Sim, o seguro pode cobrir determinados danos mesmo quando o segurado estiver parcialmente ou totalmente errado, mas isso depende do tipo de seguro, das cláusulas do contrato e das circunstâncias do sinistro. A dúvida “se eu estiver errado, o seguro cobre?” é comum e envolve questões complexas de responsabilidade civil, boa-fé contratual e exclusões previstas na apólice. Neste artigo, explicamos em detalhes quando o seguro cobre mesmo com culpa do segurado, os limites da cobertura, os tipos de exclusão, o que diz a jurisprudência e quais cuidados tomar para garantir o seu direito à indenização.
O que é responsabilidade no contexto do seguro
No seguro, especialmente no seguro de responsabilidade civil, o conceito de culpa é essencial. Isso porque esse tipo de seguro serve para proteger o segurado contra prejuízos causados a terceiros, quando ele é responsabilizado por esses danos.
A responsabilidade pode ser:
Objetiva: quando independe de culpa, como no caso de empresas que oferecem riscos à coletividade (ex: hospitais, transportadoras).
Subjetiva: quando depende da comprovação de dolo ou culpa (negligência, imperícia ou imprudência).
No entanto, mesmo em casos de culpa subjetiva, o seguro pode oferecer cobertura, salvo se houver dolo (intenção deliberada de causar o dano).
Tipos de seguro que admitem cobertura mesmo com culpa
Seguro de automóvel
Nos seguros de automóvel com cobertura compreensiva (colisão, roubo e incêndio), a cobertura costuma ser concedida mesmo quando o segurado causa o acidente, desde que:
Não haja dolo
O segurado não esteja alcoolizado
O veículo não esteja sendo usado para fins não permitidos (como corrida ilegal)
Ou seja, errar no trânsito não impede automaticamente a indenização, desde que a infração não esteja prevista como causa de exclusão no contrato.
Exemplo:
Se você colidir com outro veículo por descuido, o seguro cobre o conserto do seu carro e os danos causados ao terceiro (se houver cobertura para terceiros).
Seguro de responsabilidade civil
Esse seguro cobre os danos que você causa a terceiros no exercício de atividades profissionais ou civis, mesmo quando você for considerado responsável. A apólice cobre:
Custos de defesa judicial
Indenizações por sentença ou acordo
Danos materiais e morais
Desde que não haja dolo, a cobertura é válida. Por isso, estar errado não impede a atuação da seguradora.
Seguro residencial
Se um problema na sua casa (como um vazamento) atingir o apartamento vizinho, o seguro residencial com cobertura de responsabilidade civil familiar pode cobrir os danos, mesmo que o segurado seja considerado culpado.
Exemplo:
Você esqueceu o gás ligado e causou um pequeno incêndio. Se não houver dolo, a seguradora poderá indenizar os prejuízos do imóvel e de terceiros.
Seguro profissional (E&O)
Advogados, engenheiros, contadores e outros profissionais que contratam seguro de responsabilidade profissional (Erros e Omissões – E&O) estão cobertos quando cometem falhas técnicas ou erros que causam prejuízo a clientes.
O seguro cobre os danos mesmo que o profissional esteja errado, desde que não tenha havido má-fé.
Situações em que o seguro não cobre o erro do segurado
As seguradoras têm o direito de excluir a cobertura em determinadas situações, que geralmente estão expressas no contrato de forma clara. Entre os casos mais comuns em que não há cobertura mesmo que o segurado tenha culpa, estão:
Dolo ou fraude
Quando o segurado causa intencionalmente o dano ou age de má-fé. Exemplo: simular um roubo do próprio carro para receber a indenização.
Culpa grave equiparada a dolo
Conduzir um veículo alcoolizado, sem habilitação ou participar de rachas pode ser interpretado como culpa grave, o que leva à perda da cobertura.
Descumprimento das condições da apólice
O segurado que usa o bem segurado fora das condições previstas pode perder a cobertura. Por exemplo, usar um veículo segurado como passeio para transporte por aplicativo, sem informar à seguradora.
Comunicação tardia do sinistro
Se o segurado demora a informar o sinistro, o que dificulta a perícia ou a análise do caso, a seguradora pode se recusar a pagar a indenização.
Omissão ou declaração falsa
Mentir ou omitir informações importantes no momento da contratação ou da comunicação do sinistro pode resultar na perda total do direito à indenização.
Boa-fé objetiva e obrigação de mitigação do risco
No contrato de seguro, tanto o segurado quanto a seguradora devem agir com boa-fé objetiva, o que significa:
Prestar informações corretas
Não agir com dolo ou má-fé
Cooperar para apuração do sinistro
Adotar medidas razoáveis para reduzir os danos
Se o segurado contribui intencionalmente para o agravamento do prejuízo, mesmo que não tenha causado diretamente, pode perder a cobertura.
Exemplo:
Se após um acidente com vazamento de gás o segurado se recusa a chamar os bombeiros ou evacuar o local, mesmo alertado, a seguradora pode alegar omissão voluntária na mitigação dos danos.
Jurisprudência sobre culpa e cobertura de seguro
A jurisprudência tem reconhecido que o simples fato de o segurado estar errado ou ser culpado não impede automaticamente a cobertura, desde que:
A culpa não seja dolosa
As cláusulas de exclusão estejam expressas no contrato
O segurado não tenha agido com fraude
Exemplos de decisões:
“O fato de o segurado ser culpado pelo acidente de trânsito não afasta o direito à cobertura securitária, salvo previsão contratual em sentido contrário.” (TJSP, Apelação Cível 102XXXX-XX.2020.8.26.0000)
“A embriaguez ao volante caracteriza exclusão da cobertura, equiparando-se ao dolo, conforme entendimento consolidado no STJ.” (REsp 1.634.968/SP)
Como agir em caso de sinistro mesmo estando errado
1. Não fuja do local
Deixar o local do acidente ou ocultar informações pode ser interpretado como má-fé.
2. Registre o ocorrido
Faça boletim de ocorrência, tire fotos e anote dados de testemunhas. Esses documentos são importantes para a seguradora.
3. Informe a seguradora imediatamente
A comunicação rápida é essencial para que a seguradora possa avaliar o sinistro e prestar os serviços contratados.
4. Diga a verdade
Omitir ou alterar fatos pode gerar recusa da cobertura e até processo judicial. Mesmo que você esteja errado, diga exatamente o que ocorreu.
5. Solicite a perícia da seguradora
A análise técnica pode comprovar que, mesmo com erro seu, há cobertura contratual.
Como escolher um seguro que cubra acidentes com culpa
Algumas dicas:
Leia todas as cláusulas da apólice
Verifique as exclusões expressas
Pergunte ao corretor sobre cobertura para culpa do segurado
Contrate cobertura para terceiros, especialmente no seguro de carro
Se for profissional liberal, considere um seguro de responsabilidade profissional
É fundamental garantir que o seguro proteja você mesmo quando for o causador do dano, respeitadas as condições de boa-fé e legalidade.
O que é franquia e como ela se aplica se você estiver errado
A franquia é a parte do prejuízo que fica por conta do segurado. No caso de seguro de automóvel, por exemplo:
Se você bater o carro e o conserto custa R$ 5.000,00
E a franquia for de R$ 1.500,00
A seguradora paga R$ 3.500,00 e você paga os R$ 1.500,00
Isso vale independentemente de culpa. A franquia sempre será devida quando o segurado aciona a cobertura, a não ser que a apólice disponha o contrário.
Seguro de vida cobre suicídio ou erro grave?
Segundo o artigo 798 do Código Civil, o seguro de vida cobre suicídio após dois anos de vigência da apólice. Já erros do segurado, como descuido com a saúde, geralmente não excluem a cobertura, salvo nos casos previstos em contrato (ex: prática de esportes radicais sem cobertura adicional).
Seguro empresarial e erro do proprietário
No seguro empresarial, a cobertura costuma abranger:
Incêndios causados por curto-circuito (mesmo que a manutenção estivesse atrasada)
Danos acidentais a clientes ou fornecedores
Danos causados por funcionários
Mesmo que a empresa seja parcialmente responsável, o seguro pode cobrir o sinistro, respeitando as cláusulas do contrato.
Quando vale a pena acionar o seguro mesmo estando errado
Você deve acionar o seguro:
Se os danos forem significativos
Se houver risco de ação judicial de terceiro
Se o custo do prejuízo for maior que a franquia
Se houver dúvida sobre a responsabilidade
A seguradora é obrigada a analisar o caso e emitir parecer técnico antes de negar a cobertura. Por isso, não deixe de comunicar o sinistro por achar que está errado.
Perguntas e respostas
Se eu for culpado no acidente, o seguro cobre?
Sim, desde que você não tenha agido com dolo ou descumprido cláusulas contratuais. O seguro pode cobrir seus danos e os de terceiros.
O seguro cobre se eu bater o carro por distração?
Sim, distrações são consideradas culpa leve ou comum. A cobertura normalmente é mantida, salvo cláusula específica em sentido contrário.
E se eu estiver alcoolizado?
Não. A embriaguez ao volante é uma causa comum de exclusão da cobertura, por ser equiparada a dolo.
Posso perder a cobertura se não contar a verdade?
Sim. A omissão ou mentira pode levar à negativa da indenização por má-fé contratual.
O seguro pode cobrir mesmo que eu tenha cometido uma infração?
Depende da gravidade da infração. Avançar um sinal ou não dar seta dificilmente exclui a cobertura. Mas rachas, embriaguez ou dirigir sem habilitação normalmente excluem.
O seguro de vida cobre erro médico?
Se for seguro de vida com cláusula de acidente pessoal, pode cobrir. Se for erro médico cometido por você, deve haver seguro de responsabilidade profissional.
A empresa pode negar cobertura por culpa subjetiva?
Não automaticamente. Deve estar previsto no contrato e o segurado deve ser informado previamente.
Conclusão
Estar errado em um sinistro não significa necessariamente que você perderá o direito à cobertura do seguro. O contrato de seguro é regido por normas de boa-fé, equilíbrio e clareza. Enquanto o segurado não agir com dolo, fraude ou violar obrigações contratuais expressas, a maioria dos seguros cobre os danos, mesmo com culpa leve ou moderada do segurado. A chave está em ler o contrato, agir com transparência e comunicar o sinistro corretamente. Em caso de dúvida, consultar um advogado ou corretor especializado pode evitar surpresas desagradáveis e garantir a indenização que você contratou para sua proteção.