Requisitos e Exigências da ANVISA Para Produtos Derivados de Cannabis no Brasil

* Felipe Barreto Veiga e Beatriz Nunes Cloud

 

Na última terça-feira, 3 de dezembro, a Diretoria Colegiada da Anvisa deliberou acerca da regularização de produtos derivados de Cannabis, estabelecendo critérios e requisitos a serem observados para regularização dos produtos no país. A Regulamentação da Diretoria Colegiada (“RDC”) será publicada no Diário Oficial da União nos próximos dias e entrará em vigor 90 dias após sua publicação.

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Inicialmente, é importante destacar que a decisão da Diretoria Colegiada da Anvisa possui caráter transitório e deverá ser revista após 3 anos contados da publicação da norma no Diário Oficial da União.

De acordo com a decisão, as empresas não deverão abandonar suas estratégias de pesquisas para comprovação de eficácia e segurança das suas formulações, tendo em vista que as propostas para os produtos derivados de Cannabis se assemelham às mesmas estratégias terapêuticas de um medicamento.

Desta forma, a fabricação, importação e comercialização de produtos derivados de Cannabis para fins medicinais deverão ocorrer por meio de concessão de Autorização Sanitária (“AS”). O deferimento da AS terá como critérios: a certificação da qualidade do produto; a precisão nas informações de rotulagem e outras fontes de descrição do produto; e informações que orientam o rastreamento do produto, conforme critérios da ANVISA.

Em relação à certificação da qualidade do produto, a empresa fabricante necessitará, além das autorizações de funcionamento específicas, o Certificado de Boas Práticas de Fabricação (CBPF) emitido pela Anvisa, com o aceite, durante os primeiros 3 anos de vigência da norma, de documento equivalente emitido por autoridade sanitária estrangeira membro do PIC/S (Pharmaceutical Inspection Co-operation Scheme – Esquema de Cooperação de Inspeção Farmacêutica).

Quanto ao produto, a empresa requisitante deverá ter um conjunto de dados e informações técnicas, em versão sempre atualizada, que comprovem a qualidade do produto, destacadamente em relação aos fundamentos técnicos da formulação, limites de especificação e métodos de controle de qualidade, bem como estudos de estabilidade e relatórios periódicos de avaliação de uso.

No tocante à rotulagem, descrição do produto e informações que orientem o rastreamento, os rótulos deverão conter mensagens objetivas e claras de advertência, com o detalhamento dos cuidados e restrições no uso dos produtos, bem como etiquetas e códigos que facilitem a rastreabilidade do produto.

A Anvisa ainda estabeleceu critérios específicos para a comercialização dos produtos, sobretudo no tocante à sua apresentação ao público consumidor, seguindo a diretiva da agência de evitar o incentivo à mercantilização: a rotulagem e a embalagem dos produtos não poderá conter designações, nomes geográficos, símbolos, figuras, desenhos ou quaisquer indicações que possibilitem interpretação falsa, erro ou confusão quanto à origem, procedência, natureza, composição ou qualidade, que atribuam aos produtos finalidades ou características diferentes daquelas que realmente possuam, bem como os termos medicamento, remédio, fitoterápico, suplemento, natural ou qualquer outro que tenha semelhança com estes, e também, não poderá conter qualquer indicação quanto à destinação de uso, especialmente incluindo alegações terapêuticas ou medicinais de forma direta ou indireta.

No que tange ao cultivo da planta Cannabis spp., a Anvisa não permitiu o cultivo da planta em território nacional, sendo assim, o cultivo seguirá proibido. O entendimento do relator da decisão é de que a Cannabis e seus derivados a serem utilizados na fabricação de medicamentos ou outros produtos não precisam ser obtidos de plantações em terras brasileiras.

Claramente a decisão reforça o potencial importador das matérias primas para a composição dos medicamentos, que deverão ser trazidas do exterior, beneficiando-se, neste momento, os países que possuem acordos comerciais com o Brasil.

Nesse sentido, em relação à importação e fabricação, os fabricantes que realizarem a importação de substrato de Cannabis, deverão importar a matéria-prima semielaborada, sendo vedada a importação da planta ou parte dela. Os produtos fabricados no Brasil serão analisados em laboratório da Rede Brasileira de Laboratórios Analíticos em Saúde (Reblas) e os dados serão enviados à Anvisa, que prosseguirá com a elaboração de um programa de monitoramento dos produtos.

A decisão também determina que os cosméticos, produtos fumígenos, produtos para a saúde ou alimentos não poderão ser enquadrados como produtos à base de Cannabis para fins medicinais, assim como, não será permitido que os referidos produtos sejam comercializados sob a forma de droga vegetal da planta ou suas partes.

A comercialização dos produtos ocorrerá exclusivamente em farmácias e drogarias de varejo e sem manipulação, sendo que os produtos apenas poderão ser adquiridos mediante apresentação de prescrição médica. Além disso, o paciente ou seu representante legal deverá assinar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), o qual deverá conter detalhes acerca do produto.

Por fim, acerca da dispensação dos produtos derivados de Cannabis, os produtos deverão ser dispensados por profissional farmacêutico e a escrituração de suas respectivas movimentações deverá ser realizada por meio do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC).

Em suma, o Regulamento tornará o processo de aquisição do produto mais ágil e simples, sendo um grande benefício para o paciente que necessita de tais produtos para realizar tratamentos. Anteriormente, era necessário que o paciente solicitasse uma autorização da Anvisa para importar os remédios ou conseguir uma determinação judicial para prosseguir com a importação. Ambos os processos eram burocráticos, custosos e morosos.

Desta forma, com o Regulamento, a comercialização será realizada pelas farmácias e o paciente apenas necessitará da receita médica para adquirir o produto e iniciar o tratamento, sendo um processo muito mais célere e eficaz.

Abre-se agora uma grande oportunidade de mercado, a exemplo do que aconteceu nos últimos dez anos em mercados que hoje começam a dar sinais de maturidade, como é o caso da Europa e dos Estados Unidos, cujo crescimento fora alavancado por uma regulação do setor que gera segurança jurídica e, consequentemente, investimentos.

Na América Latina, a Colômbia passa por um momento interessante na indústria, atraindo investimento estrangeiro no desenvolvimento de produtos e em plantações que geram matéria-prima para a fabricação de medicamentos.

Por fim, vale comentar que, na mesma semana que a Anvisa publicou sua decisão, os jornais norte-americanos passaram a noticiar o estouro da bolha da cannabis nos Estados Unidos, devido à queda no valor de mercado das empresas do setor e a desvalorização dos papéis.

 

Felipe Barreto Veiga é sócio das áreas de tecnologia e inovação do BVA Advogados. É reconhecido como um dos principais advogados do país na área de internet e startups, tendo sido reconhecido por diversas premiações do setor jurídico, como Análise 500, Latin Lawyer e Leaders League. É co-autor de quatro livros, inclusive o best-seller “Nada Easy”, de Tallis Gomes. Foi membro do Data Protection Commitee da INTA, representando o Brasil na associação.

Felipe Barreto Veiga BVA Advogados

Beatriz Nunes Cloud – Estagiária no BVA Advogados – Cursando último período da Graduação em Direito pela PUC/SP.

Beatriz Nunes Cloud BVA Advogados

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