Trabalho em condições análogas às de escravo uma realidade bem atual

Resumo: Neste artigo demonstro que ao contrário do que muitos pensam ainda existe trabalho em situações análogas as de escravo e que o Brasil vem lutando para erradicar e punir esta prática.

Sumario: Introdução; 1. Conceito e elementos caracterizadores; 1.1 Do trabalho forçado; 1.2 Sujeição da vítima a jornada excessiva; 1.3 Condições degradantes; 1.4 Restrição de locomoção; 2. Da lista suja do trabalho escravo; 3. Do tráfico de pessoas para fins de exploração em condições análogas as de escravo. Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

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Para muitos a escravidão estaria extinta, porém em vários países a realidade é outra, e ainda existem alguns tipos de escravidão em que mulheres e meninas são capturadas ou iludidas para serem escravas domésticas, ajudantes em diversos trabalhos ou para prostituição, além de homens aliciados com promessas de empregos que na verdade são trabalhos em jornadas exaustivas, degradantes e privados de sua liberdade.

Em 1888, com a lei Aurea o trabalho escravo formal se tornou ilegal, sendo o Brasil um dos poucos países do mundo a abolir a escravidão.

 Hoje chamamos de condições análogas as de escravo. Segundo o Código Penal Brasileiro seria qualquer atividade que atente contra a Dignidade da Pessoa Humana.

 Em 1995, o Brasil se tornou um dos primeiros países do mundo a reconhecer a existência de trabalho escravo em seu território e desde então vem realizando ações para o seu combate através de auditores fiscais e um grupo móvel de fiscalização.

 O trabalho em condições análogas as de escravo não existe apenas no meio rural, mas também em áreas urbanas apesar de menor intensidade.

 A escravidão urbana esta relacionada com horas intensas de trabalho diariamente, baixíssimos salários sem folga e em muitos casos com a imigração ilegal.

 Independente dos instrumentos internacionais, nossa própria legislação trata sobre o assunto na Constituição Federal em seu art. 1º, III e IV ao abordar temas como a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. No seu art. 4º da CF a prevalência dos direitos humanos e no art. 5º, III sobre ninguém ser submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante; XXIIII a propriedade atender a sua função social e o art. 170 da CF ao abordar a valorização do trabalho humano e sua livre iniciativa, in verbis:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

II – prevalência dos direitos humanos;

 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

 XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

III – função social da propriedade;”

 Existe um projeto de Lei 432/2013 em tramitação no Congresso Nacional com intuito de reduzir as hipóteses em que pode ser considerado o trabalho escravo, limitando a ocorrência de cerceamento de liberdade ao trabalhador excluindo as condições degradantes.

 A ONU recomendou a rejeição da proposta com receio de aumentar a impunidade e o retrocesso sobre o tema. No entanto, a pressão é grande para sua aprovação já que a tipificação seria muito abrangente e abarcaria situações que não caracterizariam efetivamente condições análogas as de escravo.

2. CONCEITO E ELEMENTOS CARACTERIZADORES

A expressão escravidão moderna não se trata mais de compra e venda de pessoas na relação de trabalho, em que pessoas são forçadas a exercer determinada atividade contra sua vontade, sob ameaça de violência física ou psicológica ou outras formas de intimidação.

 Seria qualquer trabalho que não reúna as mínimas condições necessárias para garantir os direitos ao trabalhador, cerceie sua liberdade, avilte sua dignidade, o sujeite a condições degradantes, inclusive com relação ao meio ambiente de trabalho.

 No Brasil o trabalho escravo advém do trabalho degradante com a privação de liberdade, onde o trabalhador em muitos casos fica atrelado a uma dívida, tem seus documentos retidos, trabalha em lugares geograficamente isolados.

 A degradação vai desde o constrangimento físico e/ou moral a que é submetido o trabalhador, alojamentos sem condições de habitação, falta de instalações sanitárias, falta de água potável, péssimas condições de trabalho e remuneração, ausência de condições de segurança do trabalho, jornadas exaustivas, promoção de endividamento pela venda de mercadorias, remuneração irregular, dentre outros.

 Consoante o preconizado no art. 149 do CP o trabalho em condições análogas as de escravo é tipificado penalmente diante de quatro condutas específicas: a) sujeição da vítima a trabalhos forçados; b) jornada exaustiva; c) sujeição da vítima a condições degradantes; d) restrição de qualquer meio de locomoção da vítima em razão de dívida contraída com empregador ou preposto;

2.1. Do trabalho forçado;

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 O trabalho forçado seria o exigido sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual o trabalhador não se ofereceu espontaneamente. O trabalhador não pode decidir sobre sua aceitação e sua permanência, mesmo inicialmente sendo consentido e depois se tornando forçado.

 Nele se fere a dignidade da pessoa humana, a liberdade, tirando do trabalhador o seu direito de escolha. Na maioria dos casos as próprias condições de vida do trabalhador já é um elemento coercitivo, como o caso do empregado que é obrigado a permanecer no trabalho para saldar uma dívida seja lícita ou não; em decorrência de violência ostensiva, ameaças, represálias, cerceamento de sua locomoção ou coação.

2.2. Sujeição da vítima a jornada exaustiva;

 A jornada excessiva seria não só a submissão a uma jornada excessiva, mas sobrecarga de trabalho ou esforço excessivo que o leve a ir além de sua capacidade.

 Seria não permitir um descanso do trabalhador ou mesmo o convívio social levando-o ao esgotamento físico.

 As normas referentes à duração do trabalho são normas de saúde pública já que possuem o intuito de restabelecer as forças físicas e psíquicas do obreiro e prevenir a fadiga física e mental, além de reduzir os riscos de acidentes de trabalho.

2.3. Condições degradantes;

 As condições degradantes retiram os direitos fundamentais do trabalhador, sendo o mais comum a subtração dos direitos mais básicos como da saúde e segurança do trabalho, negando a alimentação, a higiene e a moradia. Seria também o cerceamento da liberdade com a supressão dos direitos mais essenciais do trabalhador, seu livre arbítrio, liberdade de escolha e mesmo condição de ser humano.

2.4. Restrição de locomoção;

 Trabalhadores são aliciados por falsas vagas de emprego e em regra só descobrem o problema quando chegam ao local de trabalho.

 De imediato o trabalhador é informado que contraiu uma dívida, seja pelo transporte, ferramentas de trabalho ou mesmo alimentação.

 Deste modo, mesmo estando submetido a condições degradantes de trabalho o trabalhador fica impedido de se desligar já que está vinculado a uma dívida que só aumenta e nunca tem fim.

 Esse instrumento de manipulação é efetivo já que trabalhadores possuem valores para saldar as dívidas.

 Também uma forma típica de reter o empregado seria cercear o uso do meio de transporte, realizar a manutenção de vigilância ostensiva no local de trabalho. Utilizar vigilância armada, alojamento em lugares de difícil acesso, realizar um sistema de retenção de documentos e atraso no pagamento de salários.

3. DA LISTA SUJA DO TRABALHO ESCRAVO

 A lista suja do trabalho escravo foi um meio encontrado para coibir as praticas de exploração de mão de obra em condições análogas as de escravo. Nesta lista a cada seis meses o nome das empresas que cometeram o crime de utilizar mão de obra em condições análogas as de escravo era divulgado.

 Todavia, a divulgação da lista suja está suspensa por decisão do Supremo Tribunal Federal desde dezembro de 2014 e, ainda de acordo com o governo federal, não tem previsão de nova publicação. A relação de empregadores só é divulgada a quem solicita acesso à lista pela Lei de Acesso à Informação, segundo o MTE.

 O governo federal atualizou as regras da chamada "lista suja" do trabalho escravo, em que constam nomes de empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas à escravidão. A decisão, publicada no dia 13 de Maio no Diário Oficial, permite a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta pelo empregador para "reparar os danos causados".

 A nova regra muda os critérios para a entrada e saída das empresas da lista. A partir da mudança, o empregador que for flagrado cometendo irregularidades pode assinar um acordo se comprometendo a melhorar as condições de trabalho no negócio, sem entrar na "lista suja".

 Estes empregadores integrarão uma segunda relação, com a ressalva de que se trata de empregadores que se propuseram a sanear, reparar, prevenir e promover medidas que evitarão novas ocorrências de condutas que submetam trabalhadores a condições análogas as de escravo.

 Para os que estiverem na lista, caso as exigências de melhoria sejam cumpridas, os empregadores podem pedir a exclusão de seu nome da relação após um ano. Antes, as exclusões ocorriam, após dois anos, se não houvesse reincidência e fosse efetuado o pagamento de todos os autos de infração.

 Ademais, na decisão fica ainda mais evidenciado que qualquer ato de inclusão da empresa ao Cadastro de Empregadores deve ser precedido da necessária decisão administrativa definitiva exarada no processo do auto de infração onde se fundamenta a caracterização das condições análogas às de escravo e que qualquer situação diversa a esta seria ilegal.

4. DO TRAFICO DE PESSOAS PARA FINS DE EXPLORAÇÃO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS AS DE ESCRAVO

 Seria o recrutamento de pessoas pela força, fraude ou enganação ou outras formas de coerção.

 A finalidade maior do tráfico de pessoas para fins econômicos é o lucro obtido com a exploração do trabalho análogo ao de escravo, sua finalidade precípua de fornecer mão de obra ao trabalho forçado e para sua configuração seriam necessários dois elementos: o serviço deve ser imposto sobre pena de punição e deve ser executado involuntariamente, seja desde forma violenta até formas sutis de violação que muitas vezes pode ser psicológica.

 Outro ponto importante é a irrelevância do consentimento da vítima para sua caracterização, consoante art. 2º e art. 7º do Decreto 5948 de 26 de Outubro de 2006, editado como uma forma de política de enfrentamento do tráfico de pessoas.

“Art. 2o Para os efeitos desta Política, adota-se a expressão “tráfico de pessoas” conforme o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças, que a define como o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos.

§ 7o O consentimento dado pela vítima é irrelevante para a configuração do tráfico de pessoas”

 Uma vez configurado o trabalho em condições análogas as de escravo também configurado o tráfico de pessoas para fins econômicos.

 O tráfico de pessoas possui uma estreita relação com o trabalho forçado e pode ser realizado tanto no âmbito nacional como internacional.

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 Com relação aos estrangeiros em situação irregular submetidos às condições análogas as de escravo de ser observado o Decreto 5017 de 12 de março de 2004, em seus art 6º e 7º.

 De acordo com a Resolução Normativa 93, de 21 de dezembro de 2010 o estrangeiro em situação irregular e vitima de trabalhos em condições análogas as de escravo pode ter a concessão de visto permanente ou de permanência no Brasil, podendo ser estendido ao companheiro, ascendente, descendente e pessoa dependente que tenha comprovada convivência habitual com a vítima.

CONCLUSÃO

 Por mais que o Brasil esteja evoluído com relação ao combate e a erradicação de situações análogas as de escravo. Certo que temos um longo caminho a percorrer não bastando apenas uma legislação acerca do tema ou mesmo auditores imbuídos nesta missão já que os processos desta matéria muitas vezes são arquivados ou prescrevem pela morosidade na apuração.

 A impunidade estimula a prática, inclusive sendo importante a realização de trabalhos educacionais, valorizando o conhecimento prévio, no intuito de evitar que trabalhadores sejam aliciados e se tornem reféns de trabalhos em condições análogas as de escravo.

 Ademais, seria importante a retomada da divulgação da lista negra dos empregadores que de fato tenham comprovadas a utilização de mão de obra de trabalhadores em condições as análogas as de escravo como uma maneira de coibir esta prática.

 

Referências
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 2000, p.260
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 3 ed. São Paulo: LTr, 2001;_______2007
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 26. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
BRASIL, Decreto-Lei nº 5.948, de 26º de Outubro de 2006.
BRASIL, Decreto-Lei no. 5.017 de 12 de março de 2004
BRASIL, Constituição da República Federativa do. Saraiva. 2014
BRASIL. Código Penal Brasileiro (atualizado). Saraiva. 2014
Ministério do Trabalho e Emprego. Manual de Combate ao Trabalho em Condições Análogas as de Escravo. Disponível: acesso.mte.gov.br/data/files/8A7C816A350AC88201350B7404E56553/combate%20trabalho%20escravo%20WEB.PDF Acesso em 01 de setembro de 2016.

Informações Sobre o Autor

Any Menezes de los Rios

Pós Graduada em Direito e Processo do Trabalho além de Direito Público. Advogada Associada do escritório Oliveira e Lima Advogados Associados


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