Último tango

O encanto de Buenos Aires foi encoberto
pelos confrontos entre populares e a polícia. O, agora ex-Presidente, Fernando De La Rúa, permaneceu sitiado na Casa Rosada. O
povo argentino transformou, mais uma vez, a Praça de Maio no ponto nefrálgico
das manifestações. As adjacências da sede do governo argentino estavam tomadas
pelo confronto. Os saques eram constantes, entre outras, nas charmosas
ruas Florida, Corrientes e Tucumán.
Impassível, o obelisco da imponente Avenida 9 de Julho assistia o caos em todos
os bairros portenhos. Tudo isso acontecia enquanto a Argentina vivia na exceção
do “Estado de Sítio”.

Durante a campanha presidencial de
1999, um cartaz, em frente ao Teatro Colón, dizia “De la Rúa: Presidente Seguro”. Os tempos
mudaram e o vencedor daquele pleito perdeu a autoridade quando suas
determinações não foram aceitas pela população, que tomou as ruas das
principais cidades da Argentina em protesto. Como se a tormenta sobre seu governo
não fosse suficiente, De La Rúa recebeu, na madrugada de quinta-feira,
22 de dezembro, a renúncia de todo seu gabinete. No mesmo dia, o ex-condutor da
economia, Domingo Cavallo, foi proibido de deixar o
país, o Congresso fechou as portas e os serviços de trens e metrôs foram
suspensos. Em meio à turbulência, a Casa Rosada ainda procurou os líderes do
Congresso Nacional, dominado pelo partido justicialista (peronista), com vistas
a formar um governo de coalizão. Ocorreu o esperado: os peronistas não
forneceram o apoio político que o Presidente precisava. De La Rúa, entrincheirado na sede do governo,
não teve outra alternativa senão a renúncia.

A democracia estava em risco, como
enfatizei no artigo de 18 de julho e aqui transcrevo novamente para o leitor:
“(…) acredito que os estragos cometidos pelo Estado argentino são tão
profundos que podem colocar em risco as instituições democráticas, tanto na
Argentina, quanto no resto da América Latina. O mais importante neste momento é
evitar uma possível ruptura institucional e econômica potencialmente endêmica”.
Durante horas, diferentes governos do mundo torceram para que a solução
encontrada não fosse a quebra das regras democráticas,
que rasgariam a constituição e poderiam levar a Argentina para o regime de
exceção. Tudo indica que os irmãos platinos preferiram a
solução democrática e constitucional, o que demonstra a maturidade do povo e de
seus líderes, mesmo abalados durante esta forte crise. É, neste ponto, sem
dúvida, uma lição de democracia para outros países
latinos.

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A queda de Fernando De
La
Rúa é mais uma dura derrota para
seu partido, a União Cívica Radical. A UCR já teve 10 diferentes presidentes no
comando do país, contudo, somente três deles conseguiram cumprir integralmente
o seu mandato. Com o mais recente Presidente eleito, não foi diferente. Para o
futuro, a Argentina tem várias opções para disputar a próxima eleição,
principalmente no partido de oposição, o justicialista. Candidatíssimo,
Carlos Menem encabeça a lista. Entre os peronistas, porém, existem outros
interessados em ocupar a vaga deixada na Casa Rosada, desde os governadores de
Córdoba e Santa Fé, José Manuel de la Sotta e o
ex-piloto Carlos Reutmann, até Eduardo Duhalde, Senador, derrotado nas eleições de 1999 por De La Rúa. Ainda
aparecem como opções Carlos “Chaco” Alvarez, da Frepaso (Frente País Solidário) antigo vice que renunciou e
Angel Rozas, da desgastada UCR.

Nosso vizinho vive uma crise econômica
estrutural. O desgaste na economia veio de mãos dadas com o perigoso fascínio
pelo populismo. A paridade já não existe, pois o povo não confia na capacidade
de o Estado manter a equivalência entre peso e dólar. Se o próximo governo
insistir na paridade, o problema estrutural continuará, pois a indústria
nacional perderá competitividade, o que culminará com novas demissões e aumento
do desemprego. O fim da paridade e a retomada de uma política monetária própria
é essencial para a recuperação do país. A ineficiência e o esgotamento do plano de paridade é claro.
A Argentina precisa de um governo que articule a estabilidade e o retorno ao
crescimento baseado em políticas fiscais e monetárias austeras e realistas. O
problema estrutural precisa ser resolvido. Desta forma, os tangos da pujante
Argentina do passado, antes do populismo de Perón, poderão ser dançados
novamente, sem a melancolia do último tango conduzido por De
La
Rúa.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Márcio C. Coimbra

 

advogado, sócio da Governale – Políticas Públicas e Relações Institucionais (www.governale.com.br). Habilitado em Direito Mercantil pela Unisinos. Professor de Direito Constitucional e Internacional do UniCEUB – Centro Universitário de Brasília. PIL pela Harvard Law School. MBA em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas. Especialista em Direito Internacional pela UFRGS. Mestrando em Relações Internacionais pela UnB.
Vice-Presidente do Conil-Conselho Nacional dos Institutos Liberais pelo Distrito Federal. Sócio do IEE – Instituto de Estudos Empresariais. É editor do site Parlata (www.parlata.com.br) articulista semanal do site www.diegocasagrande.com.br e www.direito.com.br. Tem artigos e entrevistas publicadas em diversos sites nacionais e estrangeiros (www.urgente24.tv) e jornais brasileiros como Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil, Zero Hora, Jornal de Brasília, Correio Braziliense, O Estado do Maranhão, Diário Catarinense, Gazeta do Paraná, O Tempo (MG), Hoje em Dia, Jornal do Tocantins, Correio da Paraíba e A Gazeta do Acre. É autor do livro “A Recuperação da Empresa: Regimes Jurídicos brasileiro e norte-americano”, Ed. Síntese – IOB Thomson (www.sintese.com).

 


 

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