direitos. Isso decorre pelo fato dos direitos de defesa, preponderantemente, se dirigem a um comportamento omissivo do Estado, que deve se abster de ingerir na esfera da autonomia pessoal. Ou de se direcionarem no dever do Estado de proteção do direito fundamental do indivíduo contra terceiros, cujas normas que os consagram já receberam do constituinte, em regra, a suficiente normatividade e independem de concretização legislativa. O mesmo não se pode afirmar com relação aos direitos sociais considerados na sua dimensão prestacional.


Boa parcela dos direitos fundamentais sociais consagrados na nossa Carta Magna são alcançadas pelas diretrizes fixadas e válidas para os direitos de defesa. As assim denominadas liberdades sociais equivalem, em virtude de sua função essencialmente defensiva e por sua estrutura normativa, aos clássicos direitos de liberdade e igualdade, reclamando uma abstenção por parte do destinatário e não dependendo, em regra, da alocação de recursos e de concretização legislativa. Estes direitos sociais desencadeiam sua plena eficácia, gerando para o seu titular um direito subjetivo por serem situações prontamente desfrutáveis, dependentes apenas de uma abstenção do destinatário, no caso em análise do art. 7º, I, da Carta Magna de 1988, do empregador, que deve apenas se abster de dispensar o empregado sem que tenha um motivo socialmente ou juridicamente relevante para tanto. 


Pode-se afirmar que, em se tratando de direito de defesa, a lei não se revela absolutamente indispensável à fruição do direito de proteção contra dispensa imotivada, pois inexiste qualquer razão para não fazer prevalecer o postulado contido no art.5º, §1º, da Constituição de 1988, já que não se aplica à esta hipótese os argumentos usualmente esgrimidos contra a aplicabilidade imediata dos direitos sociais, mormente o da ausência de recursos ou o do limite da reserva do possível e a ausência de legitimação dos tribunais para a definição do conteúdo e do alcance da prestação. Ou seja, pode-se chegar à conclusão de que, inexistindo, no caso concreto, qualquer obstáculo como a inexistência de recursos ou a necessidade de implementar programas sociais ou econômicos, a falta de lei regulamentadora não constitui uma justificativa idônea capaz de afastar a presunção de aplicabilidade imediata e plenitude eficacial consagrada no art. 5º, §1º, de nossa Carta Magna.


Justamente na esfera dos direitos de defesa, a norma contida no art. 5º, §1º, da Constituição Federal de 1988 tem por objetivo precípuo oportunizar a aplicação imediata, sem qualquer intermediação concretizadora, assegurando a sua plena exigibilidade em Juízo.


No caso da proteção contra a dispensa imotivada e sem justa causa, o Estado se obriga a somente agir quando provocado na figura do Judiciário pelo empregado dispensado que apenas pleiteará a sentença que determina a reintegração, tornando sem efeito a decisão do empregador de romper o contrato de trabalho, e, por conseqüência, tornando nula a dispensa. Não existindo gastos consideráveis à Fazenda Pública.  Por isso, a proteção contra a dispensa imotivada e sem justa causa difere dos direitos sociais prestacionais apontadas por Sarlet (2003, p.271-280) como aquelas cujas características são a vinculação direita destes direitos à sua relevância econômica e a dependência da disponibilidade de recursos por parte do Estado, razão pela qual, no âmbito de aplicação de recursos públicos, há a necessidade de uma tomada de decisão por parte dos órgãos políticos legitimados para tanto a respeito das prioridades a serem atendidas de acordo com o momento econômico do Estado.


Ademais, a proteção contra a dispensa imotivada e sem justa causa também é diversa das normas de cunho programático. Segundo Sarlet (2003, p.280-287), as normas programáticas se caracterizam pela normatividade insuficiente para alcançarem a sua plena eficácia por estabelecerem programas, finalidades e tarefas a serem implementadas pelo Estado, ou que contêm determinadas imposições de maior ou menor concretude dirigidas ao legislador. Ora, conforme o exposto no presente trabalho, a defesa da garantia ao empregado da permanência no emprego com o estabelecimento de limites em que se restringirá a autonomia do empregador para dispensá-lo não é uma política do pleno emprego ou um direito subjetivo individual ao pleno emprego. Trata-se de uma garantia ou proteção ao emprego com o sentido muito diferente. A proteção contra a dispensa desmotivada e sem justa causa é a defesa consistente no sistema limitativo do instrumento jurídico pelo qual o empregador afasta o empregado do emprego.


Além disso, o ordenamento jurídico nacional já fornece, dentre tantos outros, diversos textos normativos para que a proteção do empregado contra a dispensa desmotivada e sem justa causa seja efetivada tais como: o art. 1º, III, o art. 7º,I, e o art. 170, caput, todos da Carta de 1988; o art. 10, incisos I e II, “a” do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988; o art. art. 186 e art. 187, ambos, do Código Civil de 2002; o art. 4º, da Lei de Introdução ao Código Civil; o art. 8º, art. 165, caput, art.478, art.482, art.729 e art.769, todos, da Consolidação das Leis do Trabalho; art. 461, caput, e art. 461, §1º, art.642 e art.643, todos, do Código de Processo Civil. Sendo que, importa mais uma vez repetir, baseado e legitimado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, tais dispositivos formam um sistema normativo hábil a conter a dispensa desmotivada e sem justa causa.  


Ainda segundo o valioso ensinamento de Sarlet (2003, p. 264), também na esfera dos direitos de defesa é possível deparar-se seguidamente com expressões vagas e abertas, tais como demissão arbitrária ou sem justa causa, que reclamam um preenchimento mediante o recurso à hermenêutica para que possam ser aplicadas as respectivas normas. Tal peculiaridade não chega a constituir obstáculo para a imediata aplicabilidade destes direitos fundamentais, no caso em tela, a vedação de dispensa do trabalhador de forma desmotivada. Já que não há a necessidade, em função da natureza própria dos direitos de defesa, de remeter esta função para o legislador, uma vez que o seu conteúdo, em regra, poderá ser objeto de determinação por via de interpretação utilizando-se do conceito de despedida não arbitrária de MAGANO baseado no art. 165 da Consolidação das Leis Trabalhistas, tarefa esta que incumbe precipuamente aos tribunais. Além disso, conforme já discutido no presente trabalho, levada ao extremo a idéia de que a indeterminação de expressões vagas e abertas impede a imediata e plena eficácia do direito disposto no art. 7º, I, da Constituição Federal, pode acabar por contribuir para a negação do reconhecimento dos direitos fundamentais como direitos subjetivos oponíveis contra os detentores dos poderes sociais ou econômicos, dentre eles os empregadores.


Portanto, em face da desnecessidade de qualquer outra providência, nem mesmo a edição da norma legal reclamada pelo Constituinte, haveria de prevalecer a presunção decorrente art.5º, §1º, da Carta de 1988, que, atuando como mandado de otimização, autorizaria, mediante a reclamação trabalhista que fosse, desde já, a reintegração do empregado dispensado arbitrariamente pelo empregador, ou, na impossibilidade de reintegração, que seja fixada uma indenização compensatória substitutiva da reintegração. Neste sentido leciona Sarlet (2003):


Por derradeiro, em que pese certa contenção por parte do Supremo Tribunal Federal no que tange ao reconhecimento das amplas possibilidades que decorrem do princípio da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais – mesmo onde não se vislumbram obstáculos de maior relevância – podemos concluir que em se tratando dos direitos fundamentais de defesa, a presunção em favor da aplicabilidade imediata e a máxima da maior eficácia possível devem prevalecer, não apenas autorizando, mas impondo aos juízes e tribunais que apliquem as respectivas normas aos casos concretos, viabilizando, de tal sorte, o pleno exercício destes direitos (inclusive como direitos subjetivos), outorgando-lhes, portanto, sua plenitude eficacial e, conseqüentemente, sua efetividade. Além do mais, cumpre ressaltar que a eficácia dos direitos de defesa de longe não se esgota na perspectiva jurídico-subjetiva ora referida. A plena justiciabilidade (como direitos subjetivos) desta categoria dos direitos fundamentais pode até assumir a condição de principal manifestação de sua eficácia jurídica, não afastando, contudo, como já ressaltado alhures, outros efeitos jurídicos, inclusive na esfera jurídico-objetiva (….)(SARLET, 2003, p.268-269).


No caso em estudo, da leitura da previsão constitucional do artigo 7º, I, da Constituição Federal de 1988, não se pode entender que a proibição de dispensa arbitrária ou sem justa causa dependa de lei complementar para ter eficácia jurídica, pelo contrário, é uma norma de eficácia plena e imediata, pois tal proteção trata-se de uma garantia constitucional dos trabalhadores. A complementação necessária a esta norma diz respeito apenas à indenização compensatória no caso de despedida sem justa causa e de forma motivada técnica ou economicamente e ao algum outro eventual efeito da dispensa motivada do empregado pelo empregador por questões tecnológicas ou econômicas.


8 CONCLUSÕES


O empregado, como ser humano, não pode ser considerado mero instrumento da cadeia produtiva subordinado à vontade livre do empregador, mas sim ser humano que deve ser tratados com dignidade cujos serviços prestados por ele sirvam também para proporcionar-lhe um meio de sustento e realização pessoal. Por isso, a atividade econômica não pode ser tida como objeto principal do mundo capitalista atual que deva ser conseguida a qualquer custo inclusive com a exploração e a desconsideração ou desrespeito à dignidade do trabalhador e desumanização das relações de trabalho. Ou seja, o livre exercício da atividade econômica é uma garantia assegurada pela Constituição ao empregador, contudo, essa garantia somente subsiste quando não violar o princípio da dignidade do empregado.


Porém, a proteção ao emprego não pode ir ao extremo de prejudicar ou impossibilitar a atividade econômica. Portanto, a melhor interpretação a ser dada ao artigo 7º, I, da Constituição Federal de 1988 é que deve ser vedada a dispensa desmotivada e sem justa causa.  O que implica o direito do trabalhador de conservar o seu emprego até que surja uma causa que justifique a cessação da relação de emprego.


Quanto à justa causa, ou seja, os motivos relativos à conduta culposa ou dolosa do empregado, por ser inerente à natureza do próprio contrato de trabalho e constitui a certeza de que uma das partes pode resolvê-lo quando houver a prática da conduta culposa da outra. Portanto, a prática do empregado da conduta considerada  justa causa conforme prevista em uma das hipóteses do artigo 482, da Consolidação das Leis do Trabalho, e devidamente comprovada pelo empregador, possibilita a cessação da relação empregatícia por parte do empregador sem qualquer indenização ao empregado faltoso.


Já a despedida arbitrária prevista no art. 7º, I, da Carta Magna de 1988 deve estar limitada às hipóteses de dispensa motivada, consoante o artigo 10, II, “a” do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988. Ou seja, assim como o dirigente eleito de Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, que, nos termos do artigo 165, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho, não pode ser dispensado pela vontade do empregador a não ser por motivos tecnológicos ou econômicos.


Dessa forma, quando houver a solicitação do empregado dispensado, o empregador está obrigado a fornecer-lhe os motivos que fundamentaram a dispensa. Caso contrário, uma vez provado pelo empregado a sua dispensa desmotivada e sem justa causa pelo empregador, a sentença judicial determinará, seja baseado no dever de proteção do Estado, seja na teoria do ato ilícito ou do abuso de direito, a reintegração do empregado tornando sem efeito a decisão do empregador de romper o contrato de trabalho e, por conseqüência, tornando nula a dispensa.


Contudo, harmonizando-se com o princípio da proporcionalidade, que dispõe a necessidade da solução do conflito ser casuística, deve-se levar em conta o tamanho da empresa e o número de empregados ao se vedar a dispensa desmotivada ou sem justa causa. Até certo número de empregados e até um determinado tamanho e capacidade financeira do estabelecimento, a questão da reintegração do empregado ao seu antigo emprego deve ser tratada com cuidado. Podendo, inclusive, cogitar-se na hipótese de indenização compensatória em substituição da reintegração, cujo valor será estipulado através do uso da analogia e utilizando a regra do art. 496, da Consolidação das Leis do Trabalho, o que é expressamente permitido pelo ordenamento jurídico brasileiro, nos termos do art. 8º, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho e do art. 4º, da Lei de Introdução do Código Civil, pois uma pequena empresa pode ser levada à arruína com a determinação do retorno do empregado ao emprego sem que se resolva o problema deste, além da possibilidade de ocorrer o constrangimento do empregado no retorno ao emprego devido ao contato próximo com o empregador.


Também se pode concluir que somente há a necessidade de lei complementar para dispor a respeito da indenização compensatória no caso de dispensa por motivos tecnológicos ou econômicos e de algum outro eventual efeito da dispensa motivada do empregado pelo empregador por questões tecnológicas ou econômicas. Porém enquanto não elaborada tal norma jurídica a indenização para o caso de dispensa causada por motivos técnicos, econômicos ou financeiros é a de 40% do valor dos depósitos realizados pelo empregador na conta vinculada do Fundo de Garantia do Trabalhador, que está prevista no art. 10, inciso I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e no art. 9º, §1º, do Decreto n.º 99.684, de 1990.


Pode-se afirmar ainda que, quanto à norma jurídica prevista no art. 7º, I, da Carta Magna de 1988, não se aplica os argumentos usualmente esgrimidos contra a aplicabilidade imediata dos direitos sociais. Pois, inexiste, no caso do dispositivo constitucional em análise, qualquer obstáculo como a inexistência de recursos ou a necessidade de implementar programas sociais ou econômicos, ou seja, o mencionado artigo constitucional dispõe a respeito de um direito fundamental de defesa. Por isso, a norma contida no art. 5º, §1º, da Constituição Federal de 1988, por ser norma de cunho principiológico, tem por objetivo precípuo oportunizar a sua aplicação imediata, sendo que falta de lei regulamentadora não constitui uma justificativa idônea capaz de afastar a presunção de sua aplicabilidade imediata e plenitude eficacial.


 


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Notas:

[1] Utilizar-se-á, neste trabalho, o termo “dispensa desmotivada ou dispensa imotivada”, para fins metodológicos, como conceito do exercício lícito e desmotivado da vontade empresarial em direção à dissolução do pacto empregatício. E de dispensa com justa causa a que foi derivada da prática pelo empregado, de forma dolosa ou culposa, da conduta que se encaixa numa das hipóteses do rol do art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho.

[2] A dispensa desmotivada existe também nos contratos de trabalho por prazo determinado, inclusive com previsão no art. 479 da Consolidação das Leis do Trabalho, mas tal cessação fica neles limitada pelo fato das partes já fixarem convencionalmente o término pelo prazo.

[3] Assim dispõe o art.1º da Lei de Proteção Contra a Dispensa Alemã de 10.8.1951, com modificações posteriores de 15.8.1969, 26.4.1985 e 18.12.1989. Traduzido por Antônio Álvares da Silva:

 Art.1º – Dispensas consideradas socialmente injustificadas:

(1)     A dispensa de empregado que trabalhe, sem interrupção, mais de seis meses na mesma empresa só é válida quando for socialmente justificada.

(2)     Considera-se socialmente injustificada a dispensa quando não se baseie em motivos que se refiram à pessoa do empregado ou a seu comportamento ou ainda a fatos inevitáveis referentes ao estabelecimento/empresa que impeçam o prosseguimento da relação empregatícia. Considera-se ainda socialmente injustificada a dispensa quando:

(….)

(3)     Mesmo quando o empregado é dispensado por motivos inevitáveis relacionados ao estabelecimento, referidos no número (2), pode tal dispensa ser considerada socialmente injustificada se o empregador, por ocasião da escolha do empregado dispensado, simplesmente não considerou, ou não levou em conta de modo satisfatório, os fatores sociais pertinentes. Por solicitação do empregado, o empregador está obrigado a fornecer-lhe os motivos que fundamentaram a dispensa. Não se aplicará o princípio acima referido se razões de ordem técnica e econômica ou de qualquer outra ordem autorizem a continuidade da relação empregatícia de um ou mais empregados, contrariando assim a pretensa dispensa por razões de ordem social. É do empregado o ônus da prova dos fatos que, nestas circunstâncias, tornem a dispensa socialmente injustificada.     

[4] Dessa forma dispõe o Art. 4º da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho:

“Art.4º. Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.”

[5] BRASIL.  Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno.  Mandado de Injunção Nr. 628/RJ.  Impetrante: Antônio Inocêncio Chaves e Impetrado: Congresso Nacional.  Relator Min. Sydney Sanches.   Julgamento: 19/08/2002.  Publicação: DJ 25-10-2002 PP-00025 EMENT VOL-02088-01 PP-00071.

[6] A propósito, de acordo com as palavras de Robert Alexy, traduzidas por Ernesto Garzón Valdés: “El punto decisivo para la distinción entre reglas y principios es que los principios son normas que ordenan que algo sea realizado en la mayor medida posible, dentro de las posibilidades jurídicas y reales existentes. Por lo tanto, los principios son mandatos de optimización, que están caracterizados por el hecho de que pueden ser cumplidos en diferente grado y que la medida debida de su cumplimiento no sólo depende de las posibilidades jurídicas reales sino también de las jurídicas. El ámbito de las posibilidades jurídicas es determinado por los principios y reglas opuestos. En cambio, las reglas son normas que sólo pueden ser cumplidas o no. Si una regla es válida, entonces de hacerse exactamente lo que ella exige, ni más ni menos. Por lo tanto, las reglas contienen determinaciones en el ámbito de lo fáctica y jurídicamente posible. Esto significa que la diferencia entre reglas y principios es cualitativa y no de grado. Toda norma es o bien una regla o un principio”. Tradução para o português: O ponto fundamental para a distinção entre regras e princípios é que os princípios são normas que exigem que algo seja executado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Portanto, os princípios são mandatos de otimização, que estão caracterizados pela circunstância de poderem ser cumpridos em diferentes graus e que a medida devida para a realização deles não depende apenas das possibilidades reais, mas também das jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras contrárias. Por outro lado, as regras são normas que só podem ser cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então deve ser feito exatamente o que ela exige, nem mais nem menos. Portanto, as regras contêm decisões no âmbito do fático e juridicamente possível. Isto significa que a diferença entre regras e princípios é qualitativa e não de grau. Cada norma é ou bem uma regra ou um princípio.

[7] Traduzindo para o português: se os fatos que uma regra estipula ocorrerem, então a regra é válida, em tal caso, a resposta que a regra fornece deve ser aceita, porém, se não ocorrerem, neste caso, a regra não contribui em nada para a decisão.

[8] Traduzindo para o português: Os princípios têm uma dimensão que regras não têm – a dimensão de peso ou importância. Quando princípios se colidirem (…), o que tem que solucionar o conflito deve levar em conta o peso relativo do outro. Isto não pode ser, naturalmente, uma medida exata e o julgamento de que um princípio particular é mais importante que outro será freqüentemente controvertido. Não obstante, isso é uma parte integrante do conceito de um princípio que tem esta dimensão, que faz sentido perguntar qual importância ou qual peso ele possui.

[9] JACINTO, Vanessa.  Hora de repensar a carreira.  Estado de Minas, Belo Horizonte, 11 set. 2005.  Caderno emprego,  p.3.

[10] Artigo I da Declaração dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas. Disponível em: http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php. Acesso em: 20 de setembro de 2005.

[11] “Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:

(…..)

III- a dignidade da pessoa humana.

(….)”

[12] “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(…)”

[13] O citado Acórdão foi proferido antes da publicação e promulgação da nova lei de falências, Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, que, no seu artigo 83, considera os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho como prioritários em face aos demais.

[14] Nas palavras de Robert Alexy, traduzidas por Ernesto Garzón Valdés: “Las colisiones de principios deben ser solucionadas de manera totalmente distinta. Cuando dos principios entran en colisión – tal como es el caso cuando según un principio algo está prohibido y, según otro principio, está permitido – uno de los principios tiene que ceder ante el otro. Pero, esto no significa declarar inválido al principio desplazado ni que en el principio desplazado haya que introducir una cláusula de excepción. Más bien lo que sucede es que, bajo ciertas circunstancias uno de los principios precede al otro. Bajo otras circunstancias, la cuestión de la precedencia puede ser solucionada de manera inversa. Esto es lo que se quiere decir cuando se afirma que en los casos concretos los principios tienen diferente peso y que prima el principio con mayor peso. Los conflictos de reglas se llevan a cabo en la dimensión de la validez; la colisión de principios – como sólo pueden entrar en colisión principios válidos – tiene lugar más allá de la dimensión de la validez, en la dimensión del peso”. Traduzindo para o português: As colisões entre princípios devem ser resolvidas de maneira totalmente diversa. Quando dois princípios entram em colisão – assim como é o caso quando, de acordo com um princípio, é proibido algo e, de acordo com outro, é permitido – um dos princípios tem que ceder ante o outro. Mas, não se pretende declarar inválido o princípio deslocado nem que se deve introduzir uma cláusula de exceção no princípio deslocado. O que de fato acontece é que, sob certas circunstâncias, um dos princípios precede ao outro. Sob outras circunstâncias, a pergunta da precedência pode ser resolvida de um modo inverso. Isto é o que se pretende dizer quando a se afirmar que, nos casos concretos, os princípios têm pesos diferentes e que prevalece o com o maior peso. Os conflitos de regras são levados a cabo na dimensão da validez; a colisão de princípios – como só podem entrar em colisão princípios válidos – acontece além da dimensão da validez, na dimensão do peso.

[15] Tradução para o português: Já foi insinuado que entre a teoria dos princípios e a máxima da proporcionalidade existe uma conexão. Esta conexão não pode ser mais estreita: o caráter de princípio implica a máxima da proporcionalidade, e esta implica aquela. Que o caráter de princípio implica a máxima da proporcionalidade, com suas três máximas partes: da adaptação, da necessidade (postulado dos meios mais benignos) e da proporcionalidade em sentido estrito (o postulado da ponderação propriamente dito) se infere logicamente do caráter de princípio, isto é, é dedutível dele. O Tribunal Constitucional Federal disse, em uma formulação obscura, que a máxima da proporcionalidade é ‘ no fundo, já da própria essência dos direitos fundamentais’. E continua, há que ser mostrado que isto  vale em um sentido estrito quando as normas jusfundamentais tem caráter de princípio.

[16] Título II da Constituição Federal de 1988, Dos Direitos e Garantias Fundamentais.

[17]“Art..5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(….)

§1º. As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

(….)”

[18] Nos termos do art. 8º, parágrafo único da Consolidação das Leis do Trabalho:

“Art.8º(…)

Parágrafo único. O direito comum será fonte subsidiária do Direito do Trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.”

[19] STF, RE 172.720, DJ 21.2.1997.

[20] STJ, REsp 158.535/PB, DJ 9.10.2000.

[21] “Art.5º. Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(….)

V- é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

(….)

X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material e moral decorrente de sua violação;

(….) 

[22] Assim dispõe o art. 187 do Código Civil de 2002:

 “Art.187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons-costumes.”

[23] Dessa forma, dispõe o art.1º, IV, da Constituição Federal de 1988:

“Art.1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(….)

IV- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

(….)

[24] MAGANO, Octavio Bueno.  Política do trabalho.  São Paulo : LTr, 1992, pg.21-22.

[25] “Art.443 O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou indeterminado.

(….)

§2º. O contrato por prazo determinado só será válido em se tratando:

(…)

c) de contrato de experiência.”

[26] “Art.482.Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:

(…)

b) incontinência de conduta ou mau procedimento;

(…)

d) desídia no desempenho das respectivas funções;

(…)

h) ato de indisciplina ou insubordinação;

(…)”

[27] Dessa forma dispõe o mencionado Art. 10 da Convenção 158/82 da Organização Internacional do Trabalho : “Se os organismos mencionados no artigo 8º da presente Convenção chegarem à conclusão de que o término da relação de trabalho e injustificado e se, em virtude da legislação e prática nacionais, esses organismos não estiverem habilitados ou não considerarem possível, devido às circunstâncias anular o término e, eventualmente, ordenar ou propor a readmissão do trabalhador, terão a faculdade de ordenar o pagamento de uma indenização adequada ou outra reparação que for apropriada.”

[28] Dessa forma dispõe o art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho:

 “Art.769. Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.”

[29] “Art.642. Se o devedor praticou o ato, cuja abstenção estava obrigado pela lei ou pelo contrato, o credor requererá ao juiz que lhe assine prazo para fazê-lo.”

[30] “Art.643. Havendo recusa ou mora do devedor, o credor requererá ao juiz que mande desfazer o ato à sua custa, respondendo o devedor por perdas e danos.

Parágrafo único. Não sendo possível desfazer-se o ato, a obrigação resolve-se em perdas e danos.”  

[31] “Art.461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.”

[32] “Art. 461.(….)

§1º. A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obrigação do resultado prático correspondente.”

[33] Dessa forma dispõe o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, Decreto-Lei 4.657, de 4.657, de 4 de setembro de 1943:

“Art.4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.” 

[34] “Art. 478. A indenização devida pela rescisão de contrato por prazo indeterminado será de 1 (um) mês de remuneração por ano de serviço efetivo, ou por ano e fração igual ou superior a 6 (seis) meses.”

(…..)

[35]“ Enunciado 148 do TST. Gratificação Natalina.

É computável a gratificação de Natal para efeito do cálculo da indenização. (Ex-prejulgado 20).”

[36] “Enunciado 28 do TST. Indenização.

No caso de se converter a reintegração em indenização dobrada, o direito aos salários é assegurado até a data da primeira decisão que determinou a conversão.”

[37] Art.9º. (…)

§1º. No caso de despedida sem justa causa, ainda que indireta, o empregador depositará, na conta vinculada do trabalhador no FGTS, importância igual a 40% (quarenta por cento) do montante de todos os depósitos realizados na conta vinculada durante a vigência do contrato de trabalho, atualizados monetariamente e acrescidos dos respectivos juros, não sendo permitida, para este fim, a dedução dos saques ocorridos.

(…)

[38] Traduzindo para o português: Freqüentemente, regra e princípio não são contrastados, mas sim norma e princípio ou norma e máxima. Aqui as regras e os princípios estarão resumidos sob o conceito de norma. Tanto as regras como os princípios são normas porque ambos dizem  o que deve ser. Ambos podem ser formulados com ajuda das suas expressões deônticas  básicas de comando, a permissão e a proibição. Os princípios, como as regras, são razões para julgamentos concretos de dever ser, até mesmo quando são razões de um tipo muito diferente. A distinção entre regras e princípios é portanto uma distinção entre dois tipos de normas. 


Informações Sobre o Autor

Fábio Hiroshi Suzuki

Advogado em Barbacena/MG


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