Tudo é processo. Em homenagem ao CPC/2015

Desde do momento que ao Estado fora atribuído o poder-dever de solucionar os conflitos de interesses. Não se pode mais dissociar a ciência do Direito e a sua finalidade última, o que não é recente.

Não à toa, Erasmo de Rotterdam (na obra Elogio da Loucura), no início do século XVI, já observava, com ironia: "Os jurisconsultos rolam assiduamente a rocha de Sísifo[1], amontoando textos de leis sobre um assunto sem a mínima importância. Acumulando glosa sobre glosa, opinião sobre opinião, dão a impressão de que sua ciência é a mais difícil de todas".

A ciência do processo não pode deixar de dirimir os conflitos de interesses que é uma decorrência da natureza humana, por conta da sua essência gregária. Em verdade, o conflito de interesses é antes mesmo de ser um fenômeno processual, um sociológico.

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Pode ser que os litigantes envolvidos até entrem em acordo, ou que um deles renuncie ao o direito que entende ser seu. Mas, pode ser que se segue a tal solução. Se assim for, qualquer dos interessados, poderá recorrer ao Estado-Juiz para que dê uma solução imparcial (porque proferida por alguém não envolvido no conflito) e dotada de força coercitiva.

Quando o envolvido no conflito procura o Judiciário, o processo tem início, é nesse momento que intervém a ciência do processo, cujo fim é perscrutar os mecanismos por meio dos quais o Estado-juiz intervirá na solução dos conflitos a ele levados.

Sem a possibilidade do processo e do recurso ao Judiciário prevaleceria a força bruta, a violência. E, parafraseando Rousseau: "convenhamos, pois, que a força não faz o direito e que não se é obrigado a obedecer senão aos poderes legítimos" (Na obra  “Contrato Social”).

O processo civil é o ramo do Direito que contém as regras e os princípios que tratam da jurisdição civil, isto é, da aplicação da lei aos casos concretos, para a solução dos conflitos de interesses pelo Estado-Juiz.

O conflito entre sujeitos é condição necessária, mas não suficiente, para que incidam as normas do processo, que só são aplicáveis quando se recorre ao Judiciário, apresentando-se-lhe uma pretensão. Portanto, só quando há conflito posto em juízo.

Concluímos que o processo civil atua nos conflitos de interesses somados a pretensão que é levada ao Estado-juiz.

Fundamental é distinguir a relação de direito material da relação de direito processual. Até por sua geometria, pois a primeira é linear enquanto que a segunda é triangular sendo formada pelo autor e réu e o juiz.

No fundo, o Direito é um só, assim como o poder é uno e indivisível. Mas a ciência do Direito, influenciada pelos ideais aristotélicos, não se priva de dividi-lo em grupos, subgrupos, ramos e divisões.

O direito processual civil é um dos subgrupos do direito processual, dividido em processo civil e penal, aos quais poder-se-ia acrescentar o processo trabalhista.

Aliás, com o art. 15 do NCPC. Temos polêmicas e controvérsias a enfrentar.

É clássica a divisão entre os ramos de direito público e do direito privado. E, sabemos que o direito processual é ramo do direito público correspondente às coisas do Estado.  Ao passo que o direito privado, pertence à utilidade das pessoas, na sua seara privada.

É verdade que se deu uma intensa publicização do Direito que se disseminou sobre os ramos do Direito Privado, realçando a função social de institutos como contrato, obrigações, responsabilidade civil, família e empresa.

Tem sido frequente as hipóteses de publicização de relações que sempre foram consideradas privadas, como vem acontecendo, por exemplo, no direito contratual ou nas relações de consumo.

Conclui-se que o processo pertence à categoria do direito público, tal como o direito constitucional, o administrativo, o tributário e o penal. E pertence ao direito público porque regula um tipo de relação jurídica na qual o Estado figura como um dos participantes: os princípios e normas que o compõem regem a atividade jurisdicional e a dos litigantes, frente à jurisdição.

Novamente se acentua a distinção entre a relação formada no processo, e aquela originada do conflito intersubjetivo. A relação civil entre duas pessoas pode ser privada. Mas, quando posta em juízo, forma uma nova, de cunho processual, que pertence ao direito público.

Assim, o direito material corresponde a um interesse primário. Enquanto que o direito processual corresponde ao interesse secundário que é o instrumento para fazer valer o direito material desrespeitado.

O processo civil é na dicção de um dos maiores processualistas brasileiros, Cândido Rangel Dinamarco, é resumidamente, técnica de solução imperativa de conflitos.

O direito processual é o conjunto de princípios e normas destinados a reger a solução de conflitos mediante o exercício do poder estatal.

No Estado de Direito é natural o exercício da jurisdição que se submete a um conjunto de regras jurídicas e princípios destinados ao mesmo tempo a assegurar a efetividade dos resultados (tutela jurisdicional), a permitir a participação dos interessados pelos meios mais racionais e a definir e delimitar a atuação dos juízes, impondo-lhes deveres e impedindo-lhes deveres e impedindo-lhes a prática de excessos e abusos.

Aliás, Cândido Rangel Dinamarco se opõe a famosa trilogia estrutural do direito processual lastreada na jurisdição, ação e processo; Acrescentou Dinamarco a DEFESA totalizando as quatros categorias jurídicos que compõem o núcleo estrutural que corresponde aos institutos fundamentais.

É verdade que a maior parte dos princípios que rege o processo está prevista na CF/1988. Lembrando-se que os princípios são diretrizes que devem nortear a aplicação e a interpretação das normas processuais.

A consagração de tais princípios no texto constitucional indica claramente que o processo não se resumo a um aglomerado de regras técnicas, mas a um mecanismo político e ético.

A relevância constitucional tornou-se protagonista na maioria dos ordenamentos jurídicos, tanto que hoje, se cogita em Direito Constitucional Processual.

São exemplos contundentes e presentes nas normas constitucionais que possuem importância no processo civil: a garantia geral de acesso à justiça (art. 5, inciso 35); da isonomia, do contraditório (art. 5, inciso 55) entre outros.

A CF/1988 cuida ainda da organização da justiça, da composição e atribuições dos órgãos jurisdicionais e das garantias dos juízes (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos).

O CPC/2015[2] em seus artigos iniciais e, em boa parte dos dispositivos constitucionais que impõem princípios a serem observados em sua aplicação. Há sincero esforço em dar à lei processual um caráter mais orgânico e sistemática, o que se vê logo na Parte Geral quanto se instituem as normas fundamentais.

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O que consigna um lembrete permanente no sentido de que a lei deve ser lida, interpretada e aplicada sempre à luz de tais princípios.

O processo contemporâneo acompanha os seguintes valores:

– Facilitação ao acesso à justiça (deve-se reduzir a chamada litigiosidade contida);

– Duração razoável do processo (a justiça tardia é justiça nenhuma).

– Instrumentalidade (pois o processo é instrumento da jurisdição, sendo o mais adequado meio para fazer valer o direito material).

– A tutela de interesses coletivos e difusos[3] (o que é decorrência natural da garantia de acesso à justiça). Há direitos que estão pulverizados entre os membros da sociedade, o que traz o risco à sua proteção principalmente se esta não for atribuídas a certos entes.

– Universalização (todos os valores buscam a democratização e universalização da justiça). Eis aí, a única situação em que o Judiciário cumprirá idealmente o seu papel que é o de assegurar a todos a integral proteção de seus direitos.

– Constitucionalização do direito processual posto que os princípios do processo civil estão, em grande parte, previstos na CF vigente. Devendo a ótica constitucional prevalecer quando se cogitar de direito constitucional processual.

– Efetividade do processo (relacionada a todos os princípios anteriores). O processo deve ser o instrumento eficaz para a solução de conflitos.

O cidadão como consumidor do serviço judiciário deve recebe-lo de forma adequada, pronta e eficiente.

A técnica não deve ser um fim último em si mesma, mas vir atender a finalidade que é a obtenção de resultado que atenda ao que se espera do processo, sob o ponto de vista ético, político e social.

PROCESSO CIVIL NO BRASIL

O CPC de 1973 fora precedido pelo CPC de 1939[4] (que vigorou de 01.01.1940 até 31.12.1973) apesar de consagrado numerosas conquistas, pecava por sua extrema timidez e ainda por falta de técnica.

O CPC de 1973[5] só entrou em rigor em janeiro de 1974 e fora elaborado a partir do projeto do Ministro Alfredo Buzaid que era ilustre representante da Escola Paulista de Processo Civil que foi muito influenciada por Enrico Tullio Liebman e seus discípulos.

Imprimiu ao CPC um caráter mais científico e aprimorou ainda a técnica processual. Outro marco relevante para história do processo civil brasileiro foi a Constituição Federal de 1988 que atribuiu à União a competência exclusive para legislar sobre o direito processual, concedendo aos Estados-membros a competência supletiva sobre o procedimento em material processual.

O CPC de 1973 fora alvo de sucessivas e pontuais reformas na busca de maior efetividade e pelo desenvolvimento de novas técnicas processuais, o que deu ensejo as chamadas ondas de reformas que alteraram completamente a fisionomia do CPC, sem, contudo, alterar-lhe a estrutura fundamental.

Por muito tempo tem-se ouvido que o Brasil é, país cuja estrutura jurídica pertence ao civil law que é própria de sua origem romano-germânica difundida na Europa Ocidental.

Mas, Fredie Didier Junior afirma que não parece correta tal afirmação.  Afinal, se reconhece que o sistema jurídico brasileiro, é muito peculiar o que não deixa de ser curioso.

Pois nosso direito constitucional se inspirou do sistema dos EUA[6], daí a consagração de garantias processuais, inclusive o due process of law e, temos um direito infraconstitucional, principalmente o direito privado inspirado na família romano-germânica (presente em França, Alemanha e Itália, basicamente).

Há o controle de constitucionalidade difuso inspirado no judicial review dos EUA e há o controle de constitucionalidade concentrado inspirado no modelo austríaco.

Existem inúmeras codificações legislativas e microssistemas jurídicos como existem no civil law. Ao mesmo tempo em que se constrói um sistema de valorização de precedentes[7] judiciais extremamente complexo composto de súmula vinculante, súmula persuasiva[8], súmula impeditiva de recurso, julgamento-modelo para causas repetitivas de evidente inspiração no common law.

Apesar de termos o direito privado estruturado de acordo com o modelo romano, de cunho individualista, temos também o microssistema de tutela de direitos coletivos dos mais avançados e complexos do mundo.

Aliás, como é sabido, a tutela coletiva de direitos coletivos é a marca peculiar da tradição jurídica do common law. É preciso entender que a identificação jurídica não se faz apenas com a análise do sistema jurídico[9].

É preciso também investigar igualmente o papel e a relevância dos operadores jurídicos e, ainda, o modo como se ensina o Direito.

No Brasil, a opinião dos doutrinadores é bem significativa e considerada tal qual no civil law, mas se tem o destaque a jurisprudência o que é a marca característica do common law, sendo um notável exemplo que temos é a súmula vinculante do STF.

Apesar do ensino jurídico Coimbrão[10], portanto, um modelo europeu continental, não se desconhece que existam cursos de Direito estruturados no estudo de casos concretos conforme se faz no common law.

A verdade é que os conflitos de interesses se repetem no mundo todo e a solução das lides varia obviamente conforme os modelos teóricos e os aspectos culturais do país.

Podemos citar nos EUA os problemas relacionados com à boa-fé processual que são resolvidos pela cláusula do devido processo legal e no BGB (§242º) já se expande para os domínios não-civis.

A ilicitude do contraditório é resolvida na Alemanha pela proibição do venire contra factum proprium, na Espanha pela doctrina de los actos proprios; e nos países do common law[11], pelo estoppel.

Assim, afirma Didier Jr., que o venire contra factum proprium corresponde a um vinho da common law dentro das garrafas do civil law.

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Portanto, temos uma tradição jurídica bem peculiar que é o que pode ser ironicamente chamada de brazilian law que traz a miscigenação do civil law com o common law.

Enfim, chegou o grande dia e, já se encontra em vigor o novo CPC, o CPC/2015 ou como chamam alguns o Código Fux. Estamos esperançosos com esse novo processo civil, com essa nova dogmática que busca institucionalizar as garantias constitucionais.

É importante frisar que algumas decisões judiciais obterão o status de precedentes normativos. Apesar de que o Novo CPC não atribua o nomen juris de “precedentes”[12], há procedimentos dialógicos (art. 10 e art. 1.038); há uma fundamentação mais rigorosa e específica (vide o art. 489).

E, para que as decisões judiciais sejam encaradas e aplicadas em casos futuros (art. 985, II) deverá de cumprir uma série de pressupostos. De modo que as decisões do passado não vinculam o futuro sem passar pelo crivo do CPC de 2015.

A força de precedentes hábeis à aplicação imediata e que sirvam como fundamento de julgamento (art. 489, §1º, V e VI); julgamento de liminares de improcedência; nas tutelas antecipadas de evidência (art. 311, inciso II); as decisões monocráticas (art. 932, incisos IV e V), a resolução de conflitos de competência (artigo 955, parágrafo único, incisos I e II); obtenção de executividade imediata de sentenças (artigo 1.012, IV); impedimento de reexame necessário (art. 496, §4º), não se olvidando de potenciais  funções rescindentes (artigos 525,§1º e 535, §§ 5º e 8º).

Como explica lucidamente Lenio Luiz Streck seria como a regulamentação de súmulas vinculantes[13] produzidas desde 1963 pelo STF fosse aplicado às súmulas persuasivas, gerando força retrospectiva aos pronunciamentos do tribunal que são anteriores ao advento da normal do art. 927 do CPC/2015.

Afinal, só será vinculante a súmula que passar pelo crivo da CF/1988 e só assume seu caráter vinculante se obedecidos todos os pressupostos legais previstos.

Não que sejam apenas um problema de direito intertemporal mas trata-se de questão normativa de racionalidade e de busca contra-fática de institucionalização de um novo modelo promover julgamentos a partir da nova lei processual[14].

Para que uma decisão judicial seja considerada como precedente conforme prevê o artigo 927 de CPC/2015 há de se respeitar o efeito debate, o contraditório dinâmico (artigos 10, 933, 983, caput, §1º, art. 1.038, incisos I e II) de modo a se reduzir os problemas de sub-representação do uso da técnica de causa-piloto e, uma fundamentação estruturada (artigos 489, 984, §2º e art. 1.038, §3º).

Não se pode interpretar o art. 927 do CPC/2015 de forma isolada, deve-se observar o procedimento formativo previsto no artigo 926, ao se respeitar a coerência, integridade e estabilidade.

O novo CPC em seu artigo 10 traz um modelo democrático do princípio do contraditório ao proibir as decisões de surpresa e garantir a influência das partes no julgamento final da demanda.

Não é admissível que existam juízes que decidam simplesmente não aplicar uma norma processual prevista em lei federal. Negando-se a reconhecer e acatar o novo processo civil brasileiro.

 

Referências:
STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle. CPC: conclamamos que olhemos o novo com olhos do novo! Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-mar-17/senso-incomum-cpc-conclamamos- olhemos – olhos? Acesso em 18.03.2016.
RAMOS, Vinícius Estefaneli. O uso de precedentes com eficácia vinculante parece ser a melhor forma de desafogar o sistema jurídico brasileiro e também de trazer isonomia, previsibilidade e segurança jurídica aos jurisdicionados. Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/teoria-dos-precedentes-judiciais-e-sua-efic%C3%A1cia-no-sistema-brasileiro-atual Acesso em 18.03.2016.
SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do Precedente Judicial à Súmula Vinculante. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2008, 3. reimpressão.
 
Notas
[1] Sísifo, filho do rei Éolo, da Tessália e Enarete foi considerado o mais astuto de todos os mortais. Sendo mestre da malícia e da felicidade, ele entrou para a tradição clássica como um dos maiores ofensores dos deuses.
Sísifo tornou-se conhecido por executar um trabalho rotineiro e cansativo. Tratava-se de um castigo para mostrar-lhe que os mortais não têm a liberdade dos deuses. Os mortais têm a liberdade de escolha, devendo, pois, concentrar-se nos afazeres da vida cotidiana, vivendo-a em sua plenitude, tornando-se criativos na repetição e na monotonia. Sísifo recebeu esta punição: foi condenado a, por toda a eternidade, rolar uma grande pedra de mármore com suas mãos até o cume de uma montanha, sendo que toda vez que ele estava quase alcançando o topo, a pedra rolava novamente montanha abaixo até o ponto de partida por meio de uma força irresistível, invalidando completamente o duro esforço despendido.
Por esse motivo, a expressão "trabalho de Sísifo", em contextos modernos, é empregada para denotar qualquer tarefa que envolva esforços longos, repetitivos e inevitavelmente fadados ao fracasso – algo como um infinito ciclo de esforços que, além de nunca levarem a nada útil ou proveitoso, também são totalmente desprovidos de quaisquer opções de desistência ou recusa em fazê-lo.

[2] A teoria que embasou o CPC/73 fora a teoria do processo como Relação Jurídica elaborada por Oskar Von Büllow; de onde surgira a doutrina instrumentalista do processo.
Sob a análise crítica veio a teoria do processo como procedimento em contraditório, a chamada teoria estruturalista de Élio Fazzalari. E, também a teoria constitucionalista do Processo de Hector Fix-Zamudio, e por fim, a teoria Neoinstitucionalista do processo desenvolvida por Rosemiro Pereira Leal.

[3] O marco inicial das tutelas coletivas no direito brasileiro, porém, antecede a promulgação da Constituição de 1988. É representado pela Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, que instituiu a Ação Civil Pública, cujo propósito originário era o de salvaguardar os valores ambientais. Propósito ampliado para, também, proteger e prevenir danos ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

[4] O CPC de 1939 foi uma exigência da CF de 1934 (que se inspirou na República de Weimar e que governou a Alemanha entre o fim da Primeira Guerra Mundial e a ascensão do nazismo) e também da CF de 1937. Neste contexto a crise da economia mundial e do liberalismo deu força aos movimentos ultranacionalistas (ditatoriais, totalitaristas e nacionalistas) que consideravam caber ao Estado, organizar a nação para promover dentro da ordem o desenvolvimento econômico e o bem-estar geral.

[5] O CPC/1939 deixou de abranger todo processo civil e comercial brasileiro, para confiar parte de sua matéria à legislação esparsa. O CPC de 1973 não representou uma revolução em relação ao anterior, posto que consagrasse um modelo processual equivalente ao antecessor. Apresentou melhor aspecto estético, mas foi considerado um Código individualista como o de antes. Ainda se buscava um processo rápido e justo.

[6] Na doutrina stare decisis (precedentes obrigatórios), diz-se que os juízes e tribunais devem seguir os precedentes existentes, mas na realidade, eles devem seguir a ratio decidendi (razão de decidir) dos precedentes. Por esse motivo, se torna relevante identificar a ratio decidendi porque apenas esta tem o efeito vinculante, obrigando os magistrados respeitá-la nos casos futuros. Muita discussão existe na doutrina a respeito da definição a ratio e também relação à escolha do método mais eficaz para identificá-la no bojo dos precedentes.
São muitas definições existentes, mas podem-se apontar algumas mais comuns como: a) a regra de direito explicitamente estabelecida pelo juiz como base de sua decisão, isto é, a resposta explícita a questão de direito do caso; b) a razão explicitamente dada pelo juiz para decisão, isto é, a justificação explícita para a resposta dada a questão do caso; c) a regra de direito implícita nas razões do juiz para justificação de sua decisão, isto é, a resposta implícita a questão de direito do caso. Além da definição, existe muita discussão em relação ao melhor método para se identificar a ratio. No sistema do common law, podem-se observar três teorias utilizadas para solucionar a questão, quais sejam: Teoria de Wambaugh, Teoria de Olyphant e a Teoria de Goodhart.

[7] Infelizmente, no Brasil existem raras doutrinas, artigos, jurisprudências sobre os precedentes judiciais. Contudo, o sistema brasileiro já vem adotando o precedente vinculante desde 1993, quando fora inserido o segundo parágrafo do artigo 102 da CF/1988 e tem caminhado firme nessa direção. É o caso das súmulas vinculantes, a repercussão geral e os recursos especial e extraordinário das causas repetitivas.

[8] Precedentes relativamente obrigatórios são aqueles cuja autoridade afirma-se por si e impõem a solução do caso em julgamento, exceto se o tribunal do caso tiver uma boa e fundada razão em contrário, hipótese que pode se afastar dele, desde que se desincumba do qualificado ônus argumentativo. No Brasil, atualmente, só há uma espécie deste tipo de precedente, que é a decisão do STJ em recurso especial nas causas repetitivas (artigo 543-C, §§ 7ºe 8º, CPC/73).
Nesta hipótese ocorre que, apreciada a questão pelo STJ, os tribunais ordinários devem seguir tal decisão, para negar seguimento aos recursos especiais ou para reexaminá-los. Observe-se que inobstante o tribunal possa manter-se divergente da orientação firmada pelo STJ (artigo 543-C, § 8/º, CPC/73), deve apresentar fundadas razões para tanto.

[9] Entretanto, há autores que também elencam uma série de desvantagens para o uso dos precedentes vinculantes, quais sejam: obstáculo ao desenvolvimento do direito e ao surgimento de decisões adequadas às novas realidades sociais, óbice à realização da isonomia substancial, violação do princípio da separação dos poderes, violação da independência dos juízes, violação do juiz natural e violação da garantia do acesso à justiça.

[10] A Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra é uma das mais antigas universidades do mundo e a mais antiga de Portugal, sendo conhecida internacionalmente. Fora fundada no reinado de Dom Dinis entre 1288 e 1290.  O ensino na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra baseia-se num ensino excessivamente dogmático e afastado da complexa realidade social do século XXI e com quase nenhuma interdisciplinaridade. As aulas são centradas na figura do docente e há pouco espaço para uma educação que não seja a educação bancária.
A educação jurídica de Coimbra, neste contexto, impõe aos estudantes de direito um arbitrário cultural que vai ser interiorizado e reproduzido por um período de tempo maior do que ao qual foram expostos, e provavelmente este discurso se reproduzirá durante toda a vida profissional.

[11] No sistema do common law, cuja fonte primordial do direito é a jurisprudência, o precedente judicial é elemento fundamental, possuindo, via de regra, força vinculante. Nos países adeptos a tal sistema segue-se a teoria do stare decisis, da expressão latina “stare decisis et non quieta movere” que significa “mantenha-se a decisão e não se moleste o que foi decidido”.
Pela ótica do stare decisis, o precedente judicial, ou seja, a decisão anteriormente prolatada, possui força vinculante obrigatória, constituindo o que se chama de binding precedente. Uma vez firmado entendimento judicial sobre determinada matéria, o mesmo deve ser obrigatoriamente observado, de forma que os juízes estarão a ele vinculados.

[12] Precedente é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo núcleo essencial pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogo. Não é qualquer decisão judicial, somente aquelas que têm potencialidade de se firmarem como paradigmas para a orientação dos jurisdicionados e magistrados. Para construir precedente, a decisão tem que enfrentar todos os principais argumentos relacionados à questão de direito do caso concreto, além de poder necessitar de inúmeras decisões para ser definitivamente delineado. O precedente é a primeira decisão que elabora a tese jurídica ou é a decisão que definitivamente delineia, deixando-a cristalina. O fundamento do precedente está em produzir uma norma jurídica com potencial de aplicar-se a uma infinidade de casos análogos futuros, visando dar maior previsibilidade na realização do direito e tratamento isonômico aos jurisdicionados, ou seja, tratar da mesma forma os casos iguais.

[13] No sistema brasileiro, embora a regra seja a não-normatividade,  temos precedentes vinculantes como: 1) as decisões definitivas do STF no controle concentrado de constitucionalidade; 2) as decisões que deferem liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) e Ação Declaratória de Preceito Fundamental (ADPF); 3) as decisões definitivas do Pleno do STF sobre (in) constitucionalidade de lei em sede de recurso extraordinário; 4) as decisões do STF acerca da repercussão geral; 5) as decisões do STF em recurso extraordinário, versando sobre causas repetitivas; as súmulas vinculantes; 6) os precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que representem sua jurisprudência uníssona, com relação às turmas recursais estaduais e, 7) as decisões dos tribunais de justiça em sede de controle concentrado de constitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal contestados, única e exclusivamente, em face da Constituição Estadual.

[14] Considerando que a figura do precedente, enquanto decisão judicial que servirá como parâmetro para julgamentos futuros, está presente em qualquer sistema jurídico, Marcelo Alves Dias de Souza distingue os precedentes lato sensu dos stricto sensu. Em seu sentido estrito, precedente judicial é definido à luz da teoria do stare decisis, adotada nos países adeptos do common law.
As decisões proferidas em outros sistemas jurídicos que, tal qual no brasileiro, apesar de possuírem efeito vinculante não se submetem à mesma composição e mecânica do precedente do stare decisis, são denominadas de precedentes lato sensu.
Os precedentes judiciais podem ainda ser classificados quanto ao seu poder declarativo ou criativo do direito, ou quanto ao seu caráter vinculante (binding precedent) ou meramente persuasivo (persuasive precedent).
O precedente judicial declarativo é aquele que tem por base direito já existente, seja uma norma legislada, seja um precedente judicial anterior, ao passo que o precedente judicial criativo constitui o próprio direito.
Cabe destacar, contudo, que esta classificação só pode ser adotada à luz da teoria constitutiva que reconhece o poder criativo do precedente defendendo que o Direito é verdadeiramente criado pelas decisões judiciais (jugde make Law). Em contrapartida, à luz Teoria Declarativa ou Ortodoxa, o Direito é preexistente à decisão judicial, pelo o que não se pode falar em precedente judicial com poder criativo


Informações Sobre o Autor

Gisele Leite

Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.


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