Responsabilidade do estado decorrente de atos judiciais


1) Responsabilidade do Estado


A responsabilidade do Estado, também chamada por alguns de responsabilidade da Administração Pública, encontra-se, entre os casos de responsabilidade objetiva previstos em nossa legislação. Nem sempre, entretanto, foi assim.


Da longa e lenta evolução até chegar-se ao estágio atual, nos reportaremos, sinteticamente, à primeira fase desta evolução, até a fase mais aceita atualmente pela doutrina brasileira.


Aquela é conhecida como a fase da irresponsabilidade do Estado, a qual vigorou no Estado despótico e absolutista. A idéia de uma responsabilidade pecuniária da Administração era considerada como um entrave perigoso à execução de seus serviços.


Os administrados tinham apenas ação contra o próprio funcionário causador do dano, jamais contra o Estado, reforçando, assim, a idéia de que o “rei nunca erra”. Destarte havia uma diferenciação entre o sujeito do Estado e o seu funcionário.


Ressalte-se que no Brasil, essa fase não existiu. Sendo que mesmo à falta de disposição legal específica, a tese da responsabilidade do Poder Público sempre foi aceita como princípio geral e fundamental de Direito. No entanto, referida responsabilidade tinha natureza subjetiva, dependendo da existência de prova da culpa do funcionário, para que a responsabilização do Estado fosse acionada.


Hoje, no Brasil, com a adoção da teoria do risco administrativo e o advento da Constituição de 1988 no seu art. 37, §6°, a responsabilidade do Estado é objetiva.


De acordo com a teoria do risco administrativo, ao Estado é atribuída a responsabilidade pelo risco criado pela sua atividade administrativa. Assim, toda a lesão sofrida pelo particular deve ser ressarcida, independentemente de culpa do agente público que a causou. O que se tem que verificar é, apenas, a relação de causalidade entre a ação administrativa e o dano sofrido pelo administrado.


Essa responsabilização, no entanto, se limita aos riscos da atividade administrativa do Estado, excluindo a atividade de terceiros ou da própria vítima, ou mesmo fenômenos da Natureza, estranhos à sua atividade.


No que pertine ao conteúdo exposto no §6° do art. 37 da CF, este reafirma o dever do Estado de ressarcir eventuais danos causados a terceiros, decorrentes da sua atividade administrativa:


“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”


2) Responsabilidade do Estado por danos decorrentes de atos judiciais


Há perto de 4.000 anos e nos primeiro sistema judiciário em que a Administração da Justiça foi organizada na forma da lei à margem da Justiça Sacerdotal, a corrupção de Juiz fora prevista e punida, conquanto que apenas em termos de sanção monetária e disciplinar: “Se um juiz julgou uma causa, proferiu uma sentença e mandou exarar documento selado e depois alterou seu julgamento, comprovarão contra esse juiz a alteração do julgamento do feito, e ele pagará até doze vezes a quantia que estava em questão no processo; além disso, fá-lo-ão levantar-se de sua curul de juiz na Assembléia dos Juízes e não tornará a sentar-se com os juízes em um processo”. – Assim, foi o estabelecido no art. 5°, seção I, do Código de Hamurabi.


Atualmente, existe uma vasta discussão acerca da responsabilidade tanto do juiz quanto do Estado pelo cometimento de erro na atividade jurisdicional segundo os moldes objetivos que contemplam a indenização automática por ofensa ao direito de outrem.


Cabe, porém, antes de analisarmos as diferentes posições que existem em relação à responsabilidade ou não do Estado nos atos judiciais, fazermos uma breve distinção entre atividade judiciária e jurisdicional ou judicial.


Os atos da atividade judiciária podem ser realizados por uma série de agentes, mas os atos da atividade jurisdicional são privativos dos magistrados na jurisdição contenciosa e na jurisdição voluntária.


Neste sentido no que pertine aos danos causados pela atividade judiciária, sendo exemplos típicos, casos de denegação da justiça pelo juiz, negligência no exercício desta atividade, falta de serviço judiciário, é cabível a responsabilidade objetiva comum do Estado.


Ora, assentado que a base da responsabilidade estatal está estruturada sobre o princípio da organização e do funcionamento do serviço público. E, sendo a prestação da justiça um serviço público essencial, não há como excluir a responsabilidade do Estado neste caso.


O problema que havemos de enfrentar, contudo, não é o atinente à responsabilização do Estado por atos judiciários em geral, mas sim os referentes aos atos de juris dictio, que devido a certas peculiaridades, demonstra ser das áreas de maiores conflitos teóricos em matéria de responsabilidade civil.


Realizada a devida diferenciação entre os referidos atos, reportemo-nos a discussão relativa às diferentes posições encontradas atualmente, no que condiz a responsabilidade do Estado quanto aos atos jurisdicionais.


A primeira corrente, e mais antiga, é adepta a irresponsabilidade do Estado por danos decorrentes de atos judiciais. Apoiada por juristas de grande porte como Ruy Barbosa e Pontes de Miranda, defendia que o juiz podia ser processado e punido pessoalmente, livre, todavia, o erário de ressarcir o dano resultante das sentenças. Segundo Carlos Maximiliano, ao comentar o art. 194 do Constituição de 1946: “A irresponsabilidade da Estado pelos atos e omissões dos juízes advém da independência da Magistratura, prerrogativa, esta, que tem como conseqüência lógica o tornar exclusivamente pessoal a responsabilidade”.


Do lado oposto, existem aqueles, dentro da doutrina mais liberal, que são defensores da ampla responsabilidade objetiva do Estado decorrente de atos judiciais. Segundo este tipo de responsabilidade, para que a mesma reste caracterizada, deve haver o dano e o nexo causal entre a ofensa a um direito material e o ato jurisdicional. A análise do elemento subjetivo, o qual consistiria no dolo ou na culpa, não seria necessária neste caso.


Entendo que pertinente é o entendimento de Sérgio Cavalieri Filho, o qual acredita que inaceitável seria admitir a responsabilização objetiva do Estado, sob pena de inviabilizar a distribuição da justiça.


Note-se que o Direito não é uma ciência exata, sendo que os magistrados ao sentenciar ou decidir, estão sujeitos aos erros de julgamento e raciocínio, de fato ou de direito.


Impossível seria exercer a jurisdição sem os eventuais erros, até porque no sentido contrário a função jurisdicional se tornaria irrealizável. Em outras palavras, exigir do Estado a prestação de uma justiça perfeita, seria demandar por parte daquele, uma justiça divina, livre de erros comuns inerentes às condutas de qualquer ser humano.


Ainda assim, o sistema judiciário prevê a possibilidade de interposição de recursos, caso seja necessária a revisão e correção de decisões e julgamentos considerados equivocados. Mas, esgotados os recursos, a coisa julgada se constitui em fator inibitório da responsabilidade do Estado, que tudo fez dentro das possibilidades humanas, para prestar uma justiça certa e justa.


Doutra forma, a interferência da coisa julgada, a qual não seja por ação rescisória ou revisão criminal, subverteria e tornaria instável toda a garantia representada pelo processo justo. A sentença ou o acórdão só podem ser rescindidos nos termos da lei. Esses princípios não podem ser ampliados. Daí por que somente se entenderá que essa hipótese de erro judicial refere-se mesmo a julgamento errôneo, decisão equivocada. O dispositivo deve ser visto como uma exceção ao princípio da responsabilidade objetiva, descrita no art. 37 §6° da CF.


Destarte, considera-se mais prudente a aplicação exaustiva do art. 37, §6° para toda a Administração Pública, inclusive ao Judiciário quando exerce atividade meramente administrativa, em caso de responsabilidade objetiva do Estado.


Em relação aos erros judiciais, a responsabilidade do Estado deve existir, considerando que ao juiz é atribuída a competência de julgar, poder exclusivo do Estado, no entanto, a aplicação do art. 5°, LXXV, restrita à atividade jurisdicional devido a sua natureza e peculiaridades, deverá ser realizada com cautela, sendo que a responsabilidade do Estado se restringe aos casos em que o dolo ou a culpa do juiz forem comprovados.


Portanto, tal responsabilidade deve ter natureza subjetiva, possibilitando assim, tanto o amplo exercício de atos jurisdicionais por parte do Estado, como também a segurança jurídica do administrado, a quem lhe foi retirado o poder de fazer justiça com as próprias mãos, em nome da paz e equilíbrio social.


“Estipulado o contrato social, os indivíduos não renunciam a todos os direitos, porquanto os direitos que constituem a natureza humana (vida, liberdade, bens), são inalienáveis; mas renunciam unicamente ao direito de defesa e de fazer justiça, para conseguir que os direitos inalienáveis sejam melhor garantidos”. – John Locke



Informações Sobre o Autor

Mariana de Barros Ribeiro

Acadêmica de Direito, das Faculdades Integradas Curitiba


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