Síndrome de Burnout e Acidente do Trabalho sob a Ótica do Teletrabalho e da Pandemia de Covid-19

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Debora Duarte Rodrigues Braga[1]

Resumo: Este trabalho pretende discutir a possibilidade de desenvolvimento da Síndrome de Burnout e seu reconhecimento como acidente de trabalho, delineando, para tanto, seu possível agravamento em face de alterações no regime de trabalho adotado pelas empresas/ empregadores durante a Pandemia. É notório que a alteração para o regime de Teletrabalho alterou as relações pessoais e profissionais, de forma que é possível perceber aumento da carga horária, das cobranças por metas e resultados, ensejando ampliação do estresse laboral. Este cenário pode mostrar um aumento de casos de Síndrome de Burnout, embora ainda não haja dados que permitam compreender os impactos reais da Pandemia na saúde mental dos trabalhadores.

Palavras-chave: Síndrome de Burnout. Estresse. Acidente do Trabalho.

 

Abstract: This work intends to discuss the possibility of the development of Burnout Syndrome and its recognition as a work accident, outlining, therefore, its possible aggravation in face of alterations in the work regime adopted by companies/employers during the Pandemic Crisis. It is notorious that the change to the telework regime changed personal and professional relationships, so that it is possible to notice an increase in the workload, in the charges for goals and results, giving rise to an increase in work stress. This scenario may show an increase in Burnout Syndrome cases, although there is still no data to understand the real impacts of the Pandemic Crisis on the mental health of workers.

Keywords: Burnout Syndrome. Stress. Work Accident.

 

Sumário: Introdução. 1. Pandemia e o Covid-19. 2. Teletrabalho. 3. Desenvolvimento de Síndrome de Burnout. 4. A Síndrome de Burnout. 5. Acidente do Trabalho. 6. Análise Crítica dos Impactos do Home Office na Saúde do Trabalhador e o Desenvolvimento da Síndrome de Burnout. Conclusão.

 

Introdução

Este trabalho pretende discutir a possibilidade de desenvolvimento da Síndrome de Burnout em decorrência das alterações no regime de trabalho, para o Teletrabalho e home office, quase que em todos os setores da economia. Diante deste cenário, discutir-se-ão os aspectos gerais da pandemia e algumas medidas tomadas para evitar ou dirimir a disseminação da Covid-19.

Ainda, serão apresentados aspectos clínicos da doença denominada Síndrome de Burnout, a fim de compreender como esta se desenvolve e a sua relação com o exercício do trabalho. Após, serão apresentados aspectos legais do acidente do trabalho, com delineamentos da sua relação com a Síndrome de Burnout, inclusive com apresentação de Jurisprudência e casos judiciais em que houve reconhecimento do direito do trabalhador.

Serão discutidos aspectos que compreender o meio ambiente do trabalho e deveres de empregados e empregadores, no desenvolvimento de um ambiente seguro e com respeito às Normas de Medicina e Segurança do Trabalho. Por fim, apresentar-se-á uma análise crítica, remetendo aos aspectos legais, jurisprudenciais e doutrinários anteriormente apresentados, a fim de analisar os possíveis impactos da pandemia na saúde do trabalhador.

 

1 Pandemia e o Covid-19

Desde o mês de março de 2020, o mundo tem sofrido com uma crise pandêmica que atingiu um grau de gravidade nunca antes vista. Especialistas em Epidemiologia estudaram por um longo período o comportamento do vírus SARS-Cov-2 e medidas precisaram ser tomadas para expandir a disseminação, cada dia maior, do vírus. No Brasil, diante do quadro pandêmico, medidas em relação aos supostamente infectados inicialmente foram tomadas:

 

“No Brasil, a orientação para os indivíduos sintomáticos (com coriza, febre e tosse) procurarem as unidades da atenção primária em saúde poderá desencadear altas taxas de incidência em profissionais dessa rede, frente à carência de estrutura e de EPIs, já constatada pelos órgãos públicos”. (FREITAS; NAPIMOGA; DONALISIO, 2020, p. 03)

 

Freitas, Napimoga e Donalísio (2020) tratou do tema de forma perspicaz ao trazer à discussão a busca por unidades de saúde por indivíduos que apresentassem sintomas como coriza febre e tosse, bem como a possível carência do sistema de saúde no atendimento às demandas. É importante compreender que a pandemia mudou a vida, a rotina, as relações pessoais, mas, principalmente, a forma de enxergar o trabalho e as relações deste decorrente. Por meio de adoção de sistemas eletrônicos e por vias tecnológicas, os trabalhadores passaram a exercer suas funções à distância, com aulas e reuniões laborais online. Assim, a impressão que se tem é que as pessoas têm trabalhado mais, com uma carga maior de trabalho e, por vezes, com acúmulo de funções e tarefas.

Antes de analisar a possibilidade de desenvolvimento da Síndrome de Burnout e sua relação acidentária, ou seja, sua configuração como acidente do trabalho, é preciso compreender os aspectos clínicos e os meios de tratamentos desta síndrome. Assim, serão discutidas as características clínicas de quem desenvolve este distúrbio e as possíveis causas.

Importante ressaltar, ainda,. que é uma síndrome que afeta os trabalhadores em todo o mundo e que acredita-se que o quadro pode ter sido agravado pela Pandemia de Covid-19, em razão da necessidade de adoção do regime de teletrabalho. A saúde do trabalhador é um bem fundamental tutelado, sobre o qual devem ser observadas regras constitucionais e infraconstitucionais, conforme Berbetz (2017). Assim, prevê a Constituição Federal:

 

“Art. 225, CF/88. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. (BRASIL, 1988, grifo nosso)

 

De acordo com Fernandes (2014), diante do que apresenta a Constituição Federal, compreender-se-á como meio ambiente a ser preservado inclusive o ambiente de trabalho, no qual deve haver observância obrigatória das Normas de Medicina e Segurança do Trabalho. Ainda, a CLT prevê o cumprimento e observância das mencionadas normas nos artigos 157 e 158, CLT.

 

“Art. 157 – Cabe às empresas: (Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)

I – cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho; (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)

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II – instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais; (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)

[…]

Art. 158 – Cabe aos empregados: (Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)

I – observar as normas de segurança e medicina do trabalho, inclusive as instruções de que trata o item II do artigo anterior; (Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)

[…]

Parágrafo único – Constitui ato faltoso do empregado a recusa injustificada: (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)

  1. a) à observância das instruções expedidas pelo empregador na forma do item II do artigo anterior; (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977).
  2. b) ao uso dos equipamentos de proteção individual fornecidos pela empresa. (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)”. (BRASIL, 1943, grifo nosso)

 

Desta forma, a CLT garante ao empregado e trabalhador um meio ambiente de trabalho seguro, com o devido cumprimento de normas cujo principal efeito é a prevenção da ocorrência de acidentes de trabalho, ou seja, normas regulamentadoras que tratam do bem-estar dos trabalhadores nas diversas esferas laborais. Infere-se, a partir das normas apresentadas, que cabe às empresas o poder de fiscalizar e orientar e cabe aos empregados, sujeitos à subordinação decorrente da relação de emprego, cumpri-las, conforme orientado pela empresa empregadora. Em linhas gerais, questiona-se, a partir da Síndrome de Burnout e seus aspectos clínicos, se tem sido observadas as normas de Medicina e Segurança do Trabalho nos tempos pandêmicos, no qual prevalece o regime de teletrabalho, que será discutido.

 

2. Teletrabalho

O regime de teletrabalho é regido pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) em seus artigos 75-A a 75-E:

 

“Art. 75-A. A prestação de serviços pelo empregado em regime de teletrabalho observará o disposto neste artigo.

Art. 75-B. Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não constituam como trabalho externo.

Parágrafo único. O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho.

Art. 75-C. A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado.

  • 1º Poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de teletrabalho desde que haja mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual.
  • 2º Poderá ser realizada a alteração do regime de teletrabalho para o presencial por determinação do empregador, garantido prazo de transição mínimo de quinze dias, com correspondente registro em aditivo contratual.

Art. 75-D. As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito.

Parágrafo único. As utilidades mencionadas no caput deste artigo não integram a remuneração do empregado.

Art. 75-E. O empregado deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho.

Parágrafo único. O empregado deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador”. (BRASIL, 1943, grifo nosso).

 

De acordo com Kohls e Dutra (2020), a criação desta modalidade de trabalho foi esperada tanto por trabalhadores/ empregados, quanto por empregadores, uma vez que para estes há uma redução nos custos e no vale-transporte, ou qualquer benefício desta espécie. Para os empregados, de certa forma, o teletrabalho representou um ganho de qualidade de vida, pois reduzido o tempo com deslocamento entre residência e local de prestação de serviços. Desta forma, o conceito de teletrabalho induz, a partir dos dispositivos apresentados, precipuamente art. 75-B, CLT, à ideia de subordinação, inerente aos contratos e vínculos empregatícios, mas com exercício de funções à distância, ou seja, preponderantemente em casa. (KOHLS; DUTRA, 2020, p. 38).

Algumas questões relativas ao teletrabalho foram regulamentadas por meio de entendimentos da ANAMATRA e da Jurisprudência. Quanto ao custeio de equipamentos, restou compreendido que o contrato de trabalho deve dispor sobre a estrutura e forma de reembolso das despesas do teletrabalho (Enunciado n.º 70, ANAMATRA), que não devem ser transferidas para os empregados. Desta forma, os custos devem ser absorvidos pelo empregador, necessariamente. Ainda, o Enunciado n.º 71 da ANAMATRA compreende que “são devidas horas extras em regime de teletrabalho, assegurado em qualquer caso o direito ao repouso semanal remunerado”. (KOHLS; DUTRA, 2020, p. 38).

Em relação à responsabilidade civil do empregador por quaisquer danos sofridos pelo empregado, o Enunciado n.º 72 descreve:

 

“A mera subscrição, pelo trabalhador, de termo de responsabilidade em que se compromete a seguir as instruções fornecidas pelo empregador, previsto no art. 75-E, parágrafo único, da CLT, não exime o empregador de eventual responsabilidade por danos decorrentes dos riscos ambientais do teletrabalho. Aplicação do art. 7º, XXII, da Constituição c/c art. 927, parágrafo único do Código Civil”. (KOHLS; DUTRA, 2020, p. 38).

 

O Enunciado n.º 83 da ANAMATRA descreve:

 

“O regime de teletrabalho não exime o empregador de adequar o ambiente de teletrabalho às regras da NR-7 (PCMSO), da NR-9 (PPRA e do artigo 58, §1º, da Lei nº 8.213/91 (LTCAT), nem de fiscalizar o ambiente de trabalho, inclusive com a realização de treinamentos. Exigências dos artigo 16 a 19 da Convenção 155 da OIT.” (KOHLS; DUTRA, 2020, p. 39).

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Assim, o que se pode extrair dos enunciados de n.º 72 e 83 é a responsabilidade do empregador pela ocorrência de quaisquer danos ao empregado, incluindo o acidente de trabalho, pois este não se exime de resguardar as regras e as normas regulamentadoras da Saúde e Segurança do Trabalho, mesmo fora das dependências da empresa. Diante do cenário de pandemia e com o crescente número de trabalhadores em regime de teletrabalho, o Ministério do Trabalho emitiu recomendações de medidas e diretrizes que deveriam ser seguidas por empresas, sindicatos, órgãos da administração (KOHLS; DUTRA, 2020), as quais serão brevemente discutidas posteriormente.

 

3. Desenvolvimento de Síndrome de Burnout

Compreendido o regime de teletrabalho, é relevante analisar a possibilidade de aquele trabalhador, sob estas regras no desenvolvimento do seu trabalho, ampliar os sintomas característicos da Síndrome de Burnout, uma vez que, de acordo com a OIT, no guia prático Teletrabalho durante e após a pandemia da COVID-19, publicado em julho de 2020, as relações de trabalho passaram por um processo de digitalização.

 

“Desde o início da pandemia, o ritmo da digitalização intensificou-se, a adoção de tecnologias digitais pelas empresas tem levado a uma oportunidade crescente para trabalhar a partir de casa. A digitalização já estava a conduzir a mudanças significativas na forma como as atividades e os locais de trabalho se organizam, com eventuais e substanciais implicações nas necessidades de competências, nas normas laborais e no bem-estar das pessoas […]”. (OIT, 2020, p. 8)

 

É verdade que a pandemia mudou a forma como se desenvolvem as relações de trabalho – por exemplo, não é mais necessário que o trabalhador se desloque até a empresa para resolver qualquer espécie de problema, bastando que seja enviado um e-mail ou que o trabalhador esteja logado a determinado sistema para que o solucione. Mas, esta situação agrava alguns riscos, tais como aumento nos custos ao próprio trabalhador, pois fica mais tempo conectado; há maior uso de redes e conexões de internet lentas ou com cessação constante; há investimento em softwares e programas pelas empresas, aumentando, os custos, necessariamente; e, por fim, ocorre o aumento na quantidade de horas trabalhadas e, por consequência, a exaustão e o cansaço excessivos, que podem levar a uma “perda de produtividade, frustração e, em última análise, à desmotivação”. (OIT, 2020, p. 9)

Assim, para evitar que o trabalhador atinja determinados níveis de desestímulo, frustração e cansaço/ exaustão, devem as empresas empregadoras ter cautela com a adoção de medidas, pois aquele pode desenvolver o quadro de Síndrome de Burnout, que será em breve discutido. Tais medidas abrangem apoio financeiro aos empregados, com a realização de cursos de formação de ferramentas e softwares a serem utilizados, a fim de reduzir o que é chamado de tecnostress. (OIT, 2020). Sobre o tema, apresenta a OIT (2020):

 

“As entidades empregadoras, os trabalhadores e trabalhadoras e profissionais de SST devem estar cientes dos riscos associados ao teletrabalho a tempo completo, os quais são acentuados pela pandemia da COVID-19 e pela consequente exigência de distanciamento físico:

X O tecno stress, adição às tecnologias e sobrecarga com tarefas aumentam a fadiga, a irritabilidade e a incapacidade de desligar do trabalho e descansar corretamente.

X Aumento do consumo de álcool e outras drogas recreativas ou que melhoram o desempenho, o que pode aumentar as emoções negativas, reduzir o desempenho e contribuir para o aumento da agressão e da violência.

X O comportamento sedentário prolongado, trabalhando na mesma posição sem se movimentar, durante longos períodos, aumenta o risco de problemas de saúde, incluindo perturbações músculo-esqueléticos (PME), fadiga visual, obesidade, doenças cardíacas, etc.

X As características ergonómicas do mobiliário doméstico podem não ser ideais para o teletrabalho por períodos prolongados. Por conseguinte, as entidades empregadoras devem informar os trabalhadores sobre questões-chave relacionadas com ergonomia, incluindo através de formação. Estas medidas preventivas oferecem a possibilidade de ajustar os seus métodos de trabalho e alterá-los, se necessário. A responsabilidade pela ergonomia certa, a fim de prevenir perturbações músculo-esqueléticas, deve ser partilhada pela entidade empregadora e pelos/as trabalhadores/as.

X Devido ao isolamento prolongado, existe o risco de burnout e do sentimento de exclusão, o que requer um esforço adicional da entidade empregadora, profissionais de RH, supervisão direta e colegas para estender o apoio mútuo.

X Soluções de internet e tecnologias lentas ou irregulares também podem causar frustração e irritabilidade; por conseguinte, devem ser asseguradas a quem trabalha remotamente ferramentas que funcionem corretamente e que sejam adequadas.

X O conflito entre a vida profissional e pessoal e os desafios relacionados com a gestão das fronteiras entre o tempo de trabalho e das obrigações pessoais são exacerbados, incluindo a incapacidade de desligar do trabalho e de recuperar. É, muito particularmente, o caso de quem tem responsabilidades de cuidado, como os pais e mães com crianças em idade escolar em casa”. (OIT, 2020, p. 13-14, grifo nosso).

 

O chamado tecnostress consiste no desenvolvimento de comportamento de irritabilidade e fadiga, decorrente do trabalho em home office em tempo integral – ou seja, o trabalhador não tem horário determinado de trabalho e o período de descanso reservado a ele não é cumprido devidamente. É possível, ainda, o desenvolvimento de doenças e problemas de saúde em decorrência do descumprimento de normas de ergonomia. Por fim, o maior risco é o comprometimento da saúde mental do trabalhador com o desenvolvimento da Síndrome de Burnout, principalmente, em decorrência de uma rotina de trabalho exaustiva e pautada na lógica de maior e melhor desempenho.

Esta doença tem extrema relevância social, considerando o contexto pandêmico – por vezes, muitas pessoas sofrem desta síndrome, mas os sintomas são confundidos com o de outros problemas salutares. Assim, far-se-á uma breve discussão acerca da Síndrome de Burnout, a fim de compreender os delineamentos que a incluem como acidente de trabalho.

 

4. A Síndrome de Burnout

A palavra burnout, de origem inglesa, significa, de acordo com o site Linguee, queima, exaustão, esgotamento (LINGUEE). Em termos salutares, pode indicar o esgotamento psicológico dos trabalhadores, com apresentação de alguns sintomas. De acordo com Berbetz (2017), a síndrome de Burnout pode se desenvolver em decorrência de “instabilidade emocional, tratamento desrespeitoso e súbita mudança de rotina” (BERBETZ, 2017, p.188). Ainda, afirma o autor:

 

“Deve-se frisar que tal síndrome é um distúrbio proveniente exclusivamente do âmbito trabalhista, rechaçando a hipótese de se considerar uma doença psicológica originária de fatos alheios ao ambiente de trabalho, sendo, portanto, uma classe totalmente distinta dentro da Classificação Internacional de Doenças (CID 10)”. (BERBETZ, 2017, p. 188).

 

A Síndrome de Burnout, conforme Berbetz (2017), configura-se como uma síndrome de caráter multidimensional, que surge como consequência do desenvolvimento da atividade laboral. Fala-se em caráter multidimensional em razão da exaustão emocional (não se discute exaustão física, pois os sintomas são, principalmente, psicológicos), desumanização e redução da realização pessoal do indivíduo no trabalho. É importante compreender que tal síndrome não se confunde com o estresse decorrente do trabalho, mas resulta da ausência ou impossibilidade de soluções ao lidar com este. (BERBETZ, 2017).

Especialistas, conforme Fernandes (2014), dividem a Síndrome de Burnout em três planos, cabendo ao primeiro o esgotamento emocional; ao segundo, a despersonalização na qual o trabalhador apresenta sintomas de redução da satisfação com conquistas profissionais, autoavaliando-se de forma negativa. Por fim, há diminuição da confiança do indivíduo e a reduzida realização profissional. Desta forma, o trabalhador passa por alterações de ordem psicológica, demonstrando comportamentos de frieza e cinismo no trato com os colegas de trabalho, inclusive, bem como apresenta impulsos de abandono do trabalho. (FERNANDES, 2014).

Pêgo e Pêgo (2016) tratam, por fim, de aspectos gerais da Síndrome de Burnout. De forma geral, é uma doença que atinge trabalhadores que lidam diretamente com pessoas, precipuamente professores e médicos, entre outras. É uma doença que ocorre quando do estresse decorrente do trabalho que dificilmente encontra meio de resposta – ou seja, não há solução imediata para o estresse laboral. O trabalhador apresenta alguns sinais biológicos e fisiológicos, tais como alterações cardiorrespiratórias, gastrite, úlcera, entre outros sintomas que preconizam a falta de saúde; além de sintomas que denotam a alteração no desenvolvimento da atividade laboral, com diminuição do rendimento. (PÊGO; PÊGO, 2016).

Antes de analisar criticamente a configuração da Síndrome de Burnout como acidente do trabalho, na seara da doença ocupacional, é relevante discutir o conceito e as concepções legais de acidente do trabalho. A configuração enquanto acidente do trabalho impacta diretamente no que toca à esfera trabalhista e previdenciária, discussões que serão apresentadas a seguir.

 

5. Acidente do Trabalho

Antes de compreender a Síndrome de Burnout como um acidente de trabalho, é preciso analisar os aspectos legais, trabalhistas e previdenciários, que o permeia. A Legislação Previdenciária compreende como acidente de trabalho típico, conforme previsto no artigo 19, caput, da Lei n.° 8.213/91:

 

“Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. (Redação dada pela Lei Complementar nº 150, de 2015)”. (BRASIL, 1991, grifo nosso)

 

O caput do artigo, citado acima, traz o conceito do chamado acidente típico, ou seja, aquele decorrente diretamente do exercício do trabalho que enseja lesão corporal ou perturbação funcional de caráter permanente ou provisória, comprometendo a capacidade para o trabalho e, até mesmo, levando à morte. Ainda, é importante salientar que a empresa deve fornecer e fiscalizar o uso de Equipamentos de Proteção Individual, bem como dos Equipamentos de Proteção Coletivos, a fim de proteger a saúde e integridade física do trabalhador. (BRASIL, 1991)

Também é considerado acidente de trabalho as doenças ocupacionais, que se subdividem em doença profissional e doença do trabalho. Esta resulta das condições em que é exercida a atividade, ou seja, guarda relação direta com o meio ambiente do trabalho; e aquela decorre da atividade laborativa exercida. Contudo, são excluídas doenças degenerativas, doenças que guardam relação com grupos etários, que não têm como resultado a incapacidade laborativa e doenças endêmicas, nos termos do artigo 20, §1°, alíneas a a d, da lei n.° 8.213/91. Ressalta-se que o rol de doenças ocupacionais não é taxativo, conforme §2° do mesmo artigo, uma vez que, excepcionalmente, pode o autor/ reclamante requerer que doença diversa que se relacione com a forma como o trabalho é executado seja reconhecida como acidente do trabalho. (BRASIL, 1991)

A Lei n.° 8.213/91 traz no art. 21 os eventos equiparados ao acidente do trabalho, para efeitos legais:

 

“Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:

I – o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação;

II – o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em conseqüência de:

  1. a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho;
  2. b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho;
  3. c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho;
  4. d) ato de pessoa privada do uso da razão;
  5. e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior;

III – a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade;

IV – o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho:

  1. a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa;
  2. b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito;
  3. c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta

dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado;

  1. d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado”. (BRASIL, 1991)

 

Em resumo, é possível extrair do artigo que equipara-se a acidente do trabalho o caso de agravamento de condição anterior; neste caso, é recomendável que se comprove o nexo com a atividade desenvolvida ou com as condições em que o trabalho é realizado e a existência de perda ou redução da capacidade laboral. Por fim, equipara-se qualquer dano sofrido ou doença proveniente de contaminação ou acidente que comprometa a integridade física do empregado, fora ou dentro do local de trabalho, mas à disposição do empregador; ou seja, mesmo cumprindo ordens fora do ambiente precípuo de trabalho. (BRASIL, 1991).

Em muitos casos jurisprudenciais, conforme será demonstrado, aplica-se o entendimento previsto no inciso I do artigo mencionado, pois o trabalho pode configurar o que se denomina concausa. Desta forma, torna-se uma das causas do desenvolvimento da Síndrome de Burnout em trabalhadoras, principalmente. Como este trabalho pretende compreender a Síndrome de Burnout enquanto acidente de trabalho, é preciso extrair da Jurisprudência corrente como o Judiciário Brasileiro compreende tal questão, conforme as ementas abaixo:

 

“I – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. OMISSÃO . VÍCIO RECONHECIDO. CONCAUSA . SÍNDROME DE BURNOUT. Reconhecida a omissão no acórdão, que não considerou premissa relacionada ao reconhecimento de concausa pelo laudo pericial, presente na decisão regional que analisou o recurso ordinário da reclamada, devem os embargos de declaração ser providos, para nova análise do agravo de instrumento. Embargos de declaração providos , com efeito modificativo. II – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. TRANSCENDÊNCIA SOCIAL RECONHECIDA. DANO MORAL. SÍNDROME DE BURNOUT . CONCAUSA. Constatada possível violação do art. 21, I, da Lei 8.213/91, dá-se provimento ao agravo de instrumento para análise do recurso de revista . Agravo de instrumento provido. III – RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017 1 – DANO MORAL. SÍNDROME DE BURNOUT. CONCAUSA. No caso concreto, a prova pericial concluiu que o trabalho teria operado em concausa para o quadro de doença psiquiátrica da reclamante. O Tribunal Regional, todavia, em que pese o laudo pericial, afastou o nexo causal e, por conseguinte, as condenações a título de indenização por dano moral, por entender que não restou demonstrada relação com o trabalho. Por certo que o juiz não está adstrito às conclusões do laudo pericial, podendo formar suas convicções com outros elementos e provas existentes nos autos, a teor do art. 436 do CPC (art. 479 do CPC/15). Contudo, não pode, aleatoriamente, sem elementos robustos nos autos em sentido contrário, desprezar a prova técnica, pelo que na espécie devem prevalecer as conclusões do perito que detém conhecimentos científicos na área, segundo as quais há nexo concausal entre a doença adquirida pela recorrente (transtornos psiquiátricos) e suas atividades laborais. Assim, ainda que o labor na reclamada não seja reconhecido como causa direta da doença ocupacional, a atividade laborativa desempenhada pela reclamante atuou como concausa, o que legalmente se equipara ao acidente do trabalho, na forma do art. 21, I, da Lei 8.213/91. Constatado o evento danoso e o nexo de concausalidade com o trabalho, surge a necessidade da reparação do dano moral. A responsabilidade da reclamada pelo pagamento do dano moral não depende de prova do prejuízo, pois deriva da própria lesão à integridade física (ou psíquica) da reclamante (in re ipsa). Recurso de revista conhecido e provido parcialmente. 2 – DANO MATERIAL. SÍNDROME DE BURNOUT. CONCAUSA. Consta da decisão regional que “não há incapacidade para o trabalho”. Não há elementos nos autos que permitam reconhecer que a reabilitação tenha causado qualquer prejuízo material à reclamante. Desta forma, não há como acolher a pretensão da reclamante sem o revolvimento do conjunto fático-probatório, o que não se admite nesta instância recursal, por óbice da Súmula 126 do TST. Recurso de revista não conhecido”. (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista n.° RR-193-87.2014.5.21.0010. Recorrente: Maria Nazaré de Oliveira Araújo. Recorrido: Guararapes Confecções S.A. Relatora: Ministra Delaide Miranda Arantes. Brasília, 08 de maio de 2020. Disponível em: https://jurisprudencia-backend.tst.jus.br/rest/documentos/3c0e748abec36f5b64520b1b625a1d46. Acesso em: 02. Dez. 2021, grifo nosso).

 

Pode-se extrair do julgado acima que o trabalho foi reconhecido não diretamente como causa do transtorno psíquico, mas de forma indireta como concausa, de forma que foi considerada prova técnico pericial produzida nos autos de origem. Em sede de Recurso de Revista, este conhecido e parcialmente provido, foi concedida indenização em danos morais in re ipsa, ou seja, presumido, pois comprovadas as consequências salutares para as condições psíquicas da Reclamante.

Assim, pode-se concluir que, embora prevista em lista capaz de configurar acidente de trabalho presumido pelo NTEP – Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário, é conveniente ao advogado da reclamada buscar por meio de outras provas – seja pericial, seja testemunhal ou outras – comprovar o nexo causal entre o dano de ordem psicológica e o exercício da atividade laboral; ou, pelo menos, como concausa. Ainda conforme Jurisprudência:

 

“RECURSO DE REVISTA – DOENÇA OCUPACIONAL – NEXO CONCAUSAL – CULPA DA EMPRESA NO EVENTO DANOSO – AMBIENTE DEGRADANTE E MÉTODOS DE TRABALHO INADEQUADOS. 1. De acordo com a teoria da causalidade adequada, as concausas preexistentes – patologia anterior, predisposição genética do trabalhador ou caráter degenerativo da moléstia – não eliminam a relação de causalidade. Se as atividades laborais desenvolvidas pela reclamante potencializaram ou agravaram a moléstia preexistente ou degenerativa, a doença deve ser considerada ocupacional, em razão da concausa com origem no trabalho. 2. Além disso, nos termos do art. 157, I e II, da CLT, o empregador deve propiciar condições salubres de trabalho aos seus empregados e a redução dos riscos inerentes ao serviço, como exigem as normas de proteção à saúde, à higiene e à segurança do trabalho. 3. No caso, o Tribunal Regional, com base no conjunto fático-probatório existente nos autos, especialmente a prova pericial, documental e testemunhal, verificou que a moléstia psiquiátrica da reclamante (síndrome de burnout) tem nexo de concausalidade com as atividades laborais desenvolvidas em benefício da empresa e a reclamada agiu com culpa para a ocorrência da doença, pois exerceu pressão excessiva sobre a empregada, com uma estrutura organizacional contendo metas exorbitantes, ausências de pausas intrajornadas e exigência mental de prazos diários, causando esgotamento profissional. 4. É inadmissível recurso de revista em que, para chegar à conclusão pretendida pela reclamada, seja imprescindível o reexame do contexto fático-probatório dos autos. Incide a Súmula nº 126 do TST. Recurso de revista não conhecido. DOENÇA OCUPACIONAL – DANOS MATERIAIS – INDENIZAÇÃO EM PARCELA ÚNICA – INCAPACIDADE TOTAL PERMANENTE. O art. 950, caput , do Código Civil determina que, caso a lesão à saúde perpetrada pelo ofensor acarrete a incapacidade para o trabalho, faz jus o trabalhador à pensão mensal, correspondente à importância do trabalho para o qual se inabilitou ou da depreciação sofrida. Dessa forma, se a moléstia laboral incapacitou totalmente a reclamante para o trabalho exercido, é devida indenização material. Recurso de revista não conhecido. MULTA DO ART. 475-J DO CPC/1973 – INAPLICABILIDADE NO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO. 1. No entendimento deste relator, a multa estampada no art. 475-J do CPC/1973 (atual art. 523, § 1º, do CPC/2015) é plena e imediatamente aplicável na esfera trabalhista, considerando a omissão da legislação processual especial e a sua compatibilidade com o processo judiciário do trabalho. 2. Entretanto, com a ressalva de meu posicionamento, o Tribunal Pleno do TST, no julgamento do Incidente de Recurso de Revista Repetitivo nº 1786-24.2015.5.04.0000, definiu que não se admite a aplicação supletiva das normas processuais civis que regem as hipóteses de cumprimento da sentença, pois a CLT regula de modo distinto e específico o procedimento de execução por quantia certa (arts. 880, caput , 882 e 884 da CLT). 3. Por conseguinte, considerando a tese jurídica vinculante definida em recurso de revista repetitivo, inaplicável ao processo do trabalho a multa prevista no art. 475-J do CPC/1973. Recurso de revista conhecido e provido” (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista n.° RR-67500-50.2012.5.21.0003. Recorrente Guararapes Confecções S.A. Recorrida: Maria Cleonice Gomes da Silva. Relator: Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho. Brasília, 1º de julho de 2019. Disponível em: http://www.tst.jus.br/processos-do-tst. Acesso em: 02. Dez. 2021, grifo nosso).

 

Quanto ao julgado apresentado, é possível inferir que o Magistrado considerou relevante o dever da empresa de manter o ambiente de trabalho seguro, promovendo, desta forma, o bem-estar do empregado. Ainda, agiu a Reclamada, pelo menos, com culpa, pois houve exercício de pressão excessiva, principalmente em relação a metas, desrespeito ao descanso na jornada diária, levando a Reclamante ao denominado esgotamento profissional, com quadro clínico de Síndrome de Burnout.

Em casos recentes, no Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, as empresas Reclamadas foram condenadas a pagar indenização por danos morais a vítimas de Síndrome de Burnout. No primeiro caso, tratava-se de uma bancária que desenvolveu problemas emocionais e, mesmo assim, foi transferida para cidade distinta sem planejamento prévio, de forma que não foram observadas condições salutares da trabalhadora. Em certos momentos, durante o contrato de trabalho, desenvolveu transtornos ansiosos e de esgotamento, passando a perceber auxílio por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença), de caráter acidentário (TRT-3). Conforme o TRT-3:

 

“O trabalho deixou de ser prazeroso com o tempo. As dificuldades para atingir suas metas aumentaram e surgiram problemas com os gestores. Sempre havia comparação entre as agências e ela era cada vez mais cobrada. Como punição por não bater meta, o empregado era transferido de cidade”. (TRT-3. NJ – Justiça do Trabalho concede indenização a bancária que adquiriu síndrome de burnout. Disponível em: https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noticias-juridicas/nj-justica-do-trabalho-concede-indenizacao-a-bancaria-que-adquiriu-sindrome-de-burnout. Acesso em: 24 de nov. 2021)

 

O julgado deixa claro os sintomas da Síndrome de Burnout, uma vez que apresenta o desânimo para o exercício do trabalho, bem como problemas de relacionamento com os colegas de trabalho. O Magistrado determinou o trabalho como concausa em razão da existência de questões de ordem pessoal e familiar, considerando, ainda, a negligência do empregador, no caso, gerente-geral da agência, que notou problemas emocionais, mas que não agiu em prol das Normas de Medicina e Segurança do Trabalho.

O segundo caso a ser estudado é o de uma coordenadora pedagógica que foi dispensada, mesmo em período de estabilidade. Considerando que a funcionária passou por constrangimento público, por WhatsApp, em que uma professora espalhou conteúdo ofensivo, desenvolveu quadro com sintomas de ansiedade e depressão. Após, foi afastada, recebendo auxílio-doença de caráter acidentário e, ao retornar ao trabalho, dois meses depois, foi dispensada (TRT-3).

Realizado exame pericial, foi apurado o nexo concausal entre a Síndrome de Burnout desenvolvida e o exercício da atividade laboral, pois houve agravamento da condição de ansiedade e depressão que a reclamante apresentava antes do fato. Houve, portanto, maior desgaste no ambiente de trabalho. A Magistrada reconheceu a doença ocupacional e a estabilidade decorrente do acidente do trabalho, determinando a indenização em detrimento da reintegração da empregada. Este processo aguarda julgamento de recurso no TRT (TRT-3).

Estes casos demonstram a possibilidade de se reconhecer a Síndrome de Burnout como acidente do trabalho, seja como concausa, seja como doença ocupacional diretamente reconhecida. No que se refere à Legislação, o Decreto n.° 3.048/99 prevê, no anexo II, sob código Z73.0, nos “Transtornos Mentais e do Comportamento Relacionados com o Trabalho (Grupo V da CID-10)” (BRASIL, 1999). De acordo com Fernandes (2014), quanto à classificação e relação com o trabalho:

 

“Os fatores determinantes do Burnout são classificados segundo a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID 10) como problemas relacionados ao emprego e desemprego: ritmo de trabalho penoso ou circunstância relativa às condições de trabalho. No Brasil, o Regulamento da Previdência Social (Decreto 3048/1999), em seu Anexo II, cita a Sensação de Estar Acabado (Síndrome de Burnout, Síndrome do Esgotamento Profissional) como sinônimos”. (FERNANDES, 2014, p. 30-31)

 

A lei trata como a sensação de estar acabado, ou seja, como exaustão emocional, esgotamento. Alinha portanto, a ideia de uma síndrome, um transtorno decorrente do desenvolvimento do trabalho, em ritmo demasiado penoso, que limita o indivíduo, levando-o à exaustão (BRASIL, 1999). O fato é que como doença ocupacional, enseja indenização de ordem moral e material, surgindo, para tanto, a responsabilidade do empregador.

É importante, portanto, compreender as consequências da Síndrome de Burnout no âmbito previdenciário e de responsabilidade civil. Esta pode ensejar indenização por danos morais e materiais. De acordo com Fernandes (2014):

 

“Ressalta-se que é muito discutida, sobre o referido instituto, a consequente indenização, pois é sabido que o empregador que não cumprir com suas responsabilidades sociais, decorrentes do contrato de trabalho, “deverá responder por seu ato, mesmo omissivo, pelos danos ocasionados ao empregado; quer o decorrente de lesão à honra, dano moral” (Art. 5.º, inciso X da CF), quer o decorrente de dolo ou culpa do empregador no infortúnio acidentário, direito esse assegurado no art. 7.º, inciso XXVIII. A legislação reconhece a Síndrome de Burnout como ensejadora de indenização, desde que caracterizada a relação de causa (da execução do trabalho ao estresse laboral) e consequência (diagnóstico da síndrome)”. (FERNANDES, 2014, p. 33)

 

Desta forma, ocorrido o dano de ordem psíquica, surge o direito à indenização, desde que comprovado o nexo causal entre o trabalho desenvolvido e a Síndrome de Burnout que o trabalhador apresenta como quadro clínico. Como discutido anteriormente, o empregador deve ser diligente e, ao tornar o ambiente de trabalho mais seguro e adequado, buscando resolver da melhor forma questões que surjam na relação empregador-empregado. Desta forma, o trabalhador terá sua tutela efetivamente alcançada. (FERNANDES, 2014).

Na ordem previdenciária, é relevante discutir as consequências do reconhecimento da Síndrome de Burnout:

 

“Entende-se que essa síndrome pode ser considerada como acidente de trabalho. No entanto, é necessário que a empresário oriente seu empregado a realizar perícia junto ao INSS. Caso o resultado seja positivo, gera para o trabalhador os direitos às prestações devidas ao acidentado ou dependente, como o auxílio-doença acidentário, o auxílio-acidente, a aposentadoria por invalidez e a pensão por morte. Conforme o artigo 118 da Lei 8.213/91 e Súmula 378, do TST, o trabalhador acometido pela Síndrome de Burnout, precisa ficar afastado por mais de quinze dias, percebendo o beneficio previdenciário para ter direito a estabilidade”. (FERNANDES, 2014, p. 32)

 

Reconhecida a Síndrome de Burnout, deve o empregado ser afastado e, se por mais de 15 (quinze) dias, perceberá benefício previdenciário. Se este benefício for reconhecido em perícia, esta recomendável, como acidentário, ensejará estabilidade, nos termos do artigo 118, da Lei n.° 8.213/91, de 12 meses após o retorno ao trabalho (BRASIL, 1991). Assim, na ordem previdenciária, ensejará benefícios e estabilidade, de forma que, se o empregado for dispensado, poderá requerer na Justiça do Trabalho sua reintegração ou indenização correspondente. Esta hipótese foi devidamente tratada em um caso apresentado neste artigo.

Por fim, compreendidos o acidente de trabalho e a Síndrome de Burnout, é necessário apresentar, de forma crítica, os possíveis impactos do home office (Teletrabalho) durante a pandemia, precipuamente, o desenvolvimento da Síndrome de Burnout.

 

6. Análise Crítica dos Impactos do Home Office na Saúde do Trabalhador e o Desenvolvimento da Síndrome de Burnout

A Síndrome de Burnout apresenta-se como uma doença que, ao ser diagnosticada, implica em atenção do empregador e das pessoas que rodeiam o trabalhador afetado, uma vez que resultam em consequências psicológicas, trabalhistas e previdenciárias. É relevante compreender que os aspectos laborais que levaram ao desenvolvimento da doença devem ser extirpados, a fim de garantir um ambiente de trabalho seguro e que proteja efetivamente o trabalhador. É possível analisar, de forma crítica, que as mudanças no cenário salutar e pandêmico ensejaram a expansão da doença, uma vez que os trabalhadores, em sua grande maioria tiveram o regime de trabalho alterado para o denominado Teletrabalho.

Conforme já fora apresentado, com esta alteração, houve aumento na demanda e ausência de controle de horário. Desta forma, a consequência direta e imediata do home office é uma confusão notória entre o que é trabalho e o que é intervalo, descanso. Em muitos casos, inclusive como experiência pessoal e familiar, o empregado foi constantemente abordado em horários, por vezes indevidos, por se tratar de seu intervalo interjornada para realizar tarefas que deveriam ser feitas em horário de serviço.

Este trabalho não intenta diagnosticar casos pessoais, mas trazer exemplos próximos à autora de como a pandemia impactou o ambiente “trabalho-casa”. Ora, a pandemia fez com que as pessoas, sem exceções, vivenciassem experiências de isolamento quase que completo com impactos diretos nas relações profissionais e pessoais – é notório aumento no estresse e consequências de ordem psicológica aos empregados, não importando a área laboral. Berbetz (2017) apresenta uma discussão relevante para os argumentos aqui trazidos:

 

“Tem-se, então, a Síndrome de Burnout como uma doença que enseja atenção redobrada ao ser diagnosticada e tratada, seja por parte do empregador, dos médicos ou do próprio Julgador, uma vez que apesar da suposta subjetividade da doença, há um padrão comportamental experimentada por aqueles que a ela sucumbem. Observa-se, também, que é uma doença passível de ser indenizada moralmente diante dos danos psicológicos causados ao trabalhador”. (BERBETZ, 2017, p. 191, grifo nosso)

 

O que Berbetz (2017) traz como argumento é o padrão comportamental de quem desenvolve a Síndrome de Burnout. Já foi tratado neste trabalho do aspecto clínico e de discussões doutrinárias que compreendem a doença como uma evolução dos sintomas de estresse, quando não há mais solução imediata, desencadeando um esgotamento profissional de ordem psíquica. O empregado deveria, portanto, ser afastado por apresentar sintomas de ordem mais grave.

Mas, não é o que de fato acontece. Em muitos casos, inclusive conforme as Jurisprudências e decisões judiciais apresentadas, o esgotamento chega ao limite, afetando o ambiente de trabalho e as relações pessoais do trabalhador. Esta tornou-se, desta forma, questão de saúde pública que afeta a sociedade como um todo.

É importante compreender os impactos da pandemia, mas ainda mais relevante analisar dados acerca da Síndrome de Burnout no Brasil. De acordo com Isma-BR, Betânia Tanure Associados e Revista Exame, 30% da população sofre de Burnout, com as diversas consequências como incapacidade para o trabalho, depressão, risco de desenvolvimento de outros problemas de saúde. (GNTECH, 2020)

 

Imagem 01 – Burnout no Brasil

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Fonte: https://gntech.med.br/blog/post/sindrome-de-burnout-sintomas-tratamento

 

Os dados mostram que esta doença é mais comum do que se imagina. A sua expansão pode ter sido acentuada pela pandemia de Covid-19. De acordo com a OIT (2020), muitos são os fatores que podem desencadear e expandir o desenvolvimento da doença, sendo necessárias medidas que possam equilibrar a vida profissional e a vida pessoal – estas, conforme foi discutido, se confundem no contexto em que prevalece o teletrabalho.

 

“A ferramenta mais útil para apoiar na manutenção do equilíbrio entre a vida profissional e pessoal é gerir o teletrabalho por resultados em vez do foco incidir sobre o número de horas ou os horários específicos em que as pessoas trabalham. Mantendo o volume de trabalho em níveis controláveis e estabelecendo expectativas claras e realistas em relação aos resultados específicos a alcançar, os/as trabalhadores/as estarão mais bem preparados/as para organizar o seu próprio tempo e tarefas, a fim de equilibrar eficazmente as suas obrigações de trabalho com as suas vidas pessoais, incluindo as suas responsabilidades familiares”. (OIT, 2020, p. 18, grifo nosso)

 

De certa forma, o que a OIT recomenda é o equilíbrio entre trabalho e outras obrigações, incluindo as de ordem familiar. Não se trata de trabalho exaustivo por longas horas, sem observar os limites salutares, mas de trabalho com foco no melhor resultado possível, no tempo suficiente, a fim de que o trabalhador consiga o merecido descanso. (OIT, 2020). Obviamente, não é sempre assim que ocorre, mas é uma discussão fundamental na seara trabalhista. Ora, enquanto permanecerem afastamentos por doença ocupacional, ou concausa reconhecida, em razão dos meios de trabalho típicos do Teletrabalho, esta é uma questão de saúde pública que merece atenção.

 

Conclusão

Este trabalho pretendeu discutir aspectos clínicos e legais da Síndrome de Burnout, a fim de analisar o possível agravamento do quadro de stress entre trabalhadores, principalmente decorrente da mudança brusca no regime de trabalho. É notório que o Teletrabalho acentuou questões trabalhistas – como o Burnout enquanto acidente de trabalho -, mas ainda não há discussão profunda sobre o tema na Doutrina ou dados estatísticos atualizados que permitam compreender os reais impactos da pandemia nas relações de trabalho.

Foram apresentados dados do ano de 2019, antes da pandemia, nos quais consta que 30% da população apresenta esta doença. Há casos jurisprudenciais e jurídicos que permitem compreender, contudo, algumas consequências do regime de trabalho exaustivo imposto aos trabalhadores. É importante salientar que alguns grupos são mais susceptíveis a desenvolver a Síndrome – profissionais da saúde, professores, entre outros.

Mas, após a análise crítica, é possível buscar soluções imediatas para evitar que esta doença se torne uma questão de saúde pública. É preciso buscar medidas terapêuticas; sendo necessário que os empregadores passem a observar melhor as condições psíquicas dos seus funcionários, repensem a forma como o trabalho é exercido, inclusive quanto à cobrança de metas, e respeitem as Normas de Medicina e Segurança do Trabalho. Caso seja observada a possibilidade de o empregado ter desenvolvido a Síndrome de Burnout, este deve ser afastado, para avaliação de sua saúde mental e para que faça o devido tratamento.

Por fim, cabe salientar que ainda é preciso mensurar os dados que permitam compreender o real impacto da Síndrome de Burnout. Mas, permanece a constante necessidade de o trabalhador recorrer ao âmbito Judiciário ou ao âmbito Administrativo (INSS) a fim de garantir que seja reconhecida a doença e, após, buscar a Justiça do Trabalho para pleitear indenização perante o empregador. Ressalta que se a doença for tratada no início, com medidas preventivas, tonar-se-á possível evitar outros problemas de saúde, para além da saúde mental.

 

Referências Bibliográficas

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[1]    Advogada OAB/MG 207.679, Bacharela em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais em 2014 e Bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais em 2020.

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