A reclamação constitucional é uma ação prevista no ordenamento jurídico brasileiro que tem como principal objetivo preservar a autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), bem como garantir a competência desses tribunais em determinadas situações. Trata-se de um instrumento de natureza excepcional, mas de extrema importância para assegurar a efetividade das decisões judiciais e a uniformidade na aplicação do direito.
Neste artigo, explicaremos em detalhes o que é a reclamação constitucional, sua finalidade, fundamentos legais, hipóteses de cabimento, procedimento, requisitos, jurisprudência relevante e outras questões fundamentais para advogados, estudantes de direito e cidadãos interessados em compreender melhor os mecanismos de proteção jurisdicional previstos na Constituição Federal.
O que é a reclamação constitucional
A reclamação constitucional é um instrumento processual utilizado para preservar a competência dos tribunais superiores (principalmente o STF e o STJ) ou garantir a autoridade de suas decisões. Ela pode ser proposta quando se entende que um ato judicial ou administrativo desrespeitou a autoridade de uma decisão anterior desses tribunais, ou que está usurpando a competência constitucionalmente atribuída a eles.
Em outras palavras, a reclamação serve como um remédio jurídico para corrigir violações à competência ou à autoridade de decisões proferidas pelos tribunais superiores. Embora seja mais conhecida em relação ao STF, também pode ser utilizada no STJ e em alguns Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais, conforme o caso.
Fundamento legal da reclamação constitucional
A previsão da reclamação constitucional está no artigo 102, inciso I, alínea “l”, da Constituição Federal, no que diz respeito ao STF:
“Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: (…) julgar a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões.”
Também está prevista no artigo 105, inciso I, alínea “f”, no caso do STJ:
“Compete ao Superior Tribunal de Justiça: (…) julgar a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões.”
Além da Constituição, o tema é disciplinado no Código de Processo Civil de 2015 (artigos 988 a 993), que regulamenta de forma mais detalhada o procedimento da reclamação constitucional.
Finalidade da reclamação constitucional
A reclamação constitucional tem duas finalidades principais:
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Preservar a competência do tribunal superior: Quando um órgão judicial ou administrativo pratica ato que invade competência originária do STF ou STJ, pode-se ajuizar a reclamação para que o tribunal superior determine a suspensão ou anulação do ato invasivo.
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Assegurar a autoridade das decisões do tribunal superior: Quando uma decisão do STF ou STJ não é respeitada por autoridade judicial ou administrativa, a parte prejudicada pode se valer da reclamação para garantir o cumprimento da decisão anterior, evitando decisões contraditórias e violação à coisa julgada.
A reclamação é, portanto, uma ferramenta que protege a estrutura hierárquica do sistema judiciário e assegura a uniformidade da interpretação do direito.
Hipóteses de cabimento da reclamação constitucional
O Código de Processo Civil (artigo 988) estabelece as hipóteses de cabimento da reclamação:
I – para preservar a competência do tribunal;
II – para garantir a autoridade das decisões do tribunal;
III – contra ato que contrarie súmula vinculante ou que indevidamente a aplique;
IV – para garantir a observância de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade.
Vamos detalhar cada uma dessas hipóteses:
Preservação da competência
A reclamação pode ser utilizada quando se verifica que uma autoridade ou tribunal está usurpando competência do STF ou do STJ. Um exemplo clássico é quando um juiz de primeira instância tenta julgar uma causa que, pela Constituição, deve ser julgada originariamente pelo STF.
Garantia da autoridade de decisão anterior
Quando um tribunal inferior ou uma autoridade administrativa deixa de cumprir ou descumpre uma decisão proferida pelo STF ou STJ, a parte interessada pode recorrer por meio de reclamação. Esse descumprimento pode ocorrer de forma direta (não obedecer a decisão) ou indireta (editar nova decisão que desrespeita os fundamentos da anterior).
Contrariedade ou aplicação indevida de súmula vinculante
A súmula vinculante, prevista no artigo 103-A da Constituição Federal, obriga os demais órgãos do Poder Judiciário e da administração pública a seguirem seu conteúdo. Caso uma decisão viole ou aplique indevidamente uma súmula vinculante, cabe reclamação ao STF.
Descumprimento de decisão proferida em controle concentrado de constitucionalidade
As decisões do STF em ações como ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade), ADC (Ação Declaratória de Constitucionalidade), ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), entre outras, têm efeito vinculante e erga omnes. A reclamação pode ser proposta se ato posterior contrariar essas decisões.
Legitimidade para ajuizar a reclamação constitucional
De acordo com o artigo 988, §1º, do Código de Processo Civil, a reclamação pode ser proposta por qualquer das partes do processo, pelo Ministério Público ou por quem tenha interesse jurídico no cumprimento da decisão. Assim, não é necessário que a pessoa seja parte diretamente beneficiada pela decisão descumprida, bastando que demonstre interesse jurídico legítimo.
Nos casos de descumprimento de súmula vinculante, o artigo 7º da Lei nº 11.417/2006 (Lei das Súmulas Vinculantes) também permite a propositura da reclamação por terceiros diretamente interessados.
Procedimento da reclamação constitucional
O procedimento da reclamação constitucional é regulado pelos artigos 988 a 993 do Código de Processo Civil e pode ser sintetizado da seguinte forma:
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Petição inicial: Deve conter os fundamentos da reclamação, com a demonstração clara da violação à competência ou à autoridade da decisão do tribunal, ou da violação à súmula vinculante.
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Documentos indispensáveis: Deve-se anexar cópias das decisões alegadamente descumpridas, além de outros documentos comprobatórios.
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Distribuição: A reclamação será distribuída ao relator da decisão originária, se houver.
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Despacho inicial: O relator pode requisitar informações da autoridade reclamada, conceder liminar para suspender o ato impugnado, ou até indeferir liminarmente a reclamação se manifestamente inadmissível.
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Manifestação do Ministério Público: Em regra, o Ministério Público será ouvido, especialmente se houver interesse público relevante.
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Julgamento: Após instrução, a reclamação será julgada pelo tribunal competente. Se procedente, o ato impugnado será cassado ou suspenso.
Prazos na reclamação constitucional
O Código de Processo Civil não fixa um prazo específico para a propositura da reclamação, salvo no caso de desrespeito à súmula vinculante, em que a Lei nº 11.417/2006 (art. 7º, §2º) estabelece o prazo de 30 dias, contados da ciência da decisão que contrariou a súmula.
Contudo, mesmo nas demais hipóteses, é recomendável que a reclamação seja proposta com a maior brevidade possível, sob pena de se tornar ineficaz ou desnecessária.
Reclamação constitucional no STF
O Supremo Tribunal Federal é o principal destinatário da reclamação constitucional, especialmente nas hipóteses de:
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descumprimento de decisões em sede de controle concentrado de constitucionalidade;
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violação a súmulas vinculantes;
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preservação de sua competência originária;
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autoridade de decisões em recursos extraordinários.
Um exemplo prático é a reclamação utilizada para garantir o cumprimento da decisão do STF que reconhece a inconstitucionalidade de uma norma estadual. Caso o Estado continue aplicando a norma, cabe reclamação para fazer cessar a ilegalidade.
Outro exemplo é o uso da reclamação para garantir os efeitos de um habeas corpus concedido pelo STF, mas desrespeitado por um tribunal inferior ou autoridade administrativa.
Reclamação constitucional no STJ
No Superior Tribunal de Justiça, a reclamação constitucional também é cabível para garantir o cumprimento de suas decisões em recursos especiais, bem como para proteger sua competência originária.
É comum, por exemplo, a utilização de reclamações no STJ quando um tribunal inferior decide contrariamente a uma tese firmada em recurso repetitivo. A reclamação busca assegurar a aplicação uniforme da jurisprudência nacional.
Jurisprudência relevante sobre reclamação constitucional
A jurisprudência do STF e do STJ consolidou diversos entendimentos importantes sobre a reclamação. Abaixo, destacamos alguns:
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RE 590.409/RS (STF): Firmou-se o entendimento de que a reclamação não substitui recurso cabível, sendo cabível apenas quando não há outro meio processual adequado.
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Rcl 4.335 (STF): Definiu-se que a reclamação pode ser usada para garantir observância às decisões do Supremo em controle concentrado, inclusive em ações civis públicas.
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Rcl 7.265 (STJ): O STJ assentou que a reclamação é meio idôneo para assegurar o respeito à sua jurisprudência em recurso repetitivo, desde que configurada ofensa clara e direta.
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STF – Tema 743: Reconheceu-se que a reclamação não é meio de rediscussão da matéria decidida, devendo haver correlação direta entre a decisão descumprida e o ato reclamado.
Diferença entre reclamação constitucional e recurso
É importante distinguir a reclamação constitucional de um recurso. O recurso visa modificar uma decisão judicial que ainda não transitou em julgado, dentro do mesmo processo. Já a reclamação não é meio de impugnação de decisão, mas sim de proteção à autoridade de decisões já proferidas ou à competência de determinado tribunal.
Portanto, a reclamação não substitui o recurso cabível. Se ainda há recurso ordinário ou especial adequado, não se deve recorrer diretamente à reclamação.
Consequências do acolhimento da reclamação
Se a reclamação for julgada procedente, o tribunal superior pode cassar o ato reclamado, declarar sua nulidade ou determinar seu refazimento em conformidade com a decisão anterior ou com a jurisprudência vinculante.
Em alguns casos, também pode determinar a imposição de sanções ou comunicações à autoridade superior sobre o descumprimento.
A decisão que julga procedente a reclamação é vinculante no caso concreto e pode gerar repercussões administrativas ou funcionais para a autoridade que descumpriu a decisão.
Reclamação e controle de constitucionalidade
A reclamação tem papel importante no controle de constitucionalidade. Quando uma decisão judicial ou ato administrativo afronta julgamento do STF em sede de controle concentrado, é possível valer-se da reclamação como forma de dar efetividade à decisão.
Isso reforça o caráter vinculante das decisões do STF e fortalece a uniformidade do sistema jurídico, especialmente em questões constitucionais.
Reclamação e repercussão geral
O STF também admite a reclamação como instrumento para garantir a aplicação do entendimento firmado sob a sistemática da repercussão geral. Se um tribunal inferior decide em sentido contrário ao fixado pelo STF em tema com repercussão geral reconhecida, cabe reclamação para assegurar a uniformização.
Reclamação e precedentes obrigatórios
Com o advento do novo Código de Processo Civil, consolidou-se a ideia dos precedentes obrigatórios. A reclamação passou a ser ferramenta eficaz para garantir o cumprimento de:
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acórdãos em recursos repetitivos;
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acórdãos em IRDR (incidente de resolução de demandas repetitivas);
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acórdãos proferidos em assunção de competência;
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enunciados de súmulas vinculantes.
Essa nova dimensão ampliou o alcance da reclamação como meio de garantir segurança jurídica e isonomia na aplicação do direito.
Perguntas e respostas sobre a reclamação constitucional
O que é a reclamação constitucional?
É um instrumento jurídico utilizado para garantir a autoridade de decisões de tribunais superiores ou preservar sua competência.
Quando posso usar a reclamação constitucional?
Quando há descumprimento de decisão do STF ou STJ, violação de súmula vinculante ou usurpação de competência desses tribunais.
A reclamação é um recurso?
Não. Ela é uma ação autônoma, não substituindo os recursos previstos no processo.
Qual o prazo para entrar com reclamação?
Regra geral, não há prazo. Apenas na hipótese de súmula vinculante, há prazo de 30 dias.
Quem pode propor reclamação constitucional?
As partes do processo, o Ministério Público ou terceiros com interesse jurídico.
É preciso advogado para propor reclamação?
Sim, exceto nos casos em que o próprio Ministério Público ou defensor público a proponham.
A reclamação suspende o processo?
Pode suspender, caso o relator conceda liminar.
Conclusão
A reclamação constitucional é um instrumento fundamental para a proteção da autoridade das decisões proferidas pelo STF e STJ, bem como para a preservação da competência desses tribunais em matérias relevantes. Com o avanço do sistema de precedentes e a crescente valorização da segurança jurídica, a reclamação ganha importância como meio de garantir a uniformidade e a efetividade das decisões judiciais em todo o país.
Embora seja um remédio jurídico excepcional, seu uso adequado pode evitar violações graves à ordem jurídica e reforçar o papel dos tribunais superiores na interpretação da Constituição e da legislação federal. Por isso, é essencial que advogados e operadores do direito compreendam bem seu funcionamento, requisitos e limites.