Jayme Petra de Mello Neto
Desde 23 de março, a Junta Comercial do Estado de São Paulo anunciou a suspensão de todos os seus procedimentos, inclusive os que estavam pendentes até esta data. Embora o registro na Junta Comercial possa parecer uma simples e ineficaz burocracia é preciso lembrar que o registro empresarial é a causa de uma série de efeitos jurídicos relevantes.
Além de causar um impacto direto na atividade empresarial – que depende dos serviços da Junta para efeitos de operacionalização das empresas, sendo o marco inicial do cumprimento de uma série de obrigações acessórias, até mesmo em outras áreas, que não só a de Direito Societário – o cumprimento dos atos de registro perante a este órgão é condição para outros registros, como os fiscais, previdenciários e até mesmo regulatórios, para atividades que demandam autorização governamental para a sua realização.
O ato registral é o marco de nascimento da personalidade jurídica. Isso significa que antes disso, as relações entre sócios e demais stakeholders não são de fato imputáveis à sociedade, mas sim aos sócios, em sua individualidade. A pessoa jurídica não terá “nascido” e, como consequência, não existirá um estabelecimento empresarial – ou seja, o patrimônio da empresa não estará ainda desgarrado do patrimônio dos sócios.
No mesmo sentido, enquanto a sociedade não existe em caráter jurídico, os sócios responderão ilimitadamente pelos atos e negócios que a sociedade em comum (despersonalizada) praticar. Isto é a consequência natural da falta de formação da personalidade jurídica e da não afetação patrimonial do novo ente.
Muitas empresas, aqui entendidas em sentido funcional, como a atividade organizada sobre os fatores de produção para a geração de bens ou serviços, acabarão por sequer saírem do plano volitivo de seus sócios, que, em situação já crítica, adotarão a situação mais cômoda de aguardar o restabelecimento da normalidade, atentando contra o espírito empreendedor.
O risco de um empreendedor é uma medida não extremada. Ela advém de alguns parâmetros de segurança jurídica, especialmente os que dizem respeito a limites de responsabilidade. Neste momento crítico, deixar à míngua o mínimo de segurança significa paralisar as atividades econômicas, mesmo aquelas que devam nascer nos cenários de pandemia.
Outro ponto de suma relevância que a falta de registro ocasiona é a irregularidade perante outros órgãos. Não só em relação à sociedade em fase de criação, mas também para aquelas que já existentes, precisam alterar alguns de seus status.
Por exemplo, no caso de alteração de domicílio fiscal de uma filial, com alta atividade negocial, a ausência do ato registral na Junta Comercial implicará na inaptidão para alteração do registro fiscal, o que, inevitavelmente, causará a ilegalidade tributária dos negócios gerados naquela unidade. Não se poderá emitir notas fiscais, realizar registros de obrigações auxiliares e outras imposições, que, em determinados casos, pode até vir a configurar uma conduta delitiva, com sanções pesadas, tanto pecuniárias como pessoais.
Embora nos momentos críticos seja compreensível que certas obrigações regulatórias sejam mitigadas – especialmente a de empresas de atenção a direitos essenciais – o fato é que não se poderá sequer iniciar uma operação precária pela ausência de existência da pessoa jurídica. Isto poderá causar ainda mais abalos na cadeia de fornecimento neste momento crítico, determinando um agravamento da situação econômica.
De toda sorte, o súbito fechamento completo das Juntas pode trazer desafios jurídicos tanto aos advogados quanto ao Judiciário, que em situação extrema, poderia vir a ser instado à concessão de tutela de natureza supletiva, reconhecendo ipso facto a existência da pessoa jurídica e todos os seus efeitos, a despeito da ausência do ato registral.
Jayme Petra de Mello Neto é advogado do escritório Marcos Martins Advogados e especialista em Direito cível e societário.