Sim, um réu que responde ao processo em liberdade pode ser preso durante uma audiência, desde que haja fundamentos legais e elementos concretos que justifiquem a sua prisão. Essa possibilidade existe em diferentes fases do processo e pode ocorrer por diversos motivos, como flagrante de falso testemunho, tentativa de coação de testemunha, descumprimento de medidas cautelares ou se, no curso da audiência, surgirem provas de que o réu representa risco à ordem pública, à instrução processual ou à aplicação da lei penal.
A prisão durante a audiência, contudo, é uma medida excepcional. A liberdade é regra no processo penal brasileiro, e qualquer medida que a restrinja precisa obedecer aos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da presunção de inocência. Por isso, não basta a mera suspeita ou o desejo de punição imediata: é necessário haver fundamentos jurídicos concretos para que o juiz decrete a prisão de um réu solto durante a audiência.
Neste artigo, vamos esclarecer em que situações isso pode ocorrer, quais os tipos de prisão cabíveis durante uma audiência, como funciona o procedimento, quais os direitos do réu, como o advogado deve atuar nesses casos e o que diz a jurisprudência dos tribunais sobre o tema.
Princípios que regem a liberdade do réu
O ponto de partida para entender se um réu pode ser preso em audiência é compreender que, no processo penal brasileiro, a liberdade é a regra. A prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória é sempre medida excepcional, devendo estar fundamentada em elementos concretos.
Entre os princípios constitucionais que garantem essa lógica, destacam-se:
Presunção de inocência (art. 5º, LVII, da Constituição Federal): ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Devido processo legal (art. 5º, LIV): ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
Contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV): aos acusados são assegurados meios e recursos para se defender.
Portanto, a prisão de um réu solto durante audiência só poderá ocorrer se obedecer a esses princípios, sob pena de ser considerada ilegal.
Situações em que o réu pode ser preso em audiência
Mesmo que o réu esteja respondendo em liberdade, existem situações específicas que permitem sua prisão durante uma audiência. Veja as principais hipóteses:
Prisão em flagrante por crime cometido durante a audiência
Se o réu cometer um crime na presença do juiz, do promotor ou de qualquer outra autoridade durante a audiência, ele pode ser preso em flagrante. É o caso, por exemplo, de:
Falso testemunho (art. 342 do Código Penal)
Coação no curso do processo (art. 344 do Código Penal)
Desacato (art. 331 do Código Penal)
Desobediência à ordem judicial (art. 330 do Código Penal)
Agressão física a outro participante da audiência
Nessas situações, o flagrante é justificado pela evidência do crime, e o juiz pode determinar a prisão imediatamente, comunicando ao Ministério Público e à autoridade policial para os procedimentos cabíveis.
Decretação de prisão preventiva
Durante a audiência, o juiz pode decretar a prisão preventiva do réu, desde que estejam presentes os requisitos legais do artigo 312 do Código de Processo Penal (CPP). São eles:
Prova da existência do crime
Indício suficiente de autoria
Necessidade da prisão para garantir a ordem pública, a ordem econômica, a conveniência da instrução criminal ou a aplicação da lei penal
Essa decisão pode ser motivada por fatos novos ocorridos durante a audiência, como:
Declarações de testemunhas que revelam risco de fuga
Indícios de que o réu está intimidando testemunhas
Revelações de que o réu descumpriu medidas cautelares
Prova de envolvimento em novos crimes após a concessão da liberdade
A prisão preventiva é uma medida cautelar e deve ser decretada por decisão fundamentada do juiz.
Prisão por revogação de liberdade provisória
Se o réu estava solto por decisão de liberdade provisória com ou sem medidas cautelares, e o juiz verificar, durante a audiência, que ele violou as condições impostas, poderá revogar o benefício e decretar sua prisão.
Exemplo: o réu foi liberado com a condição de não se aproximar de determinada testemunha e, durante a audiência, é demonstrado que ele violou essa medida. Nesse caso, o juiz poderá revogar a liberdade e determinar a prisão imediata.
Prisão em decorrência de condenação com execução imediata
Embora a regra seja que a pena só comece a ser cumprida após o trânsito em julgado, o Supremo Tribunal Federal (STF) admite a prisão após julgamento em segunda instância em determinadas hipóteses, especialmente quando se trata de decisões do Tribunal do Júri.
Portanto, se o réu é julgado em audiência de instrução e julgamento e é condenado a pena privativa de liberdade em regime fechado ou semiaberto, o juiz pode decretar a prisão após a leitura da sentença, desde que fundamente a decisão nos termos do artigo 387, §1º, do CPP, levando em consideração elementos como:
Gravidade do crime
Conduta do réu durante o processo
Possibilidade de reiteração criminosa
Direitos do réu que é preso em audiência
Mesmo em caso de prisão durante audiência, o réu mantém todos os seus direitos constitucionais e processuais. Entre os principais:
Direito de ser informado sobre o motivo da prisão
Direito de se comunicar com seu advogado e família
Direito de permanecer calado e não se autoincriminar
Direito de ser conduzido à autoridade policial e ao juiz para audiência de custódia (nos casos de flagrante)
Direito de impetrar habeas corpus, se houver ilegalidade
Direito de ter a prisão fundamentada por decisão escrita e motivada
A atuação do advogado é essencial nesse momento, tanto para questionar a legalidade da prisão quanto para garantir que o réu seja tratado com dignidade e seus direitos sejam respeitados.
Como deve agir o advogado em caso de prisão do réu na audiência
Se durante a audiência o juiz decretar a prisão do réu, o advogado deve:
Exigir a fundamentação legal da prisão, para verificar se os requisitos legais foram observados.
Registrar em ata todos os detalhes do ocorrido, inclusive eventuais ilegalidades ou excessos.
Requerer, se cabível, que a prisão seja convertida em medidas cautelares alternativas previstas no artigo 319 do CPP.
Impetrar habeas corpus imediatamente, caso entenda que a prisão é ilegal ou desproporcional.
Acompanhar o réu até a delegacia ou centro de detenção, garantindo sua integridade física e mental.
Apresentar pedido de revogação da prisão, com base em elementos novos, mudança da situação ou ilegalidade da decisão.
A presença e atuação do advogado são indispensáveis para assegurar o respeito às garantias fundamentais do acusado.
Prisão em audiência de custódia
Se a prisão ocorreu por flagrante durante a audiência, o réu deverá ser apresentado, no prazo máximo de 24 horas, à chamada audiência de custódia, onde um juiz analisará:
Se a prisão foi legal
Se houve maus-tratos
Se a prisão deve ser convertida em preventiva ou se o réu pode ser liberado com medidas cautelares
A audiência de custódia é obrigatória, conforme entendimento do STF, e representa um importante instrumento de proteção dos direitos individuais no sistema penal.
Jurisprudência sobre prisão do réu durante audiência
A jurisprudência dos tribunais superiores e regionais reconhece a legalidade da prisão durante a audiência em situações excepcionais. Veja alguns exemplos:
“A prisão preventiva decretada durante a audiência de instrução, diante de fatos novos revelados por testemunhas, encontra respaldo no artigo 312 do CPP e não ofende o devido processo legal.” (STJ)
“A revogação da liberdade provisória durante a audiência de instrução é cabível quando demonstrado que o réu descumpriu medidas cautelares impostas anteriormente.” (TJSP)
“Não há ilegalidade na prisão em flagrante do réu por crime de falso testemunho cometido perante o juízo.” (TJMG)
Essas decisões demonstram que os tribunais admitem a prisão do réu solto em audiência desde que haja fundamentação legal, prova concreta e respeito às garantias processuais.
Exemplos práticos de prisão em audiência
Caso 1 – Réu agride testemunha durante a audiência
Durante audiência criminal, o réu se exalta e agride uma testemunha da acusação. Diante da flagrância do crime e do risco à segurança do ato processual, o juiz determina a prisão em flagrante e a condução do réu à delegacia.
Caso 2 – Testemunha revela ameaça feita pelo réu
Uma testemunha afirma que foi ameaçada pelo réu para alterar seu depoimento. O juiz verifica indícios suficientes, e, diante do risco à instrução processual, decreta a prisão preventiva do réu, que até então estava solto.
Caso 3 – Sentença com execução imediata
Ao final de audiência de julgamento no Tribunal do Júri, o réu é condenado a 20 anos de prisão por homicídio. O juiz, com base na gravidade do crime, decreta a prisão imediata, mesmo o réu tendo respondido em liberdade.
Perguntas e respostas sobre a prisão do réu durante a audiência
Réu solto pode ser preso durante a audiência?
Sim, desde que haja fundamentos legais, como flagrante delito, descumprimento de medidas cautelares, fatos novos que justifiquem prisão preventiva ou condenação com execução imediata.
O juiz pode decretar prisão na hora, sem mandado?
Sim, se for caso de flagrante delito ou se presentes os requisitos da prisão preventiva, o juiz pode decretar a prisão imediatamente durante a audiência.
O réu precisa ser ouvido antes da prisão?
Nos casos de prisão preventiva, sim. O contraditório deve ser garantido, salvo em situações de urgência ou flagrante. Já na prisão por flagrante durante a audiência, o réu é preso no ato e apresentado posteriormente à autoridade.
O advogado pode contestar a prisão no mesmo momento?
Sim. O advogado pode impugnar a decisão, requerer liberdade provisória ou apresentar habeas corpus, dependendo da situação.
A prisão durante audiência é comum?
Não. Trata-se de medida excepcional, aplicada apenas quando há necessidade concreta, devidamente justificada e fundamentada.
Se o réu for absolvido, ele é solto na mesma audiência?
Sim. Se o réu estiver preso preventivamente e for absolvido, deve ser imediatamente colocado em liberdade, salvo se houver outro motivo para sua prisão.
Conclusão
A prisão do réu solto durante uma audiência é uma medida legal, mas excepcional, que só pode ocorrer quando houver elementos objetivos e fundamentos jurídicos que justifiquem a restrição da liberdade. A regra no processo penal é a liberdade, e qualquer medida que a limite deve ser tomada com cautela, sob estrita observância dos princípios constitucionais.
Entre as hipóteses possíveis estão o flagrante por crime cometido durante a audiência, a decretação de prisão preventiva diante de fatos novos ou o descumprimento de medidas cautelares. Também pode ocorrer a prisão imediata após condenação em determinados casos, especialmente nos crimes dolosos contra a vida.
É fundamental que o réu tenha a assistência de um advogado para garantir o exercício da ampla defesa, o respeito ao contraditório e a legalidade do procedimento. O papel do juiz é assegurar que, mesmo em situações delicadas, o processo se desenvolva dentro dos limites do direito e da justiça.
Assim, compreender as circunstâncias em que o réu pode ser preso durante a audiência é essencial não apenas para operadores do direito, mas também para qualquer cidadão que busca entender os limites e garantias do sistema penal brasileiro.