Redução Das Mensalidades Escolares: Aspectos Relevantes da Lei N.8.864 DE 03/06/2020.

Por Pablo Bruzzone, Sócio e Advogado do MLA – Miranda Lima Advogados.

A lei número 8.864 de 03/06/2020, que dispõe sobre a redução proporcional das mensalidades escolares em estabelecimentos de ensino da rede particular, durante a vigência do estado de calamidade pública, instituído pela lei nº 8.794, de 17 de abril de 2020, foi publicada no dia 4 de junho de 2020, passando a surtir os seus efeitos imediatamente.

Conforme comentado em artigo anterior[1], em que o tema, mensalidades escolares na pandemia foi abordado de forma mais abstrata, este causídico adiantou o entendimento de que a referida Lei padece de vício formal de constitucionalidade, em razão da incompetência do ente estatal, bem como se revela materialmente inconstitucional, na linha de precedentes do Supremo Tribunal Federal sobre legislações locais com objetos semelhantes.

Ademais, uma solução normativa genérica frente a inúmeras nuances e situações fáticas absolutamente distintas, facilmente para acabar por ensejar desequilíbrios. O caminho mais adequado para a resolução do impasse não deveria desafiar a intervenção estatal, pois o nosso ordenamento jurídico viabiliza soluções adequadas, através da boa-fé objetiva e seus corolários, com destaque, na situação concreta, o dever de renegociar, para encontrar a melhor acomodação aos mútuos interesses das partes em face da situação de crise causada pela pandemia.

Mas este breve introito não será o enfoque do presente artigo, pois, pela aparente participação intensa dos diversos interessados na discussão do projeto de lei, somada a importância do tema para a sociedade e o maior interesse em buscar soluções e não novos conflitos, provavelmente a novel Lei Estadual deverá ser seguida pela grande maioria das instituições de ensino privado e pouco combatida perante o judiciário.

Nesse sentido, abordaremos aqui não as incorreções e atecnicidades jurídicas da norma, mas sim os principais aspectos práticos da mesma com a finalidade de auxiliar as instituições de ensino privado a utilizá-la de forma mais eficiente para passar de forma menos conturbada por esse momento crítico de pandemia e crise potencial, mitigando os riscos envolvidos.

 

TITULARES E PERÍODO DE APLICAÇÃO:

Inicialmente, como se infere do art. 1º e respectivos parágrafos da lei nº 8.864 de 03/06/2020, as reduções mínimas de mensalidade nela disciplinada são obrigatórias para todos os estabelecimentos privados de ensino presencial em atividade no Estado do Rio de Janeiro, desde a educação infantil até a educação superior, inclusive pós graduações, passando pelo ensino técnico ou profissionalizante e deverão ser aplicadas para todo o período do estado de calamidade pública, decretado no Estado do Rio de Janeiro (Lei nº 8.794, de 17 de abril de 2020), inclusive eventuais prorrogações.

Destinatários: i) toda a rede particular de ensino em atividade no Estado do Rio de Janeiro, que utilizem a metodologia de aulas presenciais, mesmo que o estabelecimento de ensino esteja desenvolvendo, em caráter extraordinário, atividades alternativas não presenciais. – “estabelecimentos de educação infantil, de ensino fundamental, de ensino médio, inclusive técnico ou profissionalizante, ou de educação superior”, inclusive “cursos de pós-graduação lato-sensu e stricto-sensu”, bem como ii)cooperativas, associações educacionais, fundações e instituições congêneres, sem fins lucrativos, sociedades empresariais que tenham a educação como atividade econômica principal e estejam devidamente enquadradas como microempresas ou empresas de pequeno porte.

Exceções: instituições do item i) que possuam o valor da mensalidade inferior ou igual a R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais) e as pessoas jurídicas, listada no item ii) que possuam o valor da mensalidade inferior ou igual a R$ 700,00 (setecentos reais), que ficam desobrigados de reduzir o valor da mensalidade praticada (cf. art. 1º, I e III).

Beneficiados: todos os alunos regularmente matriculados nas instituições destinatárias da norma, que não possuam mais de 2 (dois) meses de mensalidade em atraso/inadimplidas referentes ao período anterior a 17/04/2020, quando foi reconhecido o estado de calamidade pública, instituído pela Lei nº 8.794, de 17 de abril de 2020 (cf. art. 1º, §5º).

Período de incidência: de 17 de abril de 2020 à 1º de setembro de 2020, podendo ser prorrogado ou alterado caso algum ato venha a modificar o período do estado de calamidade pública, instituído pela Lei nº 8.794, de 17 de abril de 2020 (cf. art. 1º, §6º). As reduções das mensalidades serão canceladas a partir do reinício das aulas presenciais regulares, podendo ser estendidos por 30 dias, mediante negociação.

 

OBRIGAÇÕES, VALORES OBRIGATÓRIOS DE REDUÇÃO E SANÇÕES:

Além dos valores mínimos de redução de mensalidade, a lei nº 8.864 de 03/06/2020 estipula algumas obrigações relevantes aos seus destinatários, como a criação de mesas de negociação, a vedação ao aumento das mensalidades e/ou suspensão de descontos e bolsas de estudos já concedidas, a disponibilização de informações de receitas e de despesas e proíbe a demissão de funcionários, sem cominar previamente sanções para eventual descumprimento, que será objeto de fiscalizado através dos Órgãos Públicos competentes, que deverão aplicar as sanções de forma proporcional ao eventual descumprimento identificado.

Obrigações: i) redução obrigatória nas mensalidades, assim como manter eventuais percentuais de desconto superiores ao estabelecido nesta Lei já acordados com seus contratantes; ii) proibição do aumento do valor da mensalidade, semestralidade ou anuidade, bem como a suspensão, no ano corrente, de descontos ou bolsas de estudos que estavam em vigor na data de suspensão das aulas presenciais, ou a cobrança posterior dos valores referentes aos descontos concedidos através da Lei em cometo; iii) criação e instalação de mesa de negociação de acordo com as diretrizes estipuladas na Lei em referência no prazo de até 5 (cinco) dias úteis contados de 4 de junho de 2020, data da publicação da Lei (cf. art. 2º, §4º); iv) disponibilizar acesso às planilhas de receitas e de despesas aos responsáveis financeiros e os profissionais da educação que irão integrar a Mesa de Negociação, bem como apresentar detalhadamente o impacto das mudanças em sua situação financeira decorrentes da suspensão das atividades presenciais, tais como gastos com custeio, horas extras, entre outros (cf. art. 2º, §3º); e v) manter, durante todo o período de suspensão das aulas, a integralidade de seu quadro docente, bem como os demais profissionais de educação que atuam no apoio pedagógico, administrativo ou operacional, sem redução em suas remunerações (cf. art. 3º).

Reduções obrigatórias de mensalidade: para os destinatários listados no item i) do tópico anterior a redução mínima obrigatória será de 30% (trinta por cento) sobre o valor da mensalidade praticada subtraído de R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais); e para os destinatários constantes do item ii) do tópico acima a redução mínima obrigatória será de 15% (quinze por cento) sobre o valor da mensalidade subtraído R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais);

Sanções: não foram previamente estipuladas sanções, mas poderão ser cominadas multas e outras penalidades nas fiscalizações realizadas pelos órgãos públicos competentes, notadamente o PROCON/RJ, de ofício ou por denúncia e/ou reclamação, de acordo com a gravidade dos descumprimentos e reincidência.

 

CONCLUSÃO

Como se infere da análise acima, não são poucas e nem brandas as intervenções implementadas pela Lei Estadual em questão, inclusive com a imposição de abertura de informações que podem ser estratégicas para a entidade educacional e, por conseguinte, sigilosas. Em decorrência desses e outros motivos, é possível que alguns dos destinatários da norma não possam cumprir tais determinações sem sofrer severos impactos negativos e até mesmo inviabilizar a sua operação, sendo compelidos a buscar medidas judiciais para se eximir de tais obrigações.

Para as demais instituições de ensino, que estejam aptas a observar tais determinações, a Lei Estadual pode ser encarada como uma oportunidade para estreitar os laços com os seus alunos e familiares, criando relações mais humanizadas e equilibradas com seus contratantes, que reflitam em maior perenidade.

Se revela muito desafiador, principalmente em nosso atual momento de afastamento social e no exíguo prazo concedido pela Lei Estadual, a criação e implementação das Mesas de Negociação atendendo aos requisitos legais, motivo pelo qual é aconselhável a utilização de um mediador experiente e as tecnologias acessíveis para viabilizar a implementação em tempo e modo.

 

[1] https://jus.com.br/artigos/82221/mensalidade-escolar-em-tempos-de-coronavirus-uma-abordagem-juridica-social-e-economica

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