A demissão por justa causa é considerada a forma mais severa de encerramento do contrato de trabalho. Prevista no artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ela ocorre quando o empregado comete uma falta considerada grave o suficiente para justificar a rescisão imediata do contrato, sem direito a diversas verbas rescisórias. Diante disso, uma dúvida muito comum entre trabalhadores e até mesmo empregadores é: quem é demitido por justa causa consegue outro emprego?
A resposta é sim, é possível conseguir um novo emprego mesmo após ser dispensado por justa causa. No entanto, é preciso compreender os impactos dessa modalidade de desligamento na vida profissional, como essa informação pode ser acessada por futuros empregadores, quais são os direitos remanescentes do trabalhador, e como se preparar para uma recolocação. Neste artigo, abordamos em detalhes todas essas questões, com base na legislação trabalhista brasileira, decisões judiciais e boas práticas do mercado.
O que é a demissão por justa causa
A justa causa ocorre quando o trabalhador comete uma falta grave prevista na CLT, como:
Ato de improbidade (fraude ou roubo)
Insubordinação
Abandono de emprego
Embriaguez habitual ou em serviço
Agressão física ou ofensa moral
Desídia no desempenho das funções
Condenação criminal
Violação de segredo da empresa
Essa penalidade faz com que o trabalhador perca diversos direitos rescisórios, como:
Aviso prévio
Multa de 40% sobre o FGTS
Saque do FGTS
Seguro-desemprego
No entanto, ele ainda tem direito ao:
Saldo de salário
Férias vencidas acrescidas de 1/3
Salário do mês proporcional trabalhado até a data da demissão
A demissão por justa causa fica registrada na carteira de trabalho?
Não. Nem a Carteira de Trabalho física, nem a digital (CTPS Digital) trazem a informação expressa de que a demissão foi por justa causa. O campo de anotação de saída traz apenas a data da rescisão, o nome da empresa, e eventualmente o motivo legal (código de afastamento utilizado para o eSocial).
Por isso, um novo empregador não acessa diretamente essa informação apenas com a carteira do trabalhador. O motivo do desligamento pode ser descoberto:
Por meio de declaração do próprio trabalhador
Pela apresentação do Termo de Rescisão de Contrato de Trabalho, onde consta o motivo
Em caso de consulta informal com o antigo empregador, o que pode caracterizar discriminação
A empresa pode divulgar que o trabalhador foi demitido por justa causa?
Não. O antigo empregador não pode divulgar publicamente o motivo da rescisão, sob pena de violar a intimidade, a honra e a imagem do ex-empregado, conforme o artigo 5º, inciso X da Constituição Federal. A divulgação indevida pode gerar:
Ação por dano moral
Condenação da empresa ao pagamento de indenização
Obrigação de retratação ou reparação pública
Portanto, o novo empregador não deve perguntar diretamente se o trabalhador foi demitido por justa causa, e o antigo empregador não deve informar, salvo com autorização expressa do trabalhador.
A demissão por justa causa impede o trabalhador de conseguir novo emprego?
Não. A justa causa não impede, por si só, a contratação de um novo trabalho. O trabalhador não fica com “ficha suja” nem sofre restrição em órgãos oficiais por esse motivo.
Contudo, há alguns reflexos indiretos, como:
Dificuldade em entrevistas, se o motivo da demissão for perguntado
Perda de referência profissional, se não houver boa relação com o antigo empregador
Impacto na autoestima e no emocional do trabalhador
Muitos empregadores valorizam a honestidade e a vontade de recomeçar. Portanto, ter sido dispensado por justa causa não significa o fim da carreira. Com boas estratégias, é possível se recolocar no mercado de forma digna e eficiente.
O que fazer após ser demitido por justa causa
Reflita sobre o ocorrido
Antes de buscar uma nova vaga, é importante fazer uma autoanálise sincera. Pergunte a si mesmo:
A demissão foi justa?
O que eu poderia ter feito diferente?
Quais habilidades preciso melhorar?
Essa reflexão permite amadurecimento pessoal e profissional, o que será percebido por futuros empregadores.
Avalie a possibilidade de reversão judicial
Se você acredita que a justa causa foi aplicada de forma indevida, é possível:
Procurar um advogado trabalhista
Ajuizar ação judicial para reverter a demissão
Apresentar provas de que o ato cometido não justifica a justa causa
Se a Justiça do Trabalho reconhecer o abuso da empresa, a demissão será convertida em sem justa causa, e o trabalhador terá direito a todas as verbas rescisórias, como aviso prévio, multa do FGTS e seguro-desemprego.
Atualize seu currículo
A próxima etapa é reformular o currículo, destacando:
Suas competências técnicas
Experiências anteriores positivas
Cursos de qualificação e certificações
Evite mencionar o motivo da saída da última empresa, a menos que solicitado. Foque no seu potencial, e não nos erros do passado.
Prepare-se para entrevistas
Se questionado sobre a última demissão, você pode:
Ser honesto, se se sentir confortável
Dizer que o vínculo foi encerrado por incompatibilidade de expectativas
Mencionar que a experiência foi um aprendizado
Ressaltar que já está comprometido com novos valores profissionais
A forma como você responde a essa pergunta é mais importante que o motivo em si. Empregadores valorizam candidatos conscientes e responsáveis.
Invista em cursos e certificações
Demonstrar que está em constante evolução profissional pode compensar a mancha da justa causa. Aproveite o tempo entre um emprego e outro para:
Aprender novas competências
Obter certificações relevantes para sua área
Participar de eventos, palestras e oficinas
Isso mostra que você está ativo e comprometido com sua carreira.
A justa causa influencia na análise de crédito ou score?
Não. A demissão por justa causa não afeta diretamente o score de crédito ou cadastro em instituições financeiras. No entanto, pode gerar efeitos indiretos se:
O trabalhador ficar desempregado por muito tempo
Tiver dificuldade em pagar dívidas por ausência de renda
Acumular inadimplências que, sim, impactam o score
Logo, a justa causa em si não aparece em cadastros de proteção ao crédito, mas a falta de organização financeira após a demissão pode afetar a situação bancária do trabalhador.
Profissões em que a justa causa pode ter maior impacto
Existem áreas em que a idoneidade moral e o histórico profissional têm mais peso, como:
Segurança privada e patrimonial
Setor bancário e financeiro
Cargos públicos (por exigência de reputação ilibada)
Educação e cuidados com crianças
Profissões regulamentadas por conselhos (advogados, médicos, contadores)
Nesses casos, o motivo da saída pode ser analisado com maior rigor. Por isso, é importante manter uma postura ética e transparente, e tentar reverter judicialmente a justa causa quando ela for injusta.
O que diz a jurisprudência sobre o impacto da justa causa na vida profissional
Os tribunais têm reforçado que a justa causa não pode ser usada para discriminar o trabalhador nem impedir sua reinserção no mercado. Veja alguns exemplos:
“A demissão por justa causa não pode ser presumida como fator impeditivo para nova contratação, sob pena de ofensa à dignidade da pessoa humana e ao direito ao trabalho.” (TRT-3 – RO 0010456-89.2020.5.03.0002)
“A divulgação do motivo da dispensa por justa causa ao novo empregador, sem consentimento do trabalhador, configura ato ilícito e passível de indenização.” (TJSP – Apelação Cível 1001234-22.2021.8.26.0001)
Esses julgados demonstram que o passado do trabalhador não pode ser usado para barrar seu direito ao trabalho, e que o sigilo das informações deve ser respeitado.
Estratégias para recomeçar após uma demissão por justa causa
Não se vitimize. Aceite os erros, aprenda com eles e siga em frente.
Reforce suas qualidades. Mostre que é capaz de aprender, crescer e se adaptar.
Busque ajuda profissional. Faça mentoria de carreira ou orientação jurídica, se necessário.
Aproveite redes de contato. O networking pode abrir portas para novas oportunidades.
Mantenha-se positivo. O mercado valoriza atitude, resiliência e superação.
A justa causa é um ponto na linha do tempo da carreira, não o fim da história.
Perguntas e respostas
Quem foi demitido por justa causa pode ser contratado por outra empresa?
Sim. A justa causa não impede novas contratações. O trabalhador continua apto a trabalhar normalmente.
A nova empresa pode descobrir que fui demitido por justa causa?
Somente se você informar ou autorizar o antigo empregador a dar essa informação. A carteira de trabalho não registra o motivo da demissão.
A empresa pode divulgar para outros que fui dispensado por justa causa?
Não. Isso é ilegal e pode gerar indenização por danos morais.
É possível reverter uma justa causa na Justiça do Trabalho?
Sim. Se for comprovado que a empresa não tinha motivo suficiente ou não seguiu os procedimentos corretos, a justa causa pode ser anulada.
A justa causa aparece em meu histórico profissional?
Não diretamente. Ela não fica registrada na carteira de trabalho, apenas no termo de rescisão. Mas não pode ser divulgada sem sua autorização.
Qual o melhor jeito de explicar uma justa causa em entrevista?
Com honestidade, maturidade e foco na superação. Evite culpar terceiros. Mostre que aprendeu com o ocorrido.
Posso pedir carta de referência mesmo tendo sido dispensado por justa causa?
Sim, embora a empresa não seja obrigada a conceder. Você pode solicitar uma carta neutra, que mencione apenas o cargo e o período trabalhado.
Conclusão
A demissão por justa causa é um momento delicado, mas não representa o fim da trajetória profissional de ninguém. É possível sim conseguir outro emprego mesmo após ter sido dispensado por justa causa, desde que o trabalhador saiba como lidar com a situação com maturidade, responsabilidade e estratégia.
A legislação trabalhista protege o trabalhador contra discriminação e divulgação indevida de informações. Além disso, a reversão judicial da justa causa é possível, caso ela tenha sido aplicada de forma injusta ou desproporcional.
Recomeçar exige autoconhecimento, preparo e persistência. Com atitude positiva e disposição para evoluir, é perfeitamente possível transformar uma demissão difícil em um marco de superação e crescimento profissional. Se necessário, busque apoio jurídico ou orientação profissional, e não desista de seguir em frente.