Resumo: O artigo tem por finalidade registrar como a tutela jurídica deve se adequar de modo que consiga acompanhar os avanços tecnológicos e uma nova gama de situações fáticas com eles trazidas, mais especificamente, a ocorrência do “Revenge Porn”. A pesquisa consistiu-se num estudo teórico de como leis presentes no ordenamento jurídico e projetos de leis em tramitação poderão auxiliar na tutela do princípio constitucional da privacidade ante o fenômeno do “Revenge Porn”. O trabalho analisa também a interferência da tecnologia no cotidiano social e, numa perspectiva constitucional, a tutela de direitos da personalidade. Atualmente encontramos uma regulamentação muito escassa no que tange ao Direito Digital, o que denuncia a urgência pelo estudo das questões a seguir tratadas. O direito brasileiro precisa de fortalecimento infraconstitucional para que os princípios constitucionais sejam seguidos, adaptando-se às mudanças sociais, culturais e tecnológicas.
Palavras-chave: Privacidade. “Revenge Porn”. Marco Civil Da Internet. Crimes Cibernéticos. Direito Ao Esquecimento.
Abstract: The article aims to register how the legal system must go through an adaptation so that it can keep protecting the people from a new range of factual situations brought up with the advance of technology, more specifically, the occurrence of Revenge Porn. The research consisted of a theoretical study about how present laws in the legal system and bill proposals can assist in the protection of the constitutional principle of privacy regarding the phenomenon of Revenge Porn. This paper also analyzes the interference of technology in everyday social life and, in a constitutional perspective, the protection of personality rights. Currently we find a scarce regulation when it comes to Digital Rights, which denounces the need to study these following issues. The Brazilian legal system needs infraconstitutional strengthening in order to protect the constitutional principles, adapting to social, cultural and technologic changes.
Key words: Privacy. Revenge Porn. Civil “Goal” Of The Internet. Cyber Crimes. The Right To Be Forgotten.
Sumário: Introdução. 1. Efetivação da Tutela Constitucional da Privacidade no Caso do Revenge Porn. 1.1. Aspectos da Privacidade na Ordem Jurídica Brasileira. 1.2. A Rede Aberta na Contemporaneidade: Cultura do Cotidiano. 1.3. Revenge Porn. 2. Defesa Jurídica da Privacidade na Rede Aberta de Computadores. 2.1. Direito Digital e Crimes Cibernéticos. 2.2. O Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/14). 2.2.1. Responsabilidade Civil dos Provedores e Indenização por Danos Morais Segundo o Marco Civil. 2.3. “Lei Carolina Dieckmann” (Lei nº 12.737/2012). 2.4. Projetos de Lei nº 6630/13 e 5555/13. 2.5. O Direito de Ser Esquecido. Conclusão. Referências Bibliográficas, Legais e Jurisprudenciais.
Introdução
A criação de novos meios de comunicação e da Internet revolucionou as interações sociais. Hoje, o acesso à Internet é entendido como um direito humano fundamental pela ONU. Recentemente, houve uma expansão no uso de sites de relacionamento, ou redes sociais, tais como o Twitter, Facebook, Instagram e o Whatsapp. Dar publicidade aos eventos da vida particular tornou-se rotineiro e contribuiu com a erosão da privacidade. A tecnologia acelera a velocidade das notícias, tornando-as quase instantâneas, o que é um grande avanço para o jornalismo, por exemplo. Contudo, a exposição virtual pode provocar lesões profundas se usada com má-fé. Uma grande vítima dessa revolução é a privacidade, pois qualquer lesão veiculada na internet provocará uma repercussão maior do que faria fora do mundo virtual.
Faz-se necessário a adequação do direito, de modo que tenha capacidade para tutelar os direitos fundamentais diante das novas situações fáticas. Para entender como isso ocorrerá, primeiramente será analisada a consolidação da privacidade como direito fundamental constitucionalmente. Ademais, com o objetivo de melhor elucidar o direito em voga, serão dissecados os conceitos de privacidade e intimidade segundo a teoria dos círculos concêntricos da vida privada do alemão Heinrich Hubmann. Será ainda observada a previsão infraconstitucional desse princípio, analisando artigos do Código Civil atual.
O “Revenge Porn” trata-se de uma nova situação fática que carece de tutela jurídica. Consiste na publicação de fotos ou vídeos de conteúdo erótico sem autorização de quem o protagoniza, usando ferramentas de compartilhamento da Internet, especialmente as redes sociais. Estatísticas noticiam o aumento exponencial de casos de “Revenge Porn”. O criminoso praticamente não sofre represália da sociedade e muitas vezes escapam impunes, enquanto as vítimas são incapazes de se recuperar socialmente, muitas chegam a por fim em suas vidas. É de extrema urgência que o direito se adapte a essa nova realidade social, visto que uma de suas qualidades é justamente a de transformação.
Pelo princípio constitucional da privacidade, é defeso a todos o direito de escolher o que deseja tornar público de sua vida privada. Porém, a proteção prática da privacidade, ou seja, do direito de estar só, ou “de ser deixado em paz”, é tão complexa quanto à busca por suas definições. Ao analisar o arcabouço legal contemporâneo, observa-se que este não viabiliza a proteção da privacidade ou se mostra insuficiente. É preciso de uma normatização efetiva para punir quem cometeu o ato delituoso, reparar os danos em relação à vítima e, principalmente, tentar criar formas de prevenir, impedindo que tal lesão se repita. O tema ainda é passível de muito debate. E é instigando o debate que se proporciona uma maior visibilidade ao tema.
1. Efetivação da Tutela Constitucional da Privacidade no Caso do Revenge Porn
1.1. Aspectos da Privacidade na Ordem Jurídica Brasileira
Para entendermos o conceito de privacidade e intimidade, faz-se necessário esclarecer, primeiramente, o que são os direitos de personalidade como um desdobramento do princípio da dignidade. Consolidado é o entendimento que o direito à dignidade é dotado de indisponibilidade e, com o intuito de tutelá-lo erguem-se os direitos da personalidade. Conforme o entendimento de Pontes de Miranda:
“O direito de personalidade, os direitos, as pretensões e ações que dele se irradiam são irrenunciáveis, inalienáveis, irrestringíveis. São direitos irradiados dele os de vida, liberdade, saúde (integridade física e psíquica), honra e igualdade” (MIRANDA, 2000, p.216).
Do caráter inalienável dos direitos de personalidade, extrai-se uma eficácia erga omnes, logo, todos estão sujeitos ao seu cumprimento. Os direitos de personalidade são dotados de impossibilidade jurídica de sua privação. São vitalícios e imprescritíveis, exigíveis a qualquer momento. São direitos inatos, surgem com o nascimento e se findam com a morte do indivíduo. Vale salientar que, não obstante sua natureza extrapatrimonial, é possível pedir restituição financeira no caso de ofensa.
Heinrich Hubmann em seu livro “Das persönlichkeitsrecht” (apud CONSALTER, 2014) teoriza os Círculos Concêntricos da Vida Privada para tratar das dimensões da privacidade como componente do direito de personalidade. Nele, o autor fragmenta o direito de personalidade em três esferas de exposição da privacidade: íntima, privada e pública.
A camada mais profunda é representada pela esfera íntima, que abarca os aspectos secretos da vida pessoal. Devido a este caráter confidencial, se oculta integralmente da coletividade, não sendo possível restringir legalmente esta esfera. A segunda camada constitui a privada que abrange os aspectos secretos da vida pessoal que são compartilhados com uma pessoa, ou um grupo específico, portador de confiança, ocultando-os da coletividade. A esta esfera, é possível criar algumas restrições legais, em casos específicos.
Por fim, temos a esfera pública, ou seja, aspectos comunicativos à coletividade e restringíveis legalmente. Se por esta teoria a esfera privada pode ser compartilhada com uma ou mais pessoas, mas não com o público, o presente trabalho compreende que a lesão estudada, pela própria natureza do “Revenge Porn”, se refere à esfera privada, e não íntima. Será visto adiante que o “Revenge Porn” envolve confiança da vítima na pessoa com quem partilhou foto, áudio ou vídeo íntimo.
Isto posto, compreende-se que o direito à privacidade e à intimidade encontram-se inclusos nos direitos de personalidade que, por sua vez, derivam do princípio da dignidade humana, uma vez que não é possível viver com qualidade se suas esferas privada ou íntima não estiverem protegidas. A vulnerabilidade da privacidade fere diretamente a integridade moral da pessoa.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, a ordem jurídica brasileira submergiu pelo revigorar de princípios e valores com o objetivo de obedecer às tendências humanitárias do direito mundial. Neste cenário foi inserida a dignidade da pessoa humana no artigo 5º da Carta Magna como direito fundamental constitucional, assegurando sua observação nas normas infraconstitucionais e o seu cumprimento em todas as esferas legais. Segundo Alexandre de Moraes, o princípio da dignidade da pessoa humana:
“(…) concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. (…) A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos” (MORAES, 2004, p. 52).
Ocorre que a mera positivação constitucional não foi suficiente para proteger de maneira eficaz os direitos de personalidade diante das transformações sociais. A construção de direitos de personalidade infraconstitucionais foi essencial para a sua garantia. Estes direitos foram incorporados ao novo Código Civil de 2002. Ao fazer isso, o legislador positivou as mesmas tendências humanistas que acompanharam a nova Constituição, num código o qual predominava o patrimonialismo, como se observa em sua edição de 1916.
A reserva legal da privacidade no Código Civil começa em seu artigo 11, que reafirma características inerentes aos direitos de personalidade. Dispõe o artigo que: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”. Já o artigo 12, consagra o direito de ação do sujeito lesionado, ou sobre ameaça de lesão, com o intuito de proteger sua integridade, reservando o direito de exigir juridicamente a tutela da personalidade. A reclamação de perdas e danos não prejudicam sanções outras, legalmente previstas. O artigo 13 dispõe sobre a integridade física: “salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes”.
O artigo 20 proíbe a difusão imprópria, sem permissão, da vida privada e imagem de um sujeito. Este direito é relativo: “Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais”. Por fim, o artigo 21 encerra o rol exemplificativo de direitos de personalidade. Nele é disposto que: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”. Ressalta-se a não taxatividade destes artigos, abrindo espaço para uma interpretação ampla.
Esclarecido isso, ainda podem restar dúvidas a respeito da definição destes dois direitos que muitas vezes são confundidos entre si. Tal confusão justifica-se, pois no texto da Constituição, perceber-se uma aparente distinção entre intimidade e vida privada. O inciso X do artigo 5º dispõe: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. A redação induz o leitor a associar privacidade e vida privada, no entanto, não se pode igualar estes conceitos. A Constituição protege a privacidade, enquanto gênero, ao tratar de suas espécies, que se dividem em vida privada, intimidade, honra e a imagem das pessoas. É entendimento majoritário que a intimidade é uma espécie de privacidade.
Mas, para compreender mais a fundo a classificação destes conceitos, vale recapitular a teoria de Hubmann sobre as esferas sociais, observa-se que a privacidade corresponde à esfera intermediária, enquanto a intimidade abrange uma esfera mais abstraída da sociedade. Tendo estes conceitos em mente, fica mais fácil distinguir os direitos e entender intimidade como espécie de privacidade. Tal entendimento não é pacificado, visto que alguns autores assumem posturas mais amplas ao sentido de “intimidade”. Segundo o entendimento de Ferreira Filho, na sua obra Comentários à Constituição Brasileira de 1988, (apud OLIVEIRA, 2010), no artigo “Os direitos da personalidade do indivíduo”, por exemplo:
“Intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo das pessoas, suas relações familiares e de amizade, enquanto vida privada envolve todos os demais relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo etc”.
Porém, inquestionável é a afirmação de que intimidade entende-se como mais confidencial do que privacidade. Segundo Alexandre de Moraes, a vida íntima é protegida ao salvaguardar “um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas”, é desta forma que o direito à intimidade se manifesta. Ainda conforme Moraes, “a proteção constitucional refere-se, inclusive, à necessária proteção à própria imagem diante dos meios de comunicação em massa (televisão, rádio, jornais, revistas etc.)” (MORAES, 2004, p. 52).
Compreendida esta distinção, podem-se traçar diretrizes a respeito da proteção legal da intimidade e da privacidade. A tutela ao “direito à privacidade” está conectada ao seu caráter subjetivo, destarte, suas fronteiras podem se modificar individualmente. É possível observar também variações culturais e histórias do seu conceito. O próprio desenvolvimento tecnológico e a criação da Internet alteraram sua percepção. Didaticamente, vale a análise do significado por trás do termo “privacidade”. Deriva do latim “privates”, o qual se traduz em “apartado do resto”. É a liberdade de dominar a disponibilidade de dados pessoais.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos consolida o direito à privacidade no seu artigo 12: “Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a proteção da lei”.
André Ramos Tavares lembra a relevância dos tratados internacionais e como estes ideais foram incorporados à Constituição Federal como direitos e garantias fundamentais. Cabe ressaltar que ao proteger a privacidade diante de interferências arbitrárias ou ilegais, o legislador se referiu a intervenções tanto do estado como de pessoas físicas ou jurídicas (TAVARES, 2010, p. 551).
O desenvolvimento tecnológico ocasionado pela globalização provocou o nascimento da Internet e sua popularização. Tais eventos abarcaram novos fatos sociais, sendo um deles muito peculiar – a vontade de exibir-se. Uma vez que as redes sociais proporcionam uma maior conexão entre as pessoas, compartilhar momentos particulares através das mesmas se tornou comum, é o que se denomina “consumo de experiências”. Neste cenário, surge a problemática da insuficiência jurídica ante da hiperexposição cibernética.
Apesar de, em alguns casos, a informação sigilosa disseminada na Internet ter sido fruto de roubo por hackers, o tutelado muitas vezes é quem envia tal material para além de sua esfera particular. Já existem estudos sobre este exibicionismo virtual, traduzido nas redes sociais, conforme demonstra Kirsten Dunlaevy no artigo “The privacy paradox: sharing on social networks”. Segundo a autora, “o paradoxo da privacidade” ocorre quando a transgressão da privacidade intercorre por atos praticados pela própria vítima e desabrochou na exposição gratuita da intimidade dos indivíduos, de modo epidêmico (DUNLAEVY, 2013). Sobre isso reflete Demócrito Reinaldo Filho:
“(…) se, por um lado, a coleta de informações pessoais pode favorecer negócios, facilitar decisões governamentais ou mesmo melhorar a qualidade de vida material da sociedade como um todo, outros valores necessitam ser considerados à luz da privacidade individual” (FILHO, 2002, p. 28).
Atualmente, vislumbra-se um futuro onde a sociabilidade cresce proporcionalmente à diminuição da privacidade. Isso porque, o consumo de experiências dita tendências e padrões. O melhor exemplo disso são fotos de pratos de comida, tiradas em restaurantes, muito comuns em ferramentas como o Facebook e no Instagram. Além do registro online de experiências vivenciadas ou consumidas, os usuários de redes sociais tendem a fazer propaganda de si mesmos, ou seja, nas redes sociais existe certa confecção de uma imagem social que corresponde ao que os indivíduos desejam que os outros vejam dele.
As novas configurações de controle de informações admitidas pela estrutura da Internet modificam a visão do direito à privacidade pelas pessoas. A publicitação da vida particular gera uma inversão de valores e, consequentemente, a erosão de privacidade, a qual passa a ser atribuído valor negativo. Deste modo, para que o fenômeno do consumo de experiências e autopromoção sobreviva, surge, simultaneamente, uma aversão coletiva à privacidade. Aqueles que decidem viver de forma mais reservada são vistos como fantasmas, à margem da realidade que, de tal sorte, passarão o resto de suas vidas condenados ao anonimato.
Entretanto, não podem ser ignorados os riscos da hiperexposição virtual. Alguns doutrinadores questionam como seria possível identificar uma invasão de privacidade numa sociedade exibicionista, entretanto é preciso resgatar o sentido subjetivo da privacidade. Ora, o sentimento de violação à privacidade é trazido à tona quando fere o sentimento de individualidade. Verifica-se que com o surgimento das redes sociais se agravaram as possibilidades de seus usuários sofrerem um ataque à privacidade.
1.2. A Rede Aberta na Contemporaneidade: Cultura do Cotidiano
A Internet foi criada nos anos de 1960, durante a Guerra Fria, mas apenas na década de 1990 começou a se difundir. Em 1991 surgiu o World Wide Web (WWW), que proporcionava o uso mais rápido e amigável da Internet. Em seguida, começaram a surgir também navegadores, como o Netscape, Mozilla, Internet Explorer, entre outros. Daí em diante, o uso da Internet por diversos segmentos sociais aumentou exponencialmente. Ao mesmo tempo, alguns estudiosos passaram a se preocupar com o rumo que a sociedade tomaria com o uso em larga escala e globalizado da Internet.
Atualmente, é difícil imaginar um mundo sem Internet, ela está presente na vida de boa parte da população mundial. Estima-se que aproximadamente 12% da população do planeta, conforme estimativas da Organização das Nações Unidas – ONU, usa computador. Observa-se que a Internet ao globalizar-se, tornou-se um instrumento que democratiza o acesso à informação. A ONU também declarou, em 2011, o acesso à Internet como um direito humano fundamental. Estar conectado é uma verdadeira necessidade.
A Internet é tanto um meio de obter informações, como também de difundi-las. Ora, o ser humano é um dotado de sociabilidade e precisa estar em conexão com seus semelhantes para sobreviver. E, ao utilizar ferramentas disponíveis na Internet, não fugiu dessa natureza. Em 2006, surgiram e se expandiram as redes sociais digitais na Internet.
As redes sociais possuem recursos que possibilitam a exposição de textos, sons, imagens, vídeos. Outra característica das redes sociais é o agrupamento das informações e das pessoas em espécies de comunidades virtuais conforme características da personalidade do internauta ou temas para serem discutidos. Contudo, os usuários de redes sociais precisam estar atentos aos riscos que podem correr. É comum encontrar pessoas mal intencionadas utilizando-se da internet para manipular usuários desatentos e obter acesso a contas bancárias, por exemplo.
Porém, o mais cruel dos casos não abarca invasão de sistema por terceiros, mas sim quando envolve alguém próximo, com quem se tem contato no mundo “exterior”, em quem se confia e possui fácil acesso a informações e arquivos particulares. É no mínimo estranho pensar que o Facebook, maior rede social da atualidade tenha surgido a partir de uma ideia de seu criador, Mark Zuckerberg, que tinha o intuito de se vingar virtualmente de sua ex-namorada, difamando-a e publicando xingamentos num “blog”, outro recurso para expor e compartilhar dados. Essa informação consta tanto na sua biografia bem como no filme “A Rede Social”.
Atualmente, o Facebook, em conjunto com outras Redes Sociais, sites de compartilhamento e outros recursos de comunicação tais como e-mail, “blogs” e aplicativos de telefonia celular como o Whatsapp, são uma das principais formas de divulgar o Revenge Porn. Esses dados, uma vez compartilhados na rede, são dificilmente apagados e ganham uma repercussão muito maior que se utilizando de outro meio difamatório. A ofensa “é escrita à tinta, e não à lápis”, fala da personagem Erica Albright, ex-namorada de Mark Zuckerberg, no filme “A Rede Social”, retrata a dimensão dos danos provocados pela divulgação de informações particulares na rede aberta.
1.3. Revenge Porn
O “Revenge Porn” reflete nitidamente este problema de segurança quanto à tutela constitucional da privacidade, encontrando na impunidade um propulsor para alastrar-se. Porém, antes de adentrar nos dilemas jurídicos que a situação implica, uma análise técnica é necessária. Neste capítulo serão analisados o termo “Revenge Porn” originário da contemporânea sociedade informacional. E, para, além disto, será feita uma reflexão acerca dos elementos motivadores de tais ações.
“Revenge Porn” define um fenômeno social que vem se espalhando nos últimos anos, especialmente através de redes sociais. Acredita-se que seja um desdobramento do “sexting”, outra forma de interação social que também só é possível graças às novas tecnologias e consiste no envio de conteúdo erótico protagonizado pelo autor do envio a seu companheiro. Em tradução livre, o “Pornô de Revanche” ou “Pornô de Vingança”, é a prática de disponibilizar na Internet material de conteúdo sexual registrados na intimidade de um casal, com o intuito de vingar-se, humilhando publicamente uma das partes na relação.
Esta divulgação é operada pelo próprio ex-companheiro, encoberto pelo anonimato virtual. Mas o agente que primeiramente divulgou não está sozinho. Para que o alastramento do material ocorra faz-se necessário um motor humano que o espalhe rapidamente. Essas pessoas que divulgam o material são dificilmente identificadas e punidas.
Tentando perceber as razões que levam tantas pessoas a reproduzir, compartilhar o conteúdo e se empenhar na difamação das vítimas, infere-se que a vítima passa por um processo de despersonalização. A vítima se transforma, então, em “Bode Expiatório” nos moldes da obra de René Girard, segundo a qual, será um bode expiatório aquele que irracionalmente for selecionado para ser responsabilizado por alguma ocorrência a qual se atribui valor negativo e é amplamente condenada.
Um levantamento rápido acerca da obra de Girard faz-se necessário para que se reconheçam os elementos capazes de demonstrar a existência de um bode expiatório no linchamento que procede ao “Revenge Porn”. Primeiramente, vale ressaltar que o linchamento retratado é considerado uma forma de violência coletiva analisada pelo autor. Em “O Bode Expiatório” (GIRARD, p. 29), afirma que “(…) existe um esquema transcultural de violência coletiva e que é fácil esboçar, em grandes traços, seus contornos”. Tais contornos serão alvo de apreciação a partir de agora.
A multidão perseguidora, descrita por Girard, é formada por indivíduos que integram a comunidade lato sensu. Diante da divulgação do conteúdo pornográfico, os linchadores assumem o papel de árbitros morais do caso específico, exteriorizando através da perseguição o desaprovo unânime pela atitude considerada socialmente condenável perpetrada pela vítima. Os atos que serão “(…) mais frequentemente invocados são sempre aqueles que transgridam os tabus mais rigorosos em relação à cultura considerada” (GIRARD, p. 22).
A instrumentalização das redes de comunicação faz com que a exposição tenha potencial incontrolável, visto que a rede aberta possui limitações insuficientes ao conteúdo que nela transita. Ocorrido o vazamento, pela própria configuração de controle de circulação de dados da rede, será praticamente impossível controlar sua propagação. O linchamento moral é assolador, acarretando, por conseguinte, um dano irreparável à honra da vítima. Coroa-se o bode expiatório, que sofrerá uma série de agressões por seus perseguidores, dentro e fora da rede, pelo "desvio" cometido. As consequências do “Revenge Porn” tem potencial para refletir por toda a vida da vítima.
A maioria das vítimas de “Revenge Porn” tende a serem mulheres jovens, pairando os homens acima dos julgamentos morais. A condenação das mulheres que ousaram igualar sua liberdade sexual à dos homens e explorar novas formas de prazer denuncia uma realidade discriminatória. Tal discussão, contudo, não deve ser aprofundada neste trabalho uma vez que este busca ater-se às questões de direito, sem fazer recorte temático de gênero. Todavia, como as estatísticas mostram um massacre da vida de muitas mulheres vítimas de “Revenge Porn”, faz-se imprescindível lembrar essa questão, inclusive, para ressaltar a importância do tema.
É possível encontrar registros da existência deste fenômeno desde o surgimento da Internet, entretanto foi a pouco tempo que a prática se popularizou, provavelmente pela facilidade que se tem acesso aos smartphones que são ágil ferramenta para criação de imagens, gravações de voz e vídeo largamente utilizados no “Revenge Porn”. Este crescimento coincidiu com o auge das ferramentas de redes sociais atuantes na área de relacionamento.
Outras consequências relacionadas ao “Revenge Porn” são o “Cyberstalking” (perseguição virtual) e o “Cyberbullying” (bullying virtual). Ora, se a pornografia de revanche consiste na divulgação de fotos ou vídeos objetivando difamar a imagem da vítima, humilhando-a publicamente, este ato e o consequente linchamento moral são formas de praticar “Cyberbullying” e “Cyberstalking”.
2. Defesa Jurídica da Privacidade na Rede Aberta de Computadores
Aprender com o passado, compreender o presente e transformar o futuro é o objetivo principal traçado pelo trabalho, o qual atinge seu ápice nos itens a seguir, analisando criticamente o arcabouço legal atual e delineando possibilidades futuras. Quanto às dificuldades de adaptação do direito ante o novo cenário global:
“O Direito em si não consegue acompanhar o frenético avanço proporcionado pelas novas tecnologias, em especial a Internet, e é justamente neste ambiente livre e totalmente sem fronteiras que se desenvolveu uma nova modalidade de crimes, uma criminalidade virtual, desenvolvida por agentes que se aproveitam da possibilidade de anonimato e da ausência de regras na rede mundial de computadores” (PINHEIRO, 2009, p. 8).
Os direitos de personalidade, mais especificamente o direito a privacidade, decorrem da mistura entre normas legais e costumeiras, consequentemente culturais. Destarte, sua percepção pode variar entre uma cultura e outra. A defesa da privacidade na Internet é, portanto, uma problemática difícil de dissecar, tanto pela subjetividade da privacidade, como pela dificuldade fática em tutelá-la. Visto que os direitos de personalidade, quando lesados, são dificilmente reparados. Para protegê-los, recomenda-se uma legislação com caráter preventivo. O objetivo a ser traçado é o de impedir que a lesão se consume e, assim, defender o direito fundamental à personalidade, presentes na Constituição Federal.
Há quem defenda a compreensão de determinados espaços virtuais, onde é possível publicar para internautas irrestritos, como espaço público comum. Com efeito, os crimes cuja tipificação exige que ato ilícito seja praticado em público poderiam abranger os crimes virtuais em que o agente usa esses espaços, incluindo o “Revenge Porn”. Poder-se-ia enquadrá-la como crime de difamação, pelo artigo 139 do Código Penal Brasileiro: “Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa”. A omissão do legislador, todavia, tem prazo fatal para se findar com a edição de Projetos de Lei que visam alterar o Código Penal e a Lei Maria da Penha.
Porém, sua punição por detenção não corresponde com os danos irreparáveis causados à vítima. No Brasil, encontramos uma forte tendência pela normatização punitiva. Contudo, essa tendência não vislumbra melhorias na tutela dos direitos da personalidade. A penalização não cumprirá sua função social de reconstrução de valores morais nos infratores, muito menos reconstituirá o status quo ante do direito lesionado à vítima. Defendo, porém, que a lei seja dotada de uma pena maior, a título de multa, com o intuito de assim prevenir que o ato ilícito seja cometido. Sustento que uma pena de multa maior conteria as ocorrências do delito, com efeito impeditivo e preventivo, além de chamar a atenção para a gravidade da conduta.
No âmbito internacional podemos observar algumas normas gerais de proteção à privacidade que podem vir a abranger o ambiente virtual, interpretadas amplamente. Como foi visto, o artigo 12, da Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, de 1948, tutela a privacidade, gerando direcionamentos para a tutela deste direito no âmbito constitucional e infraconstitucional nos países que se submeterem à declaração – tal como o Brasil.
Ainda que, no presente momento, o arcabouço legal brasileiro seja insuficiente ou ineficaz para tutelar a privacidade ante os riscos das novas tecnologias, felizmente o legislador começou a se interessar pelo uso indevido da Internet. Já se pode ver grande movimentação da sociedade cobrando a atuação dos legisladores nesse ramo. Um exemplo de lei que pode auxiliar no enquadramento de crimes digitais de “Revenge Porn” é o artigo 241 da Lei n° 10.764/2003, mais conhecida como o Estatuto da Criança e do Adolescente. Ora, dentre as vítimas encontramos muitos adolescentes que são um alvo fácil, pois na sua geração o uso do computador faz parte do seu dia-a-dia. O artigo 241 prevê:
“Art. 241. Apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar, por qualquer meio de comunicação, inclusive rede mundial de computadores ou Internet, fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo criança ou adolescente: Pena – reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa”.
O crime de pornografia infantil, portanto, pode incluir casos de “Revenge Porn” quando a vítima for adolescente, na forma da lei. O artigo prevê uma multa mais severa do que a do crime de difamação, o que vem a calhar, visto que a vítima neste caso é adolescente e precisa de proteção redobrada.
2.1. Direito Digital e Crimes Cibernéticos
Concomitantemente com o crescimento da Internet, surgiram os crimes cibernéticos. Para Augusto Rossini (apud Tel SENNA, 2013):
“O conceito de ‘delito informático’ poderia ser talhado como aquela conduta típica e ilícita, constitutiva de crime ou contravenção, dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva, praticada por pessoa física ou jurídica, com o uso da informática, em ambiente de rede ou fora dele, e que ofenda, direta ou indiretamente, a segurança informática, que tem por elementos a integridade, a disponibilidade a confidencialidade” (ROSSINI, Augusto apud SENNA, 2013).
Portanto, essas novas modalidades de atos ilícitos cujos agentes provocadores, para realizar e consumar o delito, fazem o uso qualquer tipo de equipamento computacional com conexão à rede mundial de computadores como elemento essencial.
“O crime virtual é, em princípio, um crime de meio, ou seja, utiliza-se de um meio virtual. Não é crime de fim, por natureza, ou seja, aqueles cuja modalidade só ocorra em ambiente virtual, à exceção dos crimes cometidos por hackers, mas que de algum modo podem ser enquadrados na categoria de estelionato, extorsão, falsidade ideológica, fraude, entre outros. Isso quer dizer que o meio de materialização da conduta criminosa é que é virtual, não o crime” (PINHEIRO apud DULLIUS, 2012).
A categorização de um objeto de estudo permite que se delimite melhor o tema, facilitando sua análise. Por isso, é de primeira importância classificar os crimes informáticos. Os delitos informáticos poderão ser classificados em próprios, que apenas poderão ser realizados através de computadores ou sistemas de informática, e impróprios, que prevê a possibilidade da prática delituosa através de outros meios para além do informático.
A classificação dos crimes de informática em crimes próprios e os impróprios é a forma que melhor se enquadra no estudo do “Revenge Porn” sob a perspectiva de crime virtual. Sustento a teoria que o “Revenge Porn” é um crime informático impróprio, visto que não se detém ao uso de computadores para consumar-se. É possível realizar o ato ilícito, qual seja, divulgar fotos íntimas sem autorização através de revistas, por exemplo, como ocorreram nos primeiros casos reportados do “Revenge Porn”. O conceito de “Revenge Porn” pode ser bem abrangente, mas foi com a ascendência das tecnologias que a prática se popularizou, daí o porquê estar sempre associado ao uso de computadores ou celulares com tecnologia de rede.
Uma vez posto na rede aberta, é impossível controlar a propagação do arquivo que passa de usuário para usuário sem qualquer possibilidade de cortar a cadeia de divulgação. Diante do risco permanente à Tutela do Direito Constitucional da Privacidade, reforçamos que é preciso com extrema urgência que a atenção dos legisladores e demais juristas voltem-se para o tema. A proteção à privacidade não pode ser mitigada. Por isso, faz-se imprescindível estudar os riscos dessa conduta, buscar formas de prevenção e combate de tais crimes.
O Direito Penal é regido pelo Princípio da Legalidade, previsto no artigo 5º, XXXIX da Constituição: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Por este dispositivo, o jurista ficaria adstrito à tipificação legal para qualificar condutas ilícitas, obstando muitas vezes que se tenha uma interpretação abrangente para casos similares. Porém, diante da lesão a um direito fundamental constitucional e da omissão do legislador, susto que o jurista deve interpretar amplamente a conduta fática.
2.2. O Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/14)
O Marco Civil da Internet foi aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado, sancionado pela presidente Dilma Rousseff e publicado no dia 24 de abril de 2014, respeitado o prazo de 60 dias, entrou em vigor em 23 de junho de 2014. A Lei 12.965/14 prevê princípios e diretrizes para o uso da Internet no Brasil e ficou conhecida como a “Constituição da Internet”, baseando-se no Decálogo da Internet, estabelecido pelo Comitê Gestor da Internet – CGI, no Brasil, em 2009.
Ainda que a lei tenha se dedicado mais a tutelar a privacidade através da regulamentação dos registros de dados na Internet, indubitavelmente, o Marco Civil foi um na regulamentação da Internet, contribuindo com a proteção de direitos fundamentais dos internautas e preenchendo lacunas legais. Assim sendo, sob a perspectiva do “Revenge Porn”, a tutela da privacidade no meio digital foi reforçada.
No artigo 3º da lei em questão, encontra-se disposto que: “A disciplina do uso da Internet no Brasil tem os seguintes princípios: […] II – proteção da privacidade”. Mais a frente, a lei dispõe, em seu artigo 7º que: “O acesso à Internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: I – inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Ademais, o inciso I, do artigo 7º, acima transcrito, em sua parte final, prevê a possibilidade de ressarcimento pelo dano provocado pela violação à privacidade, que será analisado com maior profundidade no tópico a seguir. O artigo 15 da Lei 12.965/14 é aliado na investigação de crimes digitais, inclusive no caso de “Revenge Porn”. O artigo dispõe que: “Art. 15. O provedor de aplicações de Internet constituído na forma de pessoa jurídica e que exerça essa atividade de forma organizada, profissionalmente e com fins econômicos deverá manter os respectivos registros de acesso a aplicações de Internet, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 6 (seis) meses, nos termos do regulamento”.
A imposição de registro de informações de acesso de usuários aos sites da Internet tais como endereços de IP, horários de conexão e históricos de navegação, facilitará a investigação policial de autoria no caso de Revenge Porn. Será possível, inclusive, encontrar registros de quem deu continuidade e repassou o material.
Contudo, a Lei nº 12.965/14 não previu tipificação para o crime de “Revenge Porn”. Sem tipificação, o “Revenge Porn” continuará com o mesmo vigor de antes do Marco, a ser enquadrada por analogia a crime de difamação. A contribuição do Marco Civil da Internet se dá, em grande parte, pela facilitação dos meios de investigar o ato ilícito e, assim, mais facilmente punir. A lei reflete os anseios da sociedade pela regulamentação de ferramentas que melhor tutelem os direitos de personalidade ante as novas tecnologias
2.2.1. Responsabilidade Civil dos Provedores e Indenização por Danos Morais Segundo o Marco Civil
A seção III da Lei nº 12.965/14, também conhecida como Marco Civil da Internet, dispõe acerca da responsabilização civil dos provedores sobre o conteúdo de terceiros, usuários do site em questão. Porém, antes de adentrar a previsão legal, cumpre delimitar o conceito de “Responsabilidade Civil”. Segundo Maria Helena Diniz (2003, p. 34):
“A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva)” (DINIZ. 2003, p. 34).
Dessa forma, imputará ao provedor reparar os danos causados à vítima do “Revenge Porn” quando ocorrerem as hipóteses previstas no artigo 18 e 19 do Marco Civil da Internet, segundo os quais: “Art. 18. O provedor de conexão à Internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros; Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de Internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.
Com isso, o Marco prevê a possibilidade de responsabilização civil dos provedores que veicularem “Revenge Porn” se desobedecerem à ordem judicial de retirada do conteúdo. A responsabilidade será solidária, em decorrência do Direito do Consumidor. Além disso, visando aceleração o processo de exclusão do conteúdo, o parágrafo 3º do artigo 19 prevê: “§ 3º. As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos disponibilizados na Internet relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade, bem como sobre a indisponibilização desses conteúdos por provedores de aplicações de Internet, poderão ser apresentadas perante os juizados especiais (grifo da autora)”.
A previsão de competência dos juizados especiais é outra forma de garantir celeridade ao julgamento. Além disso, o 4º parágrafo prevê a possibilidade de pedir antecipação da tutela: “§ 4º O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3º, poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e considerado o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na Internet, desde que presentes os requisitos de verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”.
É possível pedir a reparação em sede de litisconsórcio passivo entre o terceiro responsável pela divulgação e o provedor que descumpriu ordem judicial de retirada do conteúdo. Esta reparação se fará nos moldes legais do artigo 5º, inciso X, da Carta Magna, bem como nos artigos 186 e 927 do Código Civil Brasileiro.
Além disso, se o provedor não retirar o conteúdo, além da responsabilização civil, estará sujeito a punições administrativas. Porém, no que tange à responsabilização penal, é de fácil entendimento que não há concorrência, uma vez que o ato ilícito é imputável apenas a quem o praticou. Só será punido penalmente o agente que, utilizando-se de recursos informáticos, praticou o “Revenge Porn”. Para o Marco Civil é impossível culpar o provedor pelo conteúdo neles veiculado, uma vez que a Internet é um ambiente público e de difícil controle.
Há quem critique a responsabilização civil tendo como requisito o descumprimento de ordem judicial. Nesse sentido, o Supremo se manifestou, condenando o Google ao pagamento de indenização por acreditar que, apesar do conteúdo ofensivo original ter sido deletado, é impossível apagar todas as cópias espalhadas pela rede posteriormente. Contudo, o entendimento majoritário entre os doutrinadores condiz com a literalidade do Marco Civil. Patrícia Peck comunga dessa ideia. A autora afirma que seria uma tarefa hercúlea o monitoramento de todos os conteúdos postados no sítio eletrônico da empresa provedora. Todavia, a empresa:
“Ao ser comunicada, seja por uma autoridade, seja por um usuário, de que determinado vídeo/texto possui conteúdo eventualmente ofensivo e/ou ilícito, deve tal empresa agir de forma enérgica, retirando-o imediatamente do ar, sob pena de, daí sim, responder de forma solidária juntamente com o seu autor ante a omissão praticada (art. 186 do CC)” (PECK. 2010, p. 401).
2.3. “Lei Carolina Dieckmann” (Lei nº 12.737/2012)
A Lei nº 12.737/2012 é nomeada em alusão a uma das vítimas que sofreu com o crime que a lei em questão tipificou, a atriz Carolina Dieckmann. Foi aprovada visando acrescentar os artigos 154-A a 154-B ao Código Penal, de modo que se tornou um delito a conduta de invadir ilicitamente recurso informático com o intuito de obter dados pessoais ou profissionais de alguém. O artigo 154-A prevê que:
“Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa”.
O parágrafo 1º do artigo 154-A prevê que incorrerá na mesma pena aquele que participar da produção, distribuição, difusão, venda, ou mesmo oferecer dispositivo de computador que facilite a invadir o sistema informático. Para que se pratique tal ato é preciso ter conhecimento técnico na área de informática.
O parágrafo 2º do mesmo artigo prevê o aumento de pena “se da conduta resultar prejuízo econômico a pena será elevada de um sexto a um terço”. Ora, há de se recordar que muitas vezes a vítima perde o emprego em decorrência da exposição do material. Ressalta-se que o ressarcimento pelo prejuízo econômico não desincumbe o agente de indenizar civilmente a vítima.
Essa lei se destaca na luta contra o “Revenge Porn”, pois é preciso lembrar que nem sempre o agente causador que obtém o arquivo ilicitamente, com o intuito de expô-lo na Internet, tem livre acesso aos recursos informáticos da vítima, pode tratar-se de um hacker que penetrou no sistema dolosamente. Ressalta-se que para se aplicar a aludida lei ao “Revenge Porn”, o invasor do sistema deve necessariamente conhecer a vítima e praticar a conduta com o intuito de se vingar.
2.4. Projetos de Lei nº 6630/13 e 5555/13
Visando a tipificação do crime de “Revenge Porn”, surgiram alguns projetos de Lei. O primeiro a ser analisado é a PL 6630/13, de autoria do Deputado Federal Romário, no qual consta, no início do texto que justifica a necessidade dessa lei, reiterando tudo o que foi demonstrado neste trabalho:
“A Constituição Federal, que completou 25 anos, já assegura o direito à inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, contudo, lamentavelmente cresce o número de mulheres que tem suas imagens íntimas disponibilizadas, nos meios eletrônicos, por seus ex-companheiros por ato de vingança, humilhação ou autopromoção. Conforme matéria da Folha de São Paulo, veiculada em 02/10/2013, a divulgação de materiais íntimos é um problema crescente na era das redes sociais, quando imagens que eram privadas durante um relacionamento podem alcançar centenas de sites em pouquíssimo tempo. Por causa dessas condutas, as vítimas têm suas vidas destruídas pela ação de outra pessoa em quem confiavam. Normalmente, os casos de fotos e vídeos íntimos publicados na rede são provocados por parceiros que não aceitam o fim do relacionamento e que procuram essa forma para atingir a integridade física, moral e psicológica da vítima, esta prática ganhou até um nome: Pornografia da vingança. Conforme o presidente da Comissão de Tecnologia da Informação da Ordem dos Advogados (OAB) Nacional, Alexandre Rodrigues Atheniense, os crimes de Internet estão aumentando porque os autores acreditam que suas ações ficarão impunes. “O desconhecimento da existência de leis e métodos que podem efetivamente punir os infratores também é fator predominante”, analisou, acrescentando que as mulheres são as maiores vítimas de crimes virtuais contra a honra. Analisando a legislação vigente, especificamente o Código Penal, não encontramos, a princípio, uma norma penal específica que defina a conduta de divulgação indevida de material íntimo. As autoridades acabam enquadrando como difamação ou injúria, que possuem pena branda para a gravidade da conduta”.
Defendo que o Projeto de Lei nº 6630/13 apresenta um grande avanço na tutela da privacidade na Internet, alcançando as expectativas de muitos estudiosos. O PL alteraria o Código Penal Brasileiro através da inclusão de um artigo que tipificaria, conforme a ementa do projeto, “a conduta de divulgar fotos ou vídeos com cena de nudez ou ato sexual sem autorização da vítima”, ou seja, o “Revenge Porn”. Na literalidade do texto:
“Art. 2º O Decreto-lei nº 2848, de 7 de dezembro de 1940, passa a vigorar acrescido do seguinte art. 216-B: Divulgação indevida de material íntimo: Art. 216-B. Divulgar, por qualquer meio, fotografia, imagem, som, vídeo ou qualquer outro material, contendo cena de nudez, ato sexual ou obsceno sem autorização da vítima. Pena – “detenção de um a três anos e multa”.
Também incorrerá na mesma pena quem realiza montagens ou qualquer artifício com imagens de pessoas, conforme o parágrafo 1º do artigo 2º da PL 6630/13. Essa primeira alteração abrange tanto os casos de “Revenge Porn” em que se utiliza computador, como os casos em que se utilizam outros meios, uma vez que o “Revenge Porn” se enquadra como crime informático impróprio. Porém, sendo utilizados recursos informáticos para consumar o crime, pelo agravamento na reprodução do conteúdo, o PL prevê uma punição mais severa ao agente:
“Art. 5º Se o crime foi cometido por meio da Internet, na sentença penal condenatória, o juiz deverá aplicar também pena impeditiva de acesso às redes sociais ou de serviços de e-mails e mensagens eletrônicas pelo prazo de até dois anos, de acordo com a gravidade da conduta”.
Está previsto no artigo 3º que: “O agente fica sujeito a indenizar a vítima por todas as despesas decorrentes de mudança de domicílio, de instituição de ensino, tratamentos médicos e psicológicos e perda de emprego”. O julgador precisa ter conhecimento da extrema gravidade do crime de “Revenge Porn” no momento em que estipular o valor da condenação indenizatória por dano moral, além de, como de praxe, observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. O pagamento dessa indenização não obsta a reparação dos demais danos causados, como danos materiais e morais, como no artigo 4º.
Este projeto de lei, além de finalmente tipificar o “Revenge Porn”, mostra-se bastante eficiente na sua prevenção, uma vez que a punição envolve a cobrança de dinheiro, desde multa a indenizações. Outros aspectos positivos do projeto encontram-se no parágrafo 2º e 3º do artigo 2º, que dispõe sobre atenuantes para a pena. O inciso 1º aumenta a pena se o crime for motivado por desejo de se vingar ou humilhar a vítima, o que contribui para a caracterização do “Revenge Porn” por um de seus elementos mais essenciais.
O inciso 2º aumenta a pena se o crime for cometido por cônjuge, companheiro(a), ou alguém que manteve relacionamento amoroso com a vítima com ou sem habitualidade. Mais uma vez, o legislador acertou, pois na maioria dos casos de “Revenge Porn”, o agente manteve um relacionamento com a vítima e busca vingar-se pelo fim deste. Por fim, o parágrafo 3º prevê: “a pena é aumentada da metade se o crime é cometido contra vítima menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa com deficiência", que visa proteger o incapaz, absoluto ou relativo.
O Projeto de Lei nº 6630/13 foi proposto em apenso ao Projeto de Lei nº 5555/13, do Deputado João Arruda, cujo escopo é de, na forma do artigo 1º deste PL, alterar a Lei nº 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, “criando mecanismos para o combate a condutas ofensivas contra a mulher na Internet ou em outros meios de propagação da informação”. Pretende-se incorporar ao rol de crimes contra a mulher a conduta de “Revenge Porn”. O objetivo principal do PL 5555/13 é imputar as mesmas sanções legais da Lei Maria da Penha ao agente que cometeu o delito, quais sejam, o afastamento do lar, restrição de contato com a vítima e demais medidas do artigo 22 da citada Lei. Assim sendo, o artigo 7º da Lei Maria da Penha terá nova redação, nos seguintes termos:
“Art. 7º. São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: VI – violação da sua intimidade, entendida como a divulgação por meio da Internet, ou em qualquer outro meio de propagação da informação, sem o seu expresso consentimento, de imagens, informações, dados pessoais, vídeos, áudios, montagens ou fotocomposições da mulher, obtidos no âmbito de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade”.
Assim como no Marco Civil da Internet, o PL 5555/13 também prevê ferramentas que darão celeridade à retirada do conteúdo ofensivo da Internet. O PL, entretanto, é mais eficiente neste ponto. Ocorre que, segundo o Marco Civil, só haverá responsabilização do provedor se este desobedecer à ordem judicial no prazo não determinado pela lei, incumbindo ao julgador determinar um prazo. Enquanto que, segundo o PL, o prazo será de vinte e quatro horas. A nova proposta de redação do artigo 22, parágrafo 5º, da Lei Maria da Penha dispõe:
“Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras: §5º Na hipótese de aplicação do inciso VI do artigo 7º desta Lei, o juiz ordenará ao provedor de serviço de e-mail, perfil de rede social, de hospedagem de site, de hospedagem de blog, de telefonia móvel ou qualquer outro prestador do serviço de propagação de informação, que remova, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, o conteúdo que viola a intimidade da mulher”.
Cabe ressaltar que já é possível enquadrar na Lei Maria da Penha os crimes de “Revenge Porn”, se cometidos contra mulheres adultas e provocarem dano emocional. Enquanto o PL nº 5555/13 não entra em vigor, outra forma de defender-se juridicamente aplicando as sanções da Lei Maria da Penha é enquadrando o crime no seu inciso II do art. 7º, o qual dispõe quanto as formas de violência contra a mulher: “Art. 7º. […] II – À violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularizarão, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação”.
Apesar de tratarem do mesmo tema, os dois projetos têm naturezas distintas. Enquanto no PL nº 6630/13 a tutela independe do sexo, o PL nº 5555/13, ignorando tendências jurisprudenciais que defendem a aplicação análoga da Lei Maria da Penha aos homens, a tutela é, em tese, exclusivamente a privacidade das mulheres. É inegável a importância das alterações por eles apresentadas, porém, se forem sancionados separadamente, perderão parte de sua eficácia. Observa-se que os dois Projetos de Lei se complementam, motivo pelo qual defendo que o PL nº 6630/13 deva ser mantido apenso ao PL nº 5555/13.
2.5. O Direito de Ser Esquecido
Em 13 de maio de 2014 a Corte Europeia de Justiça consagrou o “direito de ser esquecido”, do inglês “the right to be forgotten”. No caso, Mario Costeja, propôs ação requerendo que não fosse possível encontrar resultados em pesquisa no site Google onde seu nome estivesse conectado à venda de uma casa para pagar uma dívida antiga. A decisão baseou-se no direito ao controle da exposição de informações particulares. As pesquisas do Google funcionam de modo que os links referentes ao assunto procurado no campo de parâmetros de busca sejam apresentados no resultado, assim a empresa tem o manejo dos dados que transitam nas pesquisas. A Corte entendeu que, em decorrência disso, o Google poderia excluir os links que ferissem direitos personalíssimos do requerente.
A retirada desse conteúdo das respostas às consultas segue basicamente a mesma lógica que a retirada do arquivo de “Revenge Porn” pelo provedor, tratado anteriormente. É preciso que haja uma especificação do conteúdo a ser apagado. O direito de ser esquecido é um tema bastante atual e que tem muita relevância para o presente trabalho, visto que dificulta que se encontrem links através de pesquisas do Google, o que ajuda a inibir a reprodução devastadora do conteúdo do “Revenge Porn”. Esse direito tem reflexos na tutela constitucional da privacidade, da imagem, da honra e da intimidade, pois obsta que o acesso ao conteúdo perpetue-se na rede mundial de computadores.
Antes mesmo dessa decisão da Corte Europeia, o tema já era discutido também no Brasil e o Enunciado nº 531 da VI Jornada de Direito Civil pelo Conselho Federal de Justiça, em 2013, propõe o seguinte:
“ENUNCIADO 531 – A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. Artigo: 11 do Código Civil Justificativa: Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados”.
Conforme se explica no texto “Os Limites do Direito de Ser Esquecido” publicado no Jornal Gazeta do Povo, em 14 de junho de 2013, o tema “remete a uma interpretação do Código Civil no que tange aos direitos de personalidade – o direito que as pessoas têm de serem esquecidas pela opinião pública e pela imprensa” (BARAN, 2013). Ademais, levanta polêmicas, pois entra em conflito com o Direito a Memória e pode significar uma forma de impedimento de responsabilização. O instituto do Direito ao Esquecimento perderia seu propósito se fosse invocado com o objetivo de encobrir acontecimentos nos quais prevalecem o direito à informação da sociedade.
O enunciado 531 supracitado foi usado como embasamento em duas decisões do STJ sobre o direito ao esquecimento. A primeira foi prolatada no REsp nº 1.334.097-RJ, perante a 4ª Turma do STJ, interposto num processo contra a Rede Globo de Comunicações que veiculou em um programa de notícias o nome de um dos acusados de estar envolvido no incidente da Chacina da Candelária. O acusado posteriormente foi absolvido e a divulgação de seu nome ofendeu a sua honra. O STJ reconheceu o Direito de ser Esquecido do requerente e condenou a globo a pagar indenização por danos morais. Segundo o STJ um direito não pode se sobrepor ao outro:
“A liberdade de imprensa há de ser analisada a partir de dois paradigmas jurídicos bem distantes um do outro. O primeiro, de completo menosprezo tanto da dignidade da pessoa humana quanto da liberdade de imprensa; e o segundo, o atual, de dupla tutela constitucional de ambos os valores”.
Compete ao julgador, ao analisar individualmente cada caso, relativizar os direitos em conflito, para então decidir qual preceito aplicar. A importância histórica do crime não é motivação suficiente para eximir o veículo de comunicações pela divulgação do nome de um indivíduo quando da pessoa absolvida não era indispensável para que os fatos fossem retratados de maneira fidedigna. O uso de um nome falso, por exemplo, seria adequado para ilustrar o ocorrido, sem ferir a intimidade do indivíduo. No caso da Chacina, o STJ argumentou que:
“Ressalvam-se do direito ao esquecimento os fatos genuinamente históricos – historicidade essa que deve ser analisada em concreto -, cujo interesse público e social deve sobreviver à passagem do tempo, desde que a narrativa desvinculada dos envolvidos se fizer impraticável”.
A segunda decisão histórica ocorreu no REsp nº 1.335.153-RJ, perante a 4ª Turma do STJ, a respeito do caso de Aída Cúri, jovem que foi estuprada e morta em 1958. Seu caso foi de notório conhecimento na época, sendo noticiado por diversos jornais. A família de Aída pleiteou uma indenização pela divulgação do nome da vítima pela Rede Globo, ao exibir uma reconstituição do crime, décadas depois. O STJ, entretanto, rejeitou o pleito de indenização de maneira congruente com a tendência apresentada na primeira decisão. O STJ alegou que é preciso haver interesse público para impedir que o autor do crime e a vítima tenham Direito ao Esquecimento em caso de divulgação de seus nomes. O STJ compreendeu que a historicidade do crime pode ser motivação pública suficiente para que se possam divulgar os nomes. No entanto, é necessário analisar caso a caso, conforme trecho da decisão:
“Com efeito, penso que a historicidade do crime não deve constituir óbice em si intransponível ao reconhecimento de direitos como o vindicado nos presentes autos. Na verdade, a permissão ampla e irrestrita a que um crime e as pessoas nele envolvidas sejam retratados indefinidamente no tempo – a pretexto da historicidade do fato –, pode significar permissão de um segundo abuso à dignidade humana, simplesmente porque o primeiro já fora cometido no passado. Muito pelo contrário, nesses casos o reconhecimento do “direito ao esquecimento” pode significar um corretivo – tardio, mas possível – das vicissitudes do passado, seja de inquéritos policiais ou processos judiciais pirotécnicos e injustos, seja da exploração populista da mídia. Portanto, a questão da historicidade do crime, embora relevante para o desate de controvérsias como a dos autos, pode ser ponderada caso a caso, devendo ser aferida também a possível artificiosidade da história criada na época”.
O STJ entendeu que a Rede Globo, in casu, não conseguiria ocultar o nome da vítima, visto que sua divulgação seria dotada de interesse público e histórico. Concluiu-se que é imprescindível a verificação da existência de interesse público na divulgação da informação. Em caso positivo, não há o que se falar em direito de ser esquecido. O STJ lembra também que o tema necessita ainda de muita reflexão para que não seja mal utilizado. Fazendo-se uma breve busca pelo Google, é fácil deparar-se com casos de políticos corruptos tentando fazer-se valer do Direito ao Esquecimento.
Tal preocupação não prevalece, no entanto, em face da vítima de “Revenge Porn” que pleiteia pela retirada do material ofensivo dos resultados em sites de busca. Susto que não há impedimento algum para isso, pelo contrário, é de extrema urgência que se faça. Ainda que o provedor apague o arquivo original, em muitos casos outros internautas reproduzem cópias que se “eternizam” na rede aberta. Como já foi visto, o STJ também compreendeu pela condenação do Google em indenização por danos morais justamente por essas cópias terem sido reproduzidas. Com o escopo de por fim nisso, o Direito ao Esquecimento é o último aliado à tutela constitucional da privacidade ante as novas tecnologias a ser analisado, mas não o menos importante.
Conclusão
Ao expandir a tutela da privacidade para o meio digital, é possível encontrar várias questões que carecem de análise jurídica, dentre elas, o “Revenge Porn”. Os últimos anos têm sido marcados por notícias de casos em que tal prática provocou a exposição e o sofrimento de muitas pessoas. O modus operandi destas condutas na rede mundial de computadores é um assunto complexo de se analisar, pois necessita certo conhecimento sobre o próprio funcionamento da Internet e dos novos aparelhos tecnológicos.
Todavia, pelo que foi exposto, pode-se concluir que a melhor forma de tutelar a privacidade ante a revolução tecnológica é adotar uma regulamentação de cunho preventivo, tendo em vista que os danos provocados pelo “Revenge Porn” são irreparáveis e a gravidade do tema. Quanto mais específicas, precisas e diretas, as normas regulamentadoras, mais eficientes será a proteção. Do mesmo modo, quanto mais punitivas pecuniariamente as penas, no que tange a multas, maior será a prevenção contra a prática dessas condutas. É preciso incentivar também a resolução da lide na área cível, através da indenização.
Ainda não há previsão específica no ordenamento jurídico brasileiro, nos moldes que aqui foram propostos. O que temos é uma legislação omissa, restando aos juristas aplicar outros dispositivos por analogia. O Brasil ainda é um país obsoleto neste assunto. O Marco Civil da Internet, a mais recente lei que regulamenta o uso da Internet apresentou grandes avanços no que tange a responsabilização civil dos provedores pela veiculação de imagem sem autorização do seu dono e sua previsão provoca, como consequência uma maior agilidade na retirada do conteúdo. Porém, continua insuficiente quando se trata de “Revenge Porn”.
Outros instrumentos úteis no combate ao “Revenge Porn” são as previsões da Lei Carolina Dieckmann e a consagração do Direito ao Esquecimento. Contudo, os Projetos de Lei que mais se aproximam da abordagem necessária para uma tutela efetiva da privacidade são o PL nº 6630/13 e 5555/13. Portanto, o futuro pode não ser tão obscuro quanto o passado já foi para as vítimas de “Revenge Porn”.
Além da tutela jurídica, é preciso que a sociedade se conscientize quanto ao tema. Ensinar à juventude a respeitar a privacidade e usar as novas tecnologias com responsabilidade é indispensável. A transformação não deve ser só jurídica, estrutural, faz-se necessário promover uma verdadeira reeducação, de modo que as pessoas parem de reproduzir o “Revenge Porn”, compartilhando o conteúdo com seus contatos virtuais. É preciso ensinar também aos jovens, que são mais suscetíveis a cair em armadilhas na Internet, que eles têm o direito de exigir sua privacidade diante de abusos virtuais. E, quando se fala em reeducação digital, o termo não abrange apenas o controle de informações veiculadas na rede pelo indivíduo. É preciso que este compreenda e respeite os direitos fundamentais em todas as suas atitudes, o que inclui o uso da Internet. Ser ético é um ato universal.
Informações Sobre o Autor
Helena Corrêa de Oliveira Domingues da Silva
Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco UNICAP. Pós-Graduanda especialização em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Faculdade Damásio de Jesus