Tratados internacionais de direitos humanos perante a ordem jurídica brasileira

logo Âmbito Jurídico

Palavras-chave: Direito
Constitucional; Constituição Federal de 1988; Tratados internacionais de
Direitos Humanos; art. 5º, § 2º da CF/88; Cláusulas Pétreas; art. 60, § 4º da
CF/88.

Uma questão que gera polêmica no meio jurídico nacional é a de saber
qual o tratamento dispensado pela Constituição Federal de 1988 aos tratados
internacionais de Direitos Humanos.

Quanto ao tratamento jurídico dado por um ordenamento jurídico aos
tratados internacionais de Direitos Humanos, temos três possibilidades: 1) os
tratados internacionais de Direitos Humanos são considerados leis ordinárias,
de hierarquia infraconstitucional, estando sujeitos ao controle interno de
constitucionalidade; 2) os tratados internacionais de Direitos Humanos são
considerados emendas constitucionais, onde recebem o mesmo tratamento jurídico
que aquelas quanto ao procedimento de incorporação ao ordenamento jurídico
interno, e quanto à matéria a ser tratada; e 3) os tratados internacionais de
Direitos Humanos são considerados normas supra-constitucionais,
de hierarquia maior que a Constituição, de modo a derrogar os dispositivos
constitucionais com eles incompatíveis.

No caso brasileiro, atualmente, discute-se na doutrina e
jurisprudência qual destas posições deve ser a dos tratados internacionais de
Direitos Humanos perante o nosso Ordenamento Jurídico.

Para alguns – e aqui inclui-se o professor
Alexandre Coutinho Pagliarini –, pelo disposto no
artigo 5º, § 2º da Constituição Federal, os tratados internacionais de Direitos
Humanos teriam status constitucional.
Por outras palavras, apesar de os tratados internacionais – de maneira geral –
serem, por força constitucional, de hierarquia igual à das leis ordinárias, os
tratados internacionais que versem sobre matéria de Direitos Humanos deveriam
ser considerados como se fossem dispositivos constitucionais, revogando-se leis
ordinárias, ou até mesmo derrogando dispositivos constitucionais com eles
incompatíveis.

Assim, pelo princípio hermenêutico da ótima
concretização da norma constitucional, chegar-se-ia à conclusão de que o
próprio Poder Constituinte estabeleceu uma facilidade e proteção especial aos
tratados internacionais que versem sobre questões relativas aos Direitos
Humanos, os quais deveriam ser considerados como parte integrante do rol de
direitos constitucionalmente expressos.

Para outros – e aqui se inclui a jurisprudência do STF – os tratados
internacionais de Direitos Humanos deveriam receber tratamento igual ao
dispensado a qualquer outro tratado internacional, ou seja, seriam considerados
como possuidores de hierarquia infraconstitucional de mesmo grau que as leis
ordinárias.

Face a estas duas posições distintas, estabelecidas no direito pátrio,
cumpre assinalar que nos posicionamos de acordo com a corrente defendida pelo
STF, a qual acertadamente entende que os tratados internacionais de Direitos
Humanos possuem hierarquia infraconstitucional de nível igual às leis
ordinárias.

Defendemos esta posição alegando, em princípio, que o trâmite para
aprovação de um tratado internacional – e aqui não há distinção entre ser, ou
não ser, um tratado sobre Direitos Humanos – é diferente do trâmite de votação
de Emenda Constitucional, sendo de aprovação muito mais simplificada que esta.

Assim, em se considerando um tratado internacional de Direitos Humanos
como possuindo status constitucional,
estar-se-ia violando o quorum necessário à aprovação de Emenda Constitucional,
estabelecido pela Constituição Federal.

Por outro lado, apesar de concordar que é necessária uma especial
proteção aos Direitos Humanos, e que a Constituição deveria encampar esta
obrigação, facilitando a adequação da ordem jurídica interna aos tratados
internacionais de Direitos Humanos dos quais o Brasil
faça parte, não consigo vislumbrar no parágrafo 2º do artigo 5º a autorização –
e muito menos a ordem – de se considerar um tratado internacional de Direitos
Humanos como possuindo status
constitucional.

O referido dispositivo constitucional afirma que:

“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil  seja parte.”

Assim, reafirmo que não consigo ler, no citado dispositivo, o
mandamento desejado – por mim e – pela corrente contrária.

Apesar do princípio hermenêutico da ótima
concretização da norma constitucional, devemos lembrar que toda e qualquer
hermenêutica deve começar, e ter por limites, a simples letra da lei (os
diversos autores são unânimes a respeito).

Assim, o que a Constituição afirma é que, os direitos e garantias
constitucionalmente expressos não excluem outros que não estejam elencados na
Constituição.

A idéia de não-exclusão é completamente diferente da idéia de
inclusão.

Não-exclusão significa que é possível que existam outros direitos –
constitucionais, ou não – não-expressos pela Constituição, sem entretanto afirmar que estes seriam necessariamente parte
da Constituição.

Enquanto que, por outro lado, inclusão significa que os direitos
oriundos de tratados internacionais de Direitos Humanos estejam,
necessariamente, incluídos dentro do rol de direitos constitucionalmente
garantidos.

O que se desejou com tal dispositivo é apenas evitar que alguns
pudessem defender a idéia equivocada de que se algum novo direito – oriundo de
norma infraconstitucional (tratado internacional de Direitos Humanos, ou não) –
que não tivesse qualquer relação direta com os “direitos e garantias expressos
nesta Constituição” fosse considerado como  inconstitucional justamente por não
estar expresso na Constituição Federal; o que é bem diferente de se desejar
conceder status constitucional a uma
modalidade específica de tratados internacionais.

É claro que poderão condenar este entendimento, afirmando que a
Constituição não precisaria dizer o que diz para garantir esta conseqüência.
Porém, deve-se considerar qual o momento histórico vivido pelo Congresso
Constituinte cujos trabalhos resultaram na Carta Magna de 1988.

Naquela época o país estava se libertando de uma ditadura militar que
se estendia desde a década de 60, onde – ao menos na prática – não existia – a
critério do governo – presunção de inocência, muito menos direitos de menor
importância – se é que se pode falar em hierarquia entre direitos diferentes –  que não estivessem
expressos na Constituição Federal.

Diante deste quadro que se encerrava – esperamos que de forma
definitiva na história do Brasil – a Comissão Afonso Arinos, designada para
apresentar estudos jurídicos que servissem de base à elaboração da nova
Constituição, que desejava deixar bem claro o repúdio pelas práticas
ditatoriais passadas, chegou a ter o resultado de seus trabalhos taxado de
preconceituoso por um de seus integrantes (o prof. Ney Prado), que chegou a
escrever em livro que “…o Anteprojeto é: Preconceituoso: porque se preocupou em
demasia com o passado, obstinando-se em contrariá-lo” (in Os notáveis erros dos
notáveis, 1ª ed. Editora Forense, 1987, pág. 5).

Uma vez que o Congresso Constituinte chegou a repetir os “erros”
(segundo entendimento do referido prof. Ney Prado) da Comissão dos Notáveis –
como ficou conhecida a Comissão Afonso Arinos, dada a
importância de seus membros – o preconceito acabou por fazer parte da
Constituição de 1988; tanto que, em outro livro, o mesmo autor chegou a afirmar
que “não obstante toda nossa expectativa e esperança de que os constituintes de
1988 houvessem aprendido com nossos erros, lamentavelmente, a Carta
Constitucional elaborada por eles acabou por repeti-los, quando não
agravá-los!…” (in Razões das virtudes e vícios da Constituição de 1988, 1ª
ed. Editora Inconfidentes, 1994, pág. 6).

Assim, é fácil concluir que a intenção do legislador foi realmente a apontada acima, no sentido de romper-se com o passado de
trevas que reinava no país, apontando a simples possibilidade de existência de
direitos que pudessem ser criados posteriormente à promulgação da Constituição
Federal sem que estes direitos pudessem ser taxados de inconstitucionais apenas
por não haver qualquer tipo de previsão constitucional.

Este é o sentido da lei, não podendo contrariá-lo sem, no mínimo,
destruir a segurança jurídica que se espera de nosso ordenamento jurídico.

Por outro lado – como defensor intransigente dos Direitos Humanos que
sou, afirmo que –, cumpre lembrar que, apesar de ser norma infraconstitucional,
os tratados internacionais sobre Direitos Humanos, à
exemplo dos dispositivos protegidos pelo artigo 60, § 4º, inciso IV (Cláusula
pétrea sobre direitos e garantias individuais), também não podem ser alterados
no sentido de diminuir-se os direitos por eles protegidos.

A explicação é simples.

O que são Direitos Humanos?

De forma rápida, e de maneira superficial, podemos defini-los como
sendo direitos inerentes ao ser humano, derivados de sua condição de ser
humano, ou, por outras palavras, direitos intrínsecos ao ser humano. São, no dizer de João Baptista Herkenhoff,
direitos que a ordem jurídica tem o dever de garantir e proteger.

Assim, os Direitos Humanos dizem respeito aos direitos ligados à
personalidade e à individualidade do ser humano, enquanto ser humano.

São, conforme defendido desde Rousseau, direitos dos quais não podemos
abrir mão sem igualmente abrir mão de nossa condição de seres humanos.

Assim, se não posso abrir mão de meus direitos sem concomitantemente
abrir mão de minha condição de ser humano, sou impedido pelo Estado – cuja
função é promover o meu bem pessoal na medida em que este seja compatível com
bem comum – de abrir mão destes direitos.

Daí surge a teoria da irrevogabilidade dos
Direitos Humanos, de forma que se não se pode revogar os Direitos Humanos –
quer seja na esfera internacional, quer seja na esfera nacional – então a
conclusão a que se chega é que, apesar de ser norma de hierarquia
infraconstitucional, o tratado internacional sobre Direitos Humanos não pode
ter seu conteúdo alterado no sentido de “enfraquecer” qualquer de seus direitos
e/ou garantias. Tornar-se-iam verdadeiras cláusulas pétreas
infraconstitucionais, cuja alteração não seria possível, nem mesmo por Emenda
Constitucional.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Enéas Castilho Chiarini Júnior

 

Advogado em Pouso Alegre/MG, pós-graduado em Direito Constitucional pelo IBDC (Inst. Bras. de Dir. Constitucional) em parceria com a FDSM (Fac. de Dir. do Sul de Minas), capacitado para exercer as funções de Árbitro/Mediador pela SBDA (Soc. Bras. para Difusão da Mediação e Arbitragem), e membro, desde a fundação, do Quadro de Árbitros da CAMASUL – Câmara de Mediação e Arbitragem do Sul de Minas –, é, ainda, autor de diversas matérias jurídicas publicadas em revistas do Brasil e do exterior, e em diversos sites jurídicos.