Suspensão nacional dos processos de restituição do PIS e COFINS

Por Marcelo Magalhães Peixoto, Presidente fundador da APET – Associação Paulista de Estudos Tributários. Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP

O ambiente de pandemia está contaminado por três vírus. O Covid-19, afetando a todos. A hiperinformação, causadora de tensão e estresse permanente, seja por conta da descabida atenção a distorções e mentiras e do ambiente sócio-político. E o pior de todos, a omissão de debates importantes sobre medidas de órgãos de estado para impor suas vontades à sociedade economicamente organizada.

Um dos exemplos mais acintosos disso – que mostra que a intenção de passar uma boiada de medidas em favor da máquina do Estado já acontece – está na mesa da Ministra do STF, Carmem Lucia. Tema que – pela abordagem técnica tributária – é sempre posta em segundo plano porque aparente não interessar à opinião pública. Pois bem, o assunto interessa a todos os brasileiros que têm empresas, geradores de empregos, a todos os funcionários e àqueles que aguardam vagas para ganharem salários e alimentar suas famílias. Ou seja, todo mundo.

No dia 14/05/2020 (quinta-feira), a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – PGFN protocolou junto ao Supremo Tribunal Federal – STF pedido para que todos os processos vinculados ao Recurso Extraordinário nº 574.706/RG fossem suspensos até o julgamento dos Embargos de Declaração pendentes de apreciação. Subsidiariamente, a PGFN requereu a suspensão de todos os processos que discute a forma de cálculo desse crédito tributário a ser restituído ao contribuinte.

O mencionado processo, com Repercussão Geral reconhecida (Tema 69), discutiu a tese tributária de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, cujo julgamento de mérito ocorreu em 2017, com resultado favorável ao contribuinte. Na ocasião, a declaração de inconstitucionalidade do Pleno do Supremo Tribunal Federal foi no sentido de que o ICMS não compõe a base de cálculo do PIS e da COFINS, já que não se enquadra no conceito de faturamento para fins de incidência dos tributos federais em questão.

Sob pretensa violação aos princípios da segurança jurídica e da isonomia, a recente petição da PGFN pretende suspender todos os processos vinculados ao Tema 69 que tramita no STF por entender que (i) o julgamento do Pleno requer a modulação temporal de seus efeitos para a correta execução do julgado, a ser proferida no julgamento do Embargos de Declaração pendentes; (ii) supostamente o acórdão do STF não definiu o critério de cálculo do ICMS para fins de restituição dos créditos de PIS e COFINS incidentes na operação, a saber, o destacado na nota fiscal ou o pago pelo contribuinte; (iii) como consequência, a ausência de critério de cálculo está gerando divergências de entendimentos no âmbito dos Tribunais Regionais Federais, com potencial de trânsito em julgado em massa de tais processos sem a observância dos parâmetros firmados definitivamente pelo STF.

Porém, evidencia-se que a única finalidade do pedido da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional foi postergar o efetivo aproveitamento dos créditos pelo contribuinte, já que a tese da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS foi definitivamente julgada pelo STF desde 2017, inclusive definindo o critério de cálculo para fins de restituição do tributo indevidamente pago, que foi a da utilização do ICMS destacado na nota fiscal.

Inclusive, todos os Tribunais Regionais Federais vêm se posicionando reiteradamente nesse sentido, mantendo sentenças que garantem aos contribuintes o direito à restituição do PIS e da COFINS, utilizando-se o ICMS destacado na nota fiscal como critério de apuração do crédito devido, como se vê abaixo:

“Com base na expressa orientação firmada pelo STF, a jurisprudência desta Corte se consolidou no sentido de que o valor do ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS/COFINS é o destacado na nota fiscal, e não o ICMS efetivamente pago ou arrecadado” (TRF1, Apelação Cível nº 0014362-20.2015.4.01.3200, Relator(a) DESEMBARGADORA FEDERAL ÂNGELA CATÃO, SÉTIMA TURMA, Data 10/03/2020, Data da publicação 20/03/2020)

“A questão da definição do montante do ICMS que deve ser excluído da base de cálculo da COFINS e da Contribuição ao PIS, que se refere à extensão do provimento a ser concedido nas ações sobre o tema, foi objeto de decisão expressa do STF, para quem todo o ICMS destacado nas notas é passível de exclusão.”

(TRF2, Apelação Cível/Reexame Necessário nº 0099174-08.2017.4.02.5104, Órgão julgador: 4ª TURMA ESPECIALIZADA, Rel. Des. FIRLY NASCIMENTO FILHO, Data de decisão 30/03/2020, Data de disponibilização 01/04/2020)

“Ademais, no julgamento do RE n. 574.706, restou efetivamente discutida essa questão, dado que a não cumulatividade do ICMS foi analisada tanto sob o ponto de vista contábil quanto o jurídico, conforme explicitado no voto proferido pela Excelentíssima Ministra Carmen Lúcia (página 23 do inteiro teor do acórdão), litteris:

(…) conquanto nem todo o montante do ICMS seja imediatamente recolhido pelo contribuinte posicionado no meio da cadeia (distribuidor e comerciante), ou seja, parte do valor do ICMS destacado na “fatura” é aproveitado pelo contribuinte para compensar com o montante do ICMS gerado na operação anterior, em algum momento, ainda que não exatamente no mesmo, ele será recolhido e não constitui receita do contribuinte, logo ainda que, contabilmente, seja escriturado, não guarda relação com a definição constitucional de faturamento para fins de apuração da base de cálculo das contribuições. Portanto, ainda que não no mesmo momento, o valor do ICMS tem como destinatário fiscal a Fazenda Pública, para a qual será transferido.

Dessa forma, bem como nos moldes do artigo 13, §1º, da LC n. 87/96, os numerários de ICMS permitem destaque na respectiva nota fiscal e, portanto, jamais podem integrar o preço da mercadoria ou da prestação do serviço para fins de cálculo da receita bruta do contribuinte”

(TRF3, 4ª Turma,  ApelRemNec – APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA – 5002154-21.2017.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal ANDRE NABARRETE NETO, julgado em 12/05/2020, e – DJF3 Judicial 1 DATA: 15/05/2020)

“O ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS e da COFINS é o destacado na nota fiscal”

(TRF4, AC 5022404-94.2018.4.04.7108, SEGUNDA TURMA, Relator RÔMULO PIZZOLATTI, juntado aos autos em 13/05/2020)

TRIBUTÁRIO. EXCLUSÃO DO ICMS DA BASE DE CÁLCULO DA COFINS E DO PIS. DIREITO.

(…)

  1. Note-se, por relevante, que, no voto do Min. Gilmar Mendes, ao fazer breve resumo do caso posto a julgamento, foi assinalado que na origem o juiz havia julgado procedente o pedido e concedido a segurança pleiteada, “para reconhecer o direito da impetrante de excluir da base de cálculo da COFINS e do PIS a parcela relativa ao ICMS destacado da nota fiscal, bem como para declarar seu direito de compensar os valores indevidamente recolhidos a esse título, observado o prazo prescricional”. A referida decisão foi reformada pelo TRF4, tendo o contribuinte interposto o recurso extraordinário, ao qual foi dado provimento, com a fixação da tese de que “O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS”.

(…)

(TRF5, PROCESSO: 08041368720194058302, AC – Apelação Civel – , DESEMBARGADOR FEDERAL FREDERICO DANTAS (CONVOCADO), 2ª Turma, JULGAMENTO: 04/05/2020, PUBLICAÇÃO: )

Conclui-se que, mesmo havendo uniformidade de entendimento quanto ao mérito da tese fixada no RE 574.706/RG pelos Tribunais Regionais Federais, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional busca obter a pretensa suspensão nacional com grande potencial de cercear o direito dos contribuintes ao ressarcimento do PIS e da COFINS que incidiram sobre o ICMS destacados nas suas operações, criando distorções tributária com os contribuintes que já tiverem seus processos transitado em julgado.

Até o momento, ninguém foi cobrar da PGFN explicações públicas sobre isso. Afinal, traduzindo, pretendem descumprir decisão judicial? Se há irregularidades em alguns pedidos, que medidas sejam adotadas contra estes.

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