No Brasil não existe apenas uma tabela única e obrigatória que determine o valor exato da indenização por perda de membros; há, na verdade, diversos referenciais que variam conforme o regime jurídico (acidentário, previdenciário, securitário ou civil) e a natureza da obrigação (pensão mensal, indenização em parcela única ou combinação de ambas). Neste artigo você entenderá por que cada parâmetro existe, como são calculados os percentuais, quais critérios os tribunais vêm adotando e quais passos seguir para garantir a reparação mais completa possível.
Por que existem várias tabelas
A indenização por perda anatômica ou funcional de membros circula em quatro grandes universos normativos: a Consolidação das Leis do Trabalho, o sistema de benefícios do INSS, o seguro obrigatório DPVAT e os seguros privados de acidentes pessoais. Cada um utiliza uma metodologia própria de definição de perda ou redução de capacidade, razão pela qual os percentuais divergem. Isso não significa contradição, mas adequação ao tipo de cobertura e ao interesse protegido: previdência social, responsabilidade civil, reparação securitária ou tutela trabalhista.
Fontes legais e normativas mais citadas
Código Civil (arts. 927, 949 e 950)
CLT (art. 7.º XXVIII da CF e art. 94 da CLT em interpretação combinada)
Lei 8.213/1991 e Decreto 3.048/1999 (benefícios acidentários)
Resolução CNSP 439/2012, atualizada pela 475/2022 (seguros de pessoas)
Circular SUSEP 302/2005, atualizada periodicamente (tabela PAD – perda anatômica definitiva)
Lei 6.194/1974 e Resolução CNSP 399/2020 (DPVAT)
Conceito de perda anatômica versus funcional
Perda anatômica é a amputação total ou parcial do membro. Perda funcional é a inutilidade permanente ainda que a parte do corpo permaneça fisicamente presente (exemplo: artrodese de punho que impossibilita flexão). Os percentuais nas tabelas de seguros normalmente cobrem os dois cenários. Já na seara trabalhista ou civil, a indenização tende a considerar o impacto na capacidade laboral, independentemente de amputação.
Critérios de avaliação médico-pericial
Peritos utilizam protocolos oficiais, como a Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF) e o Manual de Avaliação de Invalidez do IML. Avaliam:
amplitude de movimento residual
adaptação protética possível
dominância (mão direita em destros)
repercussão psicossocial
necessidade de ajuda de terceiros
Esses fatores podem levar o juiz a majorar valores acima da tabela de referência.
Percentuais da tabela do seguro de pessoas (SUSEP)
Seguradoras de acidentes pessoais usam a Tabela de Indenização em Caso de Invalidez Permanente (TIIP). Abaixo, exemplos resumidos (sobre capital segurado):
perda total de visão de ambos os olhos 100 %
perda total de ambos os braços 100 %
perda total de uma perna acima do joelho 70 %
perda total de um pé 50 %
perda total de um dos polegares 25 %
perda total de um dedo indicador 15 %
perda total de falange distal de qualquer dedo 1 %
A soma de percentuais de diferentes membros pode atingir, no máximo, 100 %.
Percentuais do DPVAT para invalidez permanente
A Resolução 399/2020 estabelece:
100 % para perda completa de ambos os braços ou ambas as pernas
75 % para perda completa de um braço e uma perna
70 % para perda acima do joelho
50 % para perda total de um olho
25 % para perda total de um polegar
15 % para perda total de indicador
2 % para perda total de falange distal de dedo mínimo
O pagamento é sempre em parcela única, limitado a R$ 13.500,00 (valor em vigor até revisão legislativa).
Tabela de auxílio-acidente do INSS
O Decreto 3.048/1999 traz um anexo com reduções de capacidade. Alguns exemplos:
amputação de mão – 50 %
amputação de antebraço – 60 %
amputação de perna – 70 %
perda de falange distal do polegar – 9 %
O benefício corresponde a 50 % do salário de benefício (regra antiga) ou 50 % do valor da aposentadoria por incapacidade permanente a que o segurado teria direito (regra pós-Reforma) e é pago até a aposentadoria ou óbito.
Reflexos no cálculo de pensão vitalícia
No âmbito da responsabilidade civil, aplica-se a clássica fórmula: pensão mensal = salário da vítima × percentual de redução de capacidade. Exemplo: pedreiro amputou o braço dominante e o laudo fixou redução de 70 %. Se ganhava R$ 4.000,00, a pensão seria R$ 2.800,00 mensais, atualizada até expectativa de vida. Pode haver adicional de 25 % se comprovada necessidade de cuidador.
Multiplicidade de regimes, acumulação e compensação
Seguro privado, DPVAT e indenização civil podem ser cumulados porque possuem fontes distintas. Já benefício do INSS não impede indenização civil, mas pode ser compensado nos valores de pensão se a sentença assim determinar. Advogado deve analisar sentenças precedentes do STJ (Tema 839) para afastar abatimentos indevidos.
Aumento ou redução judicial de percentuais
Tabelas são presunções. Se o laudo prova gravidade maior, o juiz pode arbitrar quantia superior. Caso famoso: TST majorou indenização de operário que perdeu três dedos da mão dominante para 100 % de pensão, reconhecendo que em sua função específica não poderia mais exercer atividade.
Exemplos práticos de aplicação
Caso 1 – caminhoneiro perdeu perna abaixo do joelho. DPVAT pagou 70 % de R$ 13.500,00 = R$ 9.450,00. Seguro empresarial pagou 70 % sobre R$ 200.000,00 = R$ 140.000,00. Ação civil contra empregador fixou pensão de 80 % sobre salário de R$ 6.000,00 até 75 anos.
Caso 2 – bancário perdeu falange distal do indicador; INSS concedeu auxílio-acidente (15 % de redução) sem incapacidade total. Seguro de pessoas pagou 15 % de R$ 100.000,00. Não houve dano laboral relevante, logo a ação civil foi improcedente.
Relação com dano estético e dano moral
Perda de membro causa:
dano estético – alteração na aparência, valor fixado caso a caso
dano moral – sofrimento psíquico, ofensa à dignidade
dano material – próteses, adaptação de veículo ou imóvel
Todos somam-se ao pensionamento em caso de culpa.
Atualização monetária e juros
Valores de seguros seguem contrato. Na indenização civil aplicam-se juros de mora desde o evento danoso (Súmula 54/STJ) e correção pelo IPCA-E ou outro índice local a partir da fixação judicial. Pensão futura é calculada em capitalização simples, abatendo-se montantes já recebidos.
Recomendações para vítimas e familiares
Registrar boletim de ocorrência e abrir CAT se acidente laboral
Guardar todos os exames, fotos da lesão e recibos de gastos médicos
Solicitar cópia de apólice de seguro facultativo ou empresarial
Exigir emissão de Comunicação de Sinistro no DPVAT (até três anos)
Procurar advogado antes de assinar quitação geral ou acordo seguro
Estratégias para empregadores e seguradoras
Implementar laudo ergonômico e programa de redução de riscos
Oferecer seguro coletivo com capital compatível ao piso salarial da categoria
Criar fundo de prótese e reabilitação para retorno ao trabalho
Treinar RH para reunir documentos de defesa em eventuais ações
Tendências jurisprudenciais recentes
Majoração de dano moral para amputações múltiplas acima de R$ 200 mil em cortes estaduais
Reconhecimento de cumulação de pensão com auxílio-acidente sem abatimento integral
Expansão do uso de algoritmo de longevidade IBGE em vez de média aritmética para cálculo de capital postecipado
Indenizações por dano estético pagas em parcela única para facilitar aquisição de próteses avançadas
Perguntas e respostas
Existe limite máximo para indenização civil?
Não. O teto de R$ 13.500,00 só vale para o DPVAT. Na esfera civil o valor acompanha o dano e a renda da vítima.
Perdi dois dedos e recebi 30 % do seguro. Posso contestar?
Se a função exigia destreza fina e o laudo indicar incapacidade maior, é possível discutir complementação judicial.
Seguro de vida cobre perda de membros?
Somente se a cobertura incluir “indenização por invalidez permanente total ou parcial por acidente”. Leia as condições.
Posso acumular pensão do INSS e pensão civil?
Sim. O benefício previdenciário não exclui o direito à reparação do dano causado pelo empregador ou terceiro.
O laudo do INSS vale no processo civil?
Serve como prova indiciária, mas o juiz pode solicitar perícia específica.
Caí de moto e perdi perna. O que recebo primeiro?
Reúna laudos médicos, protocole DPVAT em até três anos, acione seguro facultativo e avalie responsabilidade de terceiros (buraco na pista, falha mecânica).
Prótese de alta tecnologia é reembolsável?
Se comprovada necessidade e proporcionalidade, pode ser incluída como dano material.
Menores de idade têm cálculo diferente?
Sim. A pensão pode começar após 16 anos se demonstrada perda de rendimento futuro ou custos de reabilitação.
Sofri amputação em acidente de trabalho, mas o patrão não tinha CAT. E agora?
Abra CAT por determinação judicial ou via sindicato. Isso não impede direito ao benefício.
O que é dano existencial?
Indenização pelo abalo no projeto de vida, aplicável quando a amputação impede práticas esportivas, sociais ou afetivas relevantes.
Conclusão
A chamada tabela de indenização por perda de membros não é um documento único; é um conjunto de referências que variam conforme o tipo de seguro, a legislação envolvida e a interpretação judicial. Conhecer essas tabelas é fundamental, mas compreender como elas se aplicam a cada caso concreto é ainda mais importante. A atuação conjunta de médico-perito e advogado especializado garante laudos precisos, cálculo justo de pensão, cobertura de próteses e reconhecimento de danos morais e estéticos. Dessa forma, a vítima não apenas recebe números em uma tabela, mas recupera dignidade, autonomia e segurança financeira para seguir a vida com novas possibilidades.