Resumo: Este trabalho tem como meta analisar questões práticas envolvendo o ativismo judicial e o papel do Ministério Público na concretização das políticas públicas.
Palavras-chave: Ativismo judicial. Políticas públicas. Ministério Público.
Abstract: This work aims to analyze practical issues involving the judicial activism and the role of prosecutors.
Keywords: Judicial activism. Public policy. Public Ministry.
Sumário: 1. Introdução. 2. Análise da legislação aplicável e da jurisprudência. 3. Conclusão. 4. Referências.
Introdução
A tutela coletiva dos direitos metaindividuais (difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos) se dá, especialmente, por meio da ação civil pública, disciplina pela Lei n. 7.347/85, tendo o Ministério Público como um de seus principais legitimados para propô-la.
Recentemente, tem ganhado força a discussão em torno sobre a possibilidade de utilização da referida actio como modo de se alargar o espaço de atuação do Poder Judiciário, e assim propiciar o chamado “ativismo judicial”, na via da judicialização de políticas públicas, todas as vezes em que o Estado for omisso, negligente e/ou insuficiente na garantia das prioridades constitucionais de ação.
Nesse ponto, calha lembrar que um dos princípios específicos da tutela coletiva é exatamente o ativismo judicial, juntamente com o princípio do devido processo legal coletivo, da reparação integral do dano, etc.
O jusfilósofo alemão Karl Schmidt foi quem cunhou pela primeira vez a expressão “judicialização das políticas públicas”. Alguns dizem “dimensão política da jurisdição”.
Análise da legislação aplicável e da jurisprudência
O ativismo judicial tem como principal obstáculo o princípio da separação dos Poderes, insculpido no art. 2º da CFRB/88, que assim dispõe:
“Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”
De tal modo que para alguns, não haveria como o Poder Judiciário forçar que outro Poder da República fosse obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, pensamento esse do qual se discorda, haja vista a necessidade de concretização dos direitos fundamentais, entre eles o da Inafastabilidade da Jurisdição (art. 5º, XXXV da CF) – garantia de acesso à justiça axiologicamente neutra.
Sendo assim, questões de grande repercussão social passaram a ser decididas pelos tribunais.
Para Luís Roberto Barroso[1], não há incompatibilidade entre a judicialização das políticas públicas e o Estado Democrático de Direito. Para ele, a judicialização e o ativismo judicial são “primos”, e tudo isso se deve ao claro declínio da política e do crescimento do jurídico.
Em breves linhas, o ativismo judicial ocorre quando o Poder Judiciário concretiza um direito social. O direito (poder judiciário) deve ser visto como um instrumento de direção e promoção social. A tutela jurisdicional também é um direito fundamental.
Um caso paradigmático sobre o chamado “ativismo judicial” que chegou aos tribunais ocorreu no âmbito da ADPF 45, de relatoria do Ministro Celso de Mello (sobre o direito social fundamental à educação infantil). Nele, o STF reconheceu a possibilidade constitucional de controle e intervenção do Poder Judiciário em tema de implementação de políticas públicas quando configurada hipótese de abuso governamental, bem como deixou assentada a necessidade de preservação do mínimo existencial em confronto com a chamada “reserva do possível”.
Também deixou-se assente que o Poder Judiciário pode anular atos discricionários que violem a Moralidade, a Razoabilidade e a Legalidade. Vale dizer, uma coisa é a chamada “discricionariedade administrativa”, e outra bem diferente é a “arbitrariedade”.
Não há falar em juízo de conveniência e oportunidade a respeito da implementação de uma política pública, mas apenas – e com ressalvas – a respeito do seu conteúdo.
O Poder Judiciário assume importante papel na concretização das políticas públicas ante a inércia/incompetência do Poder Executivo em fazê-lo.
É preciso que o Poder Judiciário aja com razoabilidade, observando-se os demais princípios que regem a Administração Pública e o próprio Estado Democrático de Direito.
Segundo Cássio Casagrande[2], são fatores propulsores da judicialização da política, “todos relacionados à reconstitucionalização do país e ao novo modelo de democracia participativa dela decorrentes’:
a) criação de um modelo constitucional amplamente regulatório dos direitos individuais e sociais, com a prevalência do direito público sobre o direito privado, consagrado na idéia de Constituição Cidadã;
b) a ampliação do sistema de controle de constitucionalidade, especialmente da legitimação plúrima conferida ao Estado e à sociedade para provocar diretamente a atuação do Supremo Tribunal Federal;
c) a independência do Poder Judiciário e do Ministério Público e sua inserção plena no sistema de democracia participativa;
d) amplo acesso ao Judiciário, por meio de novas formas processuais (ações coletivas, ações diretas para controle de constitucionalidade, etc); e da abertura de novos canis do sistema de justiça (Ministério Público, Defensoria Pública, juizados especiais, órgãos de defesa do consumidor e da concorrência, Comissões Parlamentares de Inquérito).”
Por sua vez, a Justiça do Trabalho será materialmente competente para o julgamento da implementação de políticas públicas toda vez que a causa de pedir versar sobre “valor social do trabalho” (art. 1º, IV, CF/88), seja por ato comissivo ou por ato omissivo do Poder Público.
Ademais, frise-se que o art. 114, I, da CF, foi alterado com EC n. 45/2004, pela qual houve a ampliação da competência material da Justiça Laboral.
Outro caso interessante envolvendo o tema “ativismo judicial” (ou “judicialização das políticas públicas”), agora na seara laboral, ocorreu no julgamento da Ação Civil Pública n. 75700-37.2010.5.16.0009.[3]
Por meio da referida ação, o MPT requeria que a Justiça do Trabalho determinasse ao Município de Codó/MA que cumprisse com obrigações constitucionais, implementando programas que levassem à erradicação do trabalho infantil na região sob sua administração. Ao examinar o pedido, o TRT considerou que a questão é de cunho administrativo, e que não haveria previsão legal para a Justiça do Trabalho atuar no caso. Para o Regional, não haveria possibilidade de determinação, pelo Poder Judiciário, de obrigações de fazer e não fazer ao Poder Público.
Veja-se que o TRT se utilizou de argumento “retrógrado” e sem “visão social”, na contramão do neoconstitucionalismo.
A Terceira Turma do TST, porém, afastou a declaração de incompetência proferida pelo Regional. Ao fundamentar seu voto, o ministro Mauricio Godinho Delgado, relator do recurso de revista do MPT, citou precedentes do TST e do Supremo Tribunal Federal em sentido contrário ao acórdão do TRT-MA.
O ministro salientou que, em situações excepcionais, o STF tem entendido que o Poder Judiciário pode determinar que a Administração Pública adote medidas que assegurem direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes. Nesse sentido, listou decisões do Supremo favoráveis a que o Poder Público fosse obrigado a oferecer abrigos para moradores de rua, implementasse políticas públicas de defesa do meio ambiente e matriculasse crianças em escolas perto de sua residência. Segundo o relator, esse entendimento se aplica ao caso, no qual se pretende a tutela da erradicação do trabalho infantil.
Percebe-se que esse julgado é um grande e importante precedente no que tange à judicialização das políticas públicas no Brasil, e o mais interessante é notar que referido posicionamento vem sendo já aplicado pelos tribunais superiores, a exemplo do TST e do STF.
A Câmara de Coordenação e Revisão do MPT, inclusive, possui o seguinte precedente:
“Ementa do processo nº 2839/2011. POLITICAS PÚBLICAS PARA A ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL E PROTEÇÃO DO TRABALHO DO ADOLESCENTE. Em vista do projeto da COORDINFÂNCIA para atuação judicial e extrajudicial do MPT junto aos Poderes Públicos visando à implantação de políticas públicas relacionadas ao trabalho infantil não conheço da promoção de arquivamento e devolvo os autos para as providências prevista no artigo 17, Parágrafo Único, da Resolução n. 69/2007.”
Conclusão
Ante o exposto, percebe-se que a CF/88 atribuiu ao MP papel fundamental na concretização das políticas públicas sociais. Nesse sentido, cita-se inclusive o art. 1º, V do Texto Constitucional, que trata do “pluralismo político”, tendo o Parquet como um dos novos atores sociais. O MP age, portanto, como indutor e/ou fiscal de políticas públicas, tendo como principais instrumentos de atuação o inquérito civil, o termo de ajuste de conduta, as audiências públicas e a ação civil pública.
Informações Sobre o Autor
Vinicius de Freitas Escobar
Pós-graduando em Direito e Processo do Trabalho pela UNIDERP-Anhanguera