O Pleno do Tribunal de Justiça do Amazonas julgou procedente Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, no processo n.º 0005217-75.2019.8.04.0000 (Tema 5 – IRDR), relativo ao tema “cartão de crédito consignado”.
O Incidente foi suscitado pelo desembargador João Simões, após observar a quantidade de processos relacionados ao assunto, exigindo análise sobre a legalidade ou não de tais contratos, e que têm resultado em interpretações diversas pelos colegiados.
Sobre o tema há entendimento firmado no âmbito dos Juizados Especiais em Incidente de Uniformização de Jurisprudência. Têm-se agora o resultado do julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) no TJAM, após manifestação de várias partes interessadas, como a Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Amazonas (OAB/AM); a Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE/AM); o Ministério Público do Estado do Amazonas (MPE/AM) e instituições bancárias.
De acordo com o relator do IRDR, desembargador José Hamilton Saraiva dos Santos, esse tipo de contrato envolve termos, como “empréstimo consignado”, cuja modalidade trata de disponibilizar valor determinado a ser pago por meio de parcelas mensais e periódicas de mesmo valor, descontadas diretamente do benefício previdenciário ou contracheque do consumidor e que por oferecer mais segurança de pagamento permite redução de juros e encargos.
E a expressão “cartão de crédito consignado” refere-se a um contrato comum de cartão de crédito pelo qual o consumidor autoriza, previamente e de forma expressa, que o pagamento do valor mínimo da fatura seja realizado por consignação em seu benefício previdenciário ou contracheque, no limite da margem, caso não ocorra o pagamento espontâneo e integral da fatura. Segundo o relator, trata-se de modalidade contratual lícita, regulamentada por normas.
Mas a questão envolve aspectos, como a transparência e a clareza da informação na realização dos contratos; a compreensão dos termos pela pessoa que faz a contratação; se há falhas e se incide dano moral ao consumidor por eventual contratação e uso dos serviços em casos questionados.
O Acórdão do IRDR foi publicado no Diário da Justiça Eletrônico, em 09/02/2022, fixando seis teses jurídicas para aplicação nos processos a serem julgados relacionados ao assunto.
De acordo com a primeira tese, “se o mútuo é destacado ao consumidor, como modalidade principal, e o cartão de crédito, como modalidade secundária, há, sim, violação ao direito à informação, tendo em vista que o contrato de cartão de crédito consignado é um contrato autônomo, que não se confunde com o contrato de mútuo, não existindo contrato de mútuo com contrato de cartão de crédito, sendo, uma, a modalidade principal e, outra, a modalidade secundária”.
A segunda tese afirma que, “restando claro que o cliente tenha buscado adquirir um cartão de crédito consignado, mesmo que tenha sido devidamente esclarecido das implicações práticas de tal operação, não há que se falar em violação à boa-fé, independentemente da utilização do cartão de crédito, que é facultativa. As informações somente serão consideradas claras e, por consequência, o contrato válido, quando as instituições financeiras demonstrarem que o consumidor foi, indubitavelmente, informado acerca dos termos da contratação, fazendo constar do instrumento contratual, de forma clara, objetiva e em linguagem fácil, todos os pontos a seguir descritos: (a) os meios de quitação da dívida; (b) como obter acesso às faturas; (c) informações no sentido de que o valor do saque será integralmente cobrado no mês subsequente; (d) informações no sentido de que apenas o valor mínimo da fatura será debitado, diretamente, dos proventos do consumidor; (e) bem como informações claras de que a ausência de pagamento da integralidade do valor dessas faturas acarretará a incidência de encargos rotativos sobre o saldo devedor. Além desses requisitos, os bancos deverão, outrossim, provar que disponibilizaram cópia dos contratos aos consumidores, cujas assinaturas, obrigatoriamente, constarão de todas as páginas da avença”.
Já a terceira tese diz que, “a contratação do cartão de crédito consignado, sem a inequívoca ciência dos verdadeiros termos contratuais, seja por dolo da instituição financeira seja por erro de interpretação do consumidor, causado pela fragilidade das informações constantes da avença, evidencia a existência de dano moral sofrido pelos consumidores, que deverá ser suportado pelas instituições financeiras, sendo prescindível a apuração da culpa”.
O Acórdão segue afirmando que, “nos casos de invalidade do contrato de cartão de crédito consignado, tendo em vista a não observância do dever de informação, para a restituição em dobro do indébito não se exige a demonstração de má-fé, sendo cabível quando o fornecedor tenha agido de forma contrária à boa-fé objetiva”.
Para o colegiado, “em razão da utilização do cartão de crédito pelo consumidor, na sua modalidade convencional, inclusive nos casos de invalidade da avença do cartão de crédito consignado, em virtude da não observância do dever de informação, são válidas as compras realizadas pelo consumidor, sob pena de enriquecimento ilícito, à luz do art. 884 do Código Civil”.
A sexta e última tese observa que, “considerando que a contratação do cartão de crédito consignado, sem a ciência acerca dos detalhes do contrato, implica invalidade da avença, por vício de vontade. Não há que se falar em revisão de cláusulas, devendo o negócio ser convertido em empréstimo consignado, nos termos do art. 170 do Código Civil, em consonância com as expectativas legítimas do consumidor, quando da contratação”.