Quando ocorre o falecimento de um trabalhador com vínculo empregatício ativo, o contrato de trabalho é extinto de forma imediata. Esse tipo de encerramento contratual é classificado como uma rescisão sem justa causa por motivo de força maior. Ainda que seja um momento de dor para os familiares, é necessário compreender que a morte do empregado gera obrigações para a empresa e direitos para os dependentes legais, especialmente no que diz respeito às verbas rescisórias.
Neste artigo, vamos abordar de maneira completa e detalhada tudo o que envolve a rescisão por falecimento do empregado, explicando os aspectos legais, os direitos dos herdeiros, como é feito o pagamento das verbas, os procedimentos administrativos que o empregador deve seguir, além de responder às dúvidas mais comuns sobre o tema. O objetivo é oferecer um guia prático e jurídico, acessível tanto para empregadores quanto para familiares do trabalhador falecido.
O que é a rescisão por falecimento
A rescisão por falecimento é a extinção do contrato de trabalho decorrente da morte do empregado. É uma situação que independe da vontade das partes e acontece de forma imediata e automática no momento do óbito.
Não se trata de demissão, tampouco de pedido de desligamento. A natureza dessa rescisão é involuntária e configurada como motivo de força maior, conforme interpretação da legislação trabalhista.
Diferentemente de uma dispensa comum, a morte do trabalhador exige um tratamento legal diferenciado, com obrigações específicas para o empregador em relação ao pagamento das verbas devidas aos herdeiros ou dependentes legais.
O que diz a legislação trabalhista
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu artigo 483, trata das hipóteses de rescisão do contrato de trabalho, mas não especifica expressamente a morte do empregado como uma dessas causas. Contudo, a doutrina e a jurisprudência reconhecem que o falecimento extingue o vínculo empregatício.
O artigo 497 da CLT, que regula a extinção coletiva do contrato por motivo de força maior, serve como base para considerar a morte como evento inevitável, que impede a continuidade da prestação de serviços.
Além disso, a Instrução Normativa nº 15/2010 do Ministério do Trabalho estabelece diretrizes para os procedimentos relacionados à rescisão por falecimento, especialmente no que diz respeito ao preenchimento do Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho (TRCT).
Quem tem direito a receber as verbas rescisórias
Com o falecimento do empregado, as verbas rescisórias devidas devem ser pagas aos seus dependentes habilitados perante a Previdência Social ou, na ausência destes, aos herdeiros legais, mediante alvará judicial.
Na prática, isso significa que o empregador não pode simplesmente entregar os valores a qualquer parente ou familiar. É necessário observar os seguintes critérios:
Se houver dependente habilitado no INSS, o pagamento pode ser feito diretamente a ele;
Se não houver dependente habilitado, será necessário obter alvará judicial, autorizando o saque por parte dos herdeiros;
Em caso de inventário judicial ou extrajudicial, os valores podem ser transferidos diretamente aos sucessores.
Portanto, o primeiro passo é verificar se há pessoa registrada como dependente do trabalhador falecido junto ao INSS. Esse dado pode ser obtido pela certidão de dependência fornecida pelo órgão previdenciário.
Verbas rescisórias devidas em caso de morte do empregado
Mesmo que o trabalhador tenha falecido, os direitos trabalhistas acumulados até o momento da morte permanecem preservados e devem ser pagos aos beneficiários legais.
As verbas a serem pagas são:
Saldo de salário (dias trabalhados no mês do óbito)
Férias vencidas, se houver, acrescidas de 1/3
Férias proporcionais, acrescidas de 1/3
13º salário proporcional
Depósitos do FGTS até o mês do falecimento
Multa de 40% do FGTS (alguns entendem que é devida apenas em falecimento da empresa, mas a jurisprudência majoritária entende que não se aplica no caso de falecimento do empregado)
Horas extras e adicionais eventualmente não pagos
Não há desconto de aviso prévio, já que a extinção do contrato não é por vontade do empregador.
Aviso prévio na rescisão por falecimento
O aviso prévio não é devido nem ao empregador, nem aos herdeiros no caso de morte do empregado. Como o contrato é extinto pela morte, sem aviso ou manifestação de vontade, não há como aplicar essa obrigação.
Entretanto, o empregador deve calcular corretamente todos os valores até o dia do óbito, e realizar os pagamentos devidos conforme os trâmites legais, independentemente de o trabalhador ter falecido no início, no meio ou ao final do mês.
FGTS e PIS/PASEP em caso de falecimento
Os valores depositados no FGTS e no PIS/PASEP também pertencem à esfera dos direitos trabalhistas e podem ser sacados pelos dependentes ou herdeiros legais.
O saque do FGTS pode ser realizado:
Mediante apresentação da certidão de óbito
Documento de identificação do beneficiário
Comprovante de dependência (INSS ou alvará judicial)
O mesmo vale para os valores do PIS/PASEP, que ficam disponíveis para saque pelos familiares após o falecimento do trabalhador.
Importante: o prazo para saque desses valores não é imediato, e é necessário seguir as orientações da Caixa Econômica Federal (FGTS/PIS) ou Banco do Brasil (PASEP), apresentando a documentação exigida.
Procedimentos que a empresa deve adotar
Quando toma conhecimento do falecimento de um empregado, a empresa deve:
Solicitar a certidão de óbito à família ou verificar a autenticidade do documento
Realizar o cálculo das verbas rescisórias até a data do óbito
Preencher o Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho (TRCT), indicando como motivo da rescisão o “falecimento do empregado”
Informar a ocorrência no sistema do eSocial
Encaminhar a documentação e valores ao dependente habilitado no INSS ou, se for o caso, orientar sobre a necessidade de alvará judicial
Registrar a baixa na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), física ou digital
É importante que todos os registros sejam feitos com precisão, pois o descumprimento dessas obrigações pode gerar responsabilidade civil e trabalhista para o empregador.
Documentação necessária para receber as verbas rescisórias
A pessoa que deseja receber os valores da rescisão por falecimento deverá apresentar:
Certidão de óbito do trabalhador
Documento de identidade e CPF do solicitante
Certidão de dependência fornecida pelo INSS (quando houver)
Alvará judicial ou termo de inventariante (na ausência de dependentes)
No caso de menor de idade, a representação deve ser feita pelo responsável legal, com os documentos comprobatórios.
O que fazer quando há inventário
Se a sucessão do falecido está sendo feita por meio de inventário, seja judicial ou extrajudicial, os valores da rescisão trabalhista devem ser depositados diretamente na conta vinculada ao espólio, e repassados aos herdeiros de acordo com a partilha formalizada.
O inventariante será o responsável por solicitar judicialmente os valores à empresa, com os documentos necessários, como:
Certidão de inventariante
Petição assinada por advogado
Comprovação da existência dos valores devidos
É fundamental observar que os valores trabalhistas integram o patrimônio do espólio e, portanto, devem ser partilhados conforme as regras sucessórias do Código Civil.
Diferença entre falecimento do empregado e falecimento do empregador
A morte do empregado extingue automaticamente o contrato de trabalho. Já no caso do falecimento do empregador pessoa física, os efeitos podem ser diferentes, a depender da atividade exercida e da existência de sucessores.
Se o empregador era pessoa física (ex: dono de pequeno comércio, fazenda), a morte pode implicar a extinção da atividade e, consequentemente, a rescisão dos contratos de trabalho, o que caracteriza força maior.
Nesse caso, os empregados têm direito a receber:
Todas as verbas rescisórias
FGTS com multa de 20%, em vez de 40%
Possibilidade de saque do seguro-desemprego
É uma situação distinta, que requer análise específica do caso concreto, especialmente se a atividade for absorvida por herdeiros ou continuar por meio de empresa sucessora.
Implicações previdenciárias
Além dos direitos trabalhistas, a morte do empregado pode gerar direitos previdenciários aos dependentes, especialmente o benefício de pensão por morte, pago pelo INSS.
A pensão por morte é devida a:
Cônjuge ou companheiro
Filhos menores de 21 anos ou inválidos
Pais dependentes
Irmãos menores de 21 anos ou inválidos, na ausência dos anteriores
Para receber o benefício, é necessário cumprir critérios específicos, como:
Existência de qualidade de segurado do falecido
Comprovação da dependência econômica
Documentação adequada
O benefício deve ser solicitado diretamente ao INSS, por meio do site ou aplicativo Meu INSS, ou nas agências, com agendamento prévio.
Acordos coletivos e convenções podem alterar a regra?
Em regra, os acordos coletivos e convenções não modificam as normas de rescisão por falecimento, pois se trata de um fato involuntário que encerra o contrato automaticamente.
No entanto, podem existir cláusulas específicas prevendo:
Auxílio funeral pago pelo empregador
Indenizações adicionais em caso de falecimento por acidente de trabalho
Estabilidade ou cobertura para família em situações específicas
É recomendável que o empregador consulte o sindicato da categoria para verificar a existência de cláusulas adicionais aplicáveis à situação.
Situações específicas: falecimento por acidente de trabalho
Se o falecimento do empregado ocorrer em razão de acidente de trabalho ou doença ocupacional, a situação exige atenção especial.
Neste caso, podem ser devidas:
Indenizações por dano moral ou material, caso comprovada responsabilidade da empresa
Aposentadoria por invalidez post mortem, caso o acidente tenha sido anterior
Estabilidade acidentária (caso o falecimento ocorra durante estabilidade do contrato)
Ações de indenização por parte da família do empregado
É fundamental analisar se o acidente de trabalho foi comunicado ao INSS, se houve emissão da CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) e se o caso foi devidamente registrado.
Seção de perguntas e respostas
Quem tem direito a receber as verbas rescisórias após a morte do trabalhador?
Os dependentes habilitados no INSS ou, na ausência deles, os herdeiros legais mediante alvará judicial.
O aviso prévio é pago em caso de falecimento?
Não. O aviso prévio não se aplica à rescisão por falecimento do empregado.
A multa de 40% do FGTS é paga nesse tipo de rescisão?
Em geral, não. A jurisprudência entende que a multa de 40% é devida apenas na dispensa sem justa causa por iniciativa do empregador.
É necessário fazer inventário para sacar os valores?
Se não houver dependente habilitado no INSS, é necessário obter alvará judicial ou realizar inventário para liberação dos valores.
Quem deve procurar a empresa após o falecimento?
O dependente habilitado no INSS ou o inventariante do espólio, com a documentação necessária.
A empresa é obrigada a pagar auxílio funeral?
A CLT não obriga o pagamento de auxílio funeral, mas esse benefício pode estar previsto em convenção coletiva.
A empresa pode ser responsabilizada se o trabalhador morreu em serviço?
Sim, especialmente se houver negligência da empresa. Nesse caso, os familiares podem pleitear indenizações na Justiça.
Quanto tempo a empresa tem para pagar as verbas rescisórias?
O pagamento deve ocorrer em até 10 dias corridos após a data do falecimento, conforme regras gerais da CLT.
Como sacar o FGTS de trabalhador falecido?
O dependente deve apresentar a certidão de óbito, documento de identidade e, se necessário, alvará judicial na Caixa Econômica Federal.
Conclusão
A rescisão por falecimento do empregado é uma situação sensível que exige do empregador o cumprimento rigoroso das obrigações legais, respeitando os direitos trabalhistas e os direitos sucessórios dos familiares. Para os herdeiros e dependentes, é fundamental conhecer os procedimentos corretos para garantir o recebimento dos valores devidos, como saldo de salário, férias, 13º salário e o saque de FGTS e PIS/PASEP.
Embora o momento envolva luto e dor, o correto encaminhamento jurídico e administrativo evita maiores transtornos e garante que os direitos do trabalhador falecido sejam devidamente respeitados. Sempre que houver dúvidas, recomenda-se buscar apoio jurídico especializado ou orientação junto ao sindicato da categoria ou à Defensoria Pública.
Esse tema reforça a importância de tratar o vínculo empregatício com responsabilidade até o fim, assegurando proteção e dignidade, mesmo após a morte.