O abandono de trabalho é uma das principais causas de demissão por justa causa no direito trabalhista brasileiro. Embora o tema pareça simples à primeira vista, ele envolve uma série de requisitos legais, interpretações jurisprudenciais e cuidados que tanto empregadores quanto empregados precisam observar. Uma das dúvidas mais frequentes sobre o assunto é: quantos dias de ausência são necessários para caracterizar o abandono de trabalho? Este artigo vai esclarecer essa e outras questões relacionadas, com base na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), na jurisprudência e nas boas práticas jurídicas.
O que é abandono de trabalho
O abandono de trabalho é caracterizado pela ausência injustificada do empregado por um período prolongado, associada à intenção de não mais retornar ao serviço. Não se trata apenas de faltas consecutivas, mas de um comportamento que revela a vontade deliberada de romper o contrato de trabalho sem comunicação formal.
Essa conduta é tipificada como justa causa para demissão, conforme previsto no artigo 482, alínea “i”, da CLT, que trata da dispensa por justa causa em caso de:
“Abandono de emprego”.
Contudo, para que essa justa causa seja validamente aplicada, dois elementos precisam estar presentes: a ausência prolongada e a intenção inequívoca de não mais retornar ao trabalho.
O número de dias que caracteriza abandono
A Consolidação das Leis do Trabalho não fixa expressamente o número exato de dias de ausência para que se configure o abandono. No entanto, a jurisprudência consolidada do Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem entendido que 30 dias consecutivos de ausência injustificada é o parâmetro mais aceito pelos tribunais.
Ou seja, o abandono de trabalho em regra é presumido após 30 dias corridos sem justificativa e sem comunicação com o empregador. Esse entendimento, embora não esteja na letra da lei, é aplicado de forma reiterada nos tribunais do trabalho de todo o país.
A ausência por menos de 30 dias pode configurar abandono?
Depende. A jurisprudência admite que o abandono pode ser caracterizado em período inferior a 30 dias, desde que fique demonstrada a clara intenção do trabalhador de não retornar. Por exemplo, se o empregado expressa em mensagens que não voltará, ou se se ausenta por 20 dias e recusa notificações da empresa, o abandono pode ser reconhecido.
O mais importante não é apenas o número de dias, mas a prova do elemento subjetivo, ou seja, a vontade de romper o vínculo contratual de maneira unilateral e silenciosa.
A importância da intenção do trabalhador
Como dito, o abandono de trabalho só se configura quando há a vontade clara do trabalhador de não voltar ao emprego. Isso significa que a ausência por si só não é suficiente.
Exemplos que demonstram ausência de intenção de abandono:
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Empregado que está doente e não apresentou atestado, mas busca regularizar a situação.
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Trabalhador que se ausenta por problemas pessoais, mas mantém contato com o empregador.
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Funcionário que está detido, mas cujo paradeiro é conhecido.
Nessas situações, a ausência pode até justificar advertência ou suspensão, mas não configura abandono.
Procedimentos que o empregador deve adotar
O empregador não pode simplesmente aplicar a justa causa por abandono sem seguir um procedimento mínimo que assegure o direito de defesa do trabalhador e a segurança jurídica da decisão. O recomendado é que:
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Sejam analisadas as faltas e o histórico do empregado.
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O empregador tente contato por telefone, e-mail ou outro meio.
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Seja enviada uma notificação por carta com aviso de recebimento (AR), solicitando o retorno imediato ao trabalho ou apresentação de justificativa em prazo razoável (geralmente 48 a 72 horas).
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Caso não haja resposta, o empregador poderá formalizar a demissão por justa causa com base no artigo 482, alínea “i”, da CLT.
Esse procedimento é importante, pois sem a notificação, a justa causa pode ser revertida judicialmente.
A ausência precisa ser contínua?
Sim. Para configuração do abandono, a ausência deve ser contínua e injustificada. Faltas esporádicas, mesmo que sem justificativa, não configuram abandono, mas podem ser penalizadas com advertências ou suspensão.
Contudo, a ausência reiterada e intermitente sem justificativa pode ser tratada como desídia, outro tipo de falta grave previsto na CLT, que também pode levar à demissão por justa causa, mas com fundamento distinto.
O que acontece se o trabalhador retornar após a ausência
Se o empregado retornar após período de ausência e apresentar justificativa plausível, o abandono pode ser afastado. Porém, se ele retornar após 30 dias e não apresentar justificativa convincente, a empresa poderá ainda assim formalizar a justa causa, desde que tenha seguido o procedimento de notificação.
Se a empresa já tiver dado baixa na carteira com base na justa causa, o trabalhador pode tentar reverter a demissão judicialmente, mas terá que comprovar que não tinha intenção de abandonar o posto.
Jurisprudência sobre o abandono de trabalho
A jurisprudência brasileira é farta em decisões que esclarecem os critérios para configuração do abandono de emprego. Um exemplo é o seguinte julgado do TST:
“A ausência injustificada do empregado por mais de 30 dias, sem qualquer justificativa ou contato com o empregador, autoriza a rescisão do contrato por justa causa, desde que tenha sido previamente notificado para apresentar defesa.” (TST, RR 1008-25.2018.5.10.0000)
Essa decisão reforça a ideia de que o abandono exige não só o fato da ausência, mas também a omissão do trabalhador em justificar ou manifestar vontade de retorno.
Casos em que não há abandono de trabalho
Há diversas situações em que o trabalhador se ausenta, mas não pode ser considerado em abandono, tais como:
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Doença comprovada, ainda que o atestado médico chegue posteriormente.
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Greve, nos termos da Lei nº 7.783/89.
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Prisão do trabalhador, situação que deve ser avaliada conforme o caso concreto.
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Licenças legais ou convencionais, como licença-maternidade ou licença remunerada.
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Férias coletivas ou individuais.
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Falecimento de familiar com ausência prolongada (dependendo da política interna e diálogo com o RH).
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Desastres naturais ou calamidade pública, que impeçam o deslocamento.
Cada caso deve ser analisado individualmente, e a empresa deve buscar compreender o contexto antes de aplicar penalidade extrema.
A reversão judicial da justa causa por abandono
Quando a demissão por abandono é formalizada sem justa causa efetiva, o trabalhador pode buscar a reversão judicial. Os tribunais analisam:
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Se houve ausência prolongada.
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Se a empresa tentou contato.
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Se houve notificação formal.
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Se o trabalhador apresentou ou não justificativa plausível.
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Se o histórico funcional do empregado revela boa-fé.
Se o juiz entender que não houve abandono, a justa causa é convertida em demissão imotivada, com pagamento de todas as verbas rescisórias devidas, inclusive:
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Aviso prévio indenizado
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Multa de 40% do FGTS
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Liberação do FGTS
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Seguro-desemprego (se preenchidos os requisitos)
Estabilidade provisória e abandono
Se o trabalhador estiver em situação de estabilidade provisória, como gestante, acidentado do trabalho, membro da CIPA ou dirigente sindical, o abandono de emprego exige cuidado redobrado.
Nesses casos, a demissão por justa causa só pode ocorrer mediante autorização judicial ou mediante comprovação inequívoca da intenção de abandono.
Se não houver autorização judicial e a demissão for feita de forma unilateral, a empresa poderá ser condenada a indenizar todo o período de estabilidade e ainda pagar as verbas rescisórias.
O que fazer para evitar o abandono de trabalho
Para os trabalhadores, o ideal é:
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Comunicar qualquer ausência com antecedência, sempre que possível.
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Apresentar atestados médicos imediatamente, mesmo que por meio eletrônico.
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Manter canais de diálogo com a empresa, especialmente em momentos de crise pessoal.
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Formalizar qualquer decisão de desligamento com pedido de demissão por escrito.
Para os empregadores, é essencial:
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Ter políticas claras sobre faltas e justificativas.
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Registrar todas as tentativas de contato.
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Realizar notificação formal antes da demissão por justa causa.
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Atuar com prudência e buscar assessoria jurídica.
Perguntas e respostas
Quantos dias de falta caracterizam abandono de trabalho?
A jurisprudência considera 30 dias consecutivos de ausência injustificada como indicativo de abandono, mas o número pode variar conforme o caso.
Precisa haver notificação antes da demissão por abandono?
Sim. O empregador deve tentar contato e notificar formalmente o empregado para que retorne ao trabalho ou apresente justificativa.
A empresa pode demitir por justa causa sem esperar 30 dias?
Pode, se houver provas claras da intenção de não retornar. Mas o risco de reversão judicial aumenta sem o padrão de 30 dias.
Faltar 3 dias seguidos já é abandono?
Não. Faltas curtas, mesmo que injustificadas, não configuram abandono. Podem, no máximo, gerar advertência ou suspensão.
A empresa é obrigada a aceitar justificativa depois dos 30 dias?
Depende da justificativa. Se for plausível e comprovada (como doença), o abandono pode ser descaracterizado.
Se eu voltar ao trabalho após os 30 dias, posso ser readmitido?
A empresa pode optar por readmitir, mas não está obrigada. Se já tiver formalizado a demissão por abandono, o vínculo pode estar encerrado.
Posso processar a empresa se for demitido injustamente por abandono?
Sim. Se não houve abandono verdadeiro e você tiver provas disso, é possível pedir a reversão da justa causa na Justiça do Trabalho.
Conclusão
A configuração do abandono de trabalho não depende apenas da quantidade de dias de ausência, mas da demonstração clara de que o trabalhador não tem mais intenção de voltar ao serviço. Embora o parâmetro de 30 dias seja amplamente aceito, cada caso exige análise das circunstâncias, da conduta das partes e da existência de justificativas. Empregadores devem seguir os procedimentos legais e notificar formalmente o trabalhador antes de aplicar a justa causa. Já o empregado deve manter-se atento às suas obrigações e sempre buscar registrar qualquer ausência com clareza. Quando há diálogo, transparência e respeito mútuo, muitos casos de abandono podem ser evitados. E quando a Justiça é acionada, prevalece o princípio da boa-fé, sempre em defesa da dignidade do trabalhador e da segurança jurídica nas relações de trabalho.