Nem toda pessoa pode ser curador de alguém que foi interditado judicialmente por motivos de incapacidade. A curatela é uma função de grande responsabilidade, pois envolve a administração da vida civil de alguém considerado total ou parcialmente incapaz. Por isso, o Código Civil brasileiro estabelece critérios rigorosos sobre quem pode e quem não pode ser curador, visando proteger os interesses e os direitos da pessoa curatelada.
A curatela é uma medida de proteção jurídica que impõe a supervisão da vida civil de um indivíduo por outro, designado por decisão judicial. Ela pode abranger aspectos patrimoniais, pessoais ou ambos. No entanto, ao mesmo tempo em que visa proteger o curatelado, a lei também protege a função da curatela, garantindo que apenas pessoas aptas, idôneas e com capacidade moral, jurídica e psicológica possam exercê-la.
Neste artigo, vamos explicar detalhadamente quem não pode ser curador, segundo a legislação brasileira, decisões judiciais e os princípios da curatela. Vamos abordar as causas de impedimento, os critérios de exclusão, o que o juiz leva em conta ao nomear o curador, e quais os procedimentos em caso de substituição ou remoção do curador. Também traremos exemplos práticos e uma seção com perguntas e respostas para esclarecer as dúvidas mais frequentes.
O que é curatela
A curatela é o instrumento jurídico pelo qual o juiz designa uma pessoa (o curador) para administrar a vida civil de alguém considerado incapaz, total ou parcialmente, de exercer seus atos da vida civil. Pode ser aplicada a:
Pessoas com deficiência intelectual ou mental grave
Idosos com doenças neurodegenerativas (como Alzheimer)
Pessoas com dependência química severa
Pessoas em estado de coma ou inconsciente
Pessoas com transtornos mentais que afetem a plena capacidade civil
A curatela deve ser proporcional às necessidades da pessoa, conforme estabelecido pelo artigo 84 do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), sendo sempre uma medida excepcional e subsidiária, aplicada no menor grau possível e com foco na promoção da autonomia.
Quem pode ser curador
A regra geral é que, na ausência de impedimentos legais, o curador deve ser alguém próximo, como o cônjuge, companheiro ou parente mais próximo, conforme a ordem de preferência estabelecida no artigo 1.775 do Código Civil:
Cônjuge ou companheiro, não separado judicialmente ou de fato
Na ausência destes, pai ou mãe
Em seguida, o descendente mais apto
E, na falta de todos os anteriores, pessoa idônea, nomeada pelo juiz
Essa ordem não é absoluta. O juiz pode desconsiderá-la se a pessoa mais próxima não tiver condições de exercer a função ou se houver motivos relevantes para impedir sua nomeação.
Quem não pode ser curador segundo o Código Civil
O artigo 1.735 do Código Civil estabelece expressamente as hipóteses de impedimento para o exercício da curatela, listando as pessoas que não podem ser curadoras, ainda que parentes do curatelado. São elas:
Menores de idade
Pessoas com menos de 18 anos são absolutamente impedidas de exercer a curatela. Isso se dá porque, pela própria lei, o menor de idade não possui plena capacidade civil e, portanto, não pode exercer atos que exigem responsabilidade plena.
Aqueles que tenham sido excluídos da tutela por indignidade
A curatela e a tutela compartilham certos critérios de moralidade e aptidão. Assim, quem foi excluído da tutela por indignidade, com base no artigo 1.735, II do Código Civil, também está impedido de ser curador.
São exemplos de indignidade:
Ter abandonado o incapaz
Ter praticado violência contra ele
Ter se apropriado de seus bens ou recursos
Ter sido negligente em outra função protetiva
Aqueles que tiverem má conduta notória
Pessoas com má reputação, histórico de atos imorais, condenações criminais graves, envolvimento em esquemas fraudulentos ou em situações que coloquem em dúvida sua idoneidade não podem ser curadoras.
A má conduta pode ser comprovada por antecedentes criminais, ações judiciais, relatos de condutas indevidas, dependência química não tratada, entre outros.
Aqueles que tiverem conflito de interesses com o curatelado
Se o potencial curador tiver interesse contrário ao do curatelado, ele estará impedido de exercer a curatela. Isso inclui situações em que:
O possível curador é herdeiro direto e pode ser beneficiado com a incapacidade do curatelado
Há disputa judicial ou patrimonial entre eles
O possível curador tem dívidas ou pendências com o curatelado
Há ação de interdição motivada por conflito familiar
O conflito de interesses pode ser presumido (ex: disputa de herança) ou comprovado (ex: processo em andamento).
Pessoas falidas ou insolventes
A curatela envolve responsabilidade patrimonial. Portanto, pessoas falidas (com falência decretada judicialmente) ou civilmente insolventes não podem ser curadoras, pois não têm condições legais de administrar o patrimônio de outro.
Pessoas com deficiência que as torne inaptas ao exercício da função
Caso a deficiência da pessoa seja tal que a impeça de compreender e gerir adequadamente os interesses do curatelado, essa pessoa será impedida de exercer a curatela. Não se trata de discriminação, mas de respeito à complexidade da função.
O juiz pode negar a nomeação de um parente?
Sim. Embora o Código Civil estabeleça uma ordem de preferência, o juiz pode e deve indeferir a nomeação de alguém que esteja impedido legalmente ou que não tenha condições de exercer a função, ainda que seja cônjuge, pai, mãe ou filho.
A função de curador exige idoneidade moral, equilíbrio emocional, saúde mental, organização e responsabilidade. O juiz pode ouvir testemunhas, determinar avaliações psicossociais e até mesmo pedir manifestação do Ministério Público antes de tomar a decisão.
Exemplo: um filho que possui processo criminal por estelionato e histórico de abuso financeiro contra os pais pode ser desconsiderado como curador, mesmo sendo parente direto.
Curador pode ser removido do cargo?
Sim. A qualquer momento, o juiz pode remover o curador, de ofício ou a pedido de terceiro, se verificar que ele:
Está se omitindo no cuidado do curatelado
Está utilizando os bens do curatelado em proveito próprio
Está descumprindo os deveres de prestação de contas
Está colocando em risco a saúde, o bem-estar ou o patrimônio do curatelado
A remoção pode ser pedida por parentes, pelo Ministério Público, por assistente social ou até mesmo pelo próprio curatelado, se tiver condições de manifestar vontade.
Após a remoção, o juiz deve nomear novo curador, respeitando os critérios legais e sempre visando o melhor interesse da pessoa protegida.
O que acontece quando não há ninguém apto na família
Caso nenhum parente ou pessoa próxima tenha condições de assumir a curatela, o juiz pode nomear curador profissional, curador público ou entidade assistencial, conforme a realidade da comarca.
Em grandes cidades, há defensorias públicas ou órgãos da administração que assumem a curatela de idosos abandonados, pessoas em situação de rua ou em instituições psiquiátricas. Em outras situações, ONGs ou instituições filantrópicas podem ser designadas para tal função.
Curatela compartilhada
É possível o juiz nomear mais de um curador, em regime de curatela compartilhada, especialmente quando se deseja dividir responsabilidades entre familiares ou quando a função exige múltiplas competências (ex: um curador para o patrimônio e outro para os cuidados pessoais).
Essa solução é útil em situações de desconfiança mútua entre parentes ou para dividir a carga emocional e administrativa da função.
Responsabilidades do curador
Quem é nomeado curador deve:
Zelar pela saúde e segurança do curatelado
Garantir seu acesso à educação, saúde, cultura e convívio familiar
Administrar o patrimônio com transparência
Prestar contas ao juiz, geralmente uma vez por ano
Obedecer aos limites da curatela estabelecidos na sentença
A violação dessas responsabilidades pode acarretar remoção, responsabilização civil, criminal e até indenização ao curatelado ou seus herdeiros.
A curatela é definitiva?
Não. A curatela pode ser revogada ou modificada a qualquer momento, caso haja recuperação da capacidade do curatelado ou mudança nas condições que levaram à interdição. É possível transformar a curatela total em parcial, limitar seus efeitos ou até extingui-la.
O objetivo é sempre garantir a máxima autonomia possível à pessoa, conforme preveem a Constituição e a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Perguntas e respostas sobre quem não pode ser curador
Quem é impedido de ser curador segundo o Código Civil?
Menores de idade, pessoas com má conduta, falidos, insolventes, quem tiver conflito de interesses com o curatelado, pessoas com deficiência que impeça o exercício da função e quem foi excluído da tutela por indignidade.
É obrigatório nomear um parente como curador?
Não. A lei estabelece uma ordem de preferência, mas o juiz pode nomear outra pessoa se o parente estiver impedido ou não tiver condições.
O juiz pode negar um pedido de curatela feito pelo filho?
Sim. Se houver indícios de má conduta, conflito de interesse ou incapacidade, o juiz pode negar o pedido, mesmo sendo o filho o parente mais próximo.
Quem já cometeu crime pode ser curador?
Depende do tipo de crime. Crimes contra a honra, o patrimônio, ou a família do curatelado geralmente são impeditivos. O juiz avalia caso a caso.
Pessoas com deficiência podem ser curadoras?
Sim, desde que a deficiência não as torne inaptas para a função. O juiz deve avaliar se a pessoa tem condições de exercer a curatela com responsabilidade.
Se ninguém da família puder ser curador, o que acontece?
O juiz pode nomear curador público, defensor público, assistente social ou entidade assistencial, conforme a estrutura disponível na comarca.
A curatela pode ser dividida entre duas pessoas?
Sim. O juiz pode nomear curadores distintos para aspectos patrimoniais e pessoais, ou dividir a função entre dois familiares, se isso for do interesse do curatelado.
O curador pode ser punido se agir de má-fé?
Sim. O curador pode ser removido, responsabilizado civilmente e criminalmente por má gestão, abuso ou omissão no exercício da curatela.
Conclusão
A curatela é uma medida de proteção fundamental para garantir os direitos e a dignidade de pessoas que não têm plena capacidade de gerir seus próprios atos da vida civil. Justamente por envolver tamanha responsabilidade, a legislação estabelece regras claras sobre quem pode e quem não pode ser curador.
As restrições existem para proteger o curatelado contra abusos, fraudes, negligência ou conflitos de interesse. O juiz, ao analisar o pedido de curatela, deve sempre observar os requisitos legais e a realidade concreta das partes envolvidas, garantindo que a nomeação sirva, de fato, ao melhor interesse da pessoa protegida.
A atuação do advogado e da equipe multidisciplinar é essencial para orientar as famílias, apresentar provas de idoneidade e construir soluções que respeitem a lei e a dignidade do curatelado. E, acima de tudo, a curatela deve ser vista como um instrumento temporário, proporcional e ajustável, respeitando sempre a máxima autonomia possível da pessoa em condição de vulnerabilidade.