1 INTRODUÇÃO
A Emenda Constitucional 45 de 2004, ao inserir um terceiro parágrafo ao artigo quinto, trouxe a possibilidade de um tratado, que verse sobre matéria de direitos humanos, ter equivalência de emenda constitucional, desde que seja aprovado “em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros”.
Essa modificação em nossa Lei Maior reforça nossa sintonia com a evolução dos direitos humanos e com a ordem internacional humanitária, sendo “um passo significativo no sentido da sedimentação de uma ordem transnacional de proteção dos direitos humanos” [1].
Aliás, mais do que isso, praticamente faz da Sociedade Internacional um sujeito ativo nos avanços humanitários da nossa ordem constitucional, contribuindo para o pilar do nosso ordenamento jurídico, que é a Constituição, veiculando, através do Presidente da República, um tratado que funciona como um projeto de Emenda Constitucional.
Mas isso traz importantes indagações. Podemos conceder os mesmos efeitos das emendas constitucionais que dispõe e sobre direitos humanos, como ser considerada como cláusula pétrea? Devemos dar a este processo de ratificação todas as prerrogativas dadas aos processos de aprovação de emenda constitucional, como prescindir de promulgação do Chefe do Executivo?
Conceder os limites é um consenso, mas as questões que envolvem os efeitos jurídicos e prerrogativas constituem importantes interrogações nesta mudança constitucional.
Destarte, vamos realizar uma análise comparativa entre os tratados de direitos humanos e os demais, no que se refere ao procedimento de ratificação e aos efeitos de sua recepção no ordenamento jurídico. Contudo, não se pretende trazer respostas definitivas, mas levantar questões para a reflexão do leitor.
2 O TRÂMITE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS
Faz-se mister, portanto, conhecer um pouco do tramite ordinário de ratificação dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro, para poder compará-los com o tramite dos tratados de direitos humanos com equivalência constitucional.
2.1 O Tramite Ordinário de Ratificação dos Tratados
Preliminarmente, deve-se demarcar que a celebração dos tratados é de competência privativa do Chefe do Executivo[2], que constitui a realização das tratativas em âmbito internacional que conclui em um acordo entre o Estado brasileiro e outro sujeito do Direito Internacional, que, em regra, são os Estados e as Organizações Internacionais. Por isso o texto final, que deverá ser aprovado pelo Congresso, tem participação do Presidente da República, mas na verdade constitui fruto do concurso de idéias dos Estados e Organizações Internacionais que participam do tratado.
Cabe também ao Presidente da República, de forma privativa, o ingresso deste tratado no Congresso Nacional, para o referendo previsto no art. 84, VIII, da Constituição Federal. Assim, remete ao Congresso mensagem com o texto do tratado[3], para sua aprovação.
Este disposição, de submeter o tratado celebrado pelo Presidente da República ao referendo do Congresso Nacional, é visto por Manoel Gonçalves Ferreira Filho, citado por Roberto Luiz Silva[4], como determinação suficiente para que todos os tratados sejam submetidos ao Congresso Nacional. Para o autor[5], além da posição de Ferreira Filho, há as lições de Mello, Rezek e Asccioly, que entendem existirem acordos de competência apenas do Poder Executivo, sem ensejarem a apreciação pelo Legislativo, como é o caso dos acordos executivos. Para os autores, apenas os “tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”, seriam resolvidos definitivamente pelo Congresso Nacional, conforme disposição expressa do artigo 49, I, da Constituição Federal. Para Marotta Rangel, há também a necessidade de submeter ao Congresso Nacional os tratados que propõe mudanças no ordenamento jurídico. Este pensamento é lógico, afinal, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”[6] e se há disposição legal que firme uma determinada conduta, apenas outra determinação legal poderá modificá-la e o tratado só passa a ter força de lei se passar pelo Legislativo, já que é este o Poder que tem competência para legislar.
Quanto a essa questão é relevante a lição expedida pelo Ministro Celso Mello, que entender ser a recepção de um tratado internacional a conjugação das vontades do Legislativo e do Executivo.
“O exame da vigente Constituição Federal permite constatar que a execução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe — enquanto Chefe de Estado que é — da competência para promulgá-los mediante decreto.”
Portanto, recepcionado a mensagem do Presidente, inicialmente na Câmara dos Deputados[7], este deverá ser aprovado em cada casa legislativa, através de decreto legislativo. Afinal, como lecionam Ricardo Chimenti et al[8], por adotarmos uma teoria dualista, o tratado depende de aprovação por norma de direito interno, no caso, o decreto legislativo. Como bem afirma Alexandre de Moraes[9], não se trata de um dualismo extremado, onde se necessidade de uma lei formal, como uma lei ordinária, para recepcionar um tratado, bastando aprovação no Congresso Nacional através de decreto legislativo.
No Brasil os tratados são aprovados com rito semelhante à de uma lei ordinária. Ou seja, em cada Casa deverá passar pelas comissões permanentes competentes e depois passarem pela aprovação do plenário. A aprovação se publicizará através da publicação do Decreto Legislativo em Diário Oficial. Depois do trâmite nas duas Casas, publicados os respectivos Decretos Legislativos, o tratado é enviado ao Presidente da República que o ratificará, através de Decreto. Publicado em Diário Oficial, este será considerado ratificado.
Deve-se atentar para o fato de que a rejeição, através de simples mensagem ao Presidente da República[10], em uma das casas importa em interrupção definitiva do processo de ratificação, sem acolhimento do tratado no nosso ordenamento jurídico. Para Valério Mazzuoli:
“A manifestação do Congresso Nacional só ganha foros de definitividade quando desaprova o texto do tratado anteriormente assinado pelo Chefe do Executivo, quando, então, o Presidente da República estará impedido de concluir o acordo, ratificando-o[11].”
Aprovado no Congresso Nacional, o tratado deverá ser promulgado pelo Presidente da República. Neste sentido vale repisar a decisão do Ministro Celso Mello:
“O iter procedimental de incorporação dos tratados internacionais — superadas as fases prévias da celebração da convenção internacional, de sua aprovação congressional e da ratificação pelo Chefe de Estado — conclui-se com a expedição, pelo Presidente da República, de decreto, de cuja edição derivam três efeitos básicos que lhe são inerentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a publicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. Precedentes.”(ADI 1.480-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 4-9-97, DJ de 18-5-01)
É interessante verificar que uma lei ordinária, depois de passar pelo Congresso Nacional deverá ser sancionada pelo Presidente da República. Porém, no caso dos tratados internacionais, estes são resolvidos em definitivo pelo Congresso Nacional, ou seja, a sanção parte do Congresso Nacional, cabendo ao Presidente apenas a promulgação, ou seja, declarar a existência da ratificação[12] e ordenar sua publicação.
Depois, para surtir efeito internacional, se houver necessidade de publicização internacional da ratificação, como preceitua a Convenção de Viena sobre Tratados (1969), esta ratificação se validará após cumprimento do procedimento especificado no texto do Tratado, ou previsto na Organização Internacional ou Conferência em que este foi celebrado.
2.2 O Procedimento de Ratificação Com Equivalência Constitucional
Até a recepção da mensagem que encaminha o texto do tratado no Congresso Nacional, os trâmites são semelhantes, tanto o rito ordinário, quanto o rito constitucional. O que vai diferenciar é justamente a partir da recepção no Congresso Nacional, pois é nesse momento que se decide o rito a ser adotado. Alexandre de Moares[13] assevera que a escolha do processo de ratificação do Tratado que versa sobre Direitos Humanos é uma discricionariedade do Congresso, podendo optar tanto pelo rito ordinário, resultando na equivalência de lei ordinária, quanto o rito de emenda constitucional, garantindo-lhe tal status. No entanto, cabe ressaltar a lição de Bulos, onde afirma que “é o Presidente da República que submete a matéria ao Congresso, à semelhança do que ocorre com as emendas constitucionais”[14] Destarte, assim como Presidente tem o poder de propor uma emenda constitucional, poderá indicar o rito de aprovação do tratado, fazendo dele um “espécie” de projeto de emenda constitucional, onde o congresso tem a oportunidade de aprovar ou não a nova emenda constitucional.
Restando-nos, pois, esta questão em suspense, que não se resolveu doutrinariamente, que é a competência para determinar qual o rito a ser aplicado para o tratado sobre direitos humanos. Cabe ao Congresso Nacional ou ao Presidente da República escolher o rito a ser submetido um determinado tratado de Direitos Humanos?
Contudo, os requisitos estão bem claro quanto qual tratado pode ter tal equivalência. A Emenda constitucional 45 é bem específica quanto à natureza do tratado e o rito pelo qual deve ser aprovado, para que tenha equivalência de emenda constitucional. Assim, ab initio entende-se que são condições necessárias para se alcançar a equivalência de emenda constitucional versar sobre matéria de Direitos Humanos e ser aprovado em dois turnos em cada Casa Legislativa e com três quintos dos votos. Destarte, excluem-se os tratados que versem sobre matéria distinta, assim como qualquer tratado que seja aprovado por rito ordinário, inclusive os tratados de direitos humanos.
Uadi Lammego Bugos[15] aponta jurisprudências pretéritas a Emenda Constitucional 45 para afirmar que os tratados que versam sobre direitos humanos são recepcionados, em regra, como tendo equivalência de lei ordinária. Moraes[16] entende da mesma forma, expondo que:
“As normas previstas nos atos, tratados, convenções ou pactos internacionais devidamente aprovadas pelo Poder Legislativo e promulgadas pelo Presidente da República, inclusive quando prevêem normas sobre direitos fundamentais, ingressam no ordenamento jurídico como atos normativos infraconstitucionais.”
Mas essa não era uma discussão pacifica, pois alguns autores, como Cançado Trindade, Flávia Piovesan e outros, entendiam que, ainda que aprovados com maioria simples, eram acolhidos como norma constitucional, cujo fundamento seria a interpretação do art. 5º, § 2º.[17]
Desta forma, decidido que um tratado passará pelo rito de emenda, proceder-se-á tal rito, resultando, em caso de aprovação, em decreto legislativo, em cada Casa, que ratifica o tratado. Paulo e Alexandrino[18] levantam uma questão de forma, onde questionam se o decreto legislativo terá o mesmo nome ou se chamará decreto legislativo especial? A questão se funda no fato de o decreto legislativo, em regra, é aprovado através de rito ordinário, o que se diferenciaria deste outro rito. Araújo e Nunes Júnior reconhece esta nomenclatura, aferindo que os decretos legislativos especiais têm equivalência de emenda constitucional.[19]
Aprovado pelo Congresso este deverá seguir para a promulgação do Presidente da República. Assim, poder-se-ia levantar outra questão: a promulgação deverá ser feita pelo Presidente da República ou pelo Congresso Nacional? A questão se funda no fato de que a regra para ratificação de um tratado é que esta seja promulgada pelo Presidente da República. No entanto, esta é uma regra para os tratados com equivalência de lei ordinária. As emendas constitucionais são promulgadas pelo Congresso Nacional, sem precisar passar pelo crivo do Presidente da República (art. 60, §3º). Porém, esta discussão só se resolve através do Regimento Interno do Congresso Nacional, já que as equivalências dos procedimentos não são absolutas. Se de um lado a lei ordinária é sancionada e promulgada pelo Presidente da República, o tratado ordinário é apenas promulgado pelo Presidente da República, sendo sancionado pelo Congresso. Assim, pode-se permanecer a promulgação pelo Presidente da República, mas não se pode afirmar isto em definitivo, por enquanto, já que, nas emendas constitucionais, vale repisar, o Chefe do Executivo não participa de forma alguma após a aprovação do Congresso.
Por isso podemos tomar dois caminhos: o primeiro em que se concluiria o rito com a promulgação do Presidente da República; o segundo excluindo a necessidade do Chefe do Executivo expedir ato que ordene a publicação da ratificação. Em publicação recente, Fabio Bandeira e Paulo Fayete entendem por esta segunda linha.[20] Mas para Moraes[21], não basta que um tratado internacional seja aprovado pelo Congresso para ter validade interna, exigindo decreto Presidencial. O que entende também Valério Mazzuoli[22], já que o decreto legislativo não tem o poder de transformar o acordo assinado pelo Executivo em norma de efetividade interna, só acontecendo depois de ocorrer a posterior ratificação e promulgação pelo Presidente da República Resta saber se esta regra também se aplica aos tratados acolhidos por procedimento de aprovação de emenda constitucional.
De qualquer forma, deve-se lembrar, que para qualquer das formas de ratificação, não há qualquer requisito internacional para reconhecimento, cabendo aos Estados definir seus procedimentos internos, que serão reconhecidos internacionalmente, de que represente livre consentimento do Estado.
3 OS TRATADOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO
Os tratados têm comportamento diferente no ordenamento jurídico, conforme o rito em que é acolhido. Há quem considere que bastando ser de natureza de Direitos Humanos para que haja tal diferença, possuindo caráter constitucional. Mas a doutrina e a jurisprudência dominante refutaram tal pensamento.
Cabe verificar essas diferenças, sobretudo no que se refere ao comportamento diante das demais fontes formais do direito, com especial atenção à Constituição. É óbvio que tais diferenças estão diretamente adstritas ao fato de poder dar equivalência constitucional. O ponto fulcral é até onde vai essa equivalência: absoluta ou relativa?
É obvio que o intuito é de elucidar algumas questões, mas com claro efeito de levantar mais dúvidas e questionamentos.
3.1 Os Tratados Ordinários e o Ordenamento Jurídico
Os tratados em regra são acolhidos, como já dito, pelo nosso ordenamento jurídico com equivalência de leis ordinárias. Não nos falta doutrina nem jurisprudência que corrobore este pensamento. Dessa feita, podemos depreender uma série conclusões.
A primeira é de que em conflito com as demais normas jurídicas aplicar-se-ão as regras de praxe para definição de vigência, como os critérios cronológico, hierárquico e da especialidade. Então, pode-se dizer, por exemplo, que os tratados ratificados revogam lei ordinária anterior e poderá ser revogado pelas posteriores. Regra diversa deve ser prevista no ordenamento jurídico, como o Código Tributário Nacional, que em seu art. 98 dispõe:
Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.
Desta forma, os tratados, em matéria tributária, revogam as disposições anteriores que lhe sejam conflitantes e não poderão ser revogados pelas posteriores. Alguns autores entendem que esta revogação só poderá ser dada por conflito constitucional ou por superveniência de tratado sobre mesma matéria, que lhe seja conflitante. Mas isto não significa que deixam de ter status de lei ordinária, apenas tem tratamento especial pelo Código Tributário, que é uma lei complementar.
Destarte, os tratados, dentro da hierarquia normativa estão abaixo das normas constitucionais, que se compreende que tratados em conflito com norma constitucional não terão eficácia, por se aplicar a regra da inconstitucionalidade aos tratados acolhidos ordinariamente. Disto se aplica a possibilidade de controle constitucionalidade, difusa ou concreta, o que é pacífico pela doutrina e jurisprudência majoritária.
Também se depreende que, em se tratando de status de lei ordinária, um tratado ratificado não regular matéria de competência de lei complementar, sob pena de inconstitucionalidade, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal, citada por Uadi Lammego Bulos[23].
3.2 Os efeitos dos Tratados de Equivalência Constitucional
A primeira questão que devemos levar em conta é o fato de que o legislador constitucional optou por considerar que tais tratados, após ratificação com rito especial, tenham equivalência de emenda constitucional. O que significa que não se trata de uma emenda constitucional e, portanto, não altera o texto da Carta Magna.
Logo, o que se quis foi conferir-lhe efeitos semelhantes ao de uma emenda constitucional. Devemos lembra que uma emenda constitucional é um processo legislativo que permite que haja mudança no texto da Lei Maior, que sejam adicionadas disposições novas, alterando ou revogando antigas. Este processo importa em um poder constituinte derivado, de apenas alterar o texto sem ter recriá-lo, em face da inviabilidade de se criar novas constituições paa toda alteração que se necessite, pois implica em um serie incomensuráveis de dificuldades jurídico-politicas, inclusive de criar novos Estados e novos ordenamentos jurídicos, onde se destaca o problema de se instituir um poder constituinte originário que significa plenos poderes, inclusive para retroceder conquistas importantes e vitais para nossa sociedade.
Para as propostas de emendas constitucionais se coloca um limite expresso no artigo 60, § 4º, que proíbe a deliberação de proposta de emenda tendente a abolir: “I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; IV – os direitos e garantias individuais.” Portanto, um tratado que passe a ter equivalência constitucional, assim como qualquer outra fonte jurídica, não poderá atingir essas chamadas cláusulas pétreas. Mas disso depreende-se que aquilo que é acrescentado ao Texto Constitucional, em matéria de Direitos e Garantias Individuais, por exemplo, não poderá ser retirado, nem mesmo por outra emenda constitucional posterior. Logo, estes tratados podem somar direitos humanos, mas não retirá-los ou restringi-los.
Contudo, somam-se mais uma questão: podemos afirmar que um tratado com equivalência de emenda constitucional será considerado como cláusula pétrea?
Mais tranqüila é a impossibilidade destes tratados serem revogados por norma jurídica infraconstitucional. Portanto, revogam disposições vigentes contrárias, mas não são revogados pelas posteriores, pelo contrário, devem ser observadas. Inclusive poderá revogar normas tributárias estabelecidas em tratados que lhe sejam conflitantes, por incorrer em inconstitucionalidade.desta feita se depreende que tal tratado figure como fundamento de controle de constitucionalidade
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este tema é recente é ainda não apresenta considerações práticas, pois não tivemos ainda um tratado ratificado segundo os preceitos do artigo 5º, § 3º. As elucubrações doutrinárias nem sempre são pacíficas e nos remetem mais ao exercício da reflexão do que a certezas concretas.
O que temos de mais concreto dentre os questionamentos são aqueles exercidos sobre a aplicação dos parágrafos primeiro e segundo do artigo quinto da Constituição Federal, onde muitos enxergavam ali o ingresso no ordenamento jurídico brasileiro de uma prática constitucional presente em vários Estados, que receber os tratados sobre Direitos Humanos com status constitucional.
A jurisprudência pátria possuía, ainda antes da reforma constitucional em tela, discordâncias claras sobre ao status constitucional dos tratados que versavam sobre direitos humanos. Decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, citada por Bandeira e Fayet[24], equipara o Pacto de São José da Costa Rica a texto Constitucional. Porém, o Supremo Tribunal vinha afirmando a impossibilidade de tal equiparação:
“Prevalência da Constituição, no Direito brasileiro, sobre quaisquer convenções internacionais, incluídas as de proteção aos direitos humanos, que impede, no caso, a pretendida aplicação da norma do Pacto de São José: motivação. A Constituição do Brasil e as convenções internacionais de proteção aos direitos humanos: prevalência da Constituição que afasta a aplicabilidade das cláusulas convencionais antinômicas. (…) Assim como não o afirma em relação às leis, a Constituição não precisou dizer-se sobreposta aos tratados: a hierarquia está ínsita em preceitos inequívocos seus, como os que submetem a aprovação e a promulgação das convenções ao processo legislativo ditado pela Constituição e menos exigente que o das emendas a ela e aquele que, em conseqüência, explicitamente admite o controle da constitucionalidade dos tratados (CF, art. 102, III, b). Alinhar-se ao consenso em torno da estatura infraconstitucional, na ordem positiva brasileira, dos tratados a ela incorporados, não implica assumir compromisso de logo com o entendimento — majoritário em recente decisão do STF (ADInMC 1.480) — que, mesmo em relação às convenções internacionais de proteção de direitos fundamentais, preserva a jurisprudência que a todos equipara hierarquicamente às leis ordinárias. ” (RHC 79.785, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 29-3-00, DJ de 22-11-02)
Contudo, em decisão recente, cinco anos após a vigência da reforma constitucional em tela, o Supremo Tribunal Federal reconheceu o status de “norma supralegal” ao Pacto de São José da Costa Rica, ratificado em 1992, sob rito ordinário, em habeas corpus preventivo:
“A Turma deferiu habeas corpus preventivo para assegurar ao paciente o direito de permanecer em liberdade até o julgamento do mérito, pelo STJ, de idêntica medida. No caso, ajuizada ação de execução, o paciente aceitara o encargo de depositário judicial de bens que, posteriormente, foram arrematados pela credora. Ocorre que, expedido mandado de remoção, os bens não foram localizados e o paciente propusera, ante a sua fungibilidade, o pagamento parcelado do débito ou a substituição por imóvel de sua propriedade, ambos recusados pela exeqüente. Diante do descumprimento do múnus, decretara-se a prisão do paciente. Inicialmente, superou-se a aplicação do Enunciado da Súmula 691 do STF. Em seguida, asseverou-se que o tema da legitimidade da prisão civil do depositário infiel, ressalvada a hipótese excepcional do devedor de alimentos, encontra-se em discussão no Plenário (RE 466.343/SP, v. Informativos 449 e 450) e conta com 7 votos favoráveis ao reconhecimento da inconstitucionalidade da prisão civil do alienante fiduciário e do depositário infiel. Tendo isso em conta, entendeu-se presente a plausibilidade da tese da impetração. Reiterou-se, ainda, o que afirmado no mencionado RE 466.343/SP no sentido de que os tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil possuem status normativo supralegal, o que torna inaplicável a legislação infraconstitucional com eles conflitantes, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação e que, desde a ratificação, pelo Brasil, sem qualquer reserva, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos — Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), não há mais base legal para a prisão civil do depositário infiel.” (HC 90.172, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 5-6-07, Informativo 470)
Então? Podemos entender que a emenda constitucional 45/2004 retroage, aplicando-se aos tratados pretéritos, ratificados sob rito ordinário, bastando que versem sobre direitos humanos? E se retroagir sobre tratados ordinários, os tratados hodiernos, não ratificados pelo rito especial, poderão ter status constitucional? Esta questão se torna mais complexa se pensarmos que o legislador regulou a recepção de tratados de direito humanos, do qual pode-se interpretar claramente que os tratados que não passem por rito de emenda não terão status de emenda.
Então? Equivalência de emenda constitucional é diferente de status constitucional? Se for diferente podemos aceitar que os tratados pretéritos tenham o status constitucional e os tratados novos ratificados por rito ordinário tenham status constitucional, enquanto que os tratados ratificados pelo rito especial tenham equivalência. Caso contrário a quesão se mantém.
Alguma outras perguntas também se mantém: os tratados ratificados pelo rito de emenda, reconhecidos com tal equivalência, constituem cláusulas pétreas?
Talvez algumas outras questões sejam respondidas à luz do princípio que veda o retrocesso dos direitos fundamentais. Se muitas das aplicações que se questionam já tinham aceitação da doutrina ou da jurisprudência, assim deve ser mantido o seu entendimento. Podemos aceitar, por exemplo, que se mantenha a competência do Presidente para promulgar o tratado, ainda que com o rito de emenda constitucional.
A certeza é que a ordem constitucional, no concerne a proteção aos direitos humanos, se reforça, com esta possibilidade da contribuição internacional. Talvez as respostas as perguntas, aqui levantadas, sejam ousadas, permitindo um aumento considerável nas disposições constitucionais que defendem o ser humano, evitando-se uma interpretação mais conservadora,que considera a equivalência um meio de se impedir a elevação de tais tratados a condição de texto verdadeiramente constitucional, relegando os tratados sobre direitos humanos já vigentes como normas infraconstitucionais.
Informações Sobre o Autor
Edison Botelho Silva Júnior
Mestre em Direito e Professor de Direito Internacional e Direito Comunitário e da Integração, da Universidade Santa Cruz do Sul – UNISC