Pedir demissão do trabalho é uma decisão importante e pessoal, mas que pode trazer consequências financeiras significativas, especialmente quando se tem um empréstimo consignado ativo. Esse tipo de crédito, conhecido pelas taxas de juros mais baixas e pelo desconto direto na folha de pagamento, possui regras específicas quando o contrato de trabalho é encerrado. Mas, afinal, o que acontece com o empréstimo consignado quando o trabalhador pede demissão? A dívida é cancelada? A cobrança continua? Pode haver desconto na rescisão?
Neste artigo, você terá uma explicação jurídica detalhada sobre os efeitos da demissão no empréstimo consignado, os direitos do trabalhador, como os bancos e empresas podem proceder, e o que fazer se o valor da dívida for descontado de forma abusiva. Acompanhe todos os aspectos que envolvem esse tema para proteger seus direitos e evitar surpresas.
O que é o empréstimo consignado
O empréstimo consignado é uma modalidade de crédito em que as parcelas são descontadas diretamente da folha de pagamento ou do benefício previdenciário do tomador. É bastante comum entre:
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Servidores públicos
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Aposentados e pensionistas do INSS
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Trabalhadores com carteira assinada em empresas privadas
No caso dos trabalhadores do setor privado, o desconto ocorre no contracheque mensal, enquanto o contrato de trabalho estiver vigente.
Essa forma de empréstimo é vantajosa para os bancos porque o risco de inadimplência é menor. Por isso, oferece taxas de juros menores, prazos mais longos e condições facilitadas de crédito.
O que acontece com o empréstimo consignado quando peço demissão
Ao pedir demissão, o contrato de trabalho é encerrado e o banco deixa de receber os valores das parcelas diretamente da folha de pagamento. Isso gera efeitos imediatos:
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O contrato não é cancelado automaticamente.
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A dívida permanece ativa e deve ser paga integralmente.
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O banco pode converter o contrato para modo convencional, com cobrança via boleto ou débito em conta.
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Em algumas situações, o banco pode tentar descontar parte da rescisão trabalhista, conforme cláusulas contratuais.
É importante ressaltar que a empresa não é obrigada a continuar fazendo os descontos após a rescisão. Após a demissão, a obrigação do pagamento passa a ser exclusivamente do trabalhador.
O que diz a lei sobre consignado e demissão
A regulamentação do empréstimo consignado está prevista em normas do Banco Central, além de contratos individuais entre banco e tomador. Algumas regras importantes incluem:
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O desconto não pode ultrapassar 35% da remuneração líquida mensal do trabalhador (30% para empréstimo e 5% para cartão consignado).
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O contrato pode prever a possibilidade de desconto do saldo devedor da rescisão trabalhista, desde que expressamente autorizado no contrato.
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O banco pode cobrar a dívida por outros meios, como boletos, débito em conta ou até ação judicial.
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É proibida a retenção integral do valor da rescisão para quitar o consignado.
O artigo 1º da Lei nº 10.820/2003 permite o desconto em folha, mas não garante ao banco o direito de receber toda a dívida de uma só vez após a demissão.
A empresa pode descontar do acerto rescisório?
Depende do que estiver previsto no contrato de empréstimo consignado. Em geral:
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O contrato pode prever que, em caso de demissão, a empresa descontará parte da rescisão para quitar ou amortizar a dívida.
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Esse desconto precisa estar autorizado previamente pelo trabalhador, no momento da contratação.
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O valor descontado da rescisão não pode ultrapassar 30% da remuneração líquida, e não pode comprometer verbas de natureza alimentar como saldo de salário ou férias vencidas.
Caso a empresa desconte sem autorização expressa, o trabalhador pode buscar a devolução dos valores indevidamente descontados.
O que acontece com as parcelas futuras após a demissão
Se a empresa para de efetuar os descontos em folha e não há saldo de rescisão suficiente, o banco pode:
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Enviar boletos bancários mensais ao devedor
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Oferecer renegociação da dívida
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Incluir o nome do trabalhador nos cadastros de inadimplentes (como Serasa e SPC)
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Ingressar com ação judicial de cobrança
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Incluir cláusula de débito em conta, se previamente autorizada
A obrigação do trabalhador continua existindo, e o não pagamento pode gerar consequências como negativação, protesto de título e penhora de bens.
Posso ser obrigado a quitar todo o empréstimo de uma vez?
Não, a não ser que o contrato preveja cláusula de vencimento antecipado. Mesmo assim, essa cláusula só será válida se:
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Estiver expressamente destacada no contrato
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Não representar onerosidade excessiva
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Houver cláusula permitindo o desconto na rescisão, limitada a percentuais legais
Os tribunais brasileiros têm entendido que o vencimento antecipado não pode ser usado para causar abusos, especialmente quando compromete verbas alimentares.
O que fazer se houve desconto abusivo na rescisão
Se o trabalhador constatar que o valor do acerto rescisório foi utilizado indevidamente para abater toda a dívida, pode:
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Solicitar extrato detalhado da rescisão
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Verificar cláusulas contratuais
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Tentar resolver extrajudicialmente com o banco ou a empresa
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Registrar reclamação no Procon, Banco Central ou Consumidor.gov.br
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Ajuizar ação judicial com pedido de devolução de valores indevidos e indenização por danos morais
As decisões judiciais têm reconhecido o direito de restituição dos descontos não autorizados, especialmente quando comprometem o sustento do trabalhador e de sua família.
Jurisprudência sobre consignado e demissão
Vejamos alguns exemplos de decisões judiciais:
“É nulo o desconto integral da rescisão contratual para quitar empréstimo consignado, sem autorização expressa do trabalhador.” (TJSP – Apelação Cível 101XXXX-62.2019.8.26.0000)
“A cobrança do saldo remanescente após a demissão deve ser feita por outros meios, não sendo possível impor ao trabalhador a quitação integral sem previsão contratual clara.” (TRF-3 – Apelação Cível 000XXXX-83.2018.4.03.6100)
“Compete à instituição financeira comprovar a existência da cláusula que autorize o desconto da rescisão para quitar empréstimo consignado.” (TJMG – Apelação Cível 1.0000.20.123456-0/001)
Esses julgados mostram que o banco só pode agir conforme a lei e o contrato, respeitando os limites da boa-fé objetiva e da função social do contrato.
Como renegociar o empréstimo consignado após pedir demissão
Se você pediu demissão e ainda tem parcelas do empréstimo a vencer, é possível renegociar com o banco:
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Solicite transformação do contrato consignado em empréstimo pessoal
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Negocie novas condições de prazo e juros
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Evite cair na inadimplência, o que pode gerar juros mais altos e nome negativado
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Formalize a renegociação por escrito, exigindo o novo contrato
Se não houver acordo com o banco, o trabalhador poderá optar por:
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Quitar a dívida à vista com desconto
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Ingressar com ação revisional (em caso de juros abusivos)
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Buscar orientação no Procon ou Defensoria Pública
Cuidados ao contratar empréstimo consignado como empregado CLT
Para evitar problemas futuros, o trabalhador que deseja contratar consignado precisa:
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Ler atentamente o contrato
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Verificar a cláusula sobre demissão
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Perguntar se haverá desconto da rescisão
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Considerar o risco de mudança de emprego
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Avaliar sua capacidade de pagamento fora do ambiente de trabalho
Lembre-se: o consignado é uma linha de crédito atraente enquanto o vínculo empregatício existir. Se ele for interrompido, a obrigação permanece, mas a facilidade do desconto em folha desaparece.
E se fui demitido sem justa causa?
As regras são praticamente as mesmas. A diferença é que, nesse caso, o trabalhador pode:
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Receber valores maiores na rescisão, como aviso prévio e multa de 40% do FGTS
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Ter um maior saldo para amortizar a dívida, se houver cláusula contratual autorizando
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Ainda assim, a empresa não é obrigada a quitar a dívida pelo ex-empregado
O banco poderá cobrar o restante por outros meios, inclusive com protesto e negativação.
E se o empréstimo for consignado no INSS?
Nesse caso, o contrato não sofre alteração com a demissão, pois o desconto continuará ocorrendo normalmente no benefício previdenciário.
Por isso, aposentados e pensionistas do INSS não são afetados pela rescisão contratual, e o banco não precisa mudar o método de cobrança.
Perguntas e respostas
Se eu pedir demissão, a dívida do consignado desaparece?
Não. O pedido de demissão não anula a dívida. Você continua obrigado a pagar.
A empresa pode descontar todo o consignado da minha rescisão?
Só se houver autorização expressa no contrato. Mesmo assim, há limites legais e judiciais.
O banco pode exigir pagamento à vista após minha demissão?
Apenas se houver cláusula de vencimento antecipado válida. Caso contrário, você pode continuar pagando em parcelas.
E se não tiver dinheiro para pagar?
Você pode renegociar com o banco, tentar acordos ou buscar orientação legal. A falta de pagamento pode gerar negativação e protesto.
O Procon pode me ajudar?
Sim. O Procon pode intermediar negociações e orientar sobre seus direitos.
Posso entrar na Justiça se o desconto for abusivo?
Sim. É possível ingressar com ação pedindo devolução dos valores descontados indevidamente, além de indenização por danos morais, se houver abalo comprovado.
O consignado afeta meu seguro-desemprego?
Não. O valor do seguro-desemprego não pode ser usado para pagar empréstimo consignado. É uma verba de natureza alimentar, protegida por lei.
Conclusão
O pedido de demissão não isenta o trabalhador de pagar o empréstimo consignado. No entanto, a forma de cobrança deve respeitar os limites legais e contratuais, especialmente no que diz respeito à utilização do saldo da rescisão. A empresa não pode, por conta própria, abater o valor total da dívida, salvo se houver autorização clara e respeitadas as proporções legais.
Caso o desconto ocorra de forma indevida, o trabalhador tem o direito de contestar judicialmente e buscar reparação, inclusive com devolução dos valores e indenização. Além disso, é essencial que o trabalhador conheça bem os termos do contrato antes da contratação do consignado e saiba que, mesmo após o desligamento, o banco não pode impor práticas abusivas para recuperar o crédito.
Se você está nessa situação ou teme passar por ela, procure orientação jurídica especializada. Com informação e suporte adequado, é possível manter seus direitos protegidos e sua vida financeira equilibrada, mesmo após o fim do vínculo empregatício.