Punitive damages ou teoria do valor do desestímulo – análise crítica da sua aplicação no direito brasileiro

Resumo: O presente artigo analisa o instituto da responsabilidade civil com enfoque no aspecto punitivo das indenizações por danos morais. O artigo avalia a adoção da Teoria do Desestímulo e os seus pontos positivos e negativos apontados pela doutrina e jurisprudência. Averiguou-se que, a despeito de ainda haver dissidência doutrinária e jurisprudencial acerca da aplicação das indenizações punitivas, tem havido uma evolução lenta em aceitá-la, porém com reservas. O Superior Tribunal Justiça declara-se adepto da Teoria do Punitive Damages, embora advirta que sua aplicação não deve ser irrestrita e ressalve que deve ser evitado o enriquecimento ilícito da vítima.

Palavras chave: responsabilidade civil – indenizações punitivas.

Abstract: This article analyzes the institute civil liability focusing on punitive aspect of compensation for moral damages. The article evaluates the adoption of the Theory of Unincentive and their strengths and weaknesses highlighted by doctrine and jurisprudence. It was found that, despite there is still dissent doctrine and jurisprudence on the application of punitive damages, there has been a slow evolution to accept it, but with reservations. The Superior Court Justice declares its adept Theory of Punitive Damages, but warn that their application should not be unrestricted, he notes that should be avoided illicit enrichment of the victim.

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Keywords: liability – punitive damages.

Sumário: Introdução. 1. Responsabilidade Civil. 1.1. Conceito. 1.2. Elementos. 1.3. Quantificação das Indenizações por Danos Materiais e Morais. 2. A Teoria do ”Punitive Damages” ou Teoria do Valor do Desestímulo. 2.1 Conceito. 2.2. O STJ e a adoção da Teoria do Valor do Desestímulo. 2.3.Análise Crítica da Possibilidade de Aplicação das Indenizações Punitivas no Direito Brasileiro. Conclusão.

Introdução

A responsabilidade civil é um dos temas mais importantes do Direito Civil, por conta do papel relevante que desempenha na sociedade, na medida em que dispõe sobre a reparação e compensação de danos patrimoniais e extrapatrimoniais, atuando como um instrumento de paz e harmonia social.

Após a consagração da indenização por danos morais pela Constituição Federal de 1988, grande polêmica se instaurou em torno do seu arbítrio, pela ausência de critérios objetivos previstos em lei. O arbítrio da indenização por danos morais restou, então, delegado ao magistrado, que nos casos concretos, decidirá de acordo com o seu prudente arbítrio, utilizando-se da equidade.

Atualmente, a controvérsia ocorre em relação à natureza das indenizações por danos morais, fator este importante para sua fixação. A questão é: ao fixar a indenização por danos morais, o magistrado deverá considerar somente o aspecto compensatório ou deverá ainda considerar o aspecto punitivo?

Desse modo, convém analisar a aplicabilidade das indenizações punitivas e seus reflexos no ordenamento jurídico brasileiro.

A responsabilidade civil é um tema que vem ganhando novos contornos, sempre no sentido de amparar uma vítima que sofreu um dano injusto, buscando formas adequadas de responsabilizar o ofensor.

O Direito tem evoluído de modo a proteger cada vez mais os direitos de personalidade, mormente a dignidade da pessoa humana, visando coibir ameaças e lesões aos atributos personalíssimos do homem contemporâneo.

1.Responsabilidade Civil

1.1.Conceito

No âmbito jurídico, a palavra responsabilidade usualmente refere-se ao fato de responder pelo ato que se pratica. Traduz, portanto, um dever, uma imposição decorrente de algum ato.

Carlos Roberto Gonçalves (GONÇALVES, 2011, p.50) elucida que “a palavra ‘responsabilidade’ origina-se do latim re-spondere, que encerra a ideia de segurança ou garantia da restituição ou compensação do bem sacrificado”, significando, portanto, obrigação de ressarcir ou restituir.

No entendimento de Sílvio Venosa (VENOSA, 2011, p.1):

“O termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as consequências de um ato, fato ou negócio danoso. Sob essa noção, toda atividade humana, portanto, pode acarretar o dever de indenizar.”

O instituto da responsabilidade existe em vários ramos do Direito, como penal, administrativo, tributário, e etc.

A responsabilidade civil, portanto, é o dever de indenizar, de ressarcir, uma vítima que sofreu um dano injusto por conduta imputada a determinada pessoa ou pessoas.

Desde os primórdios da humanidade existe a reparação do dano. O Código de Hamurabi, elaborado pelo rei Hamurabi por volta de 1.700 a.C., foi o primeiro Código de Leis escrito pelo homem e trazia em seu bojo diversas disposições sobre a reprovação a danos causados. Naqueles tempos a retaliação do dano era feita através da retribuição do mal causado, independentemente de culpa, de acordo com a pena de Talião, conhecida pela máxima “olho por olho, dente por dente”. (PEREIRA, 1998, p. 1)

Entre o final do século III e início do século II a.C., foi aprovada em Roma a “Lex Aquilia de Damno”, cuja ideia centralizadora era a responsabilização do agente que causou dano a outrem mediante a existência da culpa. Se o agente agisse sem culpa, estaria isento de qualquer responsabilização. Esta lei também atribuiu um caráter pecuniário à responsabilização, considerando-se o valor do bem destruído ou danificado. (PEREIRA, 1998, p. 3 a 6)

A “Lex Aquilia de Damno” disseminou nas legislações mundiais a ideia de responsabilidade mediante culpa.

 Cumpre salientar, inclusive, que o Código Civil Brasileiro foi influenciado pela referida lei, pois traz como regra a responsabilidade civil fundada na culpa do agente.

Atualmente, entende-se que a responsabilidade civil pode surgir de duas formas distintas: pelo descumprimento de uma norma contratual ou pela inobservância de uma imposição da lei. Há, portanto, a responsabilidade civil contratual e extracontratual, esta última também denominada de responsabilidade civil aquiliana, face a “Lex Aquilia Damno”, que fixou os parâmetros da responsabilidade civil extracontratual. (DINIZ, 2009, p. 119-120)

A responsabilidade contratual surge nos casos do inadimplemento de uma obrigação, relacionado a um contrato existente entre as partes (ofensor e vítima).

A responsabilidade extracontratual, por sua vez, tem por fundamento a ocorrência de um ato ilícito, que passou a englobar também o abuso de direito, numa inovação do Código Civil (BRASIL, 2002), conforme se depreende da leitura dos arts. 186 e 187 do citado diploma legal. Ipsis litteris:

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

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Da leitura do artigo 186, extrai-se que o ato ilícito, causa necessária para a existência da responsabilidade civil extracontratual, compõe-se de uma lesão a um direito cumulado com um dano sofrido por outrem. O artigo 187 consagra o abuso de direito como ato ilícito, ou seja, o ato inicialmente lícito torna-se ilícito ao exceder os limites impostos pelo seu fim econômico e social, boa-fé ou bons costumes.

A consequência da prática destes atos ilícitos,é o dever de indenizar, conforme expressamente previsto no artigo 927 do Código Civil.

Ante todo o exposto, depreende-se que a responsabilidade civil extracontratual é o dever de indenizar decorrente da prática de ato ilícito imputada a alguém, e que, em regra, necessita do elemento dolo ou culpa para restar caracterizada.

1.2. Elementos

Prevalece na doutrina – Sílvio Rodrigues (2003), Maria Helena Diniz (2009), Sílvio Venosa (2011) – entendimento de que são quatro os pressupostos do dever de indenizar, quais sejam: ação ou omissão do agente, dolo ou culpa, nexo de causalidade e dano.

A ação é uma conduta positiva, enquanto que a omissão é uma conduta negativa. A ação ou omissão podem ser tanto voluntárias quanto por imprudência, negligência ou imperícia.

A responsabilidade por ação ou omissão pode derivar tanto de ato próprio do agente, quanto de ato de terceiro que esteja sob a guarda do agente e ainda de danos causados por coisas ou animais que lhe pertençam.

No que tange ao elemento dolo/culpa, impede esclarecer que muitas vezes é chamado apenas de “culpa genérica”, termo este que engloba tanto o dolo quanto a culpa em sentido estrito. (VENOSA, 2011, p. 24)

O dolo constitui uma violação intencional do dever jurídico, enquanto que a culpa em sentido estrito é a violação de um dever jurídico do agente que age com imprudência (sem a cautela devida), negligência (sem a atenção e discernimento necessários) ou imperícia (sem a qualificação ou conhecimentos necessários para praticar o ato), no entanto sem a intenção de provocar a causa.

Cabe ressaltar que, para o Direito Civil, não há diferenciação entre o ato ilícito praticado com dolo ou com culpa, sendo a consequência para ambos os casos a mesma. (RODRIGUES, 2008, p.148)

Assim, para que haja a responsabilidade civil, a ação ou omissão deve, em regra, ter sido praticada com culpa ou dolo. Em alguns casos expressamente previstos, o elemento culpa é prescindível, bastando para configurar o dever de indenizar a presença do dano e do nexo de causalidade, é a chamada responsabilidade objetiva, que será melhor detalhada adiante. (PEREIRA, 2002, p.365-366)

Outro elemento constitutivo da responsabilidade civil é o nexo causal. O nexo causal é a relação de causa e efeito entre a conduta do agente e o dano suportado pela vítima. Dentre todos os elementos da responsabilidade civil, o nexo de causalidade é considerado o mais complexo, sua detecção nos casos concretos por vezes acarreta em tarefa hercúlea ao operador do Direito.( VENOSA, 2011, p.53)

Por fim, temos o dano ou prejuízo sofrido pela vítima. Para que haja o pagamento de uma indenização, é necessário comprovar a ocorrência do dano. O ônus da prova, via de regra, cabe ao autor da demanda.

O dano pode ser patrimonial ou extrapatrimonial, também chamados respectivamente de dano material e dano moral. Os danos materiais atingem o patrimônio corpóreo da vitima e são dosados pela diferença entre o valor atual do patrimônio da vitima e aquele que teria, no mesmo momento, se não houvesse sofrido o dano.

O dano material pode ser ainda emergente ou futuro. O dano emergente é o dano real e efetivo, enquanto que o dano material futuro, chamado de lucro cessante, refere-se a privação de um ganho pela vítima, valores que deixou de auferir em face da ocorrência do dano.(DINIZ, 2009, p.65)

O dano moral passou a ser expressamente previsto no ordenamento jurídico brasileiro com o advento da Constituição Federal de 1988. Prevalece na doutrina que o dano moral é uma lesão aos direitos de personalidade. A intenção da indenização por dano moral não é quantificar a dor ou sofrimento, mas sim compensar a vítima pelo dano sofrido. Importante lembrar que as pessoas jurídicas também são passíveis de sofrer danos morais. (DINIZ, 2009, p.84)

Não é necessário, para que haja a existência de danos morais, sentimentos como dor ou sofrimento, basta que tenha havido a ofensa.

A conduta humana, a culpa genérica, o nexo de causalidade e o dano são os quatro elementos constitutivos da responsabilidade civil. No entanto, o Novo Código Civil inovou ao trazer situações expressas em que o elemento culpa é prescindível, constituindo a responsabilidade civil objetiva. (RODRIGUES, 2008, p.17)

Com o avanço das relações sociais, a responsabilidade civil subjetiva passou a ser insuficiente para resolver todos os problemas surgidos. Os avanços tecnológicos e industriais multiplicaram os riscos na mesma medida em que tornaram a detecção da culpa dificultosa. (RODRIGUES, 2003, p.11)

Foi então que surgiu a responsabilidade objetiva, fundada na teoria do risco, segundo a qual todo dano deve ser reparado e com o intuito de permitir ao lesado a obtenção de ressarcimento pelos danos sofridos, ante a dificuldade da prova da culpa nos casos concretos.

De acordo com a teoria do risco, toda pessoa que exerce uma atividade cria um risco de dano para terceiros, assim é reparável o dano causado a outrem em consequência de uma atividade realizada em benefício do responsável. (DINIZ, 2009, p.50)

Na responsabilidade objetiva não se exige, portanto, a presença do elemento culpa, mas sim do elemento risco. Importante ressaltar que o risco deve resultar do exercício da atividade e não do comportamento do agente. No dizer de Maria Helena Diniz (DINIZ, 2009, p.51):

“A responsabilidade, fundada no risco, consiste, portanto, na obrigação de indenizar o dano produzido por atividade exercida no interesse do agente e sob seu controle, sem que haja qualquer indagação sobre o comportamento do lesante, fixando-se no elemento objetivo, isto é, na relação de causalidade entre o dano e a conduta de seu causador.”

Nos casos de responsabilidade objetiva, o autor da ação somente precisa comprovar a conduta humana, o dano e o nexo de causalidade existente. Caberá ao réu, mediante inversão do ônus da prova, comprovar a existência de um dos excludentes para que não haja, neste caso, o dever de indenizar.

O Código Civil (BRASIL, 2002) passou a admitir expressamente a responsabilidade objetiva, conforme regra constante em seu art. 927, parágrafo único, verbis:

“Art.927. Aquele que, por ato ilícito (186 e 187), causar dano a outrem, é obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

Na responsabilidade objetiva, a atividade que gerou o dano é lícita, e o agente que exerce a atividade tem a obrigação de cuidar para que dela não resulte prejuízo a outrem. Caso a atividade prejudique alguém, o agente terá o dever ressarcitório, bastando para tanto que reste comprovado o nexo causal entre a atividade e o dano.

Importante ressaltar que a atividade de risco não é a única hipótese de incidência da responsabilidade objetiva. Haverá também a sua incidência sempre que for expressamente previsto em lei. (MONTEIRO, 2003, p.455)

Existem ainda outros casos de responsabilidade objetiva previstos no CC, como a responsabilidade por atos de outrem, em que determinada pessoa poderá ser chamada a responder pelos atos de outras, ainda que não tenham agido culposamente, nas hipóteses previstas no art. 932:

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“Art. 932.São também responsáveis pela reparação civil:
I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;

III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;
IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;

V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.”

Outra situação de responsabilidade objetiva é a responsabilidade por fato de semovente (art.936), que caberá ao dono ou detentor do animal. Esta responsabilidade pressupõe o poder de comando sobre o animal, sendo que, se o dono transferiu a posse ou detenção do animal a terceiro, não mais terá responsabilidade pelo fato do semovente.

São ainda casos de responsabilidade objetiva a responsabilidade pelos edifícios em ruínas ou construção, prevista no art. 937 e a responsabilidade por objetos lançados, expressa no art. 938.

Existem ainda várias previsões de responsabilidade objetiva fora do Código Civil, como por exemplo, responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço, trazida pelo Código de Defesa do Consumidor, dentre outras.

Em síntese, foi visto que para que haja a responsabilidade subjetiva, é necessária a presença concomitante dos elementos conduta (ação ou omissão), culpa ou dolo, nexo de causalidade e dano, e para que haja a responsabilidade objetiva, é necessário tão somente a conduta, nexo de causalidade e dano.

1.3. Quantificação das Indenizações por Danos Materiais e Morais

Como já visto, a responsabilidade civil é o dever de reparação oriundo, em regra, de ato ilícito, imputável à determinada pessoa ou pessoas, que tenha causado um dano a outrem, dano este que pode ter tanto cunho material quanto moral.

A responsabilidade civil obriga à indenização se houver dano a alguém. A palavra indenização vem de indenizar que significa “tornar indene”, ou seja, sem dano. A indenização se dá quando alguém, após causar o dano, tenta repô-lo ou repará-lo. (DOWER, 2008, p. 454-455).

Verificada no caso concreto a responsabilidade civil do agente, passa-se então a quantificação da indenização.

No que tange ao dano material, sua reparação pode ocorrer tanto pela restituição do bem lesado ao “status quo ante” quanto pela indenização pecuniária. Cabe lembrar que na maioria das vezes, a restituição do bem lesado à situação anterior é impossível no caso concreto, sendo mais adequada a indenização pecuniária para restituição dos danos causados.

Nesse sentido, dispõe o art. 944 do Código Civil (BRASIL, 2002) que a indenização se mede pela extensão dos danos.

Por se tratar de um dano que atinge bens materiais, a indenização por dano material é suscetível de avaliação pecuniária. Assim, basta mero cálculo diferencial estabelecido entre o patrimônio atual da vítima após o dano sofrido e o patrimônio que teria, caso o dano não tivesse ocorrido. (LIMA FILHO, 2008, p.82)

Desse modo, por exemplo, se o agente destrói completamente o veículo da vítima, deverá ressarci-la, indenizando-a com o valor correspondente ao veículo destruído.

Observa-se que, na quantificação da indenização por danos materiais busca-se tão somente o ressarcimento. Não há que se falar em compensação à vítima.

No que tange a indenização por dano moral, consagrada definitivamente pela Constituição Federal de 1988, a dosimetria se torna muito mais complexa. Isso ocorre porque o dano moral afeta o ânimo moral da vítima, atuando dentro dos direitos da personalidade, sendo, portanto, insusceptível de avaliação pecuniária.

Flávio Tartuce (TARTUCE, 2011, p. 453) esclarece que para a reparação do dano moral não se requer a determinação de um preço para a dor ou sofrimento, mas um meio para atenuar as consequências do dano moral sofrido, o que traz o conceito de lenitivo, sendo a indenização por danos morais mais uma compensação do que uma reparação.

Nos danos morais, não há expressão econômica e nem possibilidade de retornar ao “status quo ante”.

Não há no ordenamento jurídico brasileiro critério legal específico para o arbitramento da indenização por danos extrapatrimoniais. Vige atualmente no Brasil o sistema aberto de quantificação da indenização por danos morais, que será feito, nos casos concretos, pelo prudente arbítrio do magistrado, que deve agir com equidade. (STOCO, 2011, p.1922-1923)

É pacífico, no entanto, que o magistrado deverá se pautar na razoabilidade e proporcionalidade, analisando a extensão do dano e as condições econômicas da vítima e do ofensor, dentre outros.

Em contrapartida ao sistema aberto, existe também o sistema tarifado ou fechado, que estabelece em lei margens mínimas e máximas de valores para cada tipo de ofensa moral. O Projeto de Lei n.º 7.124/2002 preconiza o sistema fechado no Brasil. O sistema tarifado é objeto de severas críticas por parte de doutrinadores como Flávio Tartuce, Rui Stoco, Clayton Reis, dentre outros. (STOCO, 2011, p. 1922)

Nesse diapasão, é muito importante ainda atentar para a função social e para o caráter da indenização por danos morais, evitando assim indenizações ínfimas ou exageradas.

Não existe, na doutrina e na jurisprudência, entendimento unânime acerca do caráter da indenização por danos morais. Em um primeiro momento, a jurisprudência pátria inclinava-se para o entendimento de que a indenização por danos morais teria intuito meramente compensatório, sem qualquer caráter disciplinador ou pedagógico. Tal entendimento encontra-se atualmente superado tanto pela jurisprudência quanto pela doutrina. (TARTUCE, 2011, p.459)

Atualmente, existem duas correntes acerca do assunto. A corrente que prevalece é a que defende que a indenização por danos morais está revestida de um caráter principal compensatório e de um caráter pedagógico acessório, que visa coibir novas condutas ao atingir indiretamente o patrimônio do ofensor.

Para a segunda corrente, a indenização por danos morais teria caráter principalmente punitivo, conhecida como “punitive damages” ou “exemplary damages”, cuja aplicação é acentuada nos Estados Unidos.  Essa corrente vem ganhando adeptos na doutrina e na jurisprudência, porém ainda encontra forte resistência por parte de alguns doutrinadores, que aludem para a aplicação imoderada das indenizações.

Há certa confusão jurisprudencial e doutrinária acerca do caráter punitivo e caráter pedagógico da indenização por danos morais, mas é necessário esclarecer que são bem distintas. O caráter pedagógico visa dissuadir o ofensor de novas condutas atingindo seu patrimônio, porém de modo indireto, acessório. O caráter punitivo, por sua vez, consiste precipuamente em punir o ofensor, atuando como um “plus” à título de penalidade civil.

A despeito da discussão acerca da natureza jurídica da indenização por danos morais, é certo que o entendimento acerca da sua função influencia imensamente na sua quantificação nos casos concretos.

Atenção especial deve ser concedida para a diferença entre a quantificação da indenização baseada no caráter compensatório e pedagógico/punitivo indireto e na quantificação da indenização fundada precipuamente na função punitiva como sanção civil ao ofensor.

2. A Teoria do “Punitive Damages” ou Teoria do Valor do Desestímulo

2.1. Conceito

Alguns juristas afirmam que se pode identificar a aplicação dos “punitive damages” a partir do século XVIII, quando, no ano de 1763, o júri popular inglês, ao julgar o caso Wilkes x Wood, estabeleceu uma indenização punitiva, considerando a gravidade da conduta cometida. (STOCO, 2011, p.1923)

Existem ainda registros de que, desde o século XIII, na Inglaterra, em casos de lesões pessoais causadas intencionalmente, o juiz poderia condenar o réu a um ulterior pagamento a título de “punitive damages”. (STOCO, 2011, p. 1924)

Desde então, as indenizações punitivas foram disseminadas em diversos países, sendo principalmente identificadas no ordenamento jurídico norte-americano e em países adeptos do sistema “Common Law”.

Na observação de Sílvio Venosa (VENOSA, 2011, p. 340):

“Há função de pena privada, mais ou menos acentuada, na indenização por dano moral, como reconhece o direito comparado tradicional. Não se trata, portanto, de mero ressarcimento de danos, como corre na esfera dos danos materiais. Esse aspecto punitivo da verba indenizatória é acentuado em muitas normas de índole civil e administrativa. Aliás, tal função de reprimenda é acentuada nos países do “Common Law”.”

Notavelmente nos Estados Unidos, observa-se que a teoria do “punitive damages” encontrou um solo fértil e desenvolveu-se de forma estrondosa, gerando célebres casos de indenizações milionárias, mormente no âmbito da responsabilidade extracontratual.

A aplicabilidade acentuada do “punitive damages” nos Estados Unidos justifica-se pelo espírito pragmático dos povos anglo-americanos e decorre, igualmente, do estilo de vida patrimonialista da sociedade americana. As indenizações punitivas assumem proporções vultosas, típicas de uma sociedade altamente industrializada e economicamente rica. (REIS, 1998, p.43).

O instituto do “punitive damages”, também conhecido como “exemplary damages”, “vindictive damages” ou ainda “smart money”, visa imputar uma indenização pecuniária ao ofensor, capaz de puni-lo pelo ato ilícito praticado, visando assim inibir a repetição da conduta danosa e ainda servir de exemplo para a sociedade, servindo como uma ferramenta preventiva contra o cometimento de atos ilícitos.

Assim, pode-se dizer que o “punitive damages” fundamenta-se no binômio: punição x prevenção. 

Os “punitive damages” constituem um valor variável, estabelecido separadamente dos “compensatory damages” (indenização compensatória), quando o dano é decorrente de um comportamento lesivo, marcado por grave negligencia, malícia ou opressão. Caso a conduta do ofensor não seja particularmente reprovável, não há que se falar em imputação de “punitive damages”, conforme preleciona André Gustavo Corrêa de Andrade. (ANDRADE, 2008)

No Brasil, onde é conhecida como “Teoria do Valor do Desestímulo”, vem ganhando adeptos na doutrina e na jurisprudência, que defendem sua grande relevância social, atuando como valor de desestímulo a práticas ilícitas, garantindo o respeito à dignidade da pessoa humana.

Importante salientar que a Teoria do Valor do Desestímulo não se identifica totalmente com o padrão do “punitive damages” utilizado nos Estados Unidos, mormente porque estes não estão restritos as indenizações por danos morais, tendo aplicabilidade em todos os ramos de responsabilidade civil. (ANDRADE, 2008)

O dano moral origina-se de uma lesão a um direito de personalidade, constitucionalmente protegido. Assim, os adeptos à adoção da Teoria do Valor do Desestímulo defendem que limitar as indenizações por danos morais ao caráter meramente compensatório, considerando-se tão somente as condições econômicas da vítima, está se incentivando a prática reiterada de atos lesivos a estes mesmos direitos por qualquer pessoa que possa suportar os valores arbitrados a titulo de indenização, mormente nos casos em que há uma disparidade econômica muito significativa entre o ofensor e a vítima.

Nehemias Domingos de Melo, defensor da aplicação das indenizações punitivas, assim discorre (MELO, 2012, p. 365):

“O peso da indenização no ‘bolso’ do infrator, é, a nosso sentir, a resposta mais adequada que o ordenamento jurídico pátrio pode oferecer para garantir que não sejam ofendidos diuturnamente os bens atinentes à personalidade do ser humano.”

A aplicação das indenizações punitivas agiria como potente mecanismo de proteção aos direitos de personalidade, garantindo a dignidade da pessoa humana, na medida em que desestimularia o ofensor a praticar reiteradas condutas ilícitas, pois a prática do ilícito não mais compensaria.

As indenizações punitivas tem ainda uma importante função preventiva, evitando transtornos para a sociedade em geral e consequentemente reduzindo consideravelmente as demandas judiciais, desafogando o Poder Judiciário.

No dizer de André Gustavo Corrêa de Andrade (ANDRADE, 2008):

“A indenização punitiva surge como instrumento jurídico construído a partir do princípio da dignidade da pessoa humana, com a finalidade de proteger essa dignidade em suas variadas representações. A ideia de conferir o caráter de pena à indenização do dano moral pode ser justificada pela necessidade de proteção da dignidade da pessoa e dos direitos de personalidade, pelo menos em situações especiais, nas quais não haja outro instrumento que atenda adequadamente a essa finalidade. Além disso, responderia a um imperativo ético que deve permear todo o ordenamento jurídico.”

Favorável ainda a Teoria do Valor do Desestímulo, tramita o Projeto de Lei n.º 276/2007, apresentado pelo Deputado Federal Léo Alcântara, que acrescenta ao art. 944 do Código Civil um novo parágrafo, com a seguinte redação: “Art. 944 (…) § 2º A reparação do dano moral deve constituir-se em compensação ao lesado e adequado desestímulo ao lesante”.

Importante ressaltar que, mesmo a parcela da doutrina que defende a adoção da Teoria do Desestímulo, ressalva que esta não deve ser idêntica ao “punitive damages” norte-americano, posto que há muitas diferenças entre os ordenamentos jurídicos, incluindo a medida dos poderes dos magistrados, que no sistema de “Common Law” são muito mais amplos, devendo se considerar ainda as diferenças econômicas entre os países. (GONÇALVES, 2011, p.677)

A aplicação das indenizações punitivas no Brasil tem como pressupostos a ocorrência de um dano moral, a culpa grave do ofensor e ainda de modo autônomo, a existência de lucro ilícito do ofensor.

Assim, não há que se falar em indenizações punitivas quando não configurado o dano moral, ou seja, uma lesão a um direito de personalidade.

Muito embora o grau de culpa não seja importante para a caracterização da responsabilidade civil, a mesma será fundamental para a aplicação da indenização punitiva no caso concreto. Sua aplicabilidade estará restrita aos casos de dolo e culpa grave, sendo insuficientes para enseja-la a culpa leve, caracterizada pela falta do dever geral de cuidado, e a levíssima, configurada pela falta de observância de um cuidado extraordinário, próprio de um homem prudente. (ANDRADE, 2008)

A indenização punitiva também deve ser utilizada em casos de obtenção de lucro com o ato ilícito praticado, independentemente de culpa do ofensor, visando justamente dissuadir a prática destes atos. Nesses casos, a aplicabilidade das indenizações punitivas poderá ocorrer independentemente da gravidade da culpa do agente. (GIANCOLI, 2009, p.62)

O Superior Tribunal de Justiça, ao rever condenações por indenizações de danos morais, tem considerado o grau de culpa do ofensor. Vejamos:

“RECURSO DE REVISTA. 1. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. PARÂMETROS RELEVANTES PARA AFERIÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO. SISTEMA ABERTO. DOSIMETRIA DO -QUANTUM- INDENIZATÓRIO. 1.1. Dano moral consiste em lesão a atributos íntimos da pessoa, de modo a atingir valores juridicamente tutelados, cuja mensuração econômica envolve critérios objetivos e subjetivos. 1.2. A indenização por dano moral revela conteúdo de interesse público, na medida em que encontra ressonância no princípio da dignidade da pessoa humana, sob a perspectiva de uma sociedade que se pretende livre, justa e solidária (CF, art. 1º, III, e 3º, I). 1.3. A dosimetria do -quantum- indenizatório guarda relação direta com a existência e a extensão do dano sofrido, o grau de culpa e a perspectiva econômica do autor e da vítima, razão pela qual a atuação dolosa do agente reclama reparação econômica mais severa, ao passo que a imprudência ou negligência clamam por reprimenda mais branda. 1.4. Assim, à luz do sistema aberto, cabe ao julgador, atento aos parâmetros relevantes para aferição do valor da indenização por dano moral, fixar o -quantum- indenizatório com prudência, bom senso e razoabilidade, sob pena de afronta ao princípio da restauração justa e proporcional. Recurso de revista não conhecido. 2. DANO MATERIAL. DEPRECIAÇÃO DA CAPACIDADE DE TRABALHO. REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. O recurso de revista se concentra na avaliação do direito posto em discussão. Assim, em tal via, já não são revolvidos fatos e provas, campo em que remanesce soberana a instância regional. Diante de tal peculiaridade, o deslinde do apelo considerará, apenas, a realidade que o acórdão atacado revelar. Esta é a inteligência da Súmula 126 do TST. Recurso de revista não conhecido.” (Processo: RR – 230-49.2011.5.09.0594 Data de Julgamento: 05/09/2012, Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 14/09/2012.)

Por outro lado, se muitos defendem a utilização das indenizações punitivas no ordenamento jurídico, outros a combatem veementemente, argumentando principalmente que a adoção da Teoria do Desestímulo acarretará em enriquecimento ilícito para a vítima gerando consequentemente uma verdadeira “indústria do dano moral”, o que seria inadmissível, haja vista que é vedado expressamente pelo Código Civil (BRASIL, 2002), em seu art. 884.

Sobre as indenizações punitivas como fonte de enriquecimento ilícito, discorre Rubens Leonardo Marin (MARIN, 2006, p.435):

“O procedimento atual, no direito pátrio, prevê a reversão da quantia totalmente ao sujeito passivo do ato danoso. Neste caso, há que se falar em enriquecimento sem causa do sujeito passivo da ação danosa, pois que lhe é determinado um benefício injustificado, permitindo que se enriqueça às expensas do punido, obtendo muito mais do que a reparação do dano efetivamente sofrido.”

Ainda sobre o enriquecimento ilícito, defende Carlos Roberto Gonçalves (GONÇALVES, 2011, p. 678):

“A crítica que se tem feito à aplicação, entre nós, das punitive damages do direito norte-americano é que elas podem conduzir ao arbitramento de indenizações milionárias, além de não encontrar amparo no sistema jurídico-constitucional da legalidade das penas, já mencionado. Ademais, pode se fazer com que a reparação do dano moral tenha valor superior ao do próprio dano. Sendo assim, revertendo as indenizações em proveito do próprio lesado, este acabará experimentando um enriquecimento ilícito, com o qual não se compadece o nosso ordenamento.”

Sobre a problemática relativa ao enriquecimento ilícito, alguns doutrinadores sugerem que para combatê-lo bastaria que a indenização fosse revertida para um Fundo Público, de modo a beneficiar inclusive maior número de pessoas. Esta é a sugestão apresentada por Nehemias Domingos de Melo (MELO, 2012, p.365):

“Diferentemente do direito americano, em que vige o exemplary damages, pelo qual é a vítima quem se beneficia do plus condenatório outorgado à titulo de condenação penal, poder-se-á cogitar da possibilidade de criação de um fundo de interesses difusos, para onde seriam carreados os valores advindos dessas condenações adicionais aplicadas à titulo de exemplo social, cujo resultado financeiro pudesse reverter à sociedade em campanhas educativas de respeito aos direitos do cidadão consumidor”.

Compartilha do mesmo entendimento Rubens Leonardo Marin (MARIN, 2006, p.435), in verbis:

“Uma solução salomônica ao caso vislumbra a entrega da quantia determinada como punição ao agente a determinadas instituições beneficentes comprometidas com a luta e prevenção de atos danosos semelhantes ao praticado. Evita-se, assim, o enriquecimento do sujeito passivo”.

Outro forte argumento utilizado por aqueles que se posicionam contra a adoção das indenizações punitivas no Brasil, é o de que o instituto constitui uma sanção penal em âmbito cível, e sendo sanção penal, deveria ter prévia cominação legal, de acordo com o art.5ª, inciso XXXIX da Constituição Federal. Disserta Rui Stoco (STOCO, 2012, p. 1925):

“Seja como for, em sistemas jurídicos derivados da doutrina romano-canônica, como a nossa, apresenta-se como verdadeira anormalidade, posto caracterizar-se como um misto de pena civil e sanção penal, de natureza pecuniária, considerando que assume o objetivo precípuo de punir o sujeito causador do dano.”

Não é outro o entendimento de Carlos Roberto Gonçalves (GONÇALVES, 2010, p. 677):

“Não se justifica, pois, como pretendem alguns, que o julgador, depois de arbitrar o montante suficiente para compensar o dano moral sofrido pela vítima (e que, indireta e automaticamente, atuará como fator de desestímulo ao ofensor), adicione-lhe um ‘plus’ à título de pena civil, inspirando-se no punitive damages do direito norte-americano. É preciso considerar as diferenças econômicas, raízes histórias e costumes, bem como o conteúdo e os limites dos poderes de que se acham investidos os seus juízes e ainda o sistema de seguros dos Estados Unidos da América do Norte. Diversamente do direito norte-americano, inspira-se o nosso sistema jurídico na supremacia do direito legislado, a qual está expressa no preceito constitucional de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.” 

Clayton Reis (REIS, 2003, p. 131) acrescenta ainda que não há compatibilidade entre a responsabilidade civil e o Direito Penal:

“Ademais, o próprio sentido que se outorga presentemente à responsabilidade civil não encontra ressonância na esfera do direito penal. O processo indenizatório do dano não nos parece ser um procedimento destinado a punir o infrator, senão a assegurar á vítima um indiscutível direito à reposição do bem perdido. Na esfera do direito penal há inequívoca pretensão da vítima de que o delinquente seja punido em razão da sua atividade antissocial e lesiva aos seus interesses particulares.”

Seguindo a mesma controvérsia apresentada na doutrina, os Tribunais também apresentam acentuada dissidência no que tange a aplicação das indenizações punitivas e arbitramento do seu quantum, conforme se verá mais detalhadamente no próximo tópico.

2.2. O STJ e adoção da Teoria do Valor do Desestímulo

Quanto à aplicação das indenizações punitivas nos casos concretos, também se dividem em opiniões os Tribunais. A Terceira Turma Recursal do Juizado Especial Cível do Rio Grande do Sul, em sede de Recurso Inominado, majorou indenização por danos morais numa relação de consumo, com base no seu aspecto punitivo. (Processo: 71003680584 RS Relator (a): Carlos Eduardo Richinitti Julgamento: 12/04/2012 Órgão Julgador: Terceira Turma Recursal Cível Publicação: Diário da Justiça do dia 18/04/2012)

Trata-se de ação de indenização por danos materiais e morais, onde a parte autora foi surpreendida pela cobrança de serviços não contratados, e a despeito de suas diversas reclamações, a empresa de telefonia continuou as cobranças.

A autora postulou o cancelamento do serviço, a repetição do indébito em dobro e ainda a condenação em danos morais. O juízo de primeiro grau condenou a ré em indenização por danos morais no valor de R$ 1.000,00 (mil reais). Inconformada, a parte autora interpôs Recurso Inominado, sendo a sentença reformada para condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais em R$ 2.000,00 (dois mil reais).

O relator majorou o valor da indenização sob a alegação de que “é dada preponderância ao caráter punitivo e pedagógico da medida como forma de coagir a ré à revisão de seus procedimentos e adoção de novas práticas pautadas pela boa-fé e respeito aos milhões de usuários que dependem de seus serviços.”

Muito embora a Turma seja adepta da “Teoria do Desestímulo”, é de se notar que a majoração da indenização foi bastante tímida.

Em sentido contrário, o Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região tem proferido decisões afirmando que as indenizações por danos morais tem caráter meramente compensatório:

“RECURSO ORDINÁRIO – DANOS MORAIS – INOCORRÊNCIA – INDENIZAÇÃO INDEVIDA 1. À indenização por danos morais deve dar-se caráter exclusivamente compensatório. Para haver essa compensação, porém, tem que se ter sobejamente comprovada a repercussão danosa da alegada atitude do empregador na vida profissional e social do empregado, bem como o intuito de macular ou denegrir a imagem do obreiro, o que não ficou demonstrado na hipótese dos autos, de forma que incabível afigura-se o deferimento dessa indenização. 2. Recurso ordinário provido parcialmente.” (TRT – RO – 01274-2007-021-06-00-9, Relator: Pedro Paulo Pereira Nóbrega)

As divergências sobre os valores ou aspectos da indenização por danos morais nos Tribunais encerram-se no Superior Tribunal de Justiça, que atua de modo a reformar, em sede recursal, os valores atribuídos a título de indenização por danos morais, quando ínfimos ou exagerados, com base na proporcionalidade e razoabilidade. De acordo com julgado do Tribunal:

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. DANO MORAL. MAJORAÇÃO. VALOR IRRISÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. O entendimento consolidado nesta Corte é no sentido de que o valor estabelecido pelas instâncias ordinárias, a título de indenização por danos morais, pode ser revisto nas hipóteses em que a condenação revelar-se irrisória ou exorbitante. 2. Na espécie, a quantia fixada pelo Tribunal estadual se revelou irrisória, considerando-se os parâmetros adotados por este Tribunal Superior na indenização decorrente de inscrição indevida em órgãos de proteção ao crédito, razão pela qual foi dado provimento ao recurso da parte ora agravada. Precedentes.3. Agravo regimental não provido, com aplicação de multa.” (Processo AgRg no AREsp 154984/ RJ AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
2012/0048018-1, Relator (a) Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO (1140), Órgão Julgador T4 – QUARTA TURMA, Data do Julgamento 21/08/2012, Data da Publicação/Fonte DJe 28/08/2012)

Desse modo, muito embora as indenizações punitivas não sejam pacíficas também nos Tribunais, as decisões estarão sujeitas a reforma, caso o STJ entenda que são irrisórias ou exacerbadas, bastando para tanto que a parte inconformada utilize-se de Recurso Especial.

O STJ adota a tese da função punitiva da indenização por dano extrapatrimonial, considerando que a mesma deve acarretar em desestímulo ao ofensor, porém sempre ressaltando que não deve haver uma aplicação irrestrita dos “punitive damages”, de modo a se evitar o enriquecimento ilícito da vítima. Nesse sentido, vejamos julgado:

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. ACIDENTE DE TRÂNSITO COM VÍTIMA FATAL. ESPOSO E PAI DAS AUTORAS. IRRELEVÂNCIA DA IDADE OU ESTADO CIVIL DAS FILHAS DA VÍTIMA PARA FINS INDENIZATÓRIOS. LEGITIMIDADE ATIVA. QUANTUM DA INDENIZAÇÃO. VALOR IRRISÓRIO. MAJORAÇÃO. POSSIBILIDADE. DESPESAS DE FUNERAL. FATO CERTO. MODICIDADE DA VERBA. PROTEÇÃO À DIGNIDADE HUMANA. DESNECESSIDADE DE PROVA DA SUA REALIZAÇÃO.1. É presumível a ocorrência de dano moral aos filhos pelo falecimento de seus pais, sendo irrelevante, para fins de reparação pelo referido dano, a idade ou estado civil dos primeiros no momento em que ocorrido o evento danoso (Precedente: REsp n.º 330.288/SP,Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJU de 26/08/2002)2. Há, como bastante sabido, na ressarcibilidade do dano moral, de um lado, uma expiação do culpado e, de outro, uma satisfação à vítima.3. O critério que vem sendo utilizado por essa Corte Superior na fixação do valor da indenização por danos morais, considera as condições pessoais e econômicas das partes, devendo o arbitramento operar-se com moderação e razoabilidade, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de forma a não haver o enriquecimento indevido do ofendido, bem como que sirva para desestimular o ofensor a repetir o ato ilícito.4. Ressalte-se que a aplicação irrestrita das "punitive damages" encontra óbice regulador no ordenamento jurídico pátrio que, anteriormente à entrada do Código Civil de 2002, vedava o enriquecimento sem causa como princípio informador do direito e após a novel codificação civilista, passou a prescrevê-la expressamente, mais especificamente, no art. 884 do Código Civil de 2002.5. Assim, cabe a alteração do quantum indenizatório quando este se revelar como valor exorbitante ou ínfimo, consoante iterativa jurisprudência desta Corte Superior de Justiça.7. Dessa forma, considerando-se as peculiaridades do caso, bem como os padrões adotados por esta Corte na fixação do quantum indenizatório a título de danos morais, impõe-se a majoração da indenização total para o valor de R$100.000,00 (cem mil reais), o que corresponde a R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) por autora.” (Processo REsp 210101 / PR/RECURSO ESPECIAL
1999/0031519-7, Relator: Ministro CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ FEDERAL CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO) (8135), Órgão Julgador: T4 – QUARTA TURMA, Data do Julgamento: 20/11/2008, Data de Publicação e Fonte: DJe 09/12/2008)

Embora o julgado transcrito seja de um caso em que o STJ decidiu por majorar a indenização fixação, o mesmo não é usual. O STJ não trouxe um incremento considerável nas indenizações por danos morais, ao contrário, em diversas vezes minora as indenizações arbitradas nos Tribunais de Alçada sob o argumento de que não se pode coadunar com o enriquecimento ilícito.

André Gustavo Correa de Andrade (ANDRADE, 2008) aponta que:

“O que se verifica, na verdade, é uma reiterada limitação dos valores indenizatórios por aquela Corte de Justiça, que, embora acene com a possibilidade de elevação das quantias arbitradas quando estas se mostrarem ínfimas, raramente parece encontrar oportunidades de fazê-lo, enquanto, ao contrário, com considerável frequência, exercita o poder de reduzir os montantes de indenização, por considera-los abusivos, excessivos ou exorbitantes.”

Em interessante artigo intitulado “Dano Moral, STJ e o Desestímulo às Avessas” (ANDRADE JÚNIOR, 2010), o autor alude que, por mais que o STJ se declare adepto da função punitiva das indenizações por danos morais, sua conduta é contraditória, pois o Tribunal atua na maioria dos casos de modo a reduzir as indenizações fixadas pelo Tribunal de alçada.

Críticas à parte, compete salientar que o STJ se declara adepto da teoria do valor do desestímulo, muito embora ainda o utilize de modo bastante tímido nos casos concretos, sempre argumentando que as indenizações por danos morais não podem constituir um enriquecimento ilícito para as vítimas.

Por fim, cabe informar que o Supremo Tribunal Federal não tem posicionamento sobre o assunto.

2.3.Análise Crítica da Possibilidade de Aplicação das Indenizações Punitivas no Direito Brasileiro

Como visto, a aplicação das indenizações punitivas no direito brasileiro é um tema bastante controverso. Há quem a rechace e quem a defenda.

De um lado Carlos Alberto Bittar, André Gustavo Corrêa de Andrade e Nehemias Domingos de Melo defendem a possibilidade da aplicação das indenizações punitivas, alegando que a mesma serviria como mecanismo contra condutas ilícitas por parte de ofensores, além de ter potente função preventiva, servindo como exemplo para toda a sociedade.

A aplicabilidade das indenizações punitivas, nesse sentido, conferiria grande proteção aos direitos de personalidade, mormente o princípio da dignidade da pessoa humana.

Em sentido contrário, Rui Stoco, Carlos Roberto Gonçalves e Clayton Reis aludem para a impossibilidade das indenizações punitivas no ordenamento jurídico brasileiro, alegando que podem conduzir a indenizações milionárias, levando ao enriquecimento ilícito da vitimas, o que é vedado pelo Código Civil.

Os doutrinadores contrários à aplicação das indenizações punitivas alegam ainda que se constituem em sanções penais em âmbito cível, e assim sendo, deveriam ter prévia cominação legal.

Alguns doutrinadores, como Nehemias Domingos de Melo (2012) e Rubens Leonardo Marin (2006) apresentam solução para a alegação de que a adoção das indenizações punitivas acarretaria em enriquecimento ilícito das vítimas. Os autores sugerem que a indenização estipulada com o caráter punitivo deveria ter seu valor destinado não à vítima, mas a fundos de interesses difusos ou instituições beneficentes.

No que tange aos protestos pela não aplicação das indenizações punitivas por conta de servir como um instrumento de enriquecimento ilícito,discordamos completamente.

Ora, é certo que o enriquecimento ilícito é vedado pelo Código Civil e deve ser combatido, porém há que se atentar para o que configura o enriquecimento ilícito. Maria Helena Diniz (DINIZ, 2002, p. 524), esclarece que o enriquecimento ilícito é aquele obtido à custa de outra pessoa, sem causa que o justifique. Enriquecimento ilícito é receber o que não lhe é devido.

Portanto, a indenização por danos morais proveniente de uma decisão judicial jamais se configurará como enriquecimento ilícito, ao contrário, trata-se de um enriquecimento lícito, pois o acréscimo patrimonial da vítima não decorre de uma causa injustificável e sim de uma ordem judicial, devidamente fundamentada e perfeitamente válida.

Discordamos também das alegações de que as indenizações punitivas não devem ser aplicadas porque constituem em verdadeira sanção penal em âmbito cível.

Primeiramente, há que se raciocinar que o Direito Penal é caracterizado pelo princípio da subsidiariedade, ou seja, sua aplicação somente se justifica quando fracassam os outros ramos do Direito na proteção do bem jurídico.  O Direito Penal é caracterizado também pelo princípio da fragmentariedade, segundo o qual nem todas as lesões a bens jurídicos serão tuteladas pelo Direito Penal, somente aquelas mais graves. (MASSON, 2012,p. 40-42)

Desse modo, as alegações de que as indenizações punitivas não devem ser aplicadas no Direito Civil porque são sanções não prospera, pois existem ainda diversas sanções em âmbito cível, como os astreintes, arras, deserção, multa cominatória e etc.

Por todo o exposto, somos totalmente favoráveis à aplicação das indenizações punitivas no Direito brasileiro, acreditando que sua adoção refletirá de modo bastante positivo no ordenamento jurídico, impondo maior respeito aos direitos de personalidade e desencorajando o cometimento de condutas ilícitas com o escopo de obtenção de lucro.

Conclusão

O presente artigo enfrentou a questão da aplicabilidade das indenizações punitivas, baseadas na Teoria do Valor do Desestímulo, que por sua vez, tem suas origens no “punitive damages” norte-americano.

Após analisar as origens e fundamentos da responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro, passou-se a analisar as indenizações, que são as consequências da responsabilização. Não há controvérsia no que tange a quantificação do dano material, realizado por simples métodos matemáticos, porém a quantificação das indenizações por danos morais é bem mais complexa, em face da inexistência de critérios previstos em lei, sendo que no caso concreto deverá ser dosada pelo livre arbítrio do magistrado. 

Nesse sentido, mostrou-se que a consideração de seus aspectos influencia diretamente na sua quantificação. A controvérsia se instaura acerca da aplicabilidade das indenizações por danos morais com caráter precipuamente punitivo, como forma de sanção civil ao ofensor.

Atualmente, existem duas correntes com entendimentos distintos. A majoritária, defendida por autores como Rui Stoco, Clayton Reis e Rubens Leonardo Marin, defende que as indenizações por danos morais possuem caráter precipuamente compensatório, atuando como punição ao ofensor apenas de modo indireto, na medida em que acarreta em perda patrimonial do mesmo.

De outro lado, André Gustavo Corrêa de Andrade, Carlos Alberto Bittar e Nehemias Domingos de Melo, defendem que as indenizações por danos morais devem ter principalmente um aspecto punitivo, de modo a desestimular condutas danosas por parte dos ofensores.

O Superior Tribunal de Justiça se declara adepto da Teoria do Valor do Desestímulo, porém adverte que as indenizações punitivas não podem ser aplicadas irrestritamente, pois o Código Civil veda o enriquecimento ilícito.

 Desse modo, nota-se que apesar do STJ afirmar que é a favor das indenizações punitivas, o seu entendimento não incrementou consideravelmente as indenizações por danos morais. A aplicação do critério punitivo às indenizações é feito de modo bastante acanhado pela Corte.

Por fim, concluiu-se que aplicando-se as indenizações punitivas sempre que houver uma conduta aviltante por parte do ofensor é que se cumprirá verdadeiramente o papel da responsabilidade civil, orientando o agressor pelo caminho da ética e da retidão e servindo de exemplo para a sociedade, demonstrando que se deve ter o compromisso com os princípios fundamentais previstos na Carta Magna, mormente o respeito ao principio da dignidade da pessoa humana.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Mayana Barros Jorge João

Bacharela em Direito pela Universidade da Amazônia – UNAMA, especialista em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas. Advogada


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