Desistir do aviso prévio é uma situação que pode gerar dúvidas tanto para empregados quanto para empregadores. Afinal, o que acontece quando um trabalhador pede demissão, inicia o cumprimento do aviso e, no meio do caminho, desiste da saída? Ou então quando o empregador comunica a dispensa, mas muda de ideia e decide manter o vínculo? Este artigo esclarece, com base na legislação e na jurisprudência, as consequências legais da desistência do aviso prévio em diferentes contextos, apresentando alternativas, exemplos práticos e os direitos de cada parte envolvida.
O que é o aviso prévio e qual sua importância
O aviso prévio é o período de transição entre a comunicação da rescisão do contrato de trabalho e o seu encerramento efetivo. Serve para que tanto o empregador quanto o empregado tenham tempo hábil para se reorganizar: o empregador busca substituição para a vaga e o trabalhador pode procurar novo emprego ou se preparar para o desligamento.
Ele está previsto no artigo 487 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e pode ser de duas naturezas:
Aviso prévio trabalhado: quando o empregado continua trabalhando no período do aviso.
Aviso prévio indenizado: quando há dispensa do cumprimento e o valor correspondente é pago (ou descontado) imediatamente.
Aviso prévio e sua natureza jurídica
A doutrina e a jurisprudência consideram o aviso prévio como um direito e um dever bilateral. Se for o empregado quem pede demissão, ele deve cumprir o aviso ou pagar pelo período não trabalhado. Se for o empregador quem dispensa, deve indenizar o período ou mantê-lo trabalhado.
Por isso, a desistência do aviso prévio tem implicações distintas, dependendo de quem tomou a iniciativa da rescisão contratual.
O que acontece se o empregado desiste do aviso prévio
É comum que um trabalhador peça demissão e, após alguns dias, decida permanecer no emprego, mudando de ideia sobre a saída. Essa desistência do aviso pode ser aceita ou não pelo empregador.
Se o empregador aceitar a desistência, o contrato permanece vigente, e o aviso prévio é considerado como não ocorrido. A relação contratual segue normalmente, sem prejuízo para o trabalhador.
Contudo, se o empregador não aceitar, a rescisão se mantém, pois o aviso prévio tem efeitos irrevogáveis e unilaterais. Ou seja, após a manifestação do trabalhador, o empregador não é obrigado a manter o vínculo.
Jurisprudência
A jurisprudência majoritária entende que a desistência do aviso prévio pelo empregado depende da concordância do empregador. Um exemplo claro vem do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região:
“Aviso prévio é ato unilateral. A sua desistência pelo empregado não obriga o empregador a manter o contrato, salvo se expressamente concordar.” (TRT-9, RO 0000869-10.2019.5.09.0000)
O que acontece se o empregador desiste do aviso prévio
O mesmo princípio se aplica ao empregador. Caso ele tenha comunicado a dispensa com aviso prévio (seja ele trabalhado ou indenizado) e depois se arrependa, não poderá obrigar o trabalhador a permanecer. A relação contratual está em fase de término e, por isso, a revogação unilateral não é possível.
No entanto, se o empregado concordar com a manutenção do vínculo, o aviso pode ser desconsiderado. Nesse caso, também é necessário que haja registro documental, com assinatura de ambas as partes.
Aviso prévio é irrevogável?
Sim, de maneira geral. A comunicação do aviso prévio, seja pela empresa ou pelo trabalhador, tem natureza unilateral e irrevogável, exceto se houver concordância expressa da outra parte.
A razão disso é garantir segurança jurídica às relações de trabalho e evitar abusos. Imagine uma empresa que dispensa o funcionário com aviso indenizado e, dias depois, quer “desfazer” a rescisão. Isso afetaria diretamente a estabilidade emocional e financeira do trabalhador. Por isso, a revogação unilateral não é admitida.
Exemplo prático: desistência pelo empregado
João, auxiliar administrativo, pede demissão da empresa e comunica que cumprirá o aviso prévio de 30 dias. Após 10 dias, ele recebe uma proposta para ser promovido dentro da própria empresa e decide desistir da saída.
Nesse caso, se o empregador concordar, João pode permanecer e o aviso é desconsiderado. Mas se a empresa quiser manter a rescisão, pode concluir o desligamento normalmente ao final do prazo, sem que João possa forçar a continuidade.
Exemplo prático: desistência pelo empregador
Maria é demitida sem justa causa e inicia o cumprimento do aviso prévio trabalhado. No 15º dia, a empresa decide reverter a decisão e propõe a permanência.
Se Maria aceitar, o contrato segue normalmente. Se não aceitar, a rescisão se mantém e a empresa deverá pagar todas as verbas rescisórias, sem poder impor o retorno ao trabalho.
O que acontece com o contrato de trabalho em caso de desistência
Caso haja concordância das partes para desfazer o aviso, o contrato de trabalho não se encerra e segue com todos os direitos e deveres inalterados.
Mas se não houver acordo, o contrato é encerrado no fim do aviso prévio (ou na data da comunicação, se for aviso indenizado), com pagamento proporcional das verbas rescisórias, conforme o tipo de desligamento.
Pedido de demissão e depois arrependimento
O pedido de demissão é um ato voluntário e consciente do trabalhador. Uma vez formalizado, o empregador pode aceitar ou não a desistência. Caso aceite, o vínculo continua. Caso não aceite, o desligamento será mantido, com as devidas consequências (inclusive o desconto do aviso não cumprido, se for o caso).
Por isso, é altamente recomendável que o trabalhador pense com calma antes de pedir demissão, pois o arrependimento pode não ser aceito.
Como formalizar a desistência do aviso prévio
Se o trabalhador ou empregador quiser desistir do aviso prévio após sua comunicação, o mais seguro é:
Fazer a solicitação por escrito.
Registrar a aceitação ou não da outra parte, também por escrito.
Arquivar os documentos em prontuário ou ficha funcional.
Esses registros são fundamentais para evitar litígios judiciais futuros. Em caso de ausência de acordo, vale a regra da irrevogabilidade unilateral.
E se o trabalhador simplesmente parar de ir?
Se o empregado comunica que cumprirá o aviso e, no meio do período, abandona o posto, a empresa pode considerar abandono de emprego e aplicar justa causa.
Outra alternativa é a conversão do aviso trabalhado em aviso indenizado, descontando os dias não cumpridos das verbas rescisórias, conforme previsão do artigo 487, §2º da CLT.
E se a empresa “dispensa” o cumprimento e depois volta atrás?
Se a empresa comunica o aviso e logo depois dispensa o cumprimento, não poderá exigir o retorno ao trabalho. O aviso prévio já terá sido indenizado, e a rescisão deve ser formalizada normalmente.
Qualquer tentativa de reversão só terá validade se houver aceitação expressa do trabalhador, preferencialmente documentada.
Situações em que a desistência do aviso prévio é mais comum
Alguns contextos favorecem a desistência:
Promoções internas inesperadas.
Mudança na gestão ou clima da empresa.
Arrependimento emocional ou financeiro do trabalhador.
Erro de comunicação ou impulsividade no pedido de demissão ou dispensa.
Nova oferta de trabalho cancelada, fazendo o trabalhador reconsiderar a saída.
Nesses casos, a possibilidade de manter o vínculo depende exclusivamente do acordo entre as partes.
O papel do setor de recursos humanos
Cabe ao RH orientar as partes sobre:
A natureza do aviso prévio.
As possibilidades de dispensa ou indenização.
As implicações da desistência.
A necessidade de documentos escritos.
Um RH preparado evita desgastes e ajuda a preservar os direitos de ambas as partes, além de garantir que a empresa atue de forma legal e transparente.
Consequências da desistência não aceita
Quando não há aceitação da desistência do aviso:
O contrato é encerrado.
As verbas rescisórias são calculadas conforme a rescisão.
Não há obrigação de manter o vínculo.
O empregador pode seguir com a contratação de novo funcionário.
O trabalhador pode buscar novo emprego sem vínculo empregatício anterior.
Ou seja, não há efeitos jurídicos da desistência se não houver aceitação expressa da outra parte.
Perguntas e respostas
Se eu pedir demissão e depois desistir, o que acontece?
Depende da aceitação do empregador. Se ele aceitar, você continua trabalhando. Se não aceitar, a rescisão segue.
A empresa pode me obrigar a continuar depois que eu pedi demissão?
Não. Ela só pode aceitar ou não a sua permanência. Mas não pode obrigar você a continuar.
E se for a empresa que desistir da demissão?
Ela também não pode obrigar a continuidade. Precisa da concordância do empregado.
O aviso pode ser desfeito verbalmente?
Não é recomendável. Tudo deve ser feito por escrito, para garantir segurança jurídica.
O que acontece se eu abandonar o aviso?
Pode haver desconto proporcional ou, em casos graves, justa causa por abandono de emprego.
Existe um prazo para desistir?
Não há prazo legal, mas quanto antes a parte interessada formalizar a desistência, maiores as chances de aceitação.
A empresa pode me punir por desistir do aviso?
Não, desde que a desistência seja feita com comunicação formal. O que pode ocorrer é a recusa em aceitar a permanência.
Conclusão
A desistência do aviso prévio, embora possível, não produz efeitos automáticos. Seja por parte do empregador ou do empregado, ela depende de aceitação expressa da outra parte. Isso ocorre porque o aviso prévio é considerado um ato jurídico unilateral e irretratável, exceto por consenso. Por isso, é essencial que empregadores e trabalhadores ajam com planejamento, comunicação clara e formalidade, garantindo que qualquer decisão seja tomada de forma consciente e segura. Em caso de dúvida, a orientação de um advogado trabalhista é sempre recomendada para proteger os direitos e evitar prejuízos.