No Brasil, o trabalhador tem direito a dois dias consecutivos de licença remunerada por luto em caso de falecimento de familiares diretos, como cônjuge, pais, filhos, irmãos ou pessoa que viva sob sua dependência econômica. Esse direito está previsto no artigo 473 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e é conhecido como licença nojo, nome que se refere ao significado antigo da palavra “nojo” como “luto” ou “sentimento de pesar”.
Apesar de a CLT estabelecer um padrão nacional, o número de dias pode variar conforme convenções coletivas, acordos sindicais ou regulamentos internos de empresas. Além disso, o tipo de vínculo familiar e a forma de comprovação do falecimento são aspectos que influenciam o exercício desse direito.
Neste artigo, vamos explorar detalhadamente a licença por luto, explicando quem tem direito, como é calculado o período, quais documentos são exigidos, o que acontece em caso de falecimento de parentes não previstos na CLT, as possíveis ampliações via acordo coletivo, jurisprudência relevante, exemplos práticos e as implicações do descumprimento desse direito pelo empregador.
O que é a licença por luto
A licença por luto, também chamada de licença nojo, é o afastamento legal e remunerado do empregado de suas funções em razão da morte de familiar próximo. O objetivo é permitir que o trabalhador possa participar das cerimônias fúnebres, lidar com questões emocionais e tomar providências práticas decorrentes do falecimento, como registro da certidão de óbito, cuidados com inventário ou apoio à família.
Esse direito está entre as chamadas licenças legais remuneradas, ou seja, não gera desconto salarial nem prejuízo de benefícios, e deve ser concedido automaticamente a partir da comunicação do falecimento ao empregador.
Fundamento legal da licença por luto
O direito ao afastamento por falecimento de familiares está previsto no artigo 473 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com a seguinte redação:
Art. 473. O empregado poderá deixar de comparecer ao serviço sem prejuízo do salário:
I – até 2 (dois) dias consecutivos, em caso de falecimento do cônjuge, ascendente, descendente, irmão ou pessoa que, declarada em sua carteira de trabalho e previdência social, viva sob sua dependência econômica.
Esse artigo assegura que o trabalhador se ausente por até dois dias consecutivos sem desconto no salário, desde que o falecimento se encaixe nas situações previstas.
Quem são os familiares que garantem o direito ao luto
A CLT define de forma clara os familiares cuja morte dá direito à licença por luto:
Cônjuge: marido ou esposa legalmente casados. O direito também se aplica a companheiro ou companheira em união estável.
Ascendentes: pais, avós e bisavós.
Descendentes: filhos, netos e bisnetos.
Irmãos: consanguíneos ou adotivos.
Dependentes econômicos: qualquer pessoa que, comprovadamente, viva sob a dependência econômica do trabalhador e esteja registrada na Carteira de Trabalho.
No caso de companheiros ou dependentes, pode ser exigida prova documental, como certidão de união estável, declaração de dependência no imposto de renda ou na Previdência Social.
Quantos dias o trabalhador tem direito por lei
A lei prevê dois dias consecutivos de afastamento. Esse prazo é contado em dias corridos, incluindo finais de semana e feriados, e não apenas dias úteis.
Exemplo: se o falecimento ocorrer em uma sexta-feira, os dias de licença serão sexta e sábado. Se ocorrer em um domingo, a contagem será domingo e segunda-feira. Caso o trabalhador não trabalhe aos domingos, o afastamento remunerado ocorrerá na segunda e terça-feira.
O uso da licença deve ser imediato ao falecimento. Não é possível adiar ou acumular a licença para um momento posterior, salvo por autorização do empregador ou previsão em acordo coletivo.
A licença por luto pode ser ampliada?
Sim. Embora o artigo 473 da CLT preveja dois dias, convenções coletivas, acordos sindicais e regulamentos internos de empresas podem ampliar esse período.
É comum encontrar convenções que garantem:
Três a cinco dias em caso de falecimento de pais, filhos ou cônjuge
Um dia para falecimento de sogros ou cunhados
Extensão do direito a tios e avós
Licença adicional em caso de morte por acidente ou violência
Essas previsões são legais e, se estiverem registradas em acordo coletivo, prevalecem sobre a regra mínima da CLT.
Como o trabalhador deve comprovar o falecimento
A CLT não exige formalmente comprovação, mas, na prática, a apresentação da certidão de óbito é comum e recomendável para evitar questionamentos.
O trabalhador deve:
Comunicar o empregador do falecimento e da relação familiar
Solicitar a liberação formal do trabalho
Apresentar a certidão de óbito no retorno às atividades
Se o familiar falecido for dependente econômico, pode ser necessário apresentar documentação adicional para comprovar o vínculo, como certidão de união estável, declaração de convivência ou comprovante de inclusão como dependente no plano de saúde ou IR.
O que acontece se o empregador não conceder a licença
A negativa injustificada de concessão da licença por luto pode configurar:
Infração à legislação trabalhista
Abuso de direito
Assédio moral, se houver pressão para comparecer ao trabalho em situação de luto
O empregado prejudicado pode:
Registrar queixa no sindicato da categoria
Fazer denúncia ao Ministério do Trabalho
Ingressar com reclamação trabalhista para requerer o pagamento em dobro dos dias indevidamente descontados
Postular indenização por dano moral, caso haja conduta vexatória ou desumana
A jurisprudência reconhece que o descumprimento da licença por luto pode gerar indenização, especialmente quando o trabalhador é forçado a trabalhar ou tem seus dias descontados.
Falecimento de sogros, tios, primos e outros parentes
A lei não obriga o empregador a conceder licença por luto em caso de morte de:
Sogro ou sogra
Cunhados
Tios, primos, sobrinhos
Padrastos e madrastas (exceto quando reconhecidos como ascendentes legais)
Avós do cônjuge
Contudo, muitas empresas concedem esse direito por liberalidade ou mediante previsão em norma coletiva.
Caso o trabalhador precise se ausentar por esses motivos, e não haja norma que assegure o direito, ele pode:
Negociar com o empregador a liberação como licença não remunerada
Utilizar banco de horas ou dias de folga acumulados
Solicitar a inclusão do dia como abonado, quando permitido
Licença por luto em caso de aborto ou morte de filho recém-nascido
A legislação não é clara quanto ao luto em caso de aborto espontâneo ou morte neonatal. No entanto, há interpretações que reconhecem o direito à licença:
No caso de morte do filho após o nascimento, é aplicável a licença do artigo 473.
No caso de aborto espontâneo, a CLT garante repouso de duas semanas, conforme o artigo 395.
Algumas convenções coletivas preveem licença específica para luto gestacional, geralmente de dois a cinco dias.
O ideal é que o empregador, diante de situações delicadas, atue com empatia e respeite o direito ao luto como extensão da dignidade humana.
Licença por luto na administração pública
Servidores públicos também têm direito à licença por luto, mas o prazo varia conforme o estatuto do ente federativo. Veja alguns exemplos:
Servidores federais (Lei 8.112/90): 8 dias corridos de licença por falecimento de cônjuge, pais, filhos e dependentes
Servidores estaduais: prazos variam entre 3 e 8 dias, conforme estatuto do estado
Servidores municipais: dependem da legislação local
Ou seja, o prazo para luto no serviço público geralmente é maior do que o previsto na CLT para trabalhadores da iniciativa privada.
Afastamento superior ao previsto por lei
Caso o trabalhador necessite de mais dias além dos legalmente previstos, ele poderá:
Solicitar licença não remunerada
Utilizar dias de férias ou banco de horas
Justificar como falta abonada, se permitido por norma interna
Apresentar atestado médico, em caso de comprometimento psicológico
Importante lembrar que, se o trabalhador faltar sem autorização ou justificativa, os dias poderão ser descontados do salário e impactar no cálculo de férias, 13º e DSR.
Licença por luto e trabalho remoto
A licença por luto é válida tanto para trabalhadores presenciais quanto remotos. Mesmo quem trabalha de casa tem o direito de se afastar e não realizar atividades profissionais durante o período de luto, sob pena de descumprimento da legislação trabalhista caso seja exigido a continuar suas tarefas.
Durante esse período, o trabalhador não deve ser acionado por e-mail, mensagens ou telefonemas. Caso isso ocorra, pode ser caracterizada violação do direito ao descanso e à saúde mental.
Jurisprudência sobre a licença por luto
A jurisprudência dos tribunais trabalhistas reconhece de forma pacífica o direito à licença por luto e impõe sanções a empregadores que descumprem esse direito.
Exemplo 1: TRT da 15ª Região
Empregado teve desconto em folha por dois dias de ausência após o falecimento do pai. A Justiça determinou o pagamento em dobro dos dias descontados, com juros e correção monetária.
Exemplo 2: TRT da 4ª Região
Empresa não liberou funcionária em trabalho remoto após falecimento do irmão. Foi condenada a pagar indenização por dano moral, além de reconhecer os dias como abonados.
Exemplo 3: TRT da 2ª Região
Trabalhador não foi liberado para o velório do cônjuge, mesmo com solicitação formal. A Justiça entendeu que houve violação de dignidade e condenou a empresa a pagar R$ 10.000,00 por danos morais.
Esses casos demonstram que a Justiça do Trabalho trata com seriedade o direito ao luto e que o descumprimento pode ter consequências financeiras para o empregador.
Perguntas e respostas
Quantos dias de luto o trabalhador tem direito pela CLT?
Dois dias consecutivos, conforme o artigo 473 da CLT.
A licença é paga ou descontada do salário?
É remunerada. O trabalhador recebe normalmente por esses dias.
O prazo de dois dias pode ser ampliado?
Sim, por convenção coletiva, acordo sindical ou política interna da empresa.
A licença vale também para sogro e sogra?
A CLT não prevê, mas muitas empresas concedem por liberalidade ou previsão em acordo coletivo.
Posso escolher os dias em que vou me afastar?
Não. Os dois dias devem ser consecutivos ao falecimento, salvo negociação com o empregador.
É necessário apresentar certidão de óbito?
Sim, é recomendável apresentar para comprovar a ausência.
Existe diferença entre setor público e privado?
Sim. Servidores públicos têm prazos maiores, geralmente entre 3 e 8 dias.
O trabalhador remoto também tem direito à licença?
Sim. O direito é o mesmo para qualquer regime de trabalho.
O que fazer se a empresa não conceder a licença?
O trabalhador pode procurar o sindicato, o Ministério do Trabalho ou ingressar com ação judicial.
Conclusão
A licença por luto é um direito fundamental do trabalhador brasileiro, reconhecido pela CLT e reforçado pela jurisprudência trabalhista. Ela garante ao empregado o tempo mínimo necessário para lidar com a dor da perda, cuidar de assuntos familiares e retomar suas atividades com dignidade.
Embora o prazo legal mínimo seja de dois dias, convenções coletivas e boas práticas empresariais têm ampliado esse período em reconhecimento à importância do bem-estar emocional do trabalhador. Ao mesmo tempo, o descumprimento desse direito pode gerar sanções legais e prejuízos morais e materiais ao trabalhador.
Empresas e empregadores devem observar a legislação, agir com empatia e compreender que o luto não é apenas um direito, mas também uma necessidade humana que deve ser respeitada. Já o trabalhador deve conhecer seus direitos, cumprir os procedimentos formais e buscar apoio jurídico sempre que houver abuso ou descumprimento.