Resumo: O presente trabalho tem como objetivo fazer uma abordagem acerca da responsabilidade civil e suas classificações e elementos caracterizadores, trazendo, inicialmente, um breve histórico de seu surgimento. Num segundo momento, ao adentrar na teoria da responsabilidade civil propriamente dita, é feito um exame de cada pressuposto, bem como um estudo sobre a responsabilidade contratual e extracontratual. Ao final, examina-se a responsabilidade civil subjetiva, suas excludentes, e também a responsabilidade civil objetiva e as causas que excluem a responsabilização do agente causador do dano.[1]
Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Responsabilidade Subjetiva. Responsabilidade Objetiva.
Abstract: This paper aims to make an approach on the civil liability and their ratings and characteristic elements, bringing first a brief history of its emergence. Secondly, when entering the theory of liability, it is done by an examination of each assumption, as well as a study on the contractual and non-contractual liability. Finally, it examines the subjective responsibility, passing by their exclusionary, and also the objective responsibility, which also has causes that exclude the responsibility of causing the damage agent.
Keywords: Civil responsability. Subjective responsibility. Strict liability
Sumário: Introdução. 1. Teoria da Responsabilidade Civil. 1.1 Funções e pressupostos. 1.1.1 Conduta. 1.1.2 Culpa latu sensu. 1.1.3 Nexo de causalidade. 1.1.4 Dano. 2 Responsabilidade extracontratual e contratual. 3 Responsabilidade objetiva e subjetiva. 3.1 Das excludentes da responsabilidade subjetiva. 3.1.1 Legítima defesa. 3.1.2 Exercício regular de um direito. 3.1.3 Estado de necessidade. 3.1.4 Estrito cumprimento do dever legal. 3.2 Das excludentes da responsabilidade subjetiva e objetiva. 3.2.1 Culpa exclusiva da vítima. 3.2.2 Fato de terceiro. 3.2.3 Caso fortuito ou Força maior. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Para que se entenda toda a teoria da responsabilidade civil e como funcionam os institutos relacionados a ela, é interessante que se faça uma pequena abordagem sobre o surgimento desse conceito e sua evolução ao longo da história.
Inicialmente, tem-se que a responsabilidade civil, para Flávio Tartuce[2], surge “em face do descumprimento obrigacional, pela desobediência de uma regra estabelecida em um contrato, ou por deixar determinada pessoa de observar um preceito normativo que regula a vida”. Tendo esse conceito em mente, vejamos como o instituto surgiu.
Nos primórdios da civilização do homem, os danos que um indivíduo viesse a causar a outrem eram reparados, muitas vezes, com o uso da força, isto é, a justiça era feita com “as próprias mãos”. O sentimento de justiça caminhava ao lado do sentimento de vingança, de modo que importava muito mais causar o mesmo dano ao agressor do que ser efetivamente reparado pelo dano sofrido.
Após, com a gradativa formação de comunidades organizadas e o consequente surgimento do Estado, este passou a ser o titular da justiça, garantindo ou, pelo menos, tentando garantir, a harmonia entre as pessoas, trazendo para si a solução de conflitos entre os homens. Surge então, no século XVIII a. C., o Código de Hamurabi, que previu a reparação de ofensas pessoais com outras ofensas dirigidas ao agressor, bem como reparações de cunho pecuniário. No entanto, esse mesmo código ainda previa, em alguns de seus dispositivos, fundamentos de vingança da Lei de Talião (também prevista na Lei das XII Tábuas), como o caso de um homem que arrancasse um dente ou olho de outro. Nessa hipótese, o ofendido poderia fazer o mesmo com o agressor, era a aplicação da máxima “olho por olho, dente por dente”.
No início do Direito Romano, conforme explana Fernando Penafiel[3], a responsabilidade era objetiva, ainda baseada na ideia de vingança privada ou vendetta, vigorando a Lei de Talião, ou seja, a retaliação do agressor. Bastava que existisse o dano para que houvesse a responsabilização, prescindindo da prova de culpa. Numa segunda fase, surge a composição voluntária, uma compensação econômica em substituição à pena de Talião. Desse modo, a vítima da lesão tinha no lugar da vingança o benefício de receber bens ou dinheiro pagos pelo agressor. Após, com a regulamentação do Estado, houve a fixação de valores da pena que deveriam ser pagos, passando a composição a ser denominada legal ou tarifada. Porém, foi com a Lei de Aquília, no final do século III a.c que a responsabilidade civil evoluiu, trazendo a possibilidade de se responsabilizar alguém sem que houvesse uma relação obrigacional preexistente entre a vítima e o ofensor. Surgia, então, a responsabilidade extracontratual e também a previsão da culpa como requisito da responsabilização. Essa lei foi, assim, um marco na responsabilidade civil, trazendo a previsão do grau de culpa com que o agente causador do dano atuou. Após o surgimento da responsabilidade aquiliana, o Estado assume, definitivamente, a função de punir aqueles que ofendessem a ordem jurídica e que causassem danos a outras pessoas, impondo uma indenização como forma de reparação.
Ainda segundo Penafiel, na Idade Média, em razão da influência do direito romano, a aplicação da responsabilidade civil foi evoluindo em toda a Europa Medieval, havendo a reparação à vítima em casos de dano com culpa e, aos poucos, a separação entre e responsabilidade civil e penal, que se consolidou somente durante o iluminismo, no século XVIII.
Após, para Flávio Tartuce[4], “a responsabilidade mediante culpa passou a ser regra em todo o Direito Comparado, influenciando as codificações privadas modernas, como o Código Civil Francês, de 1804”. Além disso, segundo o autor, o Direito Comparado, sobretudo o Francês, passou a admitir uma outra responsabilidade, a sem culpa, surgindo, a partir dos estudos de Saleilles e Josserand, a teoria do risco e, então, a responsabilidade civil objetiva. Era claro, à época, que com a revolução industrial, a atividade econômica estava se deslanchando e, com ela, empreendimentos vultosos e de grandes riscos, tanto ambientais, quanto para os próprios trabalhadores, surgiram, afirmando a teoria de que nem sempre deveria se provar a culpa para que se reparasse um dano. Essa teoria espalhou-se, assim, para diversos outros países, inclusive o Brasil. Dessa forma, consoante Tartuce, surgiram alguns normativos que dispuseram sobre a teoria do risco, como foi o caso do Decreto-lei 2.681/1912, que previu a culpa presumida no transporte ferroviário. Logo, esse preceito se difundiu para outros tipos de transporte, entendendo a jurisprudência e a doutrina que a culpa do transportador não seria subjetiva e presumida e, sim, objetiva. Vieram, então, o Código Civil de 1916, que previu a responsabilidade civil do Estado pelos atos comissivos de seus agentes e, após, a Constituição Federal de 1988, que também trouxe a responsabilidade civil objetiva do Estado. Por fim, o Código Civil de 2002 tratou especificamente da responsabilidade objetiva.
1 TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Visto alguns apontamentos históricos do instituto e antes de adentrar nas teorias da responsabilidade civil, interessante colocar as divisões que o gênero responsabilidade apresenta. Há, então, as espécies “moral, civil e penal”. A primeira pode ser entendida como um direito que está no consciente do ser humano e pode, ainda, ser subdivida em reponsabilidade apenas moral e responsabilidade moral causadora de efeitos jurídicos. Nesse sentido, pode-se citar como exemplos os trazidos por Cleyson de Moraes Mello[5]:
Como exemplo da 1º hipótese, teríamos um testamento em que o testador, ao deixar um bem para o legatário, coloca a frase ‘que após a minha morte, o favorecido, após receber o bem referido, mandará rezar, todos os anos na igreja de São Jerônimo, uma missa para minha alma’.
Nessa situação observa-se que nada acontecerá caso o legatário não reze as missas. Já na responsabilidade moral causadora de efeitos jurídicos, se num determinado testamento o testador colocasse que só deixaria determinado bem para uma pessoa caso ela rezasse a missa, esta seria uma condição resolutiva para que recebesse o bem.
Quanto à responsabilidade civil e penal, nota-se significativa semelhança, posto que as duas referem-se a condutas reprováveis e ensejadoras de reparação por danos causados a terceiros, sejam eles patrimoniais ou extrapatrimoniais. Um exemplo da similitude são os crimes contra a honra, que demandam reparação nas duas esferas, e a absolvição na esfera penal por exclusão da autoria ou materialidade do crime, que acarreta consequente extinção da punibilidade civil, conforme artigo 935 do Código Civil[6].
1.1. FUNÇÕES E PRESSUPOSTOS
A responsabilidade civil tem como objetivo assegurar que a vítima seja reparada pelo dano que sofreu. Para Maria Helena Diniz[7] a função está em:
Assegurar à vítima do dano garantia da tutela integral ao interesse violado, objetivando-se, primeiramente, o retorno da situação ao status quo anterior ao dano, e não sendo isto possível, em aplicar-se ao ofensor uma condenação civil, à guisa de reparação pela lesão causada, por meio do pagamento de uma parcela em dinheiro equivalente ao prejuízo.
Desse modo, responsabilizar civilmente alguém tem como fim defender a ordem constituída, bem como compensar o indivíduo pelos danos sofridos. Ademais, funciona como sanção ao ofensor, impondo-lhe a satisfação do interesse ofendido, além de levar à sociedade a advertência do tipo de conduta proibida pelo Estado.
A par disso, para que se caracterize a responsabilidade civil, alguns pressupostos devem ser preenchidos. Todavia, alguns autores entendem de modo diverso quais as premissas realmente compõem o instituto. Segundo Carlos Roberto Gonçalves[8], são quatro os elementos, a ação ou omissão, a culpa ou dolo do agente, o nexo de causalidade e o dano. Já para Maria Helena Diniz[9], três são os elementos: ação, comissiva ou omissiva; o dano, moral ou patrimonial; e o nexo de causalidade entre os dois primeiros. Outros doutrinadores modernos – como Pablo Stolze – entendem que a culpa não é elemento e que o Código Civil de 2002, mesmo prevendo uma conduta voluntária, negligente ou imprudente, não a vê também como pressuposto da responsabilidade civil, pois prevê a também responsabilidade objetiva, que independe de culpa para ser configurada.
No entanto, para grande parte da doutrina, incluindo aqui Flávio Tartuce, ainda prevalece o entendimento de que são quatro as premissas da responsabilidade civil: a conduta, a culpa genérica, o nexo de causalidade e o dano.
1.1.1 Conduta
A conduta é descrita como uma ação ou omissão voluntária, podendo ser por negligência, imprudência ou imperícia. No caso da omissão, para que ela seja configurada é necessário que exista um dever jurídico de praticar determinado ato e a prova de que não foi praticado. O elemento volitivo traz a ideia de que o fato ilícito cometido é controlável pela vontade do indivíduo.
Desse modo, o indivíduo tem que praticar uma conduta que esteja em desacordo com o que se espera de um homem médio para que possa ser punido pelo fato danoso. Apesar de a regra ser a responsabilização por conduta humana, há também a possibilidade de se responsabilizar alguém por dano causado por fato de animal ou de coisa inanimada[10].
1.1.2 Culpa latu sensu
Quando se tem em mente a palavra culpa, muitos a confundem com o seu sentido estrito. Contudo a culpa latu sensu ou genérica é gênero do qual se derivam as espécies culpa em stricto sensu e o dolo.
A culpa stricto sensu ou em sentido estrito pode ser entendida como uma desobediência a um dever preexistente, inexistindo intenção de violar o dever jurídico. Aqui, o agente quer praticar a conduta, porém não quer o resultado. O elemento vontade se assenta somente na ação ou omissão. Ainda, exige-se uma conduta voluntária com resultado involuntário, a previsão ou previsibilidade e a falta de cuidado.
Três são os modelos jurídicos que se enquadram na figura da culpa em sentido estrito. O primeiro deles é a imprudência, que pode ser conceituada como a ação com a falta de cuidado necessário; a negligência, que é a omissão pela falta de cuidado e a imperícia, que é entendida como a falta de qualificação ou treinamento que um profissional deveria ter para desempenhar sua função, como, por exemplo, os profissionais de saúde.
Vale ressaltar que, independentemente de culpa ou dolo, o causador tem o dever de reparar a vítima, sendo, porém, lhe facultado provar, pela teoria da culpa, que agiu com culpa stricto sensu, modalidade que pode ponderar a reparação.
A culpa pode ser classificada, quanto à sua origem, em culpa contratual, que pode ocorrer no desrespeito a uma norma contratual, bem como no descumprimento da boa-fé objetiva, que deve permear todas as fases do negócio; e culpa extracontratual ou aquiliana, que é a culpa advinda de violação de dever fundado em norma do ordenamento jurídico.
Já quanto à atuação do agente, a culpa pode ser in comittendo, quando está relacionado a uma ação ou comissão imprudente e culpa in omittendo, que se relaciona à omissão, à negligência.
Referente ao critério de análise pelo juiz, tem-se a culpa in concreto, que considera a análise do caso concreto, e a culpa in abstrato, que leva em conta o comportamento previsto para o homem médio. Há, hoje, uma compilação desses dois critérios de modo que o operador do direito possa conhecer as reais circunstâncias do caso concreto, mas também considerando a conduta de uma pessoa dentro dos padrões de normalidade, fazendo com que a decisão seja justa.
Uma classificação de grande relevância é quanto à modalidade de presunção. Há a culpa in vigilando, que é a quebra do dever legal de vigilância, como, por exemplo, o pai com o filho; a culpa in eligendo, que é a culpa decorrente da escolha feita por uma pessoa a ser responsabilizada, como o patrão que se responsabiliza por ato de empregado que age em seu nome; e a culpa in custodiendo, em que a culpa deriva da falta de cuidado em se guardar coisa ou animal.
Entretanto, essa última classificação veio perdendo força e hoje a jurisprudência e o entendimento dominante dos doutrinadores vão ao encontro do que prevê o Código Civil de 2002, de que a culpa in vigilando, in eligendo e in custodiendo não são presumidas e, sim, responsabilidade objetiva. Assim, essa classificação perdeu o sentido para a prática.
Quanto ao grau de culpa, ela pode ser culpa lata ou grave, na qual a imprudência ou negligência é extremamente visível, podendo equiparar-se ao dolo (culpa lata dolus equiparatur), porém isento de vontade do resultado; e a culpa leve ou média, que é a falta de atenção que pode ser atribuída ao um homem comum. Até mesmo a culpa levíssima é responsabilizada, devendo, no entanto, ser considerada para redução de eventual indenização. O grau de culpa influencia, ainda mais, no quantum indenizatório de danos morais, pois além de um ressarcimento stricto sensu, há também uma compensação satisfativa ou reparação.
O dolo é a violação intencional do dever jurídico e tem como fim prejudicar alguém. Equivale à culpa grave, devendo haver reparação integral do dano, salvo culpa concorrente da vítima.
1.1.3 Nexo de causalidade
O nexo de causalidade é o elemento que liga a conduta culposa ou o risco criado e o dano suportado por alguém. Não há, portanto, como existir uma responsabilidade sem que haja uma relação entre a conduta do agente e o dano causado à vítima.
Enoque Ribeiro dos Santos[11] entende que “o nexo causal, nexo etiológico ou ainda relação de causalidade é geralmente conceituado como o vínculo que se estabelece entre dois eventos, de maneira que um se apresenta como consequência do outro”.
Algumas teorias tentam explicar o nexo de causalidade, como as descritas abaixo:
a) Teoria da Equivalência das condições ou Teoria da Equivalência dos antecedentes: por essa teoria toda e qualquer circunstância que tenha concorrido para o dano é considerado causa. É equivalente porque todas as causas concorreram na mesma proporção para que o dano ocorresse. As condições são todos os fatos antecedentes que concorreram para o evento. Um exemplo recorrente na doutrina é o disparo com arma de fogo, em que a fabricação da arma é considerada causa.
b) Teoria da Causalidade Adequada: para esta teoria, considera-se como causa somente a condição que por si só produzirá o dano, não se colocando todos os antecedentes como causa. Aqui, causa é o antecedente necessário e adequado à produção do evento ‘dano’.
c) Teoria do dano direto e imediato ou teoria da interrupção do nexo causal: somente devem ser reparados danos que decorrem como efeitos necessários da conduta de um indivíduo.
Com efeito, não obstante o entendimento contrário de alguns estudiosos, tem-se que, para Tartuce[12], o Código Civil de 2002 adotou a teoria da causalidade adequada, posto que prevê em seus artigos 944 e 945[13] que a indenização deve ser adequada aos fatos que a cercam. No entanto, há divergência também da jurisprudência de alguns tribunais, de modo que o entendimento não é pacífico.
A seguir, decisão exarada pelo Tribunal Superior do Trabalho:
RECURSO DE REVISTA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. DANOS MORAIS CAUSADOS AO EMPREGADO. CARACTERIZAÇÃO. ACIDENTE DE TRABALHO. TRAUMA CRÂNIO/CERVICAL. A responsabilidade civil do empregador pela reparação decorrente de danos morais causados ao empregado pressupõe a existência de três requisitos, quais sejam: a conduta (culposa, em regra), o dano propriamente dito (violação aos atributos da personalidade) e o nexo causal entre esses dois elementos. O primeiro é a ação ou omissão de alguém que produz consequências às quais o sistema jurídico reconhece relevância. É certo que esse agir de modo consciente é ainda caracterizado por ser contrário ao Direito, daí falar-se que, em princípio, a responsabilidade exige a presença da conduta culposa do agente, o que significa ação inicialmente de forma ilícita e que se distancia dos padrões socialmente adequados, muito embora possa haver o dever de ressarcimento dos danos, mesmo nos casos de conduta lícita. O segundo elemento é o dano que, nas palavras de Sérgio Cavalieri Filho, consiste na “[…] subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral”. Finalmente, o último elemento é o nexo causal, a consequência que se afirma existir e a causa que a provocou; é o encadeamento dos acontecimentos derivados da ação humana e os efeitos por ela gerados. No caso, o quadro fático registrado pelo Tribunal Regional revela que “o acidente de trabalho ocorreu em função do risco profissional a que foi submetido o autor, sem efetiva fiscalização quanto às normas de segurança inerentes às tarefas profissionais desenvolvidas, tendo restado evidenciado o fato de que a reclamada não observou as normas de segurança por si mesmo impostas, já que não evidenciado o fornecimento e utilização de capacete”, bem como a exposição do autor a situação de risco, e, ainda, o nexo causal entre o acidente e o ambiente de trabalho. Concluiu, por conseguinte, estarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade jurídica e o dever de indenizar, pela injusta invasão na esfera moral e profissional do autor. (…). (TST RR: 3825720135040662, Relator: Cláudio Mascarenhas Brandão, Data de Julgamento: 16/03/2016, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 22/03/2016)
Existem, ainda, as teorias das concausas:
a) Concausa preexistente: são causas que antecedem o acontecimento do dano, independente do ofensor ter conhecimento delas. Pode-se citar como exemplo o caso da vítima de acidente que é hemofílica. Nessa situação o causador do dano responde pelo resultado mais grave causado a vítima.
b) Concausa superveniente ou concomitante: ocorrem após o desencadeamento do nexo causal. Exemplificando, uma pessoa sofre um acidente de trânsito, é encaminhada ao hospital e lá adquire uma infecção hospitalar e morre. Aqui, o agente não terá responsabilidade.
c) Concorrência de causas ou culpa concorrente: nesse caso duas ou mais causas são responsáveis pelo dano, devendo se averiguar os pesos de cada causa, como o caso da vítima que sai por trás do ônibus e é atropelada por um motorista em alta velocidade.
d) Concausalidade ordinária, conjunta ou comum: quando duas ou mais pessoas contribuem para o evento danoso.
e) Concausalidade acumulativa: ocorre quando as condutas de duas ou mais pessoas são independentes, mas contribuem para o dano.
f) Concausalidade alternativa ou disjuntiva: é a que ocorre quando há conduta de duas ou mais pessoas, mas apenas uma contribui para o dano.
Visto algumas teorias, há que se apontar as excludentes do nexo de causalidade, que inadmitem sua existência e, portanto, a da responsabilidade civil. São elas, a culpa exclusiva da vítima, a culpa exclusiva de terceiro e o caso fortuito e força maior. Tais excludentes serão melhor abordadas no item 2.2.2.
1.1.4 Dano
O dano pode ser caracterizado como qualquer lesão sofrida pelo ofendido, tanto na sua esfera patrimonial, quanto extrapatrimonial, isto é, é o fato jurídico que origina uma responsabilidade civil e em decorrência do qual o ordenamento exige do ofendido o direito de ser reparado pelo ofensor. Nesses moldes, a lesão pode ser na integridade física ou moral de uma pessoa ou em alguma coisa que a pertença.
2 RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL E CONTRATUAL
Sabe-se que, hoje, existem as denominações responsabilidade civil contratual ou negocial e a responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana. Esta última é assim denominada em razão da Lex Aquilia de Damno, do final do século III a. C., mais especificamente em 286 a. C., que, segundo Nehemias Domingos de Melo[14], substituiu a retribuição do mal, pela possibilidade de punir o ofensor com uma pena pecuniária, no caso de comprovação de sua ação culposa ou dolosa. Essa responsabilidade, para Marcus Valério Saavedra[15], deriva de um ilícito extracontratual, isto é, da prática de um ato ilícito por pessoa capaz ou incapaz, consoante o art. l56 do CC, não havendo vínculo anterior entre as partes, por não estarem ligados por uma relação obrigacional ou contratual. É também chamada de “civil subjetiva” por demandar, como citado, a comprovação de culpa do agente que causou o dano.
Já a responsabilidade contratual é a que se origina do inadimplemento de obrigações feitas entre as partes ante determinada relação jurídica preexistente e válida, ensejando, o seu descumprimento, o dever de indenizar por eventuais danos sofridos pela outra parte.
3 RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SUBJETIVA
A responsabilidade subjetiva é aquela que pressupõe uma conduta culposa. Pode se dar por violação de norma contratual – responsabilidade subjetiva contratual, ou de um dever genérico de conduta – responsabilidade subjetiva extracontratual, o que se extrai do artigo 927, caput, do Código Civil[16].
A responsabilidade civil objetiva é aquela que não exige a presença do elemento culpa para que seja configurada. Extrai-se do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, que será obrigatória a reparação do dano em casos específicos da lei ou quando a natureza de uma atividade apresentar risco, independente de culpa[17]. Outro dispositivo relacionado à responsabilidade objetiva é o artigo 931 do mesmo diploma, que prevê a responsabilização de empresas pelos seus produtos também independente de culpa[18]. Esse tipo de responsabilidade esteia-se na teoria do risco do empreendimento, que se caracteriza pelo dever da empresa de obedecer às normas de segurança referentes aos produtos ofertados. É da teoria do risco que deriva a teoria do risco integral, a qual na ocorrência do dano dispensa a culpa e o nexo de causalidade.
3.1 Das excludentes da responsabilidade subjetiva
3.1.1. Legítima defesa
O conceito de legítima defesa é trazido pelo Código Penal[19] e consiste em quem age ou repele um mal injusto, atual ou iminente e que possa oferecer risco à própria pessoa. Desse modo, quem age para defender-se ou defender terceiro está amparado penalmente e também civilmente ante a previsão expressa do Código Civil[20], sendo, assim, eximido pelo normativo de reparar um eventual dano causado em decorrência de seus atos de defesa.
3.1.2 Exercício regular de um direito
Aquele que dentro dos limites do seu regular direito, age e causa um dano, estará igualmente amparado civilmente, não tendo o dever de indenizar, conforme prevê o também artigo 188, do CC. Assim, um titular de um direito que lhe seja assegurado por lei pode agir livremente, conforme achar conveniente e oportuna sua ação, no entanto qualquer exercício que ultrapasse os limites de seu direito pode vir a configurar abuso de direito, devendo ser punido pelos excessos que cometer.
3.1.3 Estado de necessidade
Age amparado pelo estado de necessidade quem, para salvar direito próprio ou alheio, pratica algum fato para salvar de perigo atual e pelo qual não foi responsável nem poderia evitar[21]. Nessa hipótese, excetua-se aquele que tinha o dever legal de agir. Exemplo clássico da doutrina é a situação de dois náufragos que disputam o mesmo pedaço do navio para não afundar, um matando o outro para sobreviver. O caso do médico que, para salvar a mãe, pratica um aborto (necessário) também está amparado pelo estado de necessidade.
3.1.4 Estrito cumprimento do dever legal
Já o estrito cumprimento do dever legal ocorre quando um agente age dentro dos limites impostos pela lei, sendo a conduta que gerou o dano causado por ele considerada lícita e, portanto, não terá o dever de indenizar. Nehemias Domingos de Melo[22] traz o exemplo do policial que, tendo o dever legal de agir na defesa e manutenção da segurança pública, faz uso de força intimidatória (não abusiva) para deter um suspeito em face de clamor popular. Aqui, nota-se que o direito à liberdade foi sacrificado em nome da ordem pública e integridade física do suspeito.
3.2 Das excludentes da responsabilidade subjetiva e objetiva
Existe, ainda, outras hipóteses em que há a exclusão da responsabilidade do agente, objetiva e subjetiva. São as situações que o nexo causal é afastado, isto é, ainda que haja o envolvimento do agente no evento dano, ele não será responsabilizado por não ter contribuído para o efeito danoso. São três as possibilidades de exclusão: a culpa exclusiva da vítima, o fato de terceiro e o caso fortuito ou força maior.
3.2.1 Culpa exclusiva da vítima
O agente envolvido no dano estará isento do dever de indenizar quando o evento aconteça independentemente de sua contribuição, isto é, se em nada contribuiu para que o dano ocorresse, sendo somente o instrumento de materialização daquele, devendo ser excluído o nexo de causalidade e, por consequente, o dever de indenizar. O Código Civil traz a possibilidade de culpa exclusiva da vítima em caso de possuidor de animal que comprove que não contribuiu para o dano[23]. Há, também, a previsão dessa excludente em leis esparsas como o Código de Defesa do Consumidor[24] e a lei que regula atividades nucleares[25]. Um dos exemplos mais comuns é o caso do pedestre que sai de trás do ônibus para atravessar a rua e é atropelado. Ora, nessas situações não há como responsabilizar o motorista, pois não há que se prever a imprudência do pedestre, motivo pelo qual não há nexo causal entre a conduta do motorista e o dano (atropelamento).
3.2.2 Fato de terceiro
Nesse caso tanto a vítima quanto o agente não dão causa ao dano, sendo este, então, causado por um terceiro. Aqui, o fato é imprevisível e inevitável, não sendo correto atrelar o dano ao agente, pois o fato de terceiro rompe o nexo causal e, desse modo, não há o dever de indenizar para aquele. A culpa de terceiro é prevista, também, no Código de Defesa do Consumidor[26].
3.2.3 Caso fortuito ou força maior
Apesar de confundido por muitos, os dois casos apresentam diferença. Todavia, assemelham-se no fato de romperem o liame entre o agente e a lesão advinda de sua conduta. O caso fortuito relaciona-se com eventos que independem das partes envolvidas no dano ou que sejam imprevisíveis, como guerras, greves, rebeliões. Já a força maior está relacionada a eventos naturais que, ainda que previsíveis, são inevitáveis, como enchentes, terremotos. De todo modo, o Código Civil não distinguiu os institutos, sendo, então, somente caracterizado como evento inevitável e irresistível ao agente, não sendo razoável, assim, responsabilizá-lo por ato em que não teve culpa e, tampouco, tenha havido nexo causal com o acontecimento.
CONCLUSÃO
Por todo o exposto, conclui-se que o estudo da responsabilidade civil e sua consequente aplicação demanda o conhecimento de todas as suas teorias, que não se esgotam no que foi explanado no presente artigo. Responsabilizar alguém por um eventual dano causado a outrem ou a determinado bem requer uma análise minuciosa de todas as circunstâncias do caso concreto e das condições do agente agressor para que se verifique se há a presença de causas excludentes da responsabilidade – no caso da responsabilidade subjetiva, e também quem é o sujeito ofensor, pois podemos estar diante de danos causados pelo Estado, hipótese que poderá configurar a responsabilidade objetiva.
Ademais, a responsabilidade civil, como visto, é de fundamental importância para o direito, pois, ao se responsabilizar o agente, a medida acaba por ter, além de um caráter punitivo, um efeito social, ao mostrar para a sociedade que danos causados dolosamente não serão aceitos, isto é, tem também um caráter educativo.
<http://www.valeriosaavedra.com/conteudo_19_responsabilidade-contratual-e-extracontratual.html> Acesso em: 08 de maio de 2016.
Disponível em:
<http://www.valeriosaavedra.com/conteudo_19_responsabilidade-contratual-e-extracontratual.html> Acesso em: 08 de maio de 2016.
Informações Sobre o Autor
Juliana de Souza Garcia Alves Maia
Acadêmica de Direito na Universidade de Brasília