Resumo: Franco Montoro possuía notória visão democrática impregnada de um espírito cristão, à qual manteve-se coerente durante toda sua trajetória, com princípios voltados para a ética, equidade e o social. Podemos afirmar que as injustiças sociais e abismos das desigualdades constituem hoje grandes violações dos Direitos Humanos. Outrossim, é assegurado pela Declaração Universal dos Direitos do Homem o ”Direito ao Desenvolvimento”. Apesar dos importantes avanços conquistados pelo Brasil nos últimos anos, ainda somos um país subdesenvolvido com sérios problemas sociais e de infraestrutura. Desta forma, passamos a discorrer sobre as teses de Franco Montoro para o desenvolvimento com democracia, com independência, penetrando pelo conceito Aristotélico de liberdade, e o desenvolvimento com justiça social. A análise destes temas realizados na época em que Montoro foi Senador Federal possibilitará refletirmos sobre os reais problemas que ainda perturbam à ordem social do Brasil e afrontam nossa democracia, criando o viés para traçarmos novas perspectivas para a democracia que queremos, em que o Estado não tenha a falsa pretensão de ser uma pessoa, uma pessoa sobre-humana, gozando de um direito de soberania absoluta em relação aos cidadãos.
Palavras-chave: Franco Montoro, Humanismo Político, Democracia, Direito ao Desenvolvimento, Direito de Participação.
Abstract: Franco Montoro had a notorious democratic vision impregnated with a Christian Spirit, which he remained coherent throughout all his career, with principles focused on ethics, equity and social. We can affirm that the social injustices and abysses of inequalities today constitute great violations of Human Rights. In addition, the Universal Declaration of Human Rights guarantees the "Right to Development". Despite the important advances Brazil has made in recent years, we are still an underdeveloped country with serious social and problems in infrastructure. In this way, we begin to discuss Franco Montoro's theses for development with democracy, with independence, penetrating the Aristotelian concept of freedom, and development with social justice. The analysis of these themes made at the time when Montoro was a Federal Senator will allow us to reflect on the real problems that still disturb the social order of Brazil and face our democracy, creating the bias to draw new perspectives for the democracy we want, in which the State does not has the false claim to be a person, a superhuman person, enjoying a right of absolute sovereignty over citizens.
Key words: Franco Montoro, Political Humanism, Democracy, Right to Development, Right of Participation.
Sumário: 1 Introdução. 2 O Conceito de Humanismo Político na Visão de Jacques Maritain. 2.1 Direitos Humanos, Política e Direito Constitucional. 3 Desenvolvimento com Democracia. 3.1 Direito de Participação. 3.2 Descentralização do Poder. 4. Desenvolvimento com Independência. 4.1 Educação, a Base para a Independência do Brasil. 4.2 A Crise do Mercosul, Perda da Identidade Regional. 4.3 Aristóteles e a Liberdade, Base para o Pensamento de Franco Montoro. 5 Democracia com Justiça Social, o Rumo do Desenvolvimento Brasileiro. 5.1 Reforma Tributária. 5.2 Crise Hídrica no Brasil. 6 Conclusão. Bibliografia
“Uma sociedade restrita distribuíra os papeis entre si. Todas as atividades, os gostos, as curiosidades dignas da civilização contemporânea ali se encontravam, mas cada uma encarnada por um único representante. Nossos amigos não eram propriamente pessoas, eram mais funções cuja importância intrínseca, menos que sua disponibilidade, parecia haver determinado a lista”[1]. Lévi-Strauss
1. Introdução
Inegável o legado deixado por Franco Montoro para o Brasil e, em especial, para o Estado de São Paulo. Montoro participou ativamente da vida política, lutou pela redemocratização no Brasil, foi professor e deixou grande contribuição para o ensino superior e a pós-graduação. Com notória visão democrática impregnada de um espírito cristão, à qual manteve-se coerente durante toda sua trajetória, com princípios voltados para a ética, equidade e o social. Nem o comunismo mecânico e autoritário, nem o capitalismo opressor e individualista seriam os fins da política humanista na perspectiva de Montoro.
Franco Montoro via como eixo fundamental para a democracia definir os fins e os meios da política, estabelecer a participação da população no bem comum, garantir os direitos fundamentais da pessoa humana e neste âmbito destacam-se a liberdade de imprensa e opinião; a estabilidade do trabalho; o valor do salário; acreditava, ainda, nos pequenos empreendimentos; na importância do município em relação aos Estados Federados e à União; defendendo a descentralização como forma de aproximação do povo e melhor percepção dos problemas sociais.
Montoro tomou-se da doutrina humanista de Jaques Maritain, da liberdade do homem diante do desenvolvimento das suas próprias virtudes humanas, pautado pela razão e a igualdade, em que o desenvolvimento está atrelado aos direitos individuais e fundamentais do homem. De certa maneira, é importante destacar o período em que Maritain viveu e lecionou nos Estados Unidos. As observações acerca da sociedade norte-americana o levaram a escrever (Reflections on America, 1958), descrevendo suas impressões sobre os hábitos no novo mundo promissor: felicidade, casamento, questões raciais e democracia. Muito bem ponderado naquela nação, o dinheiro é interpretado como instrumento para “melhorar a vida, sua liberdade de ação, e fundamental, melhorar a vida e a liberdade dos outros”[2].
O humanismo cristão presente nas obras de Maritain, inspirado pela doutrina assistencialista da Igreja, converge com o conceito da justiça distributiva pautada pela pluralidade de pessoas, participação no bem comum e igualdade, princípios da política de Montoro. Sábias palavras de PIO XII ao dizer que “a igualdade não significa nivelamento mecânico nem uniformidade monocromática, mas respeito à dignidade pessoal de todos os homens”[3].
Maritain explica que a finalidade da sociedade política não é assegurar vantagens materiais a grupos isolados nem promover o domínio tecnológico sobre a natureza, mas sim, garantir que qualquer indivíduo, dentro dos direitos políticos, de trabalho, propriedade e cultural, conquiste independência e uma vida civilizada[4]. É nesse contexto que estão baseados as principais teses de Franco Montoro.
Devemos destacar como espectro da análise deste estudo o fenômeno contemporâneo do subdesenvolvimento. Podemos afirmar que as injustiças sociais e abismos das desigualdades constituem hoje grandes violações dos Direitos Humanos. Outrossim, é assegurado pela Declaração Universal dos Direitos do Homem o ”Direito ao Desenvolvimento” e um segundo direito, ligado ao anterior, o que tem cada homem o “Direito de participar ativamente no processo do desenvolvimento”[5]. Apesar dos importantes avanços conquistados pelo Brasil nos últimos anos, ainda somos um país subdesenvolvido com sérios problemas sociais e de infraestrutura. Desta forma, passamos a discorrer sobre as teses de Franco Montoro: desenvolvimento com democracia; com independência, penetrando pelo conceito Aristotélico de liberdade; e o desenvolvimento com justiça social. A análise destes temas realizados na época em que Montoro foi Senador Federal possibilitará refletirmos sobre os reais problemas que ainda perturbam à ordem social do Brasil e afrontam nossa democracia, criando o viés para traçarmos novas perspectivas para a democracia que queremos, em que o Estado não tenha a falsa pretensão de ser uma pessoa, uma pessoa sobre-humana, gozando de um direito de soberania absoluta em relação aos cidadãos.
Montoro dizia que “o papel do homem público é semelhante ao do condutor de um barco, devendo dirigi-lo aproveitando os ventos, mas orientando com firmeza a embarcação para o rumo fixado”[6], análoga e oportunamente, citamos a célebre passagem de Jacob Safra a respeito dos auspícios do mundo financeiro: “se escolher navegar os mares do sistema bancário, construa seu banco como construiria seu barco: sólido para enfrentar, com segurança, qualquer tempestade”. O progresso é pautado pelas atitudes empreendidas e na capacidade de subjugar as adversidades.
2. O Conceito de Humanismo Político na Visão de Jacques Maritain
Jacques Maritain observa o progresso da humanidade na visão do curso da história moderna e analisa o fim da sujeição total do homem ao Estado para um momento de autogoverno em matéria política e social, caracterizado por uma disposição de espírito democrático e pela filosofia democrática[7]. Ocorre então que este processo de democratização, com suas genuínas e essenciais propriedades, e seu joio ideológico, deu-se, sobretudo, ao momento que o homem passou a questionar seus valores fundamentais e a participação no bem comum.
O fim em matéria de política para Maritain não é assegurar vantagens materiais a indivíduos ou grupos isolados preocupados com seu bem-estar e enriquecimento, certo também, não é para conquistar o domínio tecnológico sobre a natureza ou domínio político sobre os homens. Ele acreditava que a finalidade da política deveria ser a melhoria das condições de vida humana e promoção do bem comum da população a fim de que cada pessoa, não apenas um grupo privilegiado, pudesse realmente conquistar o nível de independência próprio da vida civilizada[8].
Eis que Franco Montoro toma para si os ideais progressistas de Maritain, o que irá acompanhar durante toda sua trajetória na vida política e acadêmica, defendendo as garantias econômicas e do trabalho, a propriedade, os direitos civis e políticos, a liberdade, cultura e nacionalismo.
O meio ao qual a política pode ser empregada apresenta duas modalidades opostas de racionalização, o modo técnico e o modo moral[9]. O modo técnico, na visão de Maritain, era a aplicação da doutrina da tecnocracia de Maquiavel em que a boa política tornava-se, por definição, amoral, pautada pelo êxito e sucesso, sendo a arte de conquistar e conservar o poder levados a qualquer custo[10].
Maritain, felizmente, vai observar que o êxito imediato presente em “O Príncipe” (Maquiavel) é um êxito de um indivíduo apenas, não de um Estado ou de uma Nação. O modo moral, por sua vez, significa o reconhecimento dos fins essencialmente humanos da vida política e de suas fontes mais profundas: a justiça, a norma e a reciprocidade[11]. O modo moral da política sugere o ente estatal estar a serviço do bem comum, que não se confunde com bem público, da dignidade da pessoa humana e da fraternidade.
Devemos acentuar algo significativo a este tema: “a democracia é a única maneira de alcançar uma racionalização moral da política”[12]. Estas são as bases do humanismo político de Jacques Maritain, que busca essencialmente a dignidade do homem e manifestar sua grandeza original fazendo com que o bem comum seja alcançado em sintonia com natureza, o tempo e a história.
O pensamento humanista de Maritain convida todos os homens de boa vontade e de boa fé para fazer de suas virtudes, as forças criadoras da racionalização e da vida, convertendo este todo em sua própria liberdade civilizada.
Como analisado, o fim em um governo democrático é a justiça social, a liberdade e a equidade. O emprego de quaisquer meios incompatíveis com estes fins seria, para qualquer regime democrático, um ato de autodestruição. É um grande problema desta era, o Estado ter a falsa pretensão de ser uma pessoa, uma pessoa sobre-humana, gozando de um direito de soberania absoluta, e esta soberania não é apenas restrita em plano internacional, expande-se para os próprios nacionais na equivocada ideia de l´État, Cést Moi[13].
2.1. Direitos Humanos, Política e Direito Constitucional
A instauração da Sociedade das Nações após a primeira guerra mundial fez com que as organizações internacionais passassem a ter maior impacto dos seus atos em âmbito mundial. Discutiu-se em qual medida a Sociedade das Nações possuiria personalidade internacional e se esta poderia ser considerada sujeito de direitos e obrigações.
Tal dúvida não se prolongou com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU). O término da segunda guerra mundial mostrou para o mundo a face perversa do homem e como podemos chegar ao ápice da desumanização e negação dos direitos fundamentais da pessoa humana, culminando na promulgação da Carta da ONU (São Francisco, 1945), que reconhece a capacidade desta organização de firmar tratados, garante a extraterritorialidade e seus funcionários gozam de imunidades que tendem a facilitar o exercício de seus cargos.
Devemos destacar como modelos normativos de importância para os Direitos Humanos, não apenas a Carta das Nações Unidas, mas também, a parte XIII do Tratado de Versalhes (1919) que versa sobre os Direitos do Trabalho (OIT) e a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) que expandiram o universalismo dos direitos humanos e estabeleceu um sistema de proteção internacional.
Dentre múltiplos direitos básicos estipulados na Declaração, merecem destaque o direito à democracia consubstanciado no seu artigo 21 e o direito de participação no desenvolvimento, ao qual, Franco Montoro vai se referir de Populorum Progressio: o desenvolvimento é o novo nome da paz[14].
É certo que a Carta da ONU não estipulou o regime democrático tacitamente em seu artigo 21, mas assegurou o direito de todo o indivíduo tomar parte de si o governo e ter governos escolhidos livremente. Uma sociedade de homens livres implica na concordância entre espíritos e vontades com relação às bases da vida em comum[15].
Diante disto, é certo que as normas de Direitos Humanos são oriundas tanto do direito internacional quanto do direito nacional. Apenas no regime democrático que se é possível conjugar estes institutos normativos visando a paz duradoura e a tutela dos direitos fundamentais do homem, respeitando o direito interno e o direito internacional, ou seja, deve haver o supranacionalismo moderado.
A supranacionalidade é melhor interpretada quando vista do ângulo de um conjunto de regras e instrumentos que envolvam de alguma maneira o compartilhamento de soberania, podendo ser combinada de diferentes formas e com mais práticas intergovernamentais de cooperação regional. Estado Supranacional, portanto, não deve ser a supressão de várias Soberanias para a constituição de uma única. Supranacionalidade deve ser o compartilhamento de distintas formas de cooperação internacional, assimilando-se à prática de cooperação internacional entre os Estados.
No Brasil, a Emenda Constitucional nº.45, de dezembro de 2004, encravou o parágrafo 3º no artigo 5º da Constituição definindo que os Tratados e as Convenções internacionais sobre direitos humanos serão equivalentes a Emendas Constitucionais.
Exemplar único do modelo paraconstitucional[16] até o momento, a Convenção sobre os direitos da Pessoa com Deficiência e seu Protocolo Facultativo (Nova York, 2007), foi aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº. 186 de 2008.
O Direito Constitucional Brasileiro confere competência aos poderes Legislativo e Executivo para a produção normativa. Tratados e demais atos internacionais são celebrados pelo Presidente da República (art. 84, VIII) e referendado pelo Congresso Nacional. Só a partir então do referendo do Congresso, através do Decreto Legislativo, que o ato ingressará no sistema normativo brasileiro.
O modelo internacional não se justapõe ao modelo interno, mas dele passa a ser parte integrante. Este modelo é chamado por BALERA de modelo normativo infraconstitucional para os direitos humanos, ancorado no artigo 5º, parágrafo 1º da Constituição Federal[17].
Lembramos que o corpo político é o povo organizado sob leis justas e composto das suas mais variadas instituições e o Estado é a instituição particular que se especializa em assuntos que dizem respeito ao bem comum do corpo político[18]. Nesse sentido, Montoro dizia que a democracia é o verdadeiro progresso dos povos, em que a vontade popular é a base da autoridade do governo.
Sem um Estado Democrático não há possibilidade de tutelar os direitos fundamentais do homem elencados na Declaração Universal de 1948, nem ao menos, discutir o pluralismo entre sistemas jurídicos internacionais e nacionais visando o supranacionalismo moderado. Outrossim, não há como falar em democracia sem progresso, e este prevê o desenvolvimento pautado na participação coesa dos cidadãos nas etapas evolutivas e no bem comum, não se tratando apenas de receber passivamente os benefícios do progresso.
3. Desenvolvimento com Democracia
Primeiramente é necessário a distinção entre Estado e Corpo Político para analisarmos os princípios que nortearam Franco Montoro em sua trajetória política. Para Maritain, esses dois elementos pertencem à sociedade, que é uma obra da razão.
A Sociedade Política, obra da razão humana, tende a buscar o bem comum. A justiça é condição para sua existência e a amizade (fraternidade), é o seu fato gerador. Entende-se que este todo, do qual o Estado faz parte, envolve não apenas a racionalidade humana, mas também suas emoções, paixões, reflexos, psicológicos e dinamismo[19].
A vida familiar, econômica, cultural, educativa, religiosa tem importância para a existência e prosperidade do Corpo Político. Nele o poder vem hierarquicamente de baixo, do povo.
Os Estado é parte do Corpo Político que resguarda a lei, fomenta o bem comum, à ordem pública e à administração dos negócios públicos. É uma instituição criada pelos homens e autorizada por estes a usar o poder e a coação para instaurar à ordem e o bem público/comum.
Franco Montoro alertava que o Brasil, como signatário da Declaração Universal dos Direitos do Homem, havia afirmado perante o mundo o reconhecimento da dignidade do homem, o fundamento da liberdade, da justiça e da paz.
Nesse escopo, Montoro clamava pela revogação do AI-5, da censura prévia e dos demais preceitos que atentavam contra a ordem democrática que assolava o Brasil naquela época, assegurando o instituto do habeas corpus e a participação orgânica de todos os setores da população como verdadeiros agentes do desenvolvimento nacional.
3.1. Direito de Participação
O Direito ao Desenvolvimento expresso no preâmbulo do texto de 1948 atingiu o maior valor com o conceito de Populorum Progressio: o desenvolvimento é o novo nome da paz[20]. Um segundo direito derivado deste primeiro, o Direito de Participação, refere-se justamente na integração do homem com as tomadas de decisões e com os benefícios do progresso, sendo sujeito e agente do desenvolvimento.
Desta forma, o artigo 22 da Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece, in verbis:
“Everyone, as a member of society, has the right to social security and is entitled to realization, through national effort and international co-operation and in accordance with the organization and resources of each State, of the economic, social and cultural rights indispensable for his dignity and the free development of his personality”[21].
Não cabe ao Estado, parte do Corpo Político, entregar à população o progresso como moeda de troca. A máquina Estatal, a arrecadação tributária e o desenvolvimento do bem público/comum, por mais analogias que possamos fazer com as relações de consumo da esfera privada, jamais terá essência e natureza jurídica do Direito Privado.
E assim explicava RÁO: “O Estado não é nenhum ente superior e alheio à sorte dos indivíduos e sim, o meio pelo qual se visa a realização do bem comum e, portanto, o dos indivíduos”[22].
Cabe-nos mencionar o estudo de João XXIII, em Mater et magistra, demonstrando que o direito de participação é decorrente da natureza inteligente e responsável da pessoa humana. Para ele, quando o funcionamento e a estrutura de um Estado impedem ou enfraquecem a participação dos indivíduos, este sistema é injusto e afronta a dignidade humana, mesmo que a produção atinja altos níveis[23].
A democracia é fundada no Direito de Participação e não cabe ao Estado, como parte do Corpo Político, absorver, desconhecer ou eliminar o pluralismo das comunidades que forma a integridade nacional. Surge nesse contexto o problema moderno do paternalismo, em que as soluções de Estado são adotadas pelos altos funcionários e são aplicadas de cima para baixo, de forma centralizada. É recorrente que este fenômeno acarrete na inadaptação dos programas sociais e no desinteresse da população pois se é cerceado o Direito de Participação no planejamento e tomada de decisões gerando natural indiferença e apatia.
Franco Montoro elencava os seguintes instrumentos para o desenvolvimento com democracia, pautado pelo Direito de Participação, quais sejam: as associações de moradores e vizinhos, a atividade sindical coesa e moderada e as demais associações de empregados incluídos os profissionais liberais, movimentos estudantis, estrutura democrática dos partidos políticos e outras modalidades de participação como as cooperativas, associações, instituições e organizações.
Importante frisar que Montoro diferenciava que todos estes instrumentos poderiam ser implementados no plano paternalista de assistência do Estado, ou seja, tendente ao fracasso, ou poderiam ser genuínos processos de participação.
No Estado de São Paulo, os mutirões da casa própria, projeto para habitação e urbanização, inspirados no modelo uruguaio de cooperativismo, tiveram grande êxito. O “mutirão”, como ficou conhecido, foi um sistema de cogestão em que os mutirantes participavam de todas as decisões.
Considerar o cidadão como agente do processo de desenvolvimento, e não como “mais um na fila do déficit habitacional”, foi um dos legados deixado pelo governo de Montoro na área da habitação social. Essa era sua política de governo, o diálogo, a reciprocidade e o fomento à capacitação da população em defesa da liberdade e garantias fundamentais.
3.2. Descentralização do Poder
Os problemas locais de qualquer sociedade ou grupo social explicam o surgimento de associações de moradores, de vizinhança ou de bairro, que se multiplicam por todo mundo e criam um verdadeiro aparato paralelo ao Estado para a tomada das melhores soluções que atendam às necessidades daquela comunidade. Um exemplo ponderado desta organização social é a vida em condomínio. Os moradores se reúnem em Assembleias para deliberar questões de interesse coletivo, sobre a mediação do síndico ou pessoa que cumpra este papel.
Neste sentido, esse condomínio pode se associar com outros e formar uma associação de bairro. Esta, por sua vez, estipulará diversas soluções para os problemas mais evidentes daqueles moradores, como segurança ou iluminação. Tudo isso funciona paralelamente ao serviço público.
Essa tendência da descentralização administrativa e política era presente na época do governo de Franco Montoro no Estado de São Paulo, com uma rede de delegacias regionais ligadas a cada órgão setorial, como educação, saúde e transporte. Seu governo além de ampliar esta rede, criou os conselhos descentralizados nos quais tinham assento os prefeitos da região[24].
Citamos como exemplo o convenio que Montoro firmou com as prefeituras para a merenda escolar, diminuindo a possibilidade de fraude, variação no cardápio e diminuição nos custos e estocagem.
Montoro propôs a ideia de poder regional adotado em Bolonha, na Itália, em que a administração regional das Prefeituras passaria a ser um órgão operacional com autonomia para decidir sobre alternativas de execução de políticas públicas locais, como saúde, educação e transporte.
Nota-se que no Brasil, dado a sua extensão territorial e densidade demográfica, se faz urgente uma maior repartição do poder entre Brasília e as unidades federadas, incluindo os municípios, aproveitando melhor os recursos naturais, a força de trabalho e o dinamismo que compõem o povo brasileiro.
4. Desenvolvimento com Independência
No processo do desenvolvimento, sob à luz humanista, a participação consciente e pessoal do homem se integram à comunidade. A dignidade do homem não é assegurada se este apenas recebe os benefícios do progresso, mas sim, se participa como verdadeiro agente da vida social.
Este conceito de desenvolvimento, sob muitos aspectos, confunde-se com a superação da dependência nos planos políticos, econômicos, social e cultural. O desenvolvimento é um processo de crescimento interno, autônomo, em que o Brasil deverá aprender a constituir uma indústria sólida e de alta tecnologia, deixando a essência de exportador de commodities.
A independência somente será alcançada através do esforço conjunto por parte do Estado, com a participação do povo engajado em um grande esforço voluntário, por uma juventude ousada em espírito e inspirada pelo heroísmo criativo, por cientistas desvinculados do convencional e pela revolução na educação. Somente assim seremos capazes de pensar e de sondar em profundidade os problemas especiais deste país.
Os problemas brasileiros possuem realidade própria e exigem soluções e métodos adequados. Não é mais possível estudar ou almejar nosso processo de desenvolvimento econômico, político e social empregando o sonho norte-americano ou as escolas europeias. Enquanto não tivermos uma tecnologia à nossa realidade e elaborada por nós mesmos, ficaremos à margem de outras economias e culturas.
Montoro já nos alertava para esta questão.
Na seara da independência como força para o desenvolvimento, Montoro defendia a integração da América Latina como forma de barrar o neoimperialismo de grandes potencias sobre a região e criar uma identidade regional, formando uma parceria sólida entre os vizinhos nos planos econômico, político e cultural.
O Mercosul, estabelecido pelo Tratado de Assunção em 1991, veio a consagrar estes ideais de Montoro por ser a matriz de um futuro de articulação e cooperação regional entre os países sul-americanos. Porém, mais de duas décadas após a criação do bloco, vemos uma série de falhas e uma crise sistêmica institucional.
4.1. Educação, a Base para a Independência do Brasil
Os ensinos básico e superior no Brasil demonstram o maior atraso da história da nossa Nação. Esta frase basta.
Um país só se desenvolve com uma população apta para realizar as transformações técnicas e sociais exigidas pelo progresso humano. Eis que a educação é o meio pelo qual os homens atingem o progresso. Sem conhecimento, somos animais movidos por instintos primários.
Montoro, em 1974, citou felizmente o caso da Suécia que desenvolveu drasticamente o padrão da educação. Com IDH de 0,907[25], a Suécia não deixa dúvidas quanto ao fato de ser uma das Nações mais avançadas da atualidade em qualidade de vida, retorno de impostos, segurança, bem comum/público, educação, tecnologia, saúde etc.
Montoro citava o progresso educacional nos Estados Unidos, igualmente observado por MARITAIN (1958) em Reflections on America, destacando a liberdade de expressão na vida acadêmica e na sociedade americana e os altos indicies de doações de particulares às instituições de ensino, formando uma rede altamente equipada.
Neste mesmo interesse prioritário pelo setor na educação no século XX podemos destacar a Alemanha, França, Inglaterra Suíça, Itália e demais países Europeus.
Na América Latina, destaque para o Uruguai, onde a taxa de analfabetismo é uma das menores do mundo. Mais recentemente, podemos citar a potência do conhecimento e da tecnologia que é o Estado de Israel, onde 7.3% do PIB é destinado à educação, a maior taxa da OECD[26].
A Constituição do Brasil assegura, desde a Carta de 1891, o princípio de que “a educação é direito de todos”, e os artigos 208 e seguintes (CF, 1988) afirmam que ensino primário é obrigatório. Além do texto constitucional, o Brasil firmou compromissos internacionais de grande relevância, como a solene Declaração dos Direitos do Homem e participou da Conferência de Punta del Este, ligada mais diretamente aos problemas da América Latina, em que o Brasil assumiu o compromisso de garantir até o ano de 1970 matrícula escolar a toda a população de sete a onze anos.
Eis que não basta apenas criar vagas em escolas precárias, desprovidas de qualquer infraestrutura básica, sem política de salários, incentivo e estudo aos professores, além de estarmos parados no tempo com um sistema de ensino nos moldes do século XIX.
O cenário do Brasil contemporâneo ainda reflete um sistema educacional que se arrasta em problemas, greves intermináveis de servidores públicos, desvios de verbas, uma grade de ensino pautada no estudo enciclopédico que cria verdadeiros analfabetos funcionais para a Nação.
Se nós nos lembrarmos de que, no período compreendido entre 1900 e 1950, o número de adultos analfabetos aumentou no Brasil de seis milhões para vinte milhões, devemos dar razão à grave advertência “Perfis Parlamentares Franco Montoro 153” feita por Cesáreo Mota nos albores da República: “A democracia sem instrução será uma comédia, quando não chegar a ser uma tragédia”[27].
Para finalizarmos o tópico da educação no Brasil chamamos a atenção para a autonomia universitária, defendida por Montoro, porém, que vem sem sido distorcida de maneira leviana, sobretudo, nas Universidades Federais.
A autonomia universitária está consagrada no texto constitucional de 1988 no artigo 207, dispondo que estas possuem a prerrogativa de gozarem deste privilégio no âmbito didático-cientifico, administrativo, gestão financeira e patrimonial.
Cabe ressaltar que esta autonomia não é absoluta e o que se observa no Brasil e, em especial, nas suas autarquias, é uma verdadeira blindagem das Congregações Acadêmicas, docentes e servidores administrativos, protegidos por seus procuradores, que tornam o ambiente universitário a expressão máxima do Estado intocável e absoluto.
Os alunos, o elo mais fraco desta relação, são sempre o corpo mais prejudicado desta realidade, pois como se não bastassem as greves de funcionários e professores que duram vergonhosos meses, a falta de estrutura e subsídios, ainda arcam com decisões irresponsáveis de um grupo minoritário de verdadeiros agentes do Estado que visam unicamente interesses próprios, subjetivos, cegos pela vaidade acadêmica.
4.2. A Crise do Mercosul, Perda da Identidade Regional
O Mercosul nasceu em 1991 pelo Tratado de Assunção após uma série de regimes autoritários que arruinaram a América Latina economicamente como o primeiro processo de integração regional do Cone-Sul para uma melhor inserção internacional no quadro dos países emergentes.
Formado pelo Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela (2013), o bloco adquiriu status internacional com a assinatura do Protocolo de Ouro Preto em 1994.
Em 1997, a crise financeira asiática repercutiu negativamente na economia da região, agravado pelo colapso da Bolsa de valores da Ásia e da Rússia em 1998, provocando a fuga de capital dos países emergentes, sobretudo, no Brasil que perdeu 50% das reservas cambiais[28] seguido de forte desvalorização do real em 1999. O encarecimento das importações brasileiras afetou diretamente a Argentina.
Entre 2012 e 2013 o bloco viveu outro momento difícil, quando o golpe parlamentar no Paraguai suspendeu a participação deste no Mercosul e a Venezuela teve seu ingresso aprovado. Outrossim, a falta de articulação política entre os membros é o maior obstáculo para a sobrevivência desta integração. As imposições impostas pela Argentina às exportações do Brasil, somadas ao problema da inflação destes países e da Venezuela constituem uma verdadeira barreira ao desenvolvimento das reuniões de cúpula.
O problema do Mercosul não é apenas político ou econômico, mas também, ideológico e estrutural. Apresenta sérios problemas de ideologia pois nunca representou de fato uma verdadeira integração para os cidadãos destes países. Não se ouve falar no Mercosul ou como deveria ser importante a cooperação dos países vizinhos do Cone-Sul.
O Brasil, por ter o português como língua mãe, torna-se isolado dos outros países culturalmente. Apesar de haver a livre circulação de pessoas, com a isenção de vistos e passaporte, este intercâmbio cultural nunca foi estimulado pelos governos. Tão pouco existe infraestrutura viária para isto. O turismo que poderia ser altamente rentável ainda se desenvolve a passos lentos.
A falta desta estrutura de transporte não é apenas um entrave para a circulação de pessoas, mas também, para a própria economia que poderia ter ganhos surpreendentes se uma malha ferroviária, por exemplo, fosse implantada na América do Sul como ocorre no resto do mundo. Da mesma sorte, o transporte aéreo não é estimulado entre os países membros do bloco. Altos impostos encarecem demasiadamente os voos entre os países, inviabilizando uma maior integração. Importante lembrarmos que na Europa voamos de um país a outro por tarifas baixas, nas conhecidas low cost companies, em que se é possível comprar uma passagem aérea internacional ida e volta por irrisórios 30 (trinta) euros ou menos.
O Mercosul talvez tenha sido uma estratégia antiga dos países do Cone-Sul para enfrentar as adversidades econômicas da América Latina, mas está sujeito a situações de crises específicas, em especial, nos seus maiores expoentes, o Brasil e a Argentina.
Como qualquer processo de integração, existem dificuldades em alinhar as diferentes visões políticas e realidades socioeconômicas de cada Estado membro. É necessário revermos o futuro do Mercosul como política de integração regional visando um progresso independe de interferências alheias à realidade latino-americana que possam afetar o natural desenvolvimento da região, acarretando numa verdadeira perda da identidade regional e cultural.
4.3. Aristóteles e a Liberdade, Base para o Pensamento de Franco Montoro
Aristóteles considerava que a ação moral do homem estaria ligada intrinsecamente com a liberdade da vontade, ou seja, uma ação voluntária, esta sim, implica em uma liberdade de escolha: o livre arbítrio, a característica vital da raça humana.
A liberdade na visão Aristotélica é um ato de autodeterminação, de deliberação, com o qual o homem dá a si mesmo os motivos e os fins de sua ação, sem ser constrangido ou forçado por ninguém, o que seria um ato involuntário[29].
Os teólogos cristãos, como Tomás de Aquino e Santo Agostinho também irão reproduzir este ideal Aristotélico em suas doutrinas de que a liberdade é a escolha dos homens. Acreditavam que o homem era um ser corrompido, tendencioso a suas paixões e, portanto, seria necessário haver regras para balizar a suas condutas.
MAIMÔNIDES (1135-1204) dizia que os mandamentos e proibições da Lei se referiam às ações as quais o homem tem a opção de fazer ou não fazer[30]. Os escritos de Maimônides e outros filósofos judeus irão reproduzir este ideal Aristotélico por gerações.
Jacques Maritain observava o progresso da humanidade na visão do curso da história moderna, pautado pelo fim da sujeição total do homem ao Estado, passando para um momento de autogoverno em matéria política e social, caracterizado por uma disposição de espirito democrático e pela filosofia democrática[31]. Ocorre então, que este processo de democratização, com suas genuínas e essenciais propriedades e seu joio ideológico, deu-se, sobretudo, ao momento que o homem passou a questionar seus valores fundamentais e participação no bem comum, ou seja, quando o homem passou a implementar o seu livre arbítrio em prol da garantia dos seus próprios direitos fundamentais.
Vicente Ráo traz a definição de direito objetivo e direito subjetivo para explicar como o direito positivo se comporta na sociedade a fim de disciplinar a conduta humana a cargo do Estado. A norma que disciplina a ação (norma agendi) age como um mandamento, vive fora da pessoa titular da faculdade conferida de agir em conformidade com que a norma estipula (facultas agendi) e constitui o direito objetivo. Esta, por sua vez, a faculdade humana de agir ou não agir, se realiza na própria figura humana e garante os fins e interesses da norma, bem como, o direito de reaver aquilo que lhe é de direito[32], este é o direito subjetivo.
Montoro considerava que o direito subjetivo era um atributo de um sujeito a quem o Direito atribui a faculdade de agir, cuja atividade pode e deve ser sancionada pelo Estado[33].
O pensamento Aristotélico reflete que o homem é livre, uma vez que decide a respeito de assuntos que dependem dele ou que possam por ele serem realizados. Coloca como agente a faculdade de deliberação sobre todas as questões, considerando a razão e o debate como ferramentas de atingir o equilíbrio. Este equilíbrio das virtudes humanas era o caminho para a felicidade na visão de Aristóteles.
Montoro toma para si este conceito de liberdade, que o guiará para outros temas como a justiça e a democracia. Acreditava, portanto, que as pessoas com a prerrogativa do seu livre arbítrio, buscando o caminho natural da felicidade, seriam pautadas por valores humanistas, espírito de cooperação, alinhadas com a justiça e a razão, sob um Estado como organismo do Corpo Político, formando um governo com raízes no povo, capaz de promover o desenvolvimento independente, democrático e com justiça social.
Franco Montoro foi engajado político na redemocratização do Brasil, lutando pelo movimento das diretas já. Teve uma política democrática, humanista, civilizadora, com grande habilidade de diálogo e articulação. Seu papel na mobilização para eleições presidenciais foi decisivo para a democratização do Brasil. Ele tinha visão de futuro, era um visionário, responsável por grande parte das eclusas na hidrovia Tietê-Paraná, engajado em políticas públicas ambientais e de integração, como na demarcação habitacional para a população caiçara e índios no litoral paulista, proteção da Serra do Mar e política de despoluição de Cubatão, professor desvinculado do convencional e defensor dos Direitos Humanos.
5. Democracia com Justiça Social, o Rumo do Desenvolvimento Brasileiro
Franco Montoro defendia o ideal do Populorum Progressio[34], ao qual um país só se desenvolve quando sua população progride, não sendo apenas um conceito ético, mas econômico também.
O Brasil passou por grandes avanços sociais na luta contra a pobreza e a desigualdade, mas ainda há um cenário alarmante para ser enfrentado. Por mais que o salário mínimo tenha aumentado e o PIB também, desconsiderando os resultados de 2014 e 2015[35], a inflação real é o grande problema dos brasileiros.
O aumento dos preços dos produtos e serviços não acompanham a média salarial e surge a grande questão que é a verdadeira forma como a população brasileira está vivendo e sendo assistida pelos serviços públicos.
Ocorre que no Brasil instalou-se uma cultura do desenvolvimento pautado por grandes investimentos que favorecem a concentração de renda, outrossim, a taxa tributária no Brasil é uma das mais altas da América do Sul, comparável com países da Europa, e mesmo assim, o retorno social ainda é muito baixo.
5.1 Reforma Tributária
Montoro já alertava que a política tributária do Brasil agravava a distribuição de renda no Brasil, além do problema da concentração da arrecadação federal, da não aplicabilidade dos tributos em prol do bem comum e a forma da incidência tributária.
Importante lembrarmos que os impostos diretos não se prestam à repercussão, em que o contribuinte de direito suporta em definitivo a carga tributária, não havendo a transferência de titularidade. Por sua vez, os impostos indiretos são aqueles que se prestam à repercussão, podendo o ônus tributário ser transferido à outra pessoa[36]. São exemplos dos impostos diretos os Imposto de Renda, o IPTU e o ITR, enquanto podemos citar o IPI e o ICMS como impostos indiretos.
Eis que é necessário que haja uma reforma no sentido de reduzir os tributos incidentes no consumo e serviços, que nada contribuem para o progresso e desenvolvimento do país, e dimensionar a participação dos impostos diretos de acordo com a renda e o patrimônio do contribuinte, uma vez que, no Brasil, a população com menor renda é a mais atingida com este sistema tributário desproporcional e obsoleto.
Outro problema do cenário tributário nacional é alta burocratização e falta de transparência, a completa e desarrazoada promulgação de normas estabelecendo obrigações tributárias acessórias que apenas acarretam em dificuldades tanto para a população quanto para o setor empresarial.
Nosso sistema econômico é composto pela pulverização dos tributos que sobrecarrega o valor final dos produtos no país. Um exemplo disto é o ICMS que é cobrado em cascata, gerando muitas vezes a bitributação e equívocos por parte das empresas contribuintes diante da complexidade destes impostos, repassando o custo final ao consumidor.
Por fim, não basta que ocorra a reforma tributária por si só, é necessário que haja a efetiva destinação dos tributos e impostos à sociedade por meio de infraestrutura e políticas públicas e a harmonização da arrecadação Estatal com o real poder de consumo do cidadão.
5.2. A Crise Hídrica no Brasil
Apesar de termos as maiores reservas de água doce do mundo, ainda, vergonhosamente, enfrentamos o problema do abastecimento de água no país. Doce ilusão acreditar que o problema do Nordeste do Brasil, e recentemente, no Sudeste, é justificado pelo clima. Este pode até influenciar nas condições adversas, porém, cabe-nos mencionar Israel, pioneiro no processo de dessalinização, e outros países da região do Oriente Médio que transformam regiões desérticas em zonas de cultivo agrícolas, com determinação e tecnologia.
Montoro já chamava à atenção para a disparidade regional entre o Nordeste e o restante do Brasil. Soma-se aos problemas básicos sociais, de saneamento, educação, infraestrutura e saúde, o problema hídrico.
A água é um problema estratégico para o desenvolvimento do Nordeste, que por ser um elemento escasso no interior da região, freia o desenvolvimento. Desde à época da colonização que se tem registros dos problemas da seca e estiagem.
A aprovação da Lei de Recursos Hídricos (Lei 9.433/97) e a criação da ANA (Agência Nacional de Águas, Lei 9.984/00) não trouxeram progressos significativos na questão hídrica, e pior, a região Sudeste agora é a nova vítima da falta de estrutura e gerenciamento estatais.
No triênio de 2012 a 2014 a região Nordeste apresentou situação crítica no Semiárido e severa no Sertão. Os níveis dos reservatórios nordestinos caíram de 61,7% em maio de 2012 para 25,3% em março de 2014[37]. A região Sudeste apresentou colapso de abastecimento entre 2014 e 2015, sobretudo pela falta de gestão e estrutura hídrica e da forte interdependência dos mananciais utilizados para abastecimento da região metropolitana de São Paulo, Campinas e Baixada Santista.
Destaca-se também o baixo valor de vazão do Rio Paraíba do Sul e problemas semelhantes de abastecimento no Rio de Janeiro, em especial, na região metropolitana e Zona Oeste do Rio.
A água é elemento indispensável à sobrevivência do homem e à manutenção dos mínimos padrões de vida, como saúde, higiene e alimentação. Outrossim, a agricultura, a pecuária, a indústria e os processos logísticos são diretamente afetadas com a crise hídrica, gerando apenas o encarecimento dos produtos e serviços.
O problema hídrico não pode ser justificado pelo clima ou pelo consumo. No Brasil, o único fator determinante para o problema da água é oriundo do Estado, nas políticas de planejamento e gestão.
6. Conclusão
Franco Montoro lutou por uma política orientada nos valores humanistas e cristão rumo à uma democracia, trabalhando com espírito de independência, nacionalismo e justiça social.
Ainda presenciamos em nosso país a falta do debate, independência entre os Poderes e o respeito dos direitos fundamentais da pessoa humana, verdadeira afronta à Democracia que queremos.
Em suas políticas de governo, Montoro, introduziu os princípios do Direito de Participação e Descentralização do Poder como modelos ao desenvolvimento e progresso do país. Infelizmente, paira no Brasil a cultura de o Estado é um mero fornecedor de serviços e assistência, em que o cidadão não possuiu voz e atitude. Outrossim, o poder nacional concentrado em Brasília dificulta a resolução de problemas no âmbito regional dos municípios e dos Estados Federados. Isso acaba gerando uma omissão da participação popular em questões relevantes do interesse público e ao mesmo tempo uma frustração diante da compreensível incapacidade de o Estado prover absolutamente todos os recursos de forma assistencialista.
A dependência externa da nossa economia ainda é um fato alarmante para o nosso desenvolvimento. Apenas o fortalecimento do produtor e da indústria e apoio à tecnologia nacional que seremos capazes de nos inserimos de forma competitiva no mercado globalizado.
A democracia com justiça social não é um prêmio concedido pelos detentores do poder político ou econômico, mas é a conquista a ser alcançado pelo trabalho e educação de cada indivíduo da sociedade.
Para que haja a efetiva concretização destas medidas é necessário empreendermos medidas imediatas na restruturação da educação, na reforma tributária, na melhor distribuição de renda, e solução de problemas de infraestrutura básica ainda existentes em nosso país.
Franco Montoro, ciente das diversidades e contradições de sua época, conseguiu lançar a diretriz para uma nova perspectiva da política no Brasil, mais humana, pautada na luta pela democracia e no desenvolvimento consciente. Seu projeto humanista e cristão merece respeito dentro dos seus êxitos e percalços.
Informações Sobre o Autor
Bruno Bernardo Nascimento dos Santos
Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Mestrando em Direitos Humanos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP