Punir educando e educar punindo

Resumo: Punir Educando e Educar Punindo trata da educação preventiva e da educação repressiva em suas inter-relações. A educação dos pais, da comunidade, das escolas, das penitenciárias, bem como o preparo da própria sociedade na reinserção social daqueles que deixam o estabelecimento prisional. Indaga-se: que influência a prevenção, a educação primeira, tem na ocorrência de crimes? Também, qual a eficácia da reeducação de alguém que mal educado foi, talvez maculado pelo próprio Estado em sua construção ética e moral? Existe grande probabilidade de que as políticas públicas estejam escorrendo pela sistemática não mais apropriada?[1]

Palavras-Chave: Educação; Repressão; Pena; Reeducação.

Abstract: Punish Educating and Educate Punishing deals with prevention education and education repressive in their interrelations. The education of parents, the community, schools, prisons, as well as the preparation of their own society in social reintegration of those who leave prison. One wonders: what influence the prevention, education first, is the occurrence of crimes? Also, what is the effectiveness of rehabilitation for someone who was rude, perhaps tainted by the State in its construction ethics and morals? There is high probability that public policies are not systematically running down most appropriate.

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Keywords: Education; Repression; Pena; Reeducation.

Sumário: Introdução. 1. A Educação Preventiva. 2. O artigo 227 da Constituição Federal. 3. O Punir, o Educar e o Impedir. 3.1. Teoria Retributiva da Pena. 3.2. Teorias Preventivas da Pena. 3.2.1. Prevenção Geral Negativa. 3.2.2. Prevenção Geral Positiva. 3.3. Prevenção Especial. 4. A Raiz do Problema. 5. Qualidade Educativa, Regratória e Punitiva. Disposições Finais. Referências bibliográficas.

INTRODUÇÃO

“É melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los; e todo legislador sábio deve procurar antes impedir o mal do que repará-lo, pois uma boa legislação não é senão a arte de proporcionar aos homens o maior bem estar possível e preservá-los de todos os sofrimentos que se lhes possam causar, segundo o cálculo dos bens e dos males da vida”. (Cesare Beccaria)

O presente trabalho visa à análise de três fatores que ajudam a formar a base educacional de uma pessoa, de um cidadão. Apesar de serem individualizados, há de se estudar aqui de que forma eles podem se misturar e interferir um com os outros. São eles: a educação preventiva, a educação repressiva e a educação referencial.

A educação preventiva é aquela ministrada pelas escolas, pelos pais, pelos amigos, pelo ambiente cotidiano, pelas mídias e por tudo que de uma forma ou de outra envolve e influencia a criação e que compõe a personalidade da criança e do adolescente como potencial e adulto futuro.

A educação repressiva, por sua vez, tem como principal escopo as leis e o sistema criminal, penitenciário, que cuida dos cidadãos que infringiram normas e disposições legais ou morais.

A educação referencial está dentro das duas primeiras, mas, pela sua importância, ganha um destaque, uma análise especial. Esta é balizada pelo exemplo, e divide-se em duas: o exemplo que as pessoas dão à criança em seu processo de formação – concedendo a elas um ponto de referência -, e o exemplo da eficácia das punições, que pode ou não corroborar indiretamente com a incidência de crimes.

1 A EDUCAÇÃO PREVENTIVA

“Educai as crianças, para que não seja necessário punir os adultos”.  (Pitágoras)

A educação preventiva é vista de forma arcaica na sociedade brasileira, de modo que há o costume de um ente se eximir das responsabilidades de educação da população infantil. Os pais transmitem a responsabilidade para os professores, estes para os pais, ou para as ruas, ou para as mídias, ou para outro ente qualquer, provocando um ciclo vicioso em que ninguém se responsabiliza pelo todo.

“A educação, no sentido em que a entendo, pode ser definida como a formação, por meio da instrução, de certos hábitos mentais e de certa perspectiva em relação à vida e ao mundo. Resta indagar de nós mesmos, que hábitos mentais e que gênero de perspectiva pode-se esperar como resultado da instrução? Um vez respondida essa questão, podemos tentar decidir com o que a ciência pode contribuir para a formação dos hábitos e da perspectiva que desejamos”. (Russell)

Todos temos que nos responsabilizar pelo todo, pois, mesmo que o Estado seja liberal, mesmo que os filhos estejam sobre a tutela dos seus pais, mesmo que se trate de um âmbito privado, devemos nos lembrar que tais filhos mais cedo ou mais tarde se relacionarão com outros filhos, de outros pais, e poderão ocasionar problemas de ordem pública.

Os filhos, as crianças, os adolescentes são um problema de ordem pública. Outrossim, o termo “problema”, utilizado grosso modo por ora, mostra-se como indevido, pois tais cidadãos em formação ainda não são problemas, e sim potências a serem moldadas para um fim: a paz social. Não há porque mantermos a desculpa hipócrita de que não educamos nossos filhos com um objetivo. Há um objetivo. Existe um objetivo. Subsiste um objetivo. Não os criamos para o crime, tampouco para sofrer. Criamo-los para serem felizes, terem um futuro, e para isso transmitimos para eles princípios, conceitos, teorias, práticas, visões filosóficas e sociais de como se viver em comunidade e em harmonia. Obviamente, todos os objetivos acima transcritos fazem parte dum ideal.

O problema está não nas crianças, mas no que fazermos com elas. Diz Immanuel Kant que “O homem não é nada além daquilo que a educação faz dele" (Pag. 11). Ora, não há porque relutarmos contra a existência de uma ideologia, com o discurso de que nossos filhos são livres para escolherem qual caminho seguir. De fato são, mas, enquanto estiverem sob as nossas responsabilidades, é dever de seus educadores instruí-los dentro daquele pensamento que melhor lhes convier. Ora, se cada um possui seu próprio pensamento, se cada pessoa detém a ideia do que melhor lhe convém, temos de fato um problema dos grandes.

Quantas educações possuímos? Quantos pensamentos do que é certo? Quantas ideias acerca do que é melhor de se ensinar? O conflito surge, principalmente, porque o Brasil jamais experimentou de forma macro uma educação, um processo ético-educacional ordenado. Trata-se de uma ideologia, de certo, e não podemos dela fugir porque ela virá até nós. Trata-te de uma ideologia, mas uma ideologia educacional, que promova e proporcione, de fato, a capacidade para que qualquer jovem escolha conscientemente qual caminho seguir. Não que os pais ou a sociedade os obriguem indefinidamente a seguir o caminho que escolheram, mas que, depois de caminharem pelo caminho que seus pais escolheram, sejam-lhes abertas as portas para seguir por onde quiserem andar. Mas, enquanto isto, devemos ensinar-lhes o que consensualmente a sociedade decidiu ser melhor para ela própria: princípios, leis, conceitos, práticas que nos conduzam ao bem estar, à paz e à justiça social.

Não cabe dentre os parágrafos desta pesquisa se ater a quais procedimentos são mais aconselháveis; ou seja, não cabe aqui encontrar qual a solução mais cabível para que construamos um sistema que estabeleça uma ética comum. O que se propõe é analisar como o Fator Eficácia se revela nos três tipos de educação mencionados.

Feito Josiane Rose Petry Veronese e Luciene de Cássia Policarpo, em seu livro intitulado “Educação versus Punição”, faço a pergunta de qual a ligação existente entre esta e o Direito. Principalmente quando tratamos de institutos educacionais, verificamos um conjunto de regras e de conceitos morais e que são necessários à manutenção não apenas de instituições, como também à construção de um ambiente pacífico e formação equilibrada. Regras, por sua vez, possuem um estreitamento com o Direito. O ensino ideal é o que dá vazão às potencialidades do indivíduo, composto de valores sociais, atiçando o espírito de respeito, responsabilidade e um arcabouço humanista, crítico e voltado para o bem.

Em sua visão, o regime punitivo, baseado nos castigos, que percorreu nossa história até o início do último século deve ser abandonado. O Direito, para elas, também deve sair do campo dogmático e adentrar ao costume crítico, pois:

“[…] a dogmática jurídica que se diz possuidora de todo um referencial autônomo sobre a constituição do saber jurídico tem assentado este suposto saber sobre uma produção didática extremamente pobre, de simples manuais, que está, em sua grande maioria, desvinculada da concepção de um direito crítico”. (VERONESE, OLIVEIRA apud. NAZARIO, p. 3).

Roseli Nazario, ao traçar comentários sobre a obra supracitada, revela uma pobreza também na construção dos profissionais do Direito, caracterizada pela aplicação técnica e cega da lei e não baseada em uma orientação de equidade em seus julgamentos. O clamor que fazem para a existência de um Novo Direito é o mesmo que se encerra neste trabalho ora apresentado.

Adiante, evidenciam uma verdade que encontram respaldo nas ideias presentes, desenhando a linha sutil entre educação e punição, se é que ela existe:

“[…] no âmbito da sociedade ainda configura-se um descaso, um descompromisso com a infância, como se esta na lhe pertencesse”. (p. 127)

E nas palavras de Nazario:

“[…] fazendo prevalecer entre a população o pedido cada vez mais intenso de penas mais severas contra as crianças e adolescentes em situação de conflito com a lei, não conseguindo perceber que esses meninos e meninas são vítimas da falta de políticas sociais, integradas, consistentes, sistemáticas e concretas que assegurem a todas as pessoas (crianças, jovens, adultos, idosos) o direito de uma vida digna, uma vida de ser humano”. (NAZARIO, p. 6)

Recentemente, meados de Setembro e Outubro de 2012, noticiários nacionais divulgaram a violência que invadiu a cidade de São Paulo, da formação de grupos criminosos organizados ao terror que os ataques a policiais causaram. Especialistas do Direito, dos órgãos públicos e demais políticos discutiram a respeito de um aumento no valor do seguro de vida dos policiais, bem como ao preparo dos próprios policiais e da força de segurança do estado de São Paulo no combate ao tráfico e à onda de criminalidade. Esta é a força repressiva do governo, empunhando suas armas no intuito de intimidar criminosos, prendê-los e puni-los, por desventura matá-los. O que seria isso senão a consequência, o resultado de tantas décadas em que o Estado ignorou as regiões e bairros economicamente menos favorecidos, de modo que estes, agora, nada mais fazem do que dar o troco aos parcos cuidados recebidos? Em se tratando de um país consistente sob a ótica capitalista, o descuido assistencial e social para com os menos necessitados é gerador de desigualdades sociais, necessidades básicas de sobrevivência e de criminosos. As regiões ignoradas pelo Estado são aquelas que, futuramente, devolverão a ele a mesma ignorância antes recebida; os filhos abandonados um dia voltam, exigindo o que lhes pertence da forma mais agressiva que existir, ou mediante os costumes que aprenderam a ter longe dos olhos governamentais. É claramente óbvia a relação de educação e punição no caso tratado; é completamente evidente que se trata de uma escolha institucional: educar para não punir, ou abandonar e depois punir para tentar reeducar.

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2  O ARTIGO 227 DA CONSTITUIÇAO FEDERAL

“O verdadeiro órfão é aquele que não recebeu educação”. (Etienne Bonnot de Condillac)

Já temos avanços na área da responsabilidade educacional. Se por um lado tivemos a proposta do Senador Lobão Filho (2011) para a elaboração de lei que puna crimes contra Educação, o Senador Cristovam Buarque (2012) defende que pais ausentes na educação dos filhos também sofram sansões. Os olhos do povo e dos parlamentares para a Educação estão se abrindo, mas o processo ainda é longo. Também, há de se tomar muito cuidado com a relação educar/punir.

Não é aceitável que os ignorantes, os desprovidos das garantias previstas no artigo 227 da Constituição Federal, sejam punidos. O código Penal diz que ninguém pode alegar o desconhecimento da lei, sendo pública; mas, ora, tal disposição é hipócrita, pois essa alegada publicidade é meramente teórica, uma vez que inúmeras disposições são obscuras, o ensino legislativo inexiste na grade curricular das escolas básicas, os trabalhadores em geral não possuem tempo hábil para seu estudo – a não ser que cursem o ensino superior – e, mesmo que os princípios sociais e constitucionais fossem o ponto de referencia, a condição econômica e geográfica de grande parte da população impede o seu conhecimento, já que a sua percepção da sociedade é outra – exemplo de moradores de favelas ou regiões do país que possuem um nível de instrução e polícia muito menor, onde a força do poder judiciário é pouca e a evolução tecnológica e civil não acompanhou as metrópoles do Brasil. Significa dizer que temos situações sociais distintas dentro de um mesmo país – países num país só -, e que quanto maior o nível de instrução de uma pessoa, mais as punições devem se agravar e maiores são as responsabilidades e deveres – quanto mais poder, mais bem deve se fazer, para que seu largo poder acumulado não estagne e prejudique, feito buraco negro, a sociedade. Não é questão de tratamento desigual; se há especificidades quanto aos hipossuficientes, que haja também para os hiperssuficientes.

Giacomo Leopardi (2004) entende que “[…] inocente não é aquele que é incapaz de pecar, mas o que peca sem remorsos”. Punir ignorantes é como jogar um jogo com pessoas que desconhecem regras, ou conhecem – porque assim aprenderam – regras diferentes daquelas. O direito penal, em suas origens, pressupõe que as leis nascem com a vontade em comum de pessoas que querem viver em comunhão e em paz; mas, posto a extensão territorial e diversidade econômica, os consensos sofrem um conflito existencial, já que cada tribo, cada comunidade, instrui seus filhos da forma que melhor lhe convém ou com as possibilidades do que se tem.

Daí a necessidade de retirar as crianças das ruas e inseri-las num processo ético-educacional que seja liderada pela escola – entidade agora não meramente técnica, mas supercapacitiva -, em colaboração dos pais e comunidade.

É inocência pensar que todas as garantias constitucionais – em especial o artigo 227 sub análise – sejam colocadas em prática se não houver um processo organizado que o faça; mesmo que haja ações afirmativas, ninguém assegura que os pais sejam adeptos das mesmas e incentivem seus filhos a aderirem, e tampouco que a comunidade o faça – os pais em sua jornada de trabalho, as pessoas das comunidades ocupadas com suas preocupação individuais. Dizer que assegura não é assegurar. Que os entes públicos assegurem, então. Haverá mais gastos com a disposição de verbas para a construção de um processo ordenado, de uma escola ideal, mas inúmeros gastos presentes e futuros provindos de problemas urbanos serão extintos.

Além do mais, todas as atividades sadias e naturalmente necessárias à formação da criança enquanto pessoa, humano e cidadão, continuarão a ser praticadas; a diferença está no fato de serem então orientadas, enquanto hoje são desorientadas, aprendidas e apreendidas nas ruas e distantes dos olhos dos pais.

Parimos inocentes ignorantes, ignorantemente não os educamos, punimos ignorantes inocentes e inocentemente nos taxamos de educados.

Eis que não é possível educar um adulto, pois todos somos educados de alguma forma. Dizer que uma pessoa foi criada em meio a um ambiente agressivo e de forma indevida não significa dizer que ela não foi educada – foi mal educada, mas educada ela foi. A boa educação é clara, é balizada nas virtudes e nas qualidades que garantem a boa convivência e toda espécie de respeito ao próximo; e isto nenhuma lei precisa explicar. Todavia, tais práticas estão inteiramente interligadas com a existência de um ambiente que pratique naturalmente tais ações, um ambiente que inspire a essa convivência e que mostre claramente seus resultados, provocando assim o Fator Eficácia e impedindo naturalmente o surgimento de iras, repulsas e rebeldias baseadas na sensação social de incapacidade, impossibilidade, injustiça, ineficácia e inutilidade. A educação está para o punir, assim como o costume está para a paz.

Foucault nos alerta que as relações de poder não possuem um centro, não possuem apenas um vetor, de modo que todos nós sofremos influência de poderes, assim como todos nós exercemos influência sobre outrem também. O Estado não é o único propulsor.

“Quero dizer que em uma sociedade como a nossa, mas no fundo em qualquer sociedade, existem relações de poder múltiplas que atravessam, caracterizam e constituem o corpo social e que estas relações de poder não podem se dissociar, se estabelecer nem funcionar sem uma produção, uma acumulação, uma circulação e um funcionamento do discurso”. (FOUCAULT, 2033, p. 179).

Outrossim, nada impede que tais propulsores atuem em consonância uns com os outros, numa dualidade “Estado/Sociedade” e sua construção histórica.

Juliano Luis Borges, Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina, reproduz em sua obra “Escola e disciplina: uma abordagem foucaultiana” a imagem de uma disciplina preventiva, rígida e eficaz no ambiente escolar. Sua abordagem vai desde tais microrrelações de poder à arquitetura escolar, composta por “espaço no qual os indivíduos possam ser vigiados nos seus atos”, sendo este útil e funcional, dividido em séries e classes, individualizando os alunos por fileiras, uniformizados – garantindo visualização do todo, obediência e melhor utilização do tempo -, com a diretoria ou supervisão no centro do prédio, sempre pregando a ideia de visão panorâmica do lugar. A certeza da punição caso haja alguma contravenção, bem como o empenho para angariar certas e sabidas gratificações mediante boas ações é fato. Ao final de seu trabalho, Borges alude que:

“Essas qualificações de caráter educativo das escolas constatadas através da vivência com alunos e das reuniões pedagógicas frequentes demonstram como os alunos se habituaram com o sistema disciplinar e legitimam a eficácia desse poder.

As reuniões entre diretoria, pais e professores são transformadas em seções de queixas disciplinares, em constatações e repressão dos alunos “desviados” no ambiente escolar”. (BORGES, p.8)

Nota-se, principalmente em seu segundo parágrafo, a participação de diretoria, pais e professores; ou seja, participação de entes distintos no processo preventivo educacional. Prosseguindo,

“A escola passa a constituir-se num observatório político, num aparelho que permite o conhecimento, o controle perpétuo de seus componentes, através dos diretores, dos professores, dos funcionários e dos próprios alunos. Essa relação hierárquica induz todos a se sentirem sempre vigiados e controlados”. (IBID)

Em complemento, inseriria também o termo “seguro”, ou “protegido”, uma vez que, sabendo do que se pode e do que se não pode fazer, tendo a consciência da razão de tais permissões e proibições, e da certeza dos resultados, subexiste uma tranquilidade; ao saber que dentro das regras de harmonização ele encontra a liberdade e a paz, ou que tais regras existem tão somente para garantir um ambiente educacional eficaz. Percebe-se mais uma vez, inclusive, que assim como na punição subexiste um caráter educativo, na prevenção também subexiste um caráter disciplinar.

“A escola e suas técnicas disciplinares fazem com que os indivíduos aceitem o poder de punir e de serem punidos. Nessa perspectiva, o poder disciplinar conquista um lugar privilegiado nos discursos e nas ações, sendo a principal personagem das relações que compõe o universo escolar”. (IBID)

Encerrando neste ponto suas palavras, por vezes percebemos uma eventual aversão popular a termos como “ordem”, “controle” ou “poder” e, de fato, a uma primeira vista são impactantes. O que se percebe, no entanto, é que o ditado popular nos diz para não confundir liberdade com libertinagem, nem rigidez ou justeza com injustiça. Nenhuma ordem se faz com permissividade, assim como o descontrole vem quando a ordem é demais, e a rebeldia e o descaso se dão, também, quando a prática não condiz com a teoria. Contudo, não há por que temer se existir um equilíbrio no que se faz e no que se diz.

E embora especialistas como Eduardo Amaral – professor da rede estadual de São Paulo – discordem do excesso de visibilidade e que quase mina a liberdade e naturalidade dos alunos, o que extraímos de positivo da obra de Foucault para o sistema educacional – não apenas escolar, mas total – é a certeza, a justeza e a eficácia da pena.

3 O PUNIR, O EDUCAR E O IMPEDIR

“A pena é uma instituição social que reflete a medida do estagio cultural de um povo, e ainda o regime político a que esta submetido”. (René Ariel Dotti)

O Fator Eficácia no que tange a Educação Repressiva possui uma influência interessante, pois recai no objetivo da pena.

Podemos imaginar que a pena é imposta para punir, para educar ou para impedir. Tecnicamente, obviamente estamos falando das Teorias da Pena, e trata-se de uma discussão que não é nem um pouco nova. A dúvida de como solucionar o problema da criminalidade caminha desde Kant e Hegel aos autores atuais.

Podemos dividir as Teorias da Pena em: Teoria Retributiva da Pena e Teoria Preventiva da Pena, sendo que esta ainda se divide em Teoria Preventiva Geral, Teoria Preventiva Especial, Teorias Mistas ou Unificadoras, e Teorias que reentram a ideia de retribuição. E, embora o objetivo deste trabalho não seja expandir em demasia a discussão sobre tais Teorias, é essencial que se identifique suas diferenças e se aponte aquela que melhor se adéqua ao tema debatido.

3.1 TEORIA RETRIBUTIVA DA PENA

Oriunda dos pensamentos de grandes nomes da Filosofia e do Direito, tem esta teoria o respaldo dos já mencionados Hegel e Kant. Este último, de forma severa nos diz que o caráter principal da pena é a punição, tão somente, partindo de um pressuposto inequívoco da justiça. Grosso modo: pecou, pagou. Não há outro objetivo se não o expurgo do delinquente, a sua purificação, a sua expiação – nas palavras de Hassemer e Muñoz Conde – ou, em simples palavras, o seu pagamento. Não há nenhuma ideia de reeducação, ou de ressocialização, reconstrução, reinserção social. Kant, prenunciador de que “O homem não é nada além daquilo que a educação faz dele” (pag. 11) é o mesmo que se revela como estandarte dos defensores desta sentença rígida, contraditória e inimiga do humanismo contemporâneo. Para Hegel, uma violência destruiria a si mesma com outra violência. Claus Roxin é um de seus críticos, desacreditando que este objetivo unicamente vingativo da pena surta qualquer efeito, ou que seja o mais ideal à condição do delinquente enquanto pessoa.

A ideia de que se pune apenas para punir não é algo razoável, pois o argumento não termina aqui. Sempre há uma razão, mesmo que seja motivada por instintos primitivos do ser humano, como a vingança, a imposição de sofrimento, o querer fazer com que se arrependa mediante a dor. No final do processo, há uma razão. É importante notar que quando se pensa em um arrependimento, este arrependimento pode ser comparado a um pressuposto educativo para a sua reabilitação, pois, arrependido, pressupõe-se que não mais voltará a cometer o mesmo ato e assim se ressocializará. Sempre há uma razão, sempre há um objetivo.

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3.2  TEORIAS PREVENTIVAS DA PENA

“Toda a punição é maldade; toda a punição em si é má” (1838). É o que antecipa Jeremy Bentham. Estas teorias, que se subdividem em outras que se sucederão d’agora, também reconhecem o mal da pena. Contudo, não encontram na simples punição uma razão final – a finalidade da punição deve alcançar particularmente uma prevenção de qualquer espécie. Nascidas ainda no Iluminismo, após a imersão numa realidade em que o Estado Absolutista reinava, Bustos Ramirez relaciona tal nascimento diretamente com o contexto histórico europeu.

3.2.1PREVENÇÃO GERAL NEGATIVA

Em suma, esta subdivisão da Teoria Preventiva da Pena encontra sua ratio na capacidade que as penas teriam de intimidar os cidadãos a não praticarem aquela infração já punida. Por isso negativa, porque não há uma prática de prevenção, mas a espera que a mera punição desestimule o infrator em potencial. Noutras palavras, a visão do sofrimento alheio é o pressuposto de que outros não queiram sofrer de igual modo e assim não se arriscariam ao ilícito penal.

Assim como a Teoria Absoluta, esta, defendida por Feuerbach, também é criticada. Muitos chegam a taxá-la de terrorista, pois ameaça, mostra aos outros o que acontecerá acaso contravenham as regras impostas pela sociedade estatal. Também, aposta na gravidade e no rigor da pena e não na certeza de punição. 

Voltando à análise de Nazario sobre a obra “Educação versus Punição”, encontramos o seguinte trecho:

“[…] no século XIX que uma nova concepção de prisão veio à tona, com vistas a uma dupla finalidade ética: o encarceramento do indivíduo como forma de reparo ao mal praticado, mas também como forma de levá-lo a se arrepender pelo ato praticado e não voltar mais a praticá-lo. No entanto, foi-se percebendo a falência desse ideário, levando em conta a impossibilidade de “(re)ssocializar quem não esteve integrado de forma efetiva na sociedade ou (re)educar quem ainda não foi educado segundo os padrões socialmente aceitos””. (VERONESE, OLIVEIRA apud. NAZARIO).

Esta seria a imposição da pena para fins de impedimento, e diz respeito à privação da liberdade do cidadão para que não volte a ferir a sociedade novamente. Quer dizer que o objetivo não é mais a educação, tampouco a simples punição sem razoabilidade, ou a educação por meio do medo, mas tão somente o objetivo de que aquela pessoa não cometa mais crimes. Noutras palavras, a possibilidade de ressocialização do indivíduo está descartada – por motivos variados -, de tal forma que não há mais esperanças quanto à sua reabilitação, ou então pela quantidade temporal da pena que excede sua própria expectativa de vida.

Massimo Pavarini assevera que “Quanto mais se castiga alguém que tenha cometido um delito leve, mais profissional ele será quando voltar ao crime” (2003), porém, mais ainda do que punir levianamente cidadãos livres por pouco deslize, há também problemáticas na imposição de uma pena excedente, pois, se o objetivo da pena é baseada no medo ou na reeducação, dizer que uma pessoa jamais deixará as celas de uma prisão é o mesmo que dizer que a prisão não faz mais sentido algum, já que aqui não há pressuposto educacional algum. O único sentido que fará é o impedimento, o isolar o criminoso, perigoso, do restante da sociedade; porém, se não há mais a possibilidade de que ele se recomponha, coloca-se em pauta a necessidade da existência de uma pena de morte ou não, pois a prisão perpétua gera gastos financeiros, pessoais e psicológicos a todos os envolvidos e não tem outro fim senão segregar o preso do mundo exterior. Não existe um caráter educacional, mas simplesmente de fim. Espera-se o fim. Não há esperança qualquer, não há a busca por uma solução, de tal forma que a única solução é a espera pela morte do detento, que mais cedo ou mais tarde virá.

3.2.2 PREVENÇÃO GERAL POSITIVA

A resposta do parágrafo anterior recai naturalmente nos termos de uma pena dura e certa. Aqui se encontram outros pensadores notáveis do Direito, como Roxin, Hassemer, Welzel e Jakobs, que creditam à pena uma qualidade de não apenas intimidar os cidadãos à prática do delito, mas também de que, sabendo que a pena é certa e justa, impulsione-os a acreditar no Direito e na justiça.

A crítica feita a esta vertente das Teorias Preventivas é a inexistência de comprovações científicas que fundamentem tal pensamento; para tais críticos, esta teoria que tem sua confiança depositada na eficácia da punição simplesmente não é eficaz. Entretanto, há o entendimento de que a consciência de uma pena dura e certa ou maleável e incerta é, também, a razão para que um criminoso cometa ou recometa determinado ato sabendo das suas consequências. De forma que enxerga-se claramente, aqui, a existência do Fator Eficácia no sistema repressivo, ou seja, a sensação que o indivíduo tem da eficácia das penas; pois, se elas são largas e maleáveis, não serão respeitadas, mas, se são claras e certas – justas -, o sentimento do indivíduo será absolutamente contrário. É mister frisar que determinadas situações impelem o indivíduo a cometer determinados atos, ilegais, mesmo sendo dotado de toda educação e conhecimento possíveis, além de toda cautela; tais atos, que tangem à qualidade subjetiva do ser humano, às suas emoções, que mechem com seu âmago, são incontroláveis. Para este momento é que o legislador inteligentemente se antecipou e tipificou os crimes motivados por relevante valor social ou moral, não restando outra desculpa para isentar o cidadão educado de um crime por ele praticado. Todavia, pondo fim a este trecho, uma vez que se indagou a respeito da qualidade reeducativa das penas, cabe perguntar: Qual a melhor forma reeducativa das penas? Qual a pena que melhor educa? Adianta-se que a melhor pena e a única e mais justa cabível é aquela que se caracteriza simplesmente por ser justa.

3.3 PREVENÇÃO ESPECIAL

Franz Von Liszt possivelmente é um dos ícones no que diz respeito a esta teoria. Enquanto a Prevenção Geral tem como alvo a ideia de que a punição de um delito sirva de exemplo para a sociedade como um todo, a Prevenção Especial visa apenas o delinquente; ou seja, não se espera que a aplicação da pena intimide todos que tomem conhecimento dela, mas que ela simplesmente leve o delinquente a não praticar o mesmo delito novamente. Dividida em duas, tem que:

“A prevenção especial positiva representa o intento ressocializador, a reeducação e a correção do delinquente, realizado pelo trabalho de psicólogos, sociólogos, assistentes sociais entre outros, visando com a aplicação da pena, a readaptação do sujeito à vida em sociedade”. (CORDEIRO, 2009)

Enquanto a prevenção especial negativa:

“[…] pretende com a aplicação da pena, a intimidação do delinquente, sua inocuização, para que não volte a delinquir”. (IBID)

Se por um lado a Prevenção Especial Negativa recebe ataques óbvios por pretender a mera inocuização ou intimidação, a Prevenção Especial Positiva sofre investidas bem mais filosóficas e morais; estas vão em direção à questão da mutabilidade ou não da moral de um humano adulto, se a maioria consensual tem o direito de submeter o delinquente a um processo reeducativo ou não, apelando também a argumentos de discriminação.

Interessante notar que o primeiro pensamento que vem à mente das pessoas é o sofrimento como pena. O sofrimento é a mais forte das dores que uma pessoa pode sentir, e é natural que elas pensem no sofrimento como pena pelos atos cometidos, pois esse é o pior dos tormentos. Não obstante, é incrivelmente normal ouvir comentários de morte para aqueles que cometem crimes hediondos, provindos da boca de um simples cidadão que almeja justiça a qualquer custo – e de forma rápida.

A visão do inferno às quais as crenças religiosas nos remetem são auspiciosas quando falamos de objetivo da pena. O mal de todos os sentidos humanos: o mal cheiro, a pele derretendo eternamente, os olhos embargados num choro incessante, o gosto da própria carne e do próprio sangue, os gritos causticantes e aterrorizados de desespero e arrependimento. Arrependimento: um termo utilizado aqui de forma essencial, pois este nunca existiu, apenas se manteve no imaginário das pessoas. Qual o objetivo de tal punição? Qual objetivo teria uma pena tão terrível, se não haveria futuro algum para tais infelizes? Pois, uma vez lançado nesse lago de chama e enxofre e que tortura todos os sentidos, não haveria mais nenhuma salvação, nenhum arrependimento tão eficaz que os fizesse tirá-los de lá. Qual ser aplicaria pena tão terrível e inimaginável a alguém? Ideia que ultrapassa todos os pensamentos normais e de sociedade e humanidade, já que o objetivo seria tão somente o de sofrer? Acontece que o objetivo de tal pena – ou da ideia de tal pena – nunca foi de coisa alguma, senão a da ameaça que tem o intuito de impactar os que ouvem a seu respeito, seguindo assim as regras de sua doutrina por meio não do amor ou da educação propriamente dita, mas pelo medo da punição futura. Note-se que o temor, o conhecimento e consequente não ação pode até se incluir na teoria da educação preventiva, pois impede que haja a mera existência do fato contraventor. Acontece que a pena de tal doutrina jamais se cumpriu, e o tempo a cada dia mais se vai, causando em vários de seus seguidores a descrença e o relaxamento e a dúvida. Também, ressalte-se a falha da imposição da ordem pelo medo, e não pelo amor e das bondades sociais, pois seus fiéis – teoricamente cidadãos – apenas fingem seguir suas doutrinas, cumprindo pelas metades, parcialmente, suas disposições, uma vez que não condizem com seu ambiente primeiro. A doutrina que se utiliza de tais crenças é um dos exemplos mais evidentes que não apenas o temor das penas resolve, e que de forma significante e preponderante o fator eficácia – do ver acontecer – pode macular qualquer processo educacional.

Mas, quando falamos que a punição existe para educar, assume-se a ideia de que a pena por si só possui um caráter educativo, ou seja, que o pagamento de uma punição mediante a dor ou o privamento de liberdades poderá impelir o criminoso a não praticar mais o mesmo ato. A razão do não praticar outro ato pode ser: a consciência de que aquele ato praticado é errado, ou a consciência de que se cometer outro ato igual terá uma pena maior ainda. Neste último caso, quando falamos que o agente possui a consciência de que será punido novamente, não estamos falando de um argumento com fins educativos, mas com fins tão somente intimidantes; o que se tem não é outra coisa se não a ameaça, o saber instintivo de que será novamente punido. Contracenso a este, que é baseado unicamente na punição, temos a outra razão, que é a consciência de que aquele ato praticado é errado. Ora, saber que aquele ato praticado é errado não se trata necessariamente de um saber que vise à reeducação ou reabilitação do detento, uma vez que existe a larga possibilidade de que, antes do cometimento do ato, já soubesse e tivesse a consciência de existência do crime e das consequências. Se, portanto, o agente possuía consciência de suas consequências, por que o cometeria mesmo assim? Também, se mesmo na punição pelo simples ato de punir subsiste um objetivo, mesmo que seja o arrependimento pela dor ou pelo medo, poder-se-ia dizer que o objetivo da pena é sempre o fim reeducativo? A impressão, por tudo exposto no presente capítulo, é que sim: a pena sempre possuirá um caráter educativo. Por outro ângulo, a pena de caráter impeditivo pode não fazer mais diferença alguma para o próprio detento que sofre com a prisão perpétua, mas, e para a sociedade? Qual o sentimento gerado na sociedade, para aqueles que por desventura pensam em cometer um crime qualquer, ao certificar que os criminosos que praticaram tais atos tiveram uma pena dura e certa? Deixariam de cometê-lo?

3.4 TEORIAS MISTAS OU UNIFICADORAS

A pluralidade funcional da pena e a sua não unidimensionalidade são as bases desta teoria lançada por Claus Roxin. Nem absoluta, nem relativa, mas as duas num sopesamento justo. Ora, não se faz necessário que apenas uma visão ou apenas um objetivo se faça presente na prestação das punições aos delinquentes a cumprir pena qualquer. Também chamada de eclética, dialética ou aditiva, tem como finalidades prevenir – combatendo o crime e evitando a reincidência – e ressocializar – reintegrando o condenado ao convívio social.

Esta última nos parece a mais eficaz, a mais justa, adequada, equídea e com um potencial muito maior de solucionar o problema do Direito Penal. Não apenas puni-lo, mas garantir que ele não volte a cometer o mesmo crime, que outros não cometam crime algum e, caso cometam, que sejam reintegrados da melhor forma possível à sociedade. A questão, que nenhum dos doutrinadores invocados indagam é: A sociedade está pronta para recebê-los? Ou, ainda, até que ponto o meio ambiente natural daquele cidadão foi determinante na prática do seu crime? Pois, se por ventura o seu meio ambiente é o grande impulsionador do crime cometido, torná-lo para lá será como devolvê-lo ao chiqueiro de onde veio, e não adiantará em absoluto quantos milhões de vezes nos dispormos a limpá-lo. 

4 A RAIZ DO PROBLEMA

“Os filhos tornam-se para os pais, segundo a educação que recebem, uma recompensa ou um castigo”. (J. Petit Senn)

Não há eficácia na recuperação do indivíduo se ele é retirado de seu ambiente, uma vez que, quando retornar para seu ambiente natural, nada terá mudado lá. Também, nem ao menos a recuperação em ambiente diverso tem a garantia de surtir efeito.

A depender de qual crime foi praticado, o problema pode estar em seu ambiente primeiro, no qual cresceu, ou viveu, ou onde o crime se deu. Retirando o individuo de tal local e levando-o para uma casa de detenção, ou recuperação, ou penitenciária, o que se está fazendo não é outra coisa senão concedendo-o livramento de seu habitat, fazendo com que ele se ausente por um determinado tempo – mas a causa do problema continuará lá, continuando a instigar a ele e aos demais, quem sabe criando novos criminosos eventuais. Por obviedade, está-se falando de problemas sociais que atiçam, que seduzem a pessoa ao crime, pois, se não o for, o problema é psicológico, cabendo a entidades psiquiátricas e não criminais. Eis que os crimes são problemas naturalmente sociais, por duas razoes: 1) o crime apenas existe porque assim se legislou; 2) e se o crime foi praticado é porque a educação social primeira falhou. Ou seja, se um ato é tipificado como crime, e se os crimes são contravenções, afrontas aos consensos sociais, a ocasião da prática de um crime significa que a lei está deslocada – é incondizente com os verdadeiros princípios sociais -, ou o próprio autor do crime está deslocado da sociedade. Conserta-se um ou outro, e uma vez a falha constatada é que se conserta. Mas pode acontecer de não a pessoa, mas a sociedade e seu processo ético-educacional ser o problema. Nos casos de problemas comportamentais específicos, é dever dos pais e de todos os que conhecem o problema detectá-lo e resolve-lo. Ora, somos um organismo, que deve ser ordenado para que bem se componha e bem se recomponha, e um – ressalvados direitos individuais – deve cuidar e se atentar aos problemas dos próximos e ademais.

O problema social, causa direta de grandes problemas, devem ser resolvidos no ninho, ou seja, o fator preponderante não é que o criminoso vá até a penitenciária, mas que a força educativa do Estado vá até o lar do criminoso. É fundamental que se entenda e se compreenda qual a fonte do problema, qual a sua razão. Pode acontecer de o próprio Estado ser o criador do crime – porque legisla -, seu causador – porque educa –, e seu executor – porque pune pela má educação que ele próprio dá ou pela lei que muito mal criou.

Assim, os gastos que hoje são direcionados ao organismo repressivo, passariam a ser gastos com o organismo preventivo. Arthur Lewis de forma brilhante nos alerta que “Educação nunca foi despesa. Sempre foi investimento com retorno garantido”. Contudo, cabe ao Estado decidir se gastará e se empenhará na punição ou na educação. A realidade, hoje, nos parece dizer claramente qual foi a sua escolha.

5  QUALIDADE EDUCATIVA, REGRATÓRIA E PUNITIVA

“A punição cabe ao juiz, a repreensão, a todos”. (Miguel de Cervantes)

Não que se almeje aqui a tese de uma sociedade perfeita – o fato é que estipulando paradigmas para uma educação e um sistema reeducante ideais, em muito se colabora, consequentemente, com a sociedade enquanto o todo. A educação, que posteriormente constrói toda uma cultura, verdadeiramente é a base e o início do processo, bem como ressoa seus ensinamentos no futuro e na história.

Como o ambiente, por inteiro, influencia na educação das crianças e jovens, nada mais justo é que todo o ambiente se responsabilize por tal formação. A democracia participativa proposta e defendida por Boaventura de Sousa Santos (2003) é um pensamento que se assemelha em muito com este em questão, pois não basta a ele apenas a intervenção estatal, e sim que as comunidades, os bairros, unam-se e se reformulem. Não basta mais que haja uma democracia, mas que tal democracia seja de qualidade e bem aproveitada, sem que os pais e professores transfiram suas responsabilidades uns aos outros, assim como as pessoas não podem jogar suas responsabilidades naturais enquanto cidadãos para seus representantes.

Percebe-se que a educação deve ser comunitária, dialética e referencial – exemplar -; as regras rígidas e justas; e as penas reeducativas, equilibradas e reestruturantes.

De fato educação e ensino não são sinônimos, mas se aproximam e confundem, pois, mesmo que se lecionem matérias técnicas, os alunos têm no professor, no mestre, um ponto de referencia, a quem seguir, para onde ir, como fazer, e seu mero comportamento influencia grandiosamente no caráter de seus discípulos – mesmo que seja ao elaborar teorias matemáticas -; possível que seja referencia maior até que seus pais e família; um herói, um lugar aonde se quer chegar. Ou simplesmente como um exemplo.

Ainda, se explica a educação dialética, comunitária e referencial. Dialética porque, mesmo que a organização dos entes educacionais e suas atividades curriculares venham do Estado, mesmo o Educacionismo sendo uma ideologia, é de extrema importância que não haja intervenção de partidos e demais ideologias políticas. Isto porque o objetivo é o ensino por meio da filosofia e das ciências, bem como da orientação e do debate, e não pela alienação partidária. A escola não é um ambiente para fortalecer governos temporais, mas para fortalecer a sociedade atemporal. Comunitária porque o processo é local, e não isolada ou macro, ou seja, toda a organização educacional deve ser instalada no bairro, transformando-se em minicidades, capazes de proporcionar às crianças e jovens tudo o que necessitam para um crescimento saudável, e por ser compacto dar possibilidade à democracia participativa de Boaventura – através da participação, fiscalização e controle direto de seu ambiente. Exemplar, ou referencial, porque todas as atividades e todos os ensinos teoricamente lecionados nas escolas devam ser visualizados no cotidiano, na prática, nas atitudes de seus cidadãos. A razão é evitar o conflito entre a teoria e a prática, causando a descrença, a sensação de ineficácia social e eventual futura rebeldia dos mais jovens. É interessante ressaltar que a escola pode ensinar para manter a sociedade como está, ou para melhorá-la; se a primeira hipótese, necessariamente a verdade fictícia das salas de aula deve ser visualizada nas ruas e, se a segunda, os esforços para melhorá-la devem ser evidentes.

As regras, por sua vez, devem ser equilibradas e justas. A redundância é importante para reforçar a ideia, e para que se entenda a qualidade justa de tais regras é importante que se esqueça do termo Justiça como romantismo, pois aqui a ideia é mesmo de justeza, de ser do tamanho certo, de caber adequadamente, de ser equilibrada. Nem rigidez demais, nem rigidez de menos. Primeiramente, temos a configuração de regras de que sejam necessárias, e uma vez configuradas, que sejam regras rígidas. Temos como exemplo a progressão das penas, que em casos pode ser minada pela metade ou até mais, deixando um sistema penitenciário fechado para um aberto, relaxando de tal forma as regras que causem a sensação de desequilíbrio e de impunidade. Que seja branda, mas que seja certa, e não pesada demais que se mine a zero. Aliás, que não seja nem pesada nem branda, mas tão somente justa.

As penas devem ser reestruturantes e reeducativas. Reestruturantes porque não deve apenas visar o preso e sua condição física e de liberdade, mas também a ambiência de onde veio, de onde nasceu, de onde se praticou o crime, no intuito de entender qual a razão do problema, no objetivo de solucioná-lo também. Ora, mesmo a punição do indivíduo visa solucionar um problema, que é a recuperação do mesmo por intermédio da dor, da privação e do arrependimento, de tal modo que atentar-se apenas para o indivíduo e não para suas causas sociais não é um procedimento muito eficaz. A reestruturação deve ser completa, abrangente e visionária, e não parcial ou imediatista. E, enfim, reeducadora porque as punições – que de toda forma já possuem uma característica educadora – devem ser no intuito de reintegrá-lo. A intenção não é largá-lo, mas entendê-lo e resolvê-lo.

DISPOSIÇÕES FINAIS

Em tais disposições finais, de forma inequívoca é possível concluir a eficácia da educação em todo o qualquer processo. Apesar de ser difícil pensar ou se chegar a uma sociedade perfeita, a educação como meio de prevenção se mostra extremamente eficaz, apesar de que o fator subjetivo do ser humano sempre influenciará também.

Digamos que o oleiro, ao fazer um vaso, precisa acertá-lo desde o seu início, para não precisar quebrá-lo futuramente, já pronto, para consertá-lo. Contudo, nenhum vaso é integralmente idêntico aos demais, nem que tal diferença seja uma mera saliência imperceptível – mas que pode fazer uma diferença imensa. Duas pessoas criadas nos mesmos moldes, submetidas a uma mesma situação, podem apresentar traumas diversos.

A prevenção almejada, mediante o terror e o medo da promessa punitiva apenas surte efeito acaso tal pena seja justa, rígida, certa, com fins reeducativos e reestruturantes. O Fator Eficácia, termo apresentado neste trabalho, de igual maneira é culminante tanto para a educação preventiva quanto para a reeducação repressiva. 

Por fim, entende-se que os crimes sempre existirão, pois, mesmo que se solucione todos os problemas de cunho social, ainda assim o fator psicológico continuará a existir. Entretanto, os esforços em prol de uma educação efetiva e uma punição democraticamente social, firme, ao passo que equilibrada é capaz de minar a incidência dos crimes de modo considerável. Envolve desenvolver um entendimento diferente do que seja processo educacional e uma ideia social sobre qual é o objetivo da pena.

Há de se evitar a punibilidade excessiva, tornando real a sentença de Apuleio, ao dizer que “Basta premeditar um ato punível para ser passível de punição”. Também, não caiamos na armadilha premeditada por Sêneca, pois “Está perto de punir com prazer quem condena apressadamente; está perto de punir injustamente quem condena com excesso.” Certamente, nem o excesso, a mora ou o radicalismo devem ser o escopo da punição. Mas que, como bem discursou Ovídio, “Que a minha punição corresponda meu crime”, e que se faça a sua máxima de “Os que merecem a punição aceitam-na com o espírito sereno”.

Para tanto é preciso a Justiça, de justeza, de ser justo, de servir bem.

 
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Nota:
[1] Trabalho orientado pelo Professor João Paulo Orsini Martinelli


Informações Sobre o Autor

Schleiden Nunes Pimenta

Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie; aluno de mestrado na Faculdade de Letras Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo; conciliador capacitado pela Justiça Federal da 3a Região em Campinas; pesquisador nas áreas de Literatura e Filosofia Teoria da Justiça e Direitos Humanos


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