Dra. Ana Paula Siqueira Lazzareschi de Mesquita, especialista em Direito Digital do SLM Advogados.
A tentativa de uma distribuidora de livros em enganar o sistema judiciário brasileiro e evitar o pagamento de débitos a prestadores de serviços foi rechaçada em recente decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. O TJ Paulista (Processo Digital Número 0004442-58.2018.8.26.0008) considerou a existência de indícios de blindagem patrimonial, em consequência de abuso da personalidade jurídica pelos sócios, após serem condenados a quitar dívidas com uma agência digital. A Justiça confirmou que os proprietários da empresa estão obrigados a realizar o pagamento e reconheceu que a formação do grupo econômico foi mantida sob controle e direção da mesma família, bem como a tentativa de encerrar irregularmente as atividades da executada. Ana Paula Siqueira Lazzareschi de Mesquita, especialista em Direito Digital do SLM Advogados e representante da agência digital no caso, diz que a decisão da Justiça é um passo importante na defesa dos prestadores de serviços quando o contratante não oferece as devidas condições para a execução do acordo e, depois, ainda tentam medidas judiciais para cobrar a devolução de valores e indenização por trabalho não finalizado.
A advogada afirma que, para o TJ Paulista, houve blindagem patrimonial em consequência de abuso da personalidade jurídica pelos sócios, após serem condenados a quitar as dívidas com a agência de marketing digital por serviços prestados em outubro de 2012. A decisão indica que há fortes evidências sobre a atuação dos quatro proprietários para a manipulação fraudulenta do princípio da separação patrimonial em detrimento dos credores. A Justiça entendeu as condutas dos sócios como um projeto de esvaziamento patrimonial da empresa executada e de blindagem do patrimônio família.
O imbróglio começou quando a distribuidora utilizou meios judiciais para não pagar a agência digital pela prestação dos serviços como desenvolvimento de site e-commerce, mídias sociais e newsletter. Em 2015, a Justiça Paulista definiu como improcedente o pedido da empresa pela devolução dos valores referentes ao trabalho, à época cerca de R$ 13 mil somados à indenização pleiteada em cem salários mínimos. O TJ barrou a tentativa quando a agência digital comprovou judicialmente que cumpriu todo o contrato estipulado e, ainda, mostrou que a distribuidora estava com débitos em aberto. “Demonstramos as inverdades das alegações e que a falta de retorno da contratante impediu a conclusão dos trabalhos, além da falta de pagamentos nos prazos combinados”, diz.
Com a derrota anterior, a distribuidora de livros foi dissolvida irregularmente pelos sócios como tentativa de não quitarem suas dívidas. A primeira sentença (Processo Judicial Número 1002417-94.2014.8.26.0008) obrigou à contratante ao pagamento dos juros e correção sobre o montante devido, inclusas as parcelas de manutenção do site contratado e os gastos com a hospedagem do e-commerce. Para Ana Paula Siqueira, a Justiça reconheceu nessa etapa que havia elementos suficientes para desconsiderar a personalidade jurídica e reinserir o quadro de sócios no polo passivo do processo.
Conflitos nos serviços digitais
Ana Paula Siqueira alerta que não basta fazer campanha de marketing digital, é necessário entregar o serviço ou produto. E muitas empresas ainda não se atentaram para essa realidade. A onda do comércio pela internet é um cenário que deve ser adequado às leis e costumes de cada país. “Cabe ao empresário posicionar-se estrategicamente diante do e-commerce, especialmente com o treinamento de funcionários, gerentes e coordenadores”. A especialista em disputas no direito digital explica que as empresas de varejo devem estar preparadas para atender bem o consumidor, independente do canal de escolha de compra: físico, virtual, telefone, catálogo ou via representação comercial.
O possível prejuízo à utilização do e-commerce pelas empresas não seria causado pela falta de capacidade técnica do Poder Judiciário, mas pela falta de compreensão dos administradores sobre questões relativas ao Direito Digital. A norma legal já prevê, por exemplo, que as empresas devem necessariamente proteger o direito de imagem e privacidade, o direito de autor e o desenvolvimento das ferramentas necessárias para que a loja virtual se torne uma realidade empresarial lucrativa.
Número do Processo Judicial Sentença 2019:
0004442-58.2018.8.26.0008
Número do processo judicial Sentença 2015:
1002417-94.2014.8.26.0008