Redução de carga horária por motivo de doença psiquiátrica

Quer fazer uma consulta online com Advogado Especialista? Clique aqui e fale agora com advogado especialista!

De forma objetiva, o empregado que desenvolve transtorno psiquiátrico capaz de reduzir sua capacidade laborativa tem direito a pleitear a diminuição da carga horária, temporária ou definitiva, desde que apresente comprovação médica idônea e demonstre que a medida é necessária para preservar a saúde e a eficiência no trabalho. Esse ajuste decorre de um conjunto de normas constitucionais, trabalhistas, previdenciárias e de direitos humanos que impõem ao empregador o dever de oferecer condições adequadas e de adotar adaptações razoáveis, sem transferir riscos da atividade econômica ao trabalhador. A seguir, o texto aprofunda todos os aspectos envolvidos na redução de jornada por motivo de doença psiquiátrica, trazendo fundamentos legais, procedimentos práticos, jurisprudência relevante e exemplos de boas práticas.

Conceito de doença psiquiátrica e sua relevância laboral

Doenças psiquiátricas abrangem transtornos depressivos, bipolaridade, ansiedade generalizada, síndrome do pânico, transtorno de estresse pós-traumático, esquizofrenia, TDAH adulto, entre outros quadros catalogados na CID-10 e no DSM-5. Essas condições podem gerar fadiga extrema, lapsos de atenção, crises de ansiedade, alterações de humor e comprometimento de memória recente — sintomas que afetam diretamente produtividade, convivência no ambiente e segurança. Estudos da Organização Internacional do Trabalho demonstram que transtornos mentais já figuram entre as principais causas de incapacidade no mundo do trabalho, motivo pelo qual a legislação brasileira passou a priorizar medidas de readaptação em detrimento da mera dispensa.

Fundamentos constitucionais e princípio da dignidade da pessoa humana

A Constituição Federal garante a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e o direito social à saúde (art. 6º). O art. 7º, XXII, impõe a redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Consequentemente, a interpretação sistemática desses dispositivos impõe ao empregador acomodar o empregado adoecido, inclusive com redução de jornada, sempre que a medida for recomendada por laudo médico, sob pena de violar princípios constitucionais e sofrer responsabilização civil.

Previsão na Consolidação das Leis do Trabalho

Fale com advogado especialista

Embora a CLT não contenha artigo específico sobre redução de carga horária por doença psiquiátrica, vários dispositivos sustentam a prática. O art. 157 obriga a empresa a cumprir normas de segurança e medicina do trabalho; o art. 468 impede alteração contratual lesiva, mas admite mudanças benéficas ao empregado; o art. 444 permite ajustes individuais desde que não contrariem proteção mínima; e o art. 8º abre espaço para aplicação analógica de outras normas protetivas, como a Lei Brasileira de Inclusão (LBI).

Lei Brasileira de Inclusão e conceito de deficiência psicossocial

A LBI (Lei 13.146/2015) introduziu a deficiência psicossocial, categoria que engloba transtornos mentais graves ou persistentes com barreiras que impedem plena e efetiva participação social. A norma adotou o conceito de “adaptação razoável” — ajustes necessários que não imponham ônus desproporcional ao empregador. Nesse contexto, a diminuição de jornada, sem redução salarial ou com redução proporcional negociada, pode configurar adaptação razoável, devendo ser analisada caso a caso.

Convenções internacionais incorporadas ao direito brasileiro

O Brasil ratificou a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto 6.949/2009) e a Convenção 159 da OIT sobre Reabilitação Profissional. Ambos os instrumentos vinculam o país a garantir integração laboral mediante adaptações compatíveis com a limitação funcional. Tribunais superiores utilizam esses tratados para reconhecer o direito à flexibilização de horário.

Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO)

A Norma Regulamentadora 7 obriga empresas a manter PCMSO com exames admissionais, periódicos, de retorno ao trabalho e de mudança de função. O médico coordenador pode emitir Atestado de Saúde Ocupacional (ASO) indicando aptidão com restrição, recomendação que a empresa deve acatar sob pena de autuação. Se o laudo determinar limitação de jornada para evitar crises de ansiedade ou esgotamento, a redução torna-se medida de saúde ocupacional e não mera liberalidade patronal.

Diagnóstico, laudo médico e nexo causal

Para pleitear a medida, o empregado deve apresentar relatório de psiquiatra ou psicólogo que contenha CID, descrição dos sintomas, intensidade, tratamento, tempo previsto de recuperação e recomendação de carga horária adequada. Nos casos em que o transtorno seja agravado pelo ambiente laboral (assédio, ritmo excessivo, metas inalcançáveis), é possível emitir Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) para caracterizar doença ocupacional, fortalecendo o pedido de redução e eventuais benefícios previdenciários.

Redução de jornada via acordo individual, coletivo ou judicial

Existem três caminhos principais:

  • Acordo individual escrito — válido para empregados não abrangidos por categoria diferenciada, respeitando piso da categoria e legislação.

  • Negociação coletiva — cláusula em convenção ou acordo coletivo que preveja carga horária especial para portadores de transtornos mentais.

  • Ação judicial — proposta quando o empregador nega a redução. O juiz pode conceder tutela provisória com base em laudo médico, aplicando o art. 300 do CPC.

Em todos os casos, a alteração contratual deve ser registrada em aditivo, especificando duração, horários e eventual impacto remuneratório.

Redução com ou sem diminuição salarial

A CLT (art. 503) admite redução salarial apenas quando houver motivo de força maior e por até 25 %, situação não aplicável a doença individual. Contudo, a jurisprudência do TST aceita, mediante negociação coletiva, diminuição proporcional de jornada e salário, desde que preservado valor hora. É comum fixar carga horária de 30 h semanais para empregados com transtorno bipolar grave, mantendo o mesmo valor hora, mas com salário reduzido proporcionalmente. Em empresas com política de inclusão, opta-se por manter o salário integral para garantir reabilitação.

Benefícios previdenciários e redução de jornada

Se a incapacidade for parcial, o segurado pode continuar trabalhando em horário reduzido e requerer auxílio-acidente (art. 86, Lei 8.213/1991) como complemento salarial. Nos casos de incapacidade temporária, o empregado recebe auxílio-doença e pode retornar com jornada menor, fase conhecida como “retorno gradual”, disciplinada na Portaria 211/2019 do INSS. A reabilitação profissional pode sugerir redução de jornada como etapa de adaptação.

Readaptação de função e trabalho remoto

Quando a doença atinge funções que exigem concentração intensa ou contato frequente com público, o médico do trabalho pode sugerir mudança para tarefa administrativa e home office, aliado a jornada mais curta. A Lei 14.442/2022 atualizou regras do teletrabalho, permitindo jornadas diferenciadas. A redução de hora no home office deve constar em acordo individual, guardando laudos e cronogramas de acompanhamento.

Jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho

Fale com advogado especialista

Decisão da 3ª Turma do TST (RR-1000564-43.2017.5.02.0032) arbitrou indenização por dano moral contra banco que recusou reduzir jornada de bancária diagnosticada com síndrome do pânico. A Corte afirmou que a recusa contraria dever de boa-fé objetiva e configura discriminação. Em outro caso (RR-20225-95.2016.5.04.0009), o TST reconheceu a legitimidade de acordo coletivo que implementou semana de 30 h para empregados em tratamento depressivo.

Riscos de discriminação e assédio moral

A empresa que ignora laudos ou expõe o empregado doente a humilhações pode responder por assédio moral. A Súmula 443 do TST presume discriminatória a dispensa de trabalhador com doença grave estigmatizante, interpretação que se estende a transtornos psiquiátricos, desde que comprovado estigma. A reintegração costuma vir acompanhada de condenação em danos morais e salários retroativos.

Role de boas práticas empresariais

  1. Instituir política interna de saúde mental.

  2. Treinar gestores sobre neurodiversidade e estigma.

  3. Criar canal sigiloso para pedidos de adaptação.

  4. Registrar laudos no SESMT, garantindo confidencialidade.

  5. Monitorar produtividade sem pressionar metas abusivas.

  6. Revisar cláusulas de ponto eletrônico para contemplar intervalos extra.

  7. Implantar programa de apoio psicológico (EAP) para empregados e famílias.

Exemplos práticos de redução de jornada

  • Caso A — jornalista com transtorno de ansiedade generalizada: jornada passou de 8 para 6 horas, três vezes por semana home office, sem redução salarial, por acordo individual.

  • Caso B — operadora de telemarketing com depressão recorrente: sindicato negociou 30 horas semanais e flexibilização de pausas de voz, com salário proporcional.

  • Caso C — engenheiro bipolar em fase de readaptação pós-licença: empresa adotou escala 4×6 (quatro dias de 6 h) por 90 dias, renovável mediante laudo, mantendo benefícios integrais.

Procedimentos passo a passo para o trabalhador

  1. Buscar avaliação psiquiátrica e laudo detalhado.

  2. Entregar ao RH e solicitar encaminhamento ao médico do trabalho.

  3. Aguardar ASO com recomendação de redução de jornada.

  4. Negociar formato de trabalho (horário, dias, teletrabalho).

  5. Solicitar assinatura de aditivo contratual.

  6. Acompanhar evolução terapêutica e renovar laudos quando necessário.

Procedimentos passo a passo para o empregador

  1. Receber documentação e encaminhar à equipe de saúde ocupacional.

  2. Avaliar impacto operacional e elaborar proposta de horário.

  3. Registrar acordo por escrito, arquivando cópia no prontuário médico.

  4. Ajustar sistema de ponto e folha de pagamento.

  5. Monitorar produtividade sem assédio.

  6. Reavaliar caso a cada 90 ou 180 dias com laudo atualizado.

Consequências trabalhistas da recusa patronal

Se o empregador recusar a redução sem justificativa técnica, o trabalhador pode:

  • Requerer tutela de urgência na justiça do trabalho.

  • Pleitear danos morais por violação de direito de personalidade.

  • Pedir rescisão indireta (art. 483, e), alegando descumprimento de obrigações contratuais.

  • Denunciar à Superintendência Regional do Trabalho por infração à NR 7.

Interação com estabilidade acidentária

Quando a doença psiquiátrica tem nexo ocupacional e gera afastamento superior a 15 dias com percepção de auxílio-doença acidentário (B91), o empregado adquire estabilidade de 12 meses após alta. Nesse período, a empresa deve manter contrato e pode, em vez de demitir, reduzir jornada como forma de readaptação.

Aspectos tributários e contábeis

Salário pago em jornada reduzida com salário integral continua sujeito a encargos normais (INSS, FGTS, IRRF). Caso haja redução proporcional, a base do FGTS diminui; já a contribuição previdenciária deve seguir a remuneração efetivamente paga. Se a empresa optar por complementação salarial via benefício de plano de saúde mental, esse valor pode ser tratado como verba indenizatória sem reflexo, desde que haja previsão em acordo coletivo.

Redução de jornada no setor público

Servidores civis federais podem obter redução de carga horária por motivo de saúde, amparados pelo art. 183 da Lei 8.112/90 e Decretos 1.590/1995 e 9.144/2017, mediante junta médica oficial. Estados e municípios replicam regras similares. Quando o transtorno mental acomete filho ou dependente, o servidor pode pleitear horário especial sem compensação (art. 98, §3º, CF) caso o dependente necessite de assistência direta.

Perguntas e respostas

Posso exigir redução de jornada sem mostrar meu laudo completo ao empregador?
Você deve comprovar a necessidade, mas tem direito ao sigilo médico. É possível entregar apenas relatório resumido ou requerer que o laudo completo fique arquivado no setor médico, não no RH.

A empresa pode escolher entre reduzir jornada ou conceder licença?
Sim, desde que o médico do trabalho concorde. Mas, se o laudo recomendar expressamente a redução, a empresa deve justificar tecnicamente eventual negativa.

Redução de jornada gera estabilidade?
Não automaticamente. A estabilidade decorre de auxílio-doença acidentário ou gravidez, não da simples redução. Porém, dispensar o empregado logo após concessão da medida pode caracterizar discrimininação.

Quem custeia a diferença salarial se a jornada for reduzida sem redução de salário?
O empregador assume a diferença como investimento em saúde ocupacional. Não há subsídio governamental específico.

Posso acumular redução de jornada com teletrabalho?
Sim, desde que acordo escrito defina horários de logon e pausas, evitando jornadas escondidas.

Se o transtorno melhorar, a empresa pode voltar à carga horária normal?
Pode, mediante novo ASO de aptidão plena e, preferencialmente, ajuste gradual para evitar recaídas.

Como fica o banco de horas?
Durante a vigência da carga reduzida, o empregado não participa de banco de horas para compensar além-da-jornada; isso iria contra o objetivo terapêutico.

Sou aprendiz. Posso pedir redução?
Sim, mas a carga horária do aprendiz é limitada a 6 h. Reduções além disso exigem suspensão temporária do contrato de aprendizagem ou readequação do programa.

Estagiário tem direito?
A Lei do Estágio (11.788/2008) prevê jornada máxima de 6 h. Redução adicional depende de termo aditivo entre estagiário, instituição de ensino e parte concedente.

Quer fazer uma consulta online com Advogado Especialista? Clique aqui e fale agora com advogado especialista!

O INSS pode negar auxílio-doença se eu estiver trabalhando em jornada reduzida?
Pode, pois o trabalho comprova capacidade parcial. Para receber o benefício, é preciso estar afastado. Em muitos casos, opta-se por complementar renda com auxílio-acidente.

Conclusão

A redução de carga horária por motivo de doença psiquiátrica é instrumento essencial de promoção da saúde e da inclusão, refletindo avanços constitucionais, legislação infraconstitucional e tratados internacionais. Embora não exista artigo expresso na CLT, a soma de princípios — dignidade, proteção ao trabalho, adaptação razoável e não discriminação — impõe ao empregador o dever de ajustar a jornada sempre que houver recomendação médica. A medida preserva a capacidade produtiva residual, evita afastamentos prolongados, reduz custos de rotatividade e diminui riscos de litígios. Para trabalhadores, representa oportunidade de manter vínculo, renda e autoestima enquanto se recuperam. O sucesso da prática exige diálogo transparente, documentação robusta, acompanhamento periódico e cultura organizacional que valorize saúde mental como ativo estratégico. Dessa forma, empresas e empregados constroem relações laborais mais humanas, sustentáveis e equilibradas.

Quer fazer uma consulta online com Advogado Especialista? Clique aqui e fale agora com advogado especialista!
logo Âmbito Jurídico