Sumário: 1. Da revisão do CPC. 2. Da sentença. 2.1. Sentença e carga de eficácia. 2.2. Cumprimento de provimentos mandamentais. 2.3. Sentença e resolução da lide. 2.4. Liquidação de sentença. 3. Do cumprimento de sentença. 3.1. Obrigações de fazer e de dar. 3.2. Obrigações pecuniárias. 3.3. Sentenças executivas. 3.4. Descumprimento da sentença. 3.5. Execução da sentença. 3.6. Sentença de obrigação alimentar. 3.7. Sentença em ação de procedimento especial. 4. Das sentenças e das súmulas. 4.1. Sentenças preceptiva e refringente. 4.2. Súmula predominante. 4.3. Súmula dominante. 4.4. Súmula impeditiva. 4.5. Súmula vinculante.
APRESENTAÇÃO
O Código de Processo Civil vem sofrendo, a partir de 1994, diversas reformas que ninguém mais se preocupa em enumerar, depois de indicá-las como, primeira, segunda e terceira fases das mudanças, inclusive diante da reforma da reforma, algumas vezes demonstrando a imaturidade jurídica das alterações promovidas, como no caso da liquidação de sentença, do agravo, do cumprimento de sentença que ainda carece de reparo quanto às obrigações alimentares, e da execução pecuniária fundada em título extrajudicial que foi violentada pela Lei 11.382/06 instituindo justiça à vista, com desconto, ou à prestação com módicos acréscimos.
A Lei 11.277/06 concedeu ao juiz poderes para decidir antecipadamente os conflitos sobre os quais haja entendimento consolidado estabelecendo que “quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferido sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada”.
Depois, foi editada a Lei 11.276/06 com a finalidade de inibir o recurso na origem, autorizando o juízo recorrido a não receber liminarmente a apelação ou em reexame de admissibilidade, quando a sentença que proferiu estiver em conformidade com súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, assim qualificadas como impeditivas.
Por último, a revisão e cancelamento de enunciado de súmula vinculante foi regulamentada pela Lei 11.417/06 autorizando o Supremo Tribunal Federal a editar, rever ou cancelar enunciados, depois de reiterada jurisprudência, em matéria constitucional.
Neste trabalho, com a estirpe crítica com que se ministra o magistério de Direito Processual Civil na Universidade Federal de Rio Grande desenvolve-se análise pontual de aspectos das modificações que se referem à sentença de primeiro grau e às súmulas do STJ e do STF, ousando errar pela manifestação de idéias próprias, mas com o propósito de contribuir à discussão no meio acadêmico.
1. DA REVISÃO DO CPC
O texto original do Código de Processo Civil de 1973, sustentado pelo então Ministro da Justiça Alfredo Buzaid – que optou por um novo diploma ao invés de remendo naquele de 1939 – além de unificar os ritos de execuções fundadas em títulos judiciais e extrajudiciais procurou, nos passos de Liebman, aclarar a questão da eficácia da sentença que se controvertia no código então vigente pelo confronto da regra do art. 196 que dizia esgotar-se a instância com a execução e a dos arts. 917 e 918 que exigiam nova citação na fase executória. Assim, estabeleceu no art. 463 que ao publicar a sentença o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional, e estruturou no Livro II uma nova relação jurídica processual para ser instaurada quando a obrigação não é satisfeita no lapso do trânsito em julgado ou de interposição de recurso sob efeito meramente devolutivo.
A nova codificação generalizando a eficácia condenatória simples deixou a executiva e a mandamental restritas a alguns procedimentos especiais (e aos acautelares) sob a lógica de que as relações jurídicas – que se resolvem em regra pela submissão ao ordenamento jurídico – quando qualificadas pela pretensão resistida se resolveriam pela submissão espontânea das partes ao comando sentencial. Mas, a realidade é que, estabelecida a lide e inviável a conciliação ou a transação, o réu-vencido raramente aceita o veredicto ou a ele submete-se sem nova resistência, razão pela qual rara tornou-se a execução não resistida, ainda que por causas ou motivos meramente processuais.
A ansiedade dos jurisdicionados diante da demora da atividade judiciária – reflexo do crescimento populacional, da complexidade das relações jurídicas modernas, da resistência às decisões condenatórias e o conseqüente descompasso entre a demanda e os serviços judiciários, entre outros fatores – instou juristas e legisladores a promoverem verdadeira alquimia na estrutura de seus órgãos e nos institutos processuais, v.g, criando Juizados Especiais Federais e Estaduais, e Tribunais Leigos de Conciliação e Arbitragem, e promovendo emendas na Constituição Federal e modificações no Código de Processo Civil.
Na revisão do diploma processual destaca-se a generalização da tutela antecipatória de direito material, até então reservada às tutelas acautelares e a raros procedimentos especiais; as alterações do agravo e liquidação de sentenças, com suas emendas e remendos; as modificações das execuções de dar e fazer, ampliando a aplicação de penas cominatórias; a diferenciação dos ritos executivos às obrigações pecuniárias fundadas em títulos e judiciais e extrajudiciais; a criação das sentenças preceptivas e refringentes, e das súmulas impeditivas e vinculantes.
2. DA SENTENÇA
2.1. Sentença e carga de eficácia
As teorias da ação e a sua classificação tendo em vista a carga de eficácia do provimento pretendido é matéria de apaixonante estudo acadêmico, ainda mais quando não se limita à fronteira tripartida das sentenças – declaratórias, constitutivas e condenatórias – e avança nas articulações de Pontes de Miranda que além de valorar outros dois comandos – o executivo e o mandamental – agregou ao conjunto de eficácias a idéia de coexistência múltipla que pode dar à sentença um ou outro efeito preponderante. Não obstante as divergências e as respeitáveis resistências doutrinárias à classificação quinária, as recentes reformas do nosso diploma processual civil revigoram as discussões.
O comando declaratório da existência ou não de um direito – ainda que presumida no reconhecimento da validade de um documento – é presente em qualquer provimento, mesmo quando se diz que constitui, modifica ou extingue uma relação jurídica; enquanto que o condenatório amplia-se e soluciona a lide impondo – sempre ao vencido – um comando oneroso ou sanção que decorre do direito declarado. É a forma de seu cumprimento, entretanto, com a vênia devida, que revela os outros efeitos: pelo vencido, espontaneamente, sob pena de novo processo que retoma a lide antes qualificada pela pretensão resistida e, depois, pela insatisfeita; pelo vencido sob imediata coerção executiva, no mesmo processo; ou pela conduta de outra autoridade por ordem de caráter estatal, no parâmetro da doutrina alemã, ou a qualquer pessoa, também no mesmo processo. Nesta linha de raciocínio, portanto, a eficácia condenatória será simples, executiva e mandamental, sem prejuízo à multiplicidade que admite a coexistência com outros efeitos.
O Código reformado não segue o pragmatismo classificatório das ações – trinária e quinária – mas consagra a multiplicidade de efeitos coexistentes na sentença, independente do pedido, por política de administração da justiça, com o propósito de dar efetividade ao provimento jurisdicional. Assim, às sentenças condenatórias de obrigação de dar e de fazer faz preponderar o caráter mandamental, e às de obrigação de pagar o mandamental e o executivo, todas realizáveis na mesma ação (linearmente), independente de quem seja instado a satisfazê-las, seja o executado ou terceiros, sob a coerção de pena cominatória, pecuniária. E, ainda, a elas nivela, equipara ou assemelha quando usa a expressão títulos judiciais que era reservada à execução autônoma e quando atribui o procedimento do Capítulo X à sentença penal condenatória, à sentença arbitral e às sentenças homologatórias, como disposto no art. 475-N. Assim se deduz, em que pese o emprego de terminologia como “a sentença estrangeira” (inciso VI), “o formal e a certidão de partilha” (inciso VII) e “o acordo extrajudicial, de qualquer natureza, homologado judicialmente” (inciso V) – ao invés de referir-se ao ato jurisdicional que os constitui e reveste de força executiva – dando-lhes a mesma eficácia da sentença de mérito e estendendo os efeitos da coisa julgada aos negócios jurídicos.
2.2. Cumprimento de provimentos mandamentais
O conjunto das alterações, somado à mudança do caput do art. 14 e da respectiva inserção do inciso V e do parágrafo único pela Lei 10.358/01, atribuindo não apenas às partes, mas a “todos aqueles que de qualquer forma participam do processo” o dever de “cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final” sob pena de “multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a 20% (vinte por cento) do valor da causa”, realimentam a discussão a cerca da eficácia das sentenças, agora à luz do código reformado.
2.3. Sentença e resolução da lide
Os artigos 162, 267, 269 e 463 do CPC foram alterados pela Lei 11.232/05, o primeiro para mudar o conceito de sentença previsto no §1º que ditava ser “o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo” para dizer que “sentença é o ato do juiz que implica em alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269; o segundo para substituir o preceito de que “extingue-se o processo sem julgamento do mérito” nos casos previstos nos seus incisos para constar que se extinguirá “sem resolução de mérito”; o terceiro, com o mesmo propósito, para substituir o texto de que “extingue-se o processo com julgamento de mérito” para constar que “haverá resolução de mérito”; e o quarto para suprimir a regra de que ao publicar a sentença “de mérito o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional” mantendo-se no caput a possibilidade dele altera-la nos casos indicados nos seus dois incisos.
As modificações não têm outro propósito que não seja adequar aqueles artigos às modificações introduzidas nos Capítulos VIII, IX e X do Título VIII do Livro I do Código, adotando o processo sincrético, de modo a permitir que com a sentença não se extinga o processo nem cesse a atividade jurisdicional, mas se possibilite uma nova fase do mesmo processo, sem formar nova relação processual, para dar cumprimento à decisão.
Na reforma do art. 162 faltou harmonia do novo § 1º com os demais e com a estrutura do próprio Código. Ao invés de dizer que Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269, melhor teria sido se dissesse que “é o ato do juiz que implica em resolução da lide, com ou sem resolução de mérito (art. 267 e 269)”.
No caso do art. 267, equivocadamente, o legislador deixou que ficasse lavrado no caput que “extingue-se o processo”, sem resolução de mérito, posto que, assim como no caso do art. 269 em que há resolução de mérito, o processo não se extingue, nem o juiz encerra o ofício jurisdicional, a menos que assim o declare em decisão sujeita a recurso, porquanto, ao menos nos casos em que se aplica o princípio da sucumbência o feito deverá prosseguir para cumprimento da sentença.
2.4. Liquidação de sentença
As regras da liquidação de sentença estavam dispostas no Livro II do CPC e, mesmo cedendo às acirradas críticas que apontavam a liquidação por arbitramento e por artigos como verdadeiros procedimentos cognitivos voltados à integração da sentença, as reformas implementadas pelas Leis 8.898/94 e 10.444/02, respectivamente, eliminaram a liquidação por cálculo – equiparando à pretensão executiva por título extrajudicial – e depois a restauraram, embora parcialmente, para os casos de AJG ou pretensão aparentemente excedente aos limites da sentença.
A Lei 11.232/05, trazendo a execução de sentença, em regra, ao Livro I, deslocou, também, a matéria da liquidação instalando-a no Título VIII compondo o Capítulo IX, Da Liquidação de Sentença.
Os dispositivos revogados no Livro II foram praticamente reproduzidos no referido capítulo, mas merece destaque inovações como a impropriedade do art. 475-A, § 3º, vedando sentença ilíquida no procedimento comum sumário, quando isto é matéria que deveria ser alocada no capítulo anterior, Da Sentença e da Coisa Julgada, ou no capítulo que regula o procedimento sumário; a conveniência do aclaramento no art. 475-F que a liquidação por artigos poderá se dar pelo procedimento ordinário ou sumário; e a inconveniente substituição da apelação pelo agravo, estabelecida no art. 475-H e na conseqüente revogação do inciso III do art. 520. Esta última mudança contraria o conceito tradicional de sentença e a definição dos atos do juiz regrados no art. 162 do CPC, mesmo com a revisão que lhe fez a própria Lei 11.232/05, pois vai ser difícil admitir-se que a decisão que julga a liquidação por artigos não seja resolutiva de mérito, mas de mera questão incidente.
3. DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
3.1. Obrigações de fazer e de dar
Numa das diversas fases da reforma a Lei 8.952/94 modificou as regras da execução específica das obrigações comportamentais, alterando o caput do art. 461 e acrescentando-lhe cinco parágrafos que inovaram tirando da égide do Livro II a execução de sentença de obrigação de fazer. A modificação foi compelida pela necessidade de dar-se eficácia às decisões proferidas nas relações de consumo e ao cumprimento de decisões antecipatórias de tutela.
A Lei 10.444/02, por seu turno, inserindo no Código o art. 461-A e modificando mais uma vez o art. 621 trouxe ao corpo do Livro I a disciplina da execução das sentenças condenatórias por obrigações de dar, aquele tratamento dado desde 1994 às obrigações de fazer, execução de sentença lato sensu, ou seja, apartada do procedimento específico do Livro II que regula as chamadas execuções stricto sensu.
No novo texto destaca-se o § 1º que regulando o pedido de coisa incerta deu-lhe o mesmo tratamento do art. 629, agora reservado à execução fundada em título extrajudicial, para individualização do bem a ser entregue, e o § 3º, coerente com a nova redação do art. 287 que autoriza o pedido de multa quando da propositura da ação, autorizando a aplicação de pena cominatória, regulando as perdas e danos, e autorizando a antecipação de tutela liminarmente, entre outras providências, quando manda aplicar as regras do art. 461 à ação de cumprimento de obrigação de dar.
Finalmente, a Lei 11.232/05 que acresceu ao Código de Processo Civil, Livro I, Título VIII, o Capítulo X, Do Cumprimento da Sentença ressalvando que aquelas relativas às obrigações de dar e de fazer continuam sob a égide do Capítulo VIII, Da Sentença e da Coisa Julgada. O tratamento diferenciado, mantendo essas execuções ex officio, evidencia-se ao preceituar no art. 475-I que “O cumprimento da sentença far-se-á conforme os arts. 461 e 461-A desta Lei” e que “ou, tratando-se de obrigação por quantia certa, por execução, nos termos dos demais artigos deste Capítulo”.
3.2. Obrigações pecuniárias
A partir da vigência da Lei 11.232/05 o Código de Processo Civil passou a vigorar com o Livro I, Título VIII acrescido do Capítulo X, Do Cumprimento da Sentença (art. 475-I a 475-R) regulando o procedimento inicial da execução de sentença condenatória em obrigação pecuniária.
A mudança justifica-se pela intenção de dar maior efetividade ao processo e, por conseqüência, como dever do Estado, melhor prestar a tutela jurisdicional. Mas, o processo legislativo, há que se convir, não conseguiu disfarçar a “cirurgia” e o resultado é que teremos uma execução de sentença ainda truncada – enquanto não se consolidar adequada aplicação da nova lei e quiçá novo remendo – quando comparada aos procedimentos executivos que as reformas anteriores dedicaram às demais espécies obrigacionais, pois não se justifica o tratamento diferenciado de irrisória pena cominatória e necessária provocação para os atos executivos.
O cumprimento da sentença de obrigação de dar e de fazer ocorre por verdadeiro processo sincrético porquanto, além de desenvolver-se na mesma relação jurídica processual, instalará a fase de satisfação sem depender de novo pedido se o cumprimento não se der em juízo no prazo do trânsito em julgado ou de outro estabelecido na decisão, com os traços da actio officium iudice, sem possibilitar, ordinariamente, nova defesa. No entanto, ao tratar de obrigação por quantia certa a nova redação do código também estabelece prazo para cumprimento da sentença em juízo sob pena de multa – não se trata de meio coercitivo, pois não está ao arbítrio do juiz – mas, de forma diversa e anômala, atribui ao vencedor o encargo de requerer a execução (o que não difere de pedir) – deixando de tratá-la como ato de impulso oficial – e, ao devedor, embora a penhora e avaliação se dêem inaudita altera pars, impugnar a pretensão executiva (o que não difere de responder). A nova provocação, por sinal, também é requisito para a liquidação de sentença e à execução provisória, como decorre dos arts. 475-A § 1º e 475-O inciso I, respectivamente.
Assim, em sentido prático a reforma pode ser resumida, sob o aspecto procedimental, na idéia de que a execução é que se desenvolverá em sentido amplo, como fase da ação cognitiva; ou em sentido estrito, mediante a instauração de nova relação jurídica processual. No primeiro caso, como regra para a execução de sentenças de obrigações de dar, fazer e pagar e não mais apenas para os procedimentos especiais do código ou de legislação extravagante; e no segundo, como procedimento especial para aquelas fundadas em sentenças de obrigações alimentares ou de dívidas da Fazenda Pública, assim como em títulos extrajudiciais de qualquer natureza regulados pelo Livro II.
3.3. Sentenças executivas
O legislador, embora tenha alterado a sistemática da execução de sentença, continuou designando como título executivo judicial a sentença executiva lato sensu, ex-vi do art. 475-N que merece algumas considerações.
O acordo previsto no art. 475-N, inciso V – que não se confunde com a conciliação ou a transação previstas no inciso III – pode receber interpretações diversas, primeiro porque o art. 584 não foi revogado e, segundo, porque o documento a ser homologado já constitui título extrajudicial pelo art. 585, inciso II que conta com nova redação desde a Lei nº 8.953/94 (a menos que lhe falte a intervenção de mais um advogado ou testemunha). Deduz-se, como interpretação, que a nova lei esteja pretendendo contemplar os acordos que os patronos levem aos autos para por fim à lide, mas, se assim fosse, não haveria razão para um inciso específico, mas a simples referência no inciso III, juntamente com a conciliação e a transação, que prevê a homologação, também, sobre matéria não posta em juízo; ou então que o novo inciso V passa a admitir, agora, a invocação do órgão jurisdicional – por Ação Homologatória de Acordo Extrajudicial – com a finalidade única de constituir crédito sujeito às regras do cumprimento de sentença. Mas, a admitir-se esta última interpretação, melhoria seria que tais providências (pena cominatória; penhora e avaliação simplificadas; e defesa direta e regra particular sobre os efeitos desta) fossem estendidas a toda execução do Livro II, pois a homologação do “acordo extrajudicial, de qualquer natureza” implicará, por certo, em dispêndio da atividade judiciária, formação de autos, pagamento de custas e decurso de prazo recursal, embora a consensualidade – ainda que se teste a hipótese de jurisdição voluntária.
3.4. Descumprimento da sentença
O Código estabelece no art. 475-J que caso o “condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação”.
Decorre daquele preceito que o devedor por sentença líquida ou liquidada – ainda que sejam verbas de sucumbência – estará onerado pela multa ato contínuo ao termo do prazo fixado na lei, de incidência automática, pleno jure, dispensando qualquer outro ato processual que não seja a intimação de uma daquelas decisões (a condenatória ou a integrativa), se não pagar em juízo; tanto é assim que o art. 570 foi revogado, eliminando o preceito da execução às avessas que se aplicava quando o credor não queria, extrajudicialmente, dar quitação ao título judicial. A lei não dá margem à dúvida.
Portanto, a pena incidirá independentemente do pedido de execução o qual poderá ser formulado a partir daquele momento e no prazo de seis meses para evitar que os autos sejam arquivados administrativamente, como dispõe o § 5º.
O novo artigo tem aplicação imediata e aos processos pendentes, eis que se trata de norma processual. Assim, também nestes casos não dependerá de qualquer intimação. No entanto, quando o feito executivo já estiver instaurado em nova relação processual que tenha ultrapassado a fase de penhora, não há como incidir retroativamente a multa, como também, não há como faze-lo em relação a outros atos pretéritos da execução, v.g, distribuição, autuação, mandado para pagamento ou nomeação de bens, etc.
3.5. Execução da sentença
O vencedor ao requerer a execução, também de acordo com o art. 475-I, deverá atender ao contido no art. 614, inciso II e instruir o pedido com demonstrativo atualizado do débito que inclua aquela multa, os juros e a correção monetária, ainda que se trate de sentença liquidada, apresentando os acréscimos que incidiram até a data de requerimento de execução.
Por aquele dispositivo caberá ao credor (antes autor ou réu e a partir de então exeqüente) requerer a expedição de mandado de penhora e avaliação de bens que de acordo com o § 3º poderá “indicar desde logo” e que somente estará cumprido com a intimação do executado, como estabelece o § 1º. A redação não foi objetiva o suficiente para aclarar se o “desde logo” refere-se a uma faculdade para o credor a priori auxiliar o Estado na busca de bens ou a um momento que antecede o a posteriori, ocasião em que lhe caberia suprir a diligência negativa do meirinho. Esta dedução tem por pressuposto a idéia de que o credor (ou seu advogado) não deva atuar como “sombra” do meirinho durante as diligências de cumprimento do mandado – como as regras do Livro II permitem seja sustentado por vigorosa doutrina – mas sim com a mesma igualdade de tratamento que leis especiais dão aos credores de execução fiscal, trabalhista ou do Juizado Especial; a mesma igualdade que o § 2º concedeu ao atribuir ao meirinho o encargo de avaliar o bem penhorado quando ditou que o ato será realizado por perito apenas quando “o oficial de justiça não possa proceder à avaliação, por depender de conhecimentos especializados”.
O novo rito ao autorizar o requerimento e a expedição do mandado executivo afasta a aplicação subsidiária do art. 652 suprimindo a citação do devedor para que pague ou nomeie bens à penhora. Tanto é assim que o art. 475-N, parágrafo único, impõe o ato citatório apenas quando o título executivo judicial for sentença penal condenatória (inciso II), sentença arbitral (inciso IV) ou sentença estrangeira homologada pelo STJ (inciso VI), porquanto nestas hipóteses ainda não há relação jurídica processual formada perante o juízo cível competente. Não é expresso, mas sendo o caso de prévia liquidação o mandado será de citação para instaurar a nova relação jurídica processual e instar o acompanhamento de seus atos, e quando for execução direta, por tratar-se de título líquido, o mandado será de penhora, avaliação, citação e intimação. Citação para instaurar a relação jurídica processual, e intimação para ensejar a oportunidade do executado oferecer impugnação ao cumprimento da sentença, no prazo de quinze dias (art. 475-J, § 1º), igualando-se aos casos em que o título é sentença proferida no processo civil (inciso I), sentença homologatória de conciliação, transação ou acordo extrajudicial (incisos III e V) ou formal e certidão de partilha (inciso VII). Há que se entender, também, que por não ter cumprido a decisão exeqüenda no prazo de quinze dias, o crédito cuja execução foi requerida já está acrescido da multa prevista no art. 475-J.
O direito à defesa é preservado na execução de sentença. A intimação da penhora e avaliação, segundo o art. 475-J, § 1º, se dará ao executado “na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio”. A ciência por representante legal, embora a redação, terá que se admitir possa se dar da mesma forma que a pessoal, por mandado ou pelo correio, enquanto que, através do advogado, por nota de expediente, pessoalmente ou por carta registrada, conforme as situações previstas nos artigos remissivos. A regra, portanto, é a intimação na pessoa do advogado, providência que o legislador vem ampliando – quiçá reconhecendo a importância que constitucionalmente lhe é atribuída à administração da justiça – ao lhe conferir, ope legis, outros encargos além daqueles necessários às atividades gerais do foro (art. 38), como no caso dos prazos recursais (art. 242), reconvenção (art. 316), agravo (art. 527, V) e liquidação de sentença (arts. 603 e 475-A), sem contar a prática de intimar-se o embargado, por seu patrono na execução, para impugnar a ação incidental, sem que haja determinação expressa no art. 740.
No particular, espera-se que ao menos nos casos em que a citação é exigida pelo art. 475-N, parágrafo único, não se pretenda cumpri-la na pessoa do profissional que representou o vencido na ação penal, no tribunal arbitral ou no órgão jurisdicional alienígena; e no geral, que se passe a admitir ao patrono o mesmo benefício que o art. 302, parágrafo único, dá ao dativo, ao curador e ao Ministério público, pois, convenhamos, dar a ele a responsabilidade de em quinze dias localizar o seu constituinte para obter e desenvolver elementos de defesa que não lhe é dado conhecer – veja-se a matéria sobre a qual pode versar a impugnação – constitui verdadeira norma kafkaniana ou de simulação de processo democrático.
A impugnação, cuja matéria está limitada no art. 475-L, pode ser à pretensão executiva por ilegitimidade de partes (inciso IV), falta ou nulidade da citação (inciso I), inexigibilidade do título (inciso II), excesso de execução (inciso V), causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação (inciso VI) ou aos atos da execução por penhora incorreta ou avaliação errônea (inciso III). Regra particular foi dada no § 2º ao estabelecer que quando na impugnação o executado alegar excesso de execução “cumprir-lhe-á declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de rejeição liminar”. O legislador aplicou à Impugnação ao Cumprimento (ou execução) de Sentença o que se defende como melhor orientação para os Embargos do Devedor quando a execução é instruída com memória discriminada do débito; perdeu, entretanto, a oportunidade de aclarar a providência deixando de usar a expressão “demonstrar o valor que entende correto”, evitando a celeuma que se estabelece quanto aos embargos.
Por outro lado, diferentemente dos embargos que pelo art. 739, § 1º têm efeito suspensivo, a impugnação somente será recebida desta forma se, como dispõe o art. 475-M, forem “relevantes seus fundamentos e o prosseguimento da execução seja manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação”. Portanto, a regra é o efeito não suspensivo, cabendo ao executado, fundamentadamente, requer o suspensivo, como se depreende da combinação do caput com o § 2º que fala em deferimento. É deste parágrafo, também, a regra de que a impugnação é defesa direta nos autos e que sua autuação em separado ocorrerá quando “indeferido” o efeito suspensivo. A regra de autuação, neste caso, é correta porque evita que a instrução tumultue os autos e o prosseguimento da execução. Ocorre, entretanto, que ao ser “deferido” o efeito suspensivo “é lícito ao exeqüente requerer o prosseguimento da execução, oferecendo e prestando caução suficiente e idônea, arbitrada pelo juiz e prestada nos próprios autos” (§ 1º), caso em que os autos da execução serão conturbados pela peça de impugnação, pelo pedido de prosseguimento da execução e pela instrução da impugnação. Portanto, a menos que por racionalidade seja determinada a autuação em separado, haverá o risco de que a impugnação somente fique nos autos quando o executado não requerer o efeito suspensivo, o que raramente ocorrerá, pois quem argumenta um pedido sempre entende que seus fundamentos são relevantes. Ademais, a generalidade das expressões “causar grave dano de difícil e incerta reparação” – que constituíam motivo para os excepcionais provimentos acautelares e que as reformas do CPC estenderam à antecipação de tutela de direito material, à decisão monocrática no agravo e agora à execução provisória e à defesa contra a execução – é por demais subjetiva, não só às partes, emocionalmente envolvidas, mas ao próprio julgador que tem que decidir, de plano ou sumariamente, premido pela particularidade de cada caso e pela urgência da decisão e volume de processos.
O prosseguimento da “execução definitiva”, quando indeferido o efeito suspensivo à impugnação, não a transformará na “execução provisória” regulada no art. 475-O, porquanto o art. 475-I, § 1º, renovou a regra do art. 587 ditando que é “definitiva a execução da sentença transitada em julgado e provisória quando se tratar de sentença impugnada mediante recurso ao qual não foi atribuído efeito suspensivo”. No mesmo sentido, quando a impugnação for decidida e rejeitada, agravando de instrumento o executado-impugnante, ou decidida e acolhida, apelando o exequente-impugnado (art. 475-M), e o relator não lhes dê efeito suspensivo. Neste caso, a execução deverá prosseguir do mesmo modo daquela regulada no Livro II quando a sentença que rejeita os Embargos do Devedor é atacada por recurso recebido no efeito só devolutivo – hipótese em que se prefere classifica-la como “qualificada ou condicionada” – embora a nova lei não tenha alterado o art. 520 para lhe agregar mais esta hipótese de efeito não suspensivo.
3.6. Sentença de obrigação alimentar
O CPC regula nos artigos 732/735 regras especiais para o processo de execução que tenha por base decisão ou sentença condenatória de prestação alimentícia. Assim, trata-se de Execução por Quantia Certa Contra Devedor Solvente com base em título judicial que, em face da natureza do crédito, alimentar, admite medidas excepcionais, coativas ou de realização.
A Lei 5.478/68 já estabelecia procedimento especial executivo para esta modalidade de obrigação alimentar. Hoje, com sua redação atualizada prevê o desconto em folha, a prisão, a expropriação de aluguéis e de rendimentos e, a execução (art. 18) na forma do CPC que oferece as opções: a) Comum (expropriatória):art. 732, 735; b) Especial (coercitiva pela prisão): art. 733; c) Especial (desconto em folha) art. 734.
Na primeira situação o art. 732 autoriza que na execução definitiva recaindo a penhora sobre dinheiro o exeqüente possa levantar a prestação independente de caução, mesmo que pendam Embargos do Devedor; o art. 735 prevê que mesmo os alimentos provisionais possam ser executados pela via executiva comum (expropriatória).
Na segunda situação é prevista no art. 733 a possibilidade da prisão civil, de 1 a 3 meses como meio coercitivo se o devedor, citado, em três dias não pagar, não provar que já o tenha feito ou não justificar a impossibilidade de faze-lo, o que deve ser feito nos autos (independente de Embargos), sem prejuízo da execução expropriatória prevista no art. 735.
Na terceira situação o art. 734 prevê a possibilidade de desconto em folha de pagamento do devedor; sendo, em regra, execução lato senso, pois a ordem normalmente é decretada na decisão ou na sentença que concede os alimentos. Mas, se o desconto cessa por causa da mudança de emprego, o credor poderá recorrer ao pedido de prisão, ou, então à execução expropriatória já referida (art. 735).
Portanto, as execuções de alimentos referidas nos arts. 732 e 735 continuam a orientar-se pelas regras do Livro II, Título II, Capítulo IV, posto que não foram afetadas pela Lei 11.232/05 que deixou de estender ao credor de alimentos em mora o privilégio da multa e da expedição de mandado de penhora e avaliação.
3.7. Sentença em ação de procedimento especial
As sentenças proferidas em ações reguladas no Livro IV, dos Procedimentos Especiais, contemplam diversas hipóteses de execução por quantia certa, como no art. 890 (Ação de Consignação em Pagamento), art. 906 (Ação de Depósito) e art. 918 (Ação de Prestação de Contas) que se referem a título executivo, execução forçada e execução por quantia certa, além de outros, art. 921 (Ação Possessória), art. 936 (Ação de Nunciação de Obra Nova) e art. 951 (Ação de Divisão e demarcação) que tratam de perdas e danos. Nenhum deles foi modificado para aclarar se a execução se dará com fulcro no procedimento do livro I ou do Livro II.
No entanto, o art. 1.1002-C, caput e § 3º (Ação Monitória) que constituem o título executivo em caso de ausência ou rejeição de embargos orientavam que a execução se daria na forma do Livro II. Pois estes dispositivos foram alterados pelo art. 6º da lei 11.232/05 para especificar que, no caso, o procedimento será aquele instituído no Livro I.
Ademais, o art. 584 do CPC foi revogado pelo art. 9º da Lei 11.232/05 que transferiu seu texto, com alguma modificação, para o Livro I, art. 475-N, mantendo a denominação “títulos executivos judiciais”, evidenciando a intenção de que a regra é executar-se a sentença pelo novo rito. Deixando ao Livro II apenas as Execuções de Alimentos e Contra a Fazenda Pública.
A modificação do art. 1.102-C, aliada à revogação do art. 584 e ao critério legislativo de chamar de título executivo a sentença executiva e mandamental executada pela regra do Livro I, permite deduzir que sua intenção é que todas aquelas proferidas em procedimento especial também sigam o procedimento deste livro.
4. DAS SENTENÇAS E DAS SÚMULAS
4.1. Sentenças Preceptiva e Refringente
No Código de Processo Civil estão instituídas as sentenças de efeitos preceptivos e as sentenças de natureza refringente. Aquelas são as que criam os precedentes de primeiro grau para antecipar o julgamento de outra lide, e estas, em decorrência daquelas, são as que podem ser reformadas pelo juízo recorrido mudando a direção do dispositivo em face da resistência do vencido.
A Lei 11.277/06 introduziu no diploma processual civil o art. 285-A dando ao juiz poderes para decidir antecipadamente os conflitos sobre os quais haja entendimento consolidado ao estabelecer que “quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada”.
O mencionado dispositivo refere-se à sentença de total improcedência proferida em outros casos idênticos. Ou seja, a lei prevê uma seqüência de decisões, no mínimo duas, pois não houve quantificação, que dêem igual solução a casos iguais, e que passam a identificar-se como parâmetro para decisões subseqüentes do próprio juízo, característica que me enseja designa-las de sentenças preceptivas ou de efeitos preceptivos. Instituiu-se, no caso, uma prática até então tecnicamente incomum, senão criticável, de levar-se aos autos precedentes de primeiro grau como se constituíssem acórdãos e pudessem formar jurisprudência.
Por outro lado, são os parágrafos daquele alfa-numérico e novel artigo que instituem as sentenças refringentes ou de natureza refrativa que assim designo pela circunstância de preverem que se “o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação” (§ 1º) citando o réu para responder à ação, ou, caso a mantenha, “para responder ao recurso” (§ 2º). Há, no caso, expressa autorização da lei para que o juízo revogue sua decisão de mérito desviando-a da primitiva direção que era fazer coisa julgada.
A sentença que vejo qualificada pela natureza refrativa não é providência nova porquanto a modificação do CPC está estendendo o juízo de retratação à decisão terminativa – tradicional às interlocutórias – como a Lei nº 8.952/94 já fizera ao alterar o art. 296 para permitir ao juiz prolator e recorrido a reforma da sua decisão extintiva do processo sem resolução de mérito ao indeferir a inicial.
Por outro lado, sem querer controverter o sentido estrito ou amplo do termo empregado no caput do mencionado art. 285-A, juízo, a institucionalização das sentenças de efeitos preceptivos, ao menos por enquanto, não exigirá ementário de seus precedentes que não se comunicarão aos demais juízos que deverão percorrer igual caminho, formando seus próprios precedentes, para que os juízes profiram suas respectivas sentenças de natureza refringente.
Finalmente, a mudança no Código institucionaliza a decisão de colagem mediante a reprodução do teor das sentenças preceptivas; prescinde do aperfeiçoamento da relação jurídica processual ao autorizar a dispensa da citação; firma a linha de pensamento do juízo sob questões unicamente de direito; e insere-se como mais uma providência legislativa com o propósito de agilizar a prestação jurisdicional.
4.2. Súmula Predominante
Na formulação dicionarista pode-se dizer que a expressão jurisprudência significa a sábia aplicação da Ciência do Direito, e na linguagem jurídica que constitui a coletânea de decisões dos tribunais sobre uma determinada matéria; e no mesmo enfoque, que o termo súmula dá a idéia de resumo ou epítome explicativo de um texto, e que significa o sumo ou ementa de uma sentença ou acórdão.
Na disposição do artigo 479 do Código de Processo Civil de 1973 está disciplinado que o julgamento tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros de um tribunal autoriza a edição de súmula que se constituirá em precedente na uniformização, e que as súmulas de jurisprudência predominante serão publicadas em órgão oficial, como dispuserem os regimentos internos daqueles órgãos. O legislador estendeu, assim, aos demais tribunais o que vinha sendo praticado pelo Supremo Tribunal Federal desde o ano de 1963 em decorrência de emenda regimental (DJU de 30/08/63) que instituiu os enunciados em súmulas, tendo por predominante e firme a jurisprudência nelas resumidas, com a função de assinalar o entendimento majoritário e facilitar o trabalho de advogados e do próprio Tribunal.
4.3. Súmula Dominante
No ano de 1998, enquanto a comunidade jurídica brasileira sob o trauma do atulhamento processual dos foros e tribunais discutia a proposta de súmulas vinculantes, a Lei 9.756/98 alterou o art. 557 do CPC autorizando o relator a negar seguimento ao recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior; ou dar provimento ao recurso se for o caso da sentença recorrida estar em confronto com decisão daqueles últimos. A lei, portanto, afastou a matéria do conhecimento direto dos órgãos colegiados e instituiu a súmula dominante, com efeito impeditivo de recurso, como instrumento de uso monocrático pelo relator.
4.4. Súmula Impeditiva
O resultado daquela alquimia jurídica não foi suficiente para fazer frente à demanda das modernas, complexas e conflitantes relações sociais, e sucedeu-se a edição da Lei 11.276/06 com a finalidade de inibir o recurso na origem. Assim, através de dois parágrafos inseridos no art. 518 do CPC o juízo recorrido foi autorizado (§1º) a não receber liminarmente a apelação quando a sentença que proferiu estiver em conformidade com súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; ou mesmo depois de receber as contra-razões, pois lhe é facultado (2º) o reexame dos pressupostos de admissibilidade do recurso.
Portanto, o novo sistema não subtraiu do juiz a possibilidade de decidir diferentemente do enunciado da súmula dominante, mas limitou a admissibilidade do recurso que sob a égide do efeito impeditivo da súmula submete-se ao exame do juízo recorrido, na forma do art. 518, impedindo a subida da apelação; e, se for o caso, também pelo exame do relator, de acordo com o art. 557, obstando o conhecimento pelo juízo colegiado.
4.5. Súmula Vinculante
Mas, naquelas alturas a Constituição Federal já tinha sido contaminada pela virulência ementária, e a Emenda Constitucional 45/04 já lhe introduzira o alfa-numérico art. 103-A para admitir que o Supremo Tribunal Federal, e só ele, ao menos por enquanto, após reiterada jurisprudência em matéria constitucional, aprove súmula com efeito vinculante em relação aos demais órgãos jurisdicionais e aos de administração pública de todas as esferas, tendo por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas acerca das quais haja controvérsia que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. Portanto, instituindo a súmula vinculante, jurisprudência erigida à condição de verdadeira fonte do Direito em matéria constitucional fazendo lei não apenas para o caso em concreto, mas também para o geral.
A edição, revisão e cancelamento de enunciado de súmula vinculante foi regulamentada pela Lei 11.417/06 – que também adaptou a Lei 9.784/99 que regula o processo na administração federal – sendo relevante destacar que o Supremo Tribunal Federal poderá, naquelas condições, de ofício ou por provocação, ouvido o Procurador-Geral da República e por decisão de 2/3 de seus membros, editar, rever ou cancelar enunciados com eficácia imediata à publicação que deverá ocorrer no prazo de 10 (dez) dias da respectiva sessão plenária, se não for expresso outro momento por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público. No caso de ser revogada ou modificada a lei em que se fundou a edição do enunciado a sua revisão ou cancelamento também deverá ser feita pelo Supremo Tribunal Federal, de ofício ou por provocação daqueles que a Constituição Federal e a mencionada lei expressamente legitimam.
Na Sessão Plenária do dia 30 de maio de 2007 o Supremo Tribunal Federal aprovou as três primeiras súmulas vinculantes. A Súmula nº 1, sobre o FGTS, normatiza que “ofende a garantia constitucional do ato jurídico perfeito a decisão que, sem ponderar as circunstâncias do caso concreto, desconsidera a validez e a eficácia de acordo constante de termo de adesão instituído pela Lei Complementar nº 110/2001” impedindo que a Caixa Econômica Federal seja obrigada, judicialmente, a pagar correções relativas a planos econômicos nos casos em que o banco já tenha feito acordo prévio com o correntista; a Súmula nº 2, sobre bingos e loterias, estabelece que “é inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias”, reservando competência exclusiva à União; e a Súmula nº 3, sobre o TCU, disciplina que nos “processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão”, versando sobre os preceitos do art. 5º, LIV e LV da Constituição Federal.
As primeiras aplicações judiciais de enunciado vinculante, da Súmula nº 2, noticiam-se, ocorreu na 1ª Vara da Fazenda Pública de Teresina quando o Juiz Sebastião Ribeiro Martins, “em nome da autoridade do Supremo Tribunal Federal” determinou a suspensão de uma modalidade de bingo eletrônico mantido pela Loteria do Estado do Piauí; e do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que sob a relatoria do Desembargador Araken de Assis, aplicando o caráter vinculativo daquela súmula, considerou inconstitucional uma lei municipal que dispunha sobre a exploração de jogos eletrônicos.
O que se espera, agora, com as novéis modalidades sumulares, é a edição de enunciados de efetiva aplicação prática, aptos a atenuar a grave crise de acúmulo de processos nos foros e tribunais, principalmente o que se dá pela deliberada inobservância de preceitos constitucionais e pela certeza de que a Justiça tardará a ser feita, e por conta dos mais de 40 milhões de processos que tramitam pelo Judiciário, com duração média estimada acima de cinco anos, dentre os quais os cerca de 95 mil que aportaram no Supremo Tribunal Federal somente no ano de 2005, atingindo acréscimo de cerca de 300% numa década.
CONCLUSÃO
O Código reformado não segue o pragmatismo classificatório das ações – trinária e quinária – mas consagra a multiplicidade de efeitos coexistentes na sentença, independente do pedido, por política de administração da justiça, com o propósito de dar efetividade ao provimento jurisdicional. Assim, às sentenças condenatórias de obrigação de dar e de fazer faz preponderar o caráter mandamental, e às de obrigação de pagar o mandamental e o executivo, todas realizáveis na mesma ação (linearmente), independente de quem seja instado a satisfazê-las, seja o executado ou terceiros, sob a coerção de pena cominatória, pecuniária.
Por isso, o processo de conhecimento passou a efetivar a sentença condenatória de obrigação de dar, de fazer e de pagar, assim como de seus equiparados previstos no art. 475-N, como etapa final da mesma ação (processo sincrético), dispensando a instauração da relação jurídica processual executiva (processo autônomo), ainda que para tal exija o requerimento executivo e assegure nova resistência mediante incidente impugnatório nos mesmos autos.
A mudança, revendo a carga das sentenças, justifica-se pela intenção de dar maior efetividade ao processo e, por conseqüência, como dever do Estado, melhor prestar a tutela jurisdicional. Mas, o processo legislativo, há que se convir, não conseguiu disfarçar a “cirurgia” e o resultado é que teremos uma execução de sentença ainda truncada enquanto não se consolidar adequada aplicação da nova lei e, quiçá, novos remendos.
A Lei 11.277/06, por seu turno, instituiu no Código de Processo Civil verdadeiras sentenças de efeitos preceptivos, assim como as de natureza refringente, sendo aquelas as que criam os precedentes de primeiro grau para antecipar o julgamento de outra lide, e estas, em decorrência daquelas, as que podem ser reformadas pelo juízo recorrido mudando a direção do dispositivo em face da resistência do vencido.
A Súmula Impeditiva, com a finalidade de inibir o recurso na origem, autorizando o juízo recorrido a não receber, liminarmente ou em revisão de admissibilidade, a apelação quando a sentença que proferiu estiver em conformidade com súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; protótipo que se firmou para coexistir com a Súmula Vinculante, regulada pela Lei 11.417/06, admitindo que o Supremo Tribunal Federal, após reiterada jurisprudência em matéria constitucional, aprove súmula com efeito vinculante em relação aos demais órgãos jurisdicionais e aos de administração pública de todas as esferas, elevam a jurisprudência à condição de verdadeira fonte do Direito naquela matéria, fazendo lei não apenas para o caso em concreto, mas também para o geral.
Informações Sobre o Autor
João Moreno Pomar
Advogado – OAB/RS nº 7.497; Professor de Direito Processual Civil da Fundação Universidade Federal de Rio Grande; Doutor em Direito Processual pela Universidad de Buenos Aires.