A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) adiou novamente (23/02) o julgamento que definirá se a lista de procedimentos de cobertura obrigatória para os planos de saúde, instituída pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), é exemplificativa (permite eventual cobertura de itens fora da lista) ou taxativa (cobertura de itens somente da lista).
Atualmente, ainda que os planos de saúde não sejam obrigados a custear os procedimentos não previstos no rol, o caráter exemplificativo viabiliza a liberação por via administrativa ou judicial de procedimentos não descritos, vez que o entendimento predominante dos Tribunais pátrios considera como abusiva a negativa da cobertura pelo plano de saúde.
O julgamento teve início no mês de setembro do ano passado (2021) e abrange a análise dos recursos EREsp 1886929 e EREsp 1889704, ambos de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, o qual votou pela taxatividade do rol.
Em síntese, o relator argumentou que o rol de procedimentos objetiva a proteção dos beneficiários de planos, assegura a eficácia das novas tecnologias adotadas na área da saúde, pertinência dos procedimentos médicos e avaliação dos impactos financeiros para o setor. Contudo, ressalvou hipóteses excepcionais em que seria possível a cobertura, como terapias que têm recomendação expressa do Conselho Federal de Medicina (CFM) e possuem comprovada eficiência para tratamentos específicos, ou medicamentos relacionados ao tratamento de câncer e prescrição off label (remédio usado para tratamento não previsto na bula).
Na mesma data em que iniciou, o julgamento foi suspenso em razão do pedido de vista da Ministra Nancy Andrighi, sendo a sessão retomada no dia 23/02/2022.
Quando da retomada, a ministra Nancy Andrighi abriu divergência e considerou que o rol de procedimentos da ANS é exemplificativo. O voto-vista fundamentou-se na natureza de adesão dos contratos de planos de saúde, na vulnerabilidade do consumidor em relação às operadoras dos planos de saúde, nas dificuldades atinentes ao caráter técnico-científico adotado e que, segundo a ministra “não cabe à ANS estabelecer outras hipóteses de exceção da cobertura obrigatória pelo plano-referência, além daquelas expressamente previstas nos incisos do artigo 10 da Lei 9.656/1998, assim como não lhe cabe reduzir a amplitude da cobertura, excluindo procedimentos ou eventos necessários ao pleno tratamento das doenças listadas na CID, ressalvadas, nos termos da lei, as limitações impostas pela segmentação contratada”.
Ainda, para a ministra, as relações jurídicas estabelecidas nos mercados de saúde suplementar devem ser em rol do interesse público, e ter como premissa a pessoa humana, não ao lucro. Não obstante, ressaltou que a legislação ampara as operadoras a proceder com eventuais reajustes, conforme aumento de sinistralidade, em que pese os dados demonstrem que nos últimos anos o cenário de aumento nos lucros e reduções dos sinistros.
O novo adiamento ocorreu após pedido de vista do ministro Villas Bôas Cueva, considerado coletivo, e o julgamento será retomado com a apresentação de seu voto-vista, ainda sem data definida.
Caso prevaleça o entendimento do relator, ainda que se sustente que a taxatividade visa a proteção do consumidor e a preservação do equilíbrio econômico do mercado de planos de saúde, a verdade é que o consumidor suportará um demasiado retrocesso de seus direitos.
Tal situação prejudicará drasticamente aquelas pessoas portadoras de deficiências, doenças graves, raras, por exemplo, e que necessitam de sessões especiais e medicamentos caros, as quais possivelmente terão de pagar de forma particular ou se socorrer do Sistema Único de Saúde (SUS) para acesso ao que não estiver no rol de procedimentos da ANS.
De certo modo, a própria autonomia e dever do médico, a quem compete a prescrição do tratamento mais adequado ao paciente, e a utilização de todos os meios de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças, será relativizada, tendo em vista que a taxatividade afasta o dever do plano de cobrir itens fora da lista. Para a ministra Nancy Andrighi, a evolução da medicina não pode ser tida como fator limitante das obrigações das operadoras.
Por isso, com a retomada do julgamento, espera-se que prevaleça o entendimento da ministra Nancy Andrighi, porquanto negar a natureza meramente exemplificativa do rol de procedimentos da ANS agrava a condição de vulnerabilidade do consumidor e atesta a exorbitância do poder normativo e, de outro lado, reconhecê-la, viabiliza a concretização da política de saúde e a harmonia e equilíbrio das relações.
Ana Paula de Carvalho – Advogada do escritório Alceu Machado, Sperb & Bonat Cordeiro Sociedade de Advogados