Por Halley Henares, presidente da Associação Brasileira de Advocacia Tributária – ABAT
Em meio à crise do COVID-19 e da decretação do estado de calamidade pública no país, o Governo Federal adotou medidas de prorrogação do prazo de pagamentos de tributos federais. Interessa-nos aqui as Portarias 139 e 150, editadas na semana passada, nas quais o Ministério da Economia prorrogou o prazo de recolhimento da contribuição previdenciária (INSS) de 20% sobre a folha de salários e de outras incidências correlatas, postergando o seu pagamento, pelo empregador, das competências relativas a março e abril deste ano, para, respectivamente, os meses de agosto e outubro de 2020.
Apesar da iniciativa do Governo de aliviar a carga tributária diante da incapacidade das empresas de vender (mercadorias ou serviços), obter faturamento, pagar os empregados e os tributos, as medidas anunciadas, no que pertine a folha de salários, ainda são muito tímidas, insuficientes para combater o tamanho do problema que as empresas, empregadores e empregados de fato enfrentam.
Num momento em que se vê a escalada de mais de 90 países ao FMI e ao Banco Mundial para pedir socorro para enfrentar a crise mundial da pandemia instalada e no qual o problema relativo a vida das pessoas traz junto a necessidade de sobrevida do mercado e das empresas, o Brasil, que possui uma das mais elevadas cargas tributárias sobre a folha de salários do mundo – de acordo com a OCDE, a faixa de tributação da folha no país atinge atualmente 1/3 do valor do salário pago ao empregado, sem contar os benefícios sociais, o que elevaria esse custo do empregador para aproximados 90% do valor da folha de salários – precisa de medidas mais fortes e agudas para combater a crise e evitar que o cenário econômico piore, sobretudo diante crise econômica sem precedentes – pior do que a de 2008 – que se avizinha, com o déficit primário de 2020 já estimado para 420 bilhões de reais, o que é mais da metade do “ganho” que o país teve com a alardeada reforma da previdência para os próximos dez anos.
Diante da força destrutiva do problema, o remédio de apenas prorrogar o pesado encargo da tributação da folha de duas competências por 5 meses – ainda com o dever de depois pagar duas competências em um mesmo mês, sem que se tenha provavelmente, num melhor prognóstico possível, retomado a força da economia e a média de receita habitual das empresas – é fraco e ineficiente para tirar o empregador da asfixia de fluxo de caixa em que ele se encontra.
O Governo Federal deve formular, e agora é o momento, um rápido, porém consistente, programa de “recuperação tributária e gestão dos pagamentos vincendos dos Contribuintes”, com um enfoque especial na folha.
Se o objetivo do Programa Especial de Recuperação do Emprego e da Renda, trazido pela recente MP 944/20 é evitar demissões e o desemprego, nada mais coerente que desonerar, provisoriamente, a tributação sobre o emprego (relações de trabalho). Caso contrário, o Governo tira com uma mão (imposto) aquilo que ele dá com a outra (incentivo financeiro, no caso da folha de salários, baseado nos valores pagos através do seguro desemprego, através do referenciado Plano Emergencial instalado).
E desonerar a folha não é meramente postergar ou retardar o seu recolhimento, mas sim suspender a incidência tributária (fato gerador) da contribuição sobre folha de salários. O empregador não terá o dever jurídico de pagar a CPP por dois ou três meses ou até que, num prazo razoável, o cenário econômico e financeiro empresarial tenha atingido um mínimo de capacidade para suportar esta incumbência. Após esse lapso temporal, aí sim a incidência da contribuição sobre a folha deve ser retomada, mas sem o ônus de se pagar tributos passados postergados junto com tributos devidos no próprio mês, posto que isso certamente oneraria a já combalida vida financeira das empresas e, provavelmente, as sujeitariam a penalidades de multas e juros em caso de inadimplência diante da impossibilidade de pagar o tributo vincendo sobre a folha de salários.
É claro que o equilíbrio econômico e orçamentário da Seguridade Social é extremamente importante e se constitui cânone que deve ser preservado, diante dos objetivos maiores que ela precisa cumprir, lastreados nos primados da justiça social e na universalidade, mesmo em períodos de abrupta adversidade como o que atravessamos neste momento, mas, por outro lado, o direito ao pleno emprego e à sobrevivência (vida), insculpidos como direitos individuais e sociais fundamentais em nossa Constituição, devem prevalecer de modo incisivo e ostensivo nesta situação.
A solução, neste caso, nos parece residir na proporcionalidade e equilíbrio de forças pujantes dos direitos veiculados em nosso ordenamento jurídico. O orçamento da Seguridade Social não deverá soçobrar se, numa visão de (muita) arrecadação de médio e longo prazo x (pouca) suspensão de pagamento a curtíssimo prazo, adotar-se critérios prévios para que o remédio da desoneração possa gerar os efeitos necessário e evitar desempregos. Um exemplo disso pode estar na oneração da economia disruptiva por uma CPRB, abarcando as empresas do novo mercado de plataformas digitais, as quais passariam a contribuir sobre a sua receita bruta, apta a medir adequadamente a sua capacidade contributiva para a Seguridade Social. Ou, ainda, no aumento significativo do percentual de parafiscalidade para Seguridade Social relativo às Contribuições de Terceiros (Incra, Sebrae, Sesc e outras), sem, contudo, extinguir esta Contribuição, mantendo-se os serviços prestados pelas entidades terceiras à sociedade. Em ambos os exemplos, o corolário da força arrecadatória e o do fluxo de entradas da Seguridade Social restariam, assim, preservados.
Estes são apenas alguns exemplos de alternativas que o Governo poderia lançar mão para equilibrar a necessidade arrecadatória com o seu anseio (e dever) de adotar medidas realmente eficazes em prol do emprego e das empresas empregadoras. Algumas outras podem ser trazidas à baila, mas o foro talvez seja o de Reforma Tributária e não o deste espaço e neste momento.
Medidas como essas podem dar fôlego às empresas, inibindo que elas busquem guarida, com base em outras regras jurídicas, na judicialização excessiva e, assim, apenas transfiram a solução do problema ao Poder Judiciário, evitando decisões como a da ADI 6363, ajuizada na última semana em face da MP 936/20, na qual o STF, por decisão liminar do Min. Lewandowski, suspendeu o uso de acordo individual para dispor sobre as medidas de redução de salário e suspensão de contrato de trabalho, colocando, a nosso ver, condição inoperante ao programa do Governo Federal de redução e suspensão da jornada de trabalho. Podem, sobretudo, evitar o desemprego e as demissões em massa, garantindo a estabilidade social necessária para que o país, presidido pelo monumental trabalho desenvolvido pelos nossos bravos profissionais da medicina, possa retomar a vida, a paz e o seu rumo ao desenvolvimento econômico e social.