Resumo: É inegável a importância da responsabilidade social das empresas na atualidade, tanto que existe um verdadeiro movimento mundial em torno do tema. No entanto, pouco se discute a respeito das raízes e dos fundamentos teóricos que o embasam. Neste intuito, buscou-se explorar as três principais teorias acerca da responsabilidade social empresarial: teoria do acionista, teoria dos stakeholders e teoria do contrato social. Para tanto, pesquisou-se grandes teóricos, tais como SMITH (1988), FRIEDMAN (1982), ARROW(1973), entre outros.
Palavras-chave: Responsabilidade Social Empresarial. Teoria do acionista. Stakeholder. Contrato Social.
Abstract: There is no denying the importance of corporate social responsibility today, so that there is a real world movement around the theme. However, little is discussed regarding the roots and theoretical foundations that underlie. To this end, we sought to explore the three main theories of corporate social responsibility: shareholder theory, stakeholder theory and social contract theory. Therefore, it was researched great theorists such as Smith (1988), Friedman (1982), ARROW (1973), among others.
Keywords: Corporate Social Responsibility. Shareholder theory. Stakeholder. Social Contract.
Sumário: Introdução. 1. Enfoques teóricos. 1.1. Teoria do Acionista. 1.2. Teoria dos Stakeholders. 1.3. Teoria do Contrato Social. 2. Conclusão. 3. Refências.
Introdução
As responsabilidades das organizações, em especial das empresariais, não é um assunto pacificado, a não ser o reconhecimento da sua importância. Esse é um tema multidisciplinar, pois interessa ao Direito, à Economia, à Administração, etc.
Segundo Carrol[1], um dos maiores estudiosos no assunto, responsabilidade social da empresa compreende as expectativas econômicas, legais, éticas e filantrópicas que a sociedade tem em relação às organizações em dado período.
No contexto atual, a importância da responsabilidade social das empresas é inegável, tanto que existe um verdadeiro movimento mundial em torno do tema. Prova disso é o número crescente de códigos de ética e programas de Responsabilidade Social Empresarial e de normas voluntárias como a AS 800, AA 1000, NBR 16001, etc. No entanto, pouco se discuti o arcabouço teórico que sustenta essa responsabilidade. E é isso que este trabalho propõe: apresentar e esmiuçar as teorias mais importantes acerca do tema da responsabilidade social empresarial.
1. Enfoques teóricos
1.1.Teoria do Acionista
“[…] há poucas coisas capazes de minar tão profundamente as bases de nossa sociedade livre do que a aceitação por parte dos dirigente das empresas de uma responsabilidade social que não a de fazer tanto dinheiro quanto possível para os acionistas. Trata-se de uma doutrina fundamentalmente subversiva”.[2]
Tendo como precursor Milton Fridman[3], a teoria do acionista afirma que a responsabilidade social da empresa é gerar lucros dentro da lei. Se a empresa está gerando lucro legalmente é porque está produzindo bens ou serviços socialmente importantes e, consequentemente, poderá remunerar os fatores de produção (capital e trabalho), gerando renda para a sociedade e impostos para os governos. Estes, na verdade, é que devem aplicar recursos para resolver problemas sociais.
Segundo Fridman, os dirigentes e acionistas que quiserem contribuir para resolver problemas sociais devem utilizar seus próprios recursos, jamais os da empresa. A função desses dirigentes é apenas maximizar o lucro empresarial.Para o autor, as corporações, por serem artificiais (ficção jurídica), não possuem responsabilidades sociais, possuem apenas responsabilidades legais.
Costuma-se associar a origem dessa teoria à obra “A riqueza das nações”, de Adam Smith, de 1776. Segundo Smith, “não é da generosidade do açougueiro, do padeiro, do verdureiro, do leiteiro que esperamos nosso almoço, mas porque cada um está atuando em seu próprio interesse[4]”. É a ideia da mão invisível do mercado promovendo o bem estar coletivo, pois este seria resultado de infindáveis ações individuais movidas pelo auto interesse. Nas palavras de Smith,
“[…] ao perseguir seus próprios interesses, o indivíduo promove o interesse da sociedade muito mais eficazmente do que quando tenciona promove-lo. Nunca ouvi dizer que tenham realizado grandes coisas para o país aqueles que simulam exercer o comércio visando o bem público.”[5]
Fridman tratou a questão da responsabilidade social no âmbito das sociedades anônimas, que ele entende como instrumento dos acionistas, seus proprietários, que têm como único intuito o lucro. Desse modo, qualquer doação ou contribuição para outras finalidades que não sejam a de gerar tanto dinheiro quanto possível aos acionistas, constituem uso impróprio dos recursos da empresa.
No entanto, como cada indivíduo busca apenas seu próprio interesse, pode ocorrer que os interesses dos dirigentes das empresas sejam diferentes, até mesmo opostos, dos interesses dos acionistas (proprietários). Desta forma, os dirigentes, pesando somente nos seus interesses, poderão ser estimulados a buscar ganhos pessoais, aumentando seus salários, concedendo benefícios extras e utilizando de informações decorrentes do exercício de suas atividades em proveito próprio.
Percebe-se, pois, que a responsabilidade social segundo a abordagem do acionista tem como um de seus pilares a separação entre a propriedade (que é dos acionistas) e a administração (dirigentes) nas grandes empresas, notadamente nas sociedades anônimas, tendo como objetivo principal minimizar os conflitos entre os proprietários e os administradores quanto à alocação de recursos da empresa. Segundo essa abordagem, os administradores são agentes dos proprietários e devem, portanto, aplicar os recursos da empresa com vistas a maximizar o retorno sobre o capital investido. Logo, o interesse dos administradores não poderia divergir do interesse dos acionistas.
Na prática, quando o interesse dos agentes difere do interesse dos proprietários, tem-se o que se denomina de problema de agência.
Os conflitos entre administradores e acionistas foram em parte solucionados pelas legislações e pelos tribunais que, de alguma forma, acataram os argumentos da prevalência dos interesses dos acionistas como uma extensão do direito de propriedade.
A legislação brasileira se rendeu totalmente ao princípio da primazia dos acionistas, mas com ressalvas. A Constituição Federal de 1988[6] assim dispõe:
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I – soberania nacional;
II – propriedade privada;
II – função social da propriedade;
IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor;
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VII – redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII – busca do pleno emprego;
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País”.
Esses princípios constitucionais foram incluídos no Código Civil de 2012[7] e na Lei das Sociedades Anônimas. De acordo com esta última, “o administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa”[8]. Essa lei veda ao administrador a prática de atos de liberalidade à custa da companhia[9], mas abre a possibilidade, mas abre a possibilidade de o Conselho de Administração, o órgão de deliberação colegiado da sociedade anônima obrigatório para as de capital aberto, autorizar práticas de atos gratuitos razoáveis em benefícios dos empregados ou da comunidade de que participe a empresa, tendo em vista suas responsabilidades sociais[10]. Comprova-se, portanto, a adoção pelo Brasil da teoria do acionista com ressalvas.
Importante destacar que Friedman admitia a concessão de recursos para atividades em benefício de outros que não os proprietários, mas somente poderia ser considerada e plenamente justificada no interesse destes.
Um modo de contestar a teoria do acionista é atacar sua própria coluna de sustentação, qual seja, a ideia de que cada um buscando o melhor para si teria como resultado a melhoria de todos. Fato histórico que comprova a falha da “mão invisível” do mercado é a quebra da bolsa de Nova York em 1929. A partir deste drástico episódio, notou-se que o egoísmo não era a melhor opção em todas as áreas do mercado, sendo o cooperativismo mais favorável em determinados setores e períodos.
Também é possível contestar essa teoria argumentando que maximinizar o lucro para o acionista agindo dentro da lei não é suficiente, pois não atende às expectativas da sociedade em relação às empresas. De fato, as normais legais não cobrem todas as considerações decorrentes dos relacionamentos entre os indivíduos e os grupos, daí uma das diferenças entre Direito e Moral. Para exemplificar, Barbieri:
“[…] uma certa empresa quando vai demitir um funcionário sem justa causa, sempre o faz após o término das suas férias. A legislação confere esse direito à empresa e se ela pagar todos os direitos previstos em lei estará de acordo com o entendimento de responsabilidade segundo a teoria em questão. Mas seria tal prática moralmente correta? Vendo do lado do trabalhador, essa é uma prática prejudicial, pois transforma as suas férias, que deveriam ser momentos de lazer, despreocupação e alegria, em período de torturante espera”.[11]
Além disso, o poder crescente das empresas, que ultrapassa muitas vezes o próprio Estado Nacional, enfraqueceu a teoria do acionista, pois com tamanho poder, as empresas não influenciam apenas os acionistas, mas uma enorme gama de classes e setores. Foi nesse contexto que Keneth Arrow[12], ganhador do prêmio nobel de economia, demonstrou as diferentes maneiras como uma empresa outros componentes da economia, como por exemplo, pagando salários, gerando poluição, determinando a qualidade dos produtos, etc. Arrow mostrou situações em que a regra da maximização do lucro é socialmente ineficiente, por exemplo, nos casos da poluição e outros males ao meio ambiente. Não importa o lucro que vá gerar, uma vez que a degradação do meio ambiente afetará todo o planeta. Dessa forma, a responsabilidade social centrada na função econômica da empresa como geradora de lucros, salários e impostos já não era mais suficiente para orientar os negócios diante de novos valores requeridos pela sociedade pós-industrial, como a busca da qualidade de vida, valorização do ser humano e respeito ao meio ambiente. Essas mudanças, que ocorreram no âmbito da sociedade e afetam o ambiente dos negócios, ampliaram o debate sobre o tema, trazendo à tona uma nova teoria: a teoria das partes interessadas, também chamada de stakeholder.
Uma definição recorrente de stakeholder é a seguinte: pessoa ou grupo com interesse na empresa o que afeta ou é afetada por ela. Segundo a teoria das partes interessadas, qualquer pessoa ou classe que afeta ou seja direta ou indiretamente afetada por ela, possui interesses legítimos sobre a mesma. No entanto, em um mundo globalizado, não há limite para o surgimento de novas partes interessadas. E não se trata de identificar qual grupo será considerado parte interessada, pois não é a empresa que escolhe quem tem interesse nela, são as pessoas e grupos que manifestam ou expressam seus interesses na empresa. Ou seja, a princípio qualquer pessoa ou grupo é parte interessada na empresa, mesmo que não compre produtos, não trabalhe para ela e não resida em sua área de influência. Essa possibilidade decorre do movimento pelos direitos humanos, uma das facetas mais importantes e promissoras do processo de globalização. Um marco importante foi a Resolução 41/128, aprovada na Assembléia Geral da ONU de 1986, que reconhecer i desenvolvimento como um direito inalienável dos seres humanos,
“[…] em virtude do qual toda pessoa e todos os povos têm o direito de participar e contribuir para o desenvolvimento econômico, social, cultural e político, e de beneficiar-se desse desenvolvimento, de modo que todos os direitos e liberdades fundamentais do homem possam ser realizados pensamento”.
Diante do infindável número de stakeholder, torna-se impossível às empresas conciliar os interesses de cada um.
Mesmo com todas as dificuldades que a teoria dos stakeholder apresenta, sua influência é notória e sua força reside no fato de considerar as empresas como redes de relacionamentos complexos, diversificados e inter-relacionados, que correspondem ao que se observa em um mundo crescentemente globalizado em múltiplas dimensões.
As dificuldades encontradas pela teoria das partes interessadas fez evoluir uma teoria bastante antiga: a teoria do contrato social. A teoria contratualista tem precursores de longa data, mas sua aplicação à Responsabilidade Social Empresarial é recente.
A ideia central dessa teoria apoia-se no fato de que os seres humanos, atuando racionalmente, concordam com os termos de um contrato específico, conferindo-lhe autoridade normativa. A concordância deriva do fato de que os termos acordados são benéficos para todos desde que sejam cumpridos por todos. Logo, uma questão crucial desse contrato é saber se os outros irão cumprir o trato. Daí a importância de haver um mecanismo que garante o cumprimento do acordo, sendo esse um dos aspectos problemáticos da teoria.
Segundo José Carlos Babieri,
“O ponto central da teoria do contrato social está no fato de que compreenderemos melhor as obrigações das instituições socais fundamentais, como as empresas e os governos, se entendermos o que implica um pacto ou contrato justo entre estas instituições e a sociedade, ou entre as diferentes comunidades que integram tais instituições. O bem estar social e a justiça constituem os termos centrais do contrato hipotético entre a empresa e a sociedade. O primeiro refere-se ao fato de que os membros da sociedade estão dispostos a autorizar a existência da empresa somente se eles ganham com isso. O segundo, que eles estão dispostos a autorizar a existência da empresa somente se ela concordar em permanecer nos limites dos cânones legais”.[13]
O consensualismo é, pois, o ponto central da justificação de qualquer método decorrente da teoria contratualista. Mas esse consensualismo só é válido se obtido com liberdade e de modo informado. Mas como saber se ele fora exercido de forma livre e informada? Eis outro problema da teoria discutida.
Uma proposta denominada teoria integradora dos contratos sociais identifica dois níveis de consentimento: um mais elevado, com grande grau de abstração, que se realiza por meio de um contrato macrossocial hipotético, que estabelece regras para os contratos microssociais aplicáveis às comunidades específicas. A ligação entre esses dois níveis são as hipernormas, constituídas por princípios fundamentais que regem a existência humana.
Trazendo para o plano concreto, as hipernormas dos contratos integrados seriam acordos em termos globais, como as convenções sobre mudança climática, proteção à biodiversidade, combate à corrupção, etc. Essas hipernormas devem servir de base para a elaboração das macronormas, e estas, por sua vez, devem ser observadas na criação das micronormas.
Notou-se que há muitos problemas com a teoria das partes interessadas, pois a empresa teria de encontrar métodos para justificar as reivindicações os stakeholders específicos, identificar critérios normativos para ponderar interesses em competição e resolver conflitos entre os interesses dos stakeholders e os objetivos financeiros da empresa. A identificação de contratos sociais implícitos pode prover princípios normativos para o processo de gestão dos stakeholders.
2. Conclusão
Conclui-se, portanto, que há uma tendência em enxergar as várias teorias existentes sobre a responsabilidade social da empresa como rivais e supor que seja necessário adotar somente uma teoria. Mas na verdade, as três teorias se complementam e servem de base para a prática da responsabilidade social das empresas, bem como para a proposição de modelos gerais de gestão social empresarial.
Informações Sobre o Autor
Ângela Miranda Pereira
Advogada, pós-graduada em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes (UCAM) e em Direitos Humanos pelo Instituto Católico de Ensino Superior do Piauí (ICESPI).