Doha, a capital do Catar, país de maioria
islâmica, foi o palco da 4ª Reunião Ministerial da OMC entre os dias 9 e 12 de
setembro de 2001. O principal objetivo deste encontro foi claro: depois do
fracasso de Seattle era determinante estabelecer a agenda e lançar uma nova
rodada de negociações. A importância da Organização Mundial do Comércio é
inegável, visto que os países membros são responsáveis por 90% do comércio
mundial.
Os representantes dos países em
desenvolvimento chegaram ao Oriente Próximo com uma posição clara: mostrar que
desejam receber maiores benefícios da globalização, ou seja, demandam que os
ganhos do livre comércio cheguem até suas populações de maneira mais eficiente.
Nesta linha de pensamento, o presidente Fernando Henrique Cardoso, em discurso
na abertura da Assembléia-Geral das Nações Unidas, declarou: “No comércio, já é
hora de que as negociações multilaterais resultem em maior acesso dos produtos
dos países em desenvolvimento aos mercados mais prósperos”. O Presidente
entendeu o peso político da reunião no Catar e enviou 4 Ministros de Estado
para o encontro em Doha. Lá estiveram
o chanceler Celso Lafer e os ministros José Serra, Pratini de Moraes e Sérgio Amaral.
A OMC tradicionalmente toma suas
decisões por consenso. Como diversos países mantinham posições antagônicas
sobre os assuntos propostos para o lançamento da rodada de negociações, o
alcance de uma posição comum foi um árduo exercício de negociação. Em razão
disto, o sucesso de Doha esteve ameaçado algumas
vezes. Contudo, prevaleceu o bom senso dos principais articuladores, entre eles
o chanceler brasileiro Celso Lafer, amplamente
elogiado e chamado de “herói” e “padrinho” por Mike Moore,
secretário-geral da OMC. Lafer fez parte da cúpula da
reunião e foi de importância fundamental para os acertos que resultaram no bom
êxito do encontro.
O Brasil obteve vitórias importantes,
além da determinante atuação de seu Chanceler. O principal foi uma declaração
política a respeito da Trips, sigla que designa o
acordo sobre direito de propriedade intelectual relacionado com o comércio no
âmbito da OMC. O grupo liderado por Brasil e Índia conseguiu a flexibilização
do pacto com vistas a atender eventuais necessidades de saúde pública. A
consolidação desta posição veio depois de um acordo com os Estados Unidos por
intermédio do negociador Robert Zoellick. Esta
conquista da delegação brasileira pode balizar a opinião do órgão em
importantes litígios no futuro.
Outra vitória foi na área da
agricultura, com o convencimento dos negociadores europeus em abrandar a rígida
posição protecionista em relação à questão dos subsídios. Apesar da redação
proposta pelo “Grupo de Cairns” não ter sido aceita e
a versão final incluir a frase: “o tema será debatido sem prejulgamento do
resultado das negociações”, o ministro Pratini de
Moraes acredita que foi iniciado um processo que pode diminuir gradualmente os
subsídios.
O saldo do encontro foi positivo para o
Brasil. Para obter uma declaração em separado em relação a
Trips e inserir na pauta de discussões da próxima
rodada assuntos delicados como medidas antidumping e
subsídios, teve que ceder em outras, como na questão de serviços e
investimento. Porém, esta é uma atitude perfeitamente normal em uma situação de
negociação internacional como a que ocorreu em Doha. Assim
como o Brasil, outros países tiveram que ceder em outros
pontos.
Apesar dos avanços em relação à
implementação de uma agenda internacional comum de negociações comerciais, vale
lembrar que Zoellick desagradou os setores
protecionistas dos Estados Unidos como agricultura, siderurgia e laboratórios.
Esta posição pode dificultar a concessão do TPA (antigo fast
track) e atrapalhar as negociações externas do
governo, como lembrou o comissário europeu do comércio, Pascal Lamy. No que diz respeito ao Brasil, chegou o momento da
interconexão entre os tabuleiros negociais da OMC, Alca
e Mercosul. O sucesso de Doha foi apenas o primeiro
passo.
Informações Sobre o Autor
Márcio C. Coimbra
advogado, sócio da Governale – Políticas Públicas e Relações Institucionais (www.governale.com.br). Habilitado em Direito Mercantil pela Unisinos. Professor de Direito Constitucional e Internacional do UniCEUB – Centro Universitário de Brasília. PIL pela Harvard Law School. MBA em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas. Especialista em Direito Internacional pela UFRGS. Mestrando em Relações Internacionais pela UnB.
Vice-Presidente do Conil-Conselho Nacional dos Institutos Liberais pelo Distrito Federal. Sócio do IEE – Instituto de Estudos Empresariais. É editor do site Parlata (www.parlata.com.br) articulista semanal do site www.diegocasagrande.com.br e www.direito.com.br. Tem artigos e entrevistas publicadas em diversos sites nacionais e estrangeiros (www.urgente24.tv) e jornais brasileiros como Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil, Zero Hora, Jornal de Brasília, Correio Braziliense, O Estado do Maranhão, Diário Catarinense, Gazeta do Paraná, O Tempo (MG), Hoje em Dia, Jornal do Tocantins, Correio da Paraíba e A Gazeta do Acre. É autor do livro “A Recuperação da Empresa: Regimes Jurídicos brasileiro e norte-americano”, Ed. Síntese – IOB Thomson (www.sintese.com).