Pedro Mandello Campos – Advogado, inscrito na OAB/BA nº 68.058, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, e-mail: [email protected].
Resumo: Em um mundo de normas, ordem econômica é também uma instituição jurídica, e, portanto, sempre regulamentada pelo direito, seja permitindo, proibindo ou obrigando uma determinada conduta. No que se refere ao sistema jurídico brasileiro, especialmente a Lei nº 12.529, alguns negócios jurídicos, por determinação legal, foram considerados atos de concentração econômica, o que não necessariamente quer dizer que são danosos à economia. Para verificar se determinado ato tem probabilidade de ofensa à livre concorrência, a legislação exige que eles passem por um processo de análise preventiva, só sendo possível sua consumação após aprovação da entidade competente, neste caso, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE. Por fim, ainda que alguns casos sejam ofensivos à concorrência, é possível que se enquadrem em uma das exceções previstas em Lei, ou seja, é possível a aprovação de atos de concentração econômica ainda que ofensivos à livre concorrência, desde que cumpram os requisitos legais para se enquadrarem na exceção.
Palavras-chave: Ordem econômica. Lei nº 12.529/2011. Atos de concentração econômica. CADE. Concorrência. Livre concorrência.
Abstract: In a world made by rules, the economic system is also a legal institute, and that is why it is always ruled by the Law, be it allowing, forbidding or forcing certain actions. In the Brazilian legal system, especially the law nº 12.529, some legal business, by legal determination, has been considerate as acts of economic concentration, but it not necessarily means it damages the free competition. To verify it`s possibility to offend the free market, the Law requires a preventive analysis procedure. Those acts can only be consumed after it`s approval by the competent authority, in this case, the Administrative Council of Economic Defense – CADE. Finally, even considering that some acts can be offensive to the free competition, it is possible to be typified as one of the exceptions set in the law, in other words, the approval of some economic offensive acts is possible as long as they meet the legal requirements.
Keywords: Economic System. Law nº 12.529/2011. Acts of economic concentration. CADE. Competition. Free competition.
Sumário: Introdução. 1 Da Regulamentação da Livre Concorrência no Capitalismo Liberal. 2 Breve Descrição do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. 3 Do Conceito Legal de Ato de Concentração Econômica. 4 Do Procedimento de Análise dos Atos de Concentração Econômica. 5 Das Exceções à Proibição dos Atos de Concentração Potencialmente Lesivos à Concorrência. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Desde o Império até a República atual, diversas foram as normas constitucionais e infraconstitucionais que fundamentaram o sistema jurídico nacional e, por consequência, diferentes foram os tratamentos que a ordem econômica recebeu em cada período histórico. Atualmente, além da própria Constituição Federal de 1988, um outro diploma realiza a importante função de zelar pela organização e proteção da concorrência no Brasil, a Lei nº 12.529/2011, que reorganizou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, a autarquia responsável pela proteção do sistema concorrencial no país, além de ter definido alguns conceitos essenciais para a aplicação de um determinado regime jurídico a certos negócios jurídicos.
O presente trabalho, objetiva uma análise da Lei nº 12.529/2011, especialmente no que diz respeito à definição legal do conceito de ato de concentração econômica, bem como os diversos dispositivos que regem o sistema jurídico que lhes são aplicáveis, mais especificadamente, no que se refere à sua susceptibilidade ao procedimento administrativo de controle preventivo dos atos de concentração econômica. É portanto, um trabalho majoritariamente recreativo, que, com o auxílio da Doutrina e legislação de diversas áreas correlatas, busca extrair dos dispositivos a melhor interpretação permitida pelo ordenamento atual (ÁVILA, 2016, p. 53).
1 DA REGULAMENTAÇÃO DA LIVRE CONCORRÊNCIA NO CAPITALISMO LIBERAL
Tem-se o capitalismo liberal como a aquele vivido por alguns estados ocidentais no período entre o fim do século XVIII e o final do século XIX (ANDRADE, 2015, p. 28). Baseado principalmente na premissa econômica de que o bem-estar coletivo seria alcançado por meio do desenvolvimento individual. É dentro dessa cultura individualista que, segundo análise de José Maria Arruda de Andrade, historicamente se atribuiu algumas características que nem sempre foram necessariamente observadas:
“Do ponto de vista esquemático, historicamente, a fase liberal e concorrencial do capitalismo pode ser mencionada como aquela que possui as seguinte características: (i) existência de um grande número de pequenas empresas, liberdade absoluta de iniciativa para a obtenção do máximo lucro, (ii) nenhuma delas podendo exercer influência sensível sobre a oferta ou realizar acordos com outras empresas (controle de preços e do mercado), pressupondo a transparência e informação no mercado; (iii) condições de concorrência fazendo com que os consumidores orientes a produção; e (iv) funcionamento da economia por si, segundo suas próprias leis, à margem da política.” (ANDRADE, 2014, P. 28)
Nesse cenário, ter-se-ia uma condição de mercado tão balanceada que a mera intervenção legislativa poderia ocasionar desequilíbrios irremediáveis, de modo que caberia ao estado apenas a regulação de funções essenciais mínimas de segurança e infraestrutura. Essa descrição histórica, elaborada por parcela dos economistas políticos da época, de um sistema econômico sem praticamente qualquer atuação estatal se mostrou determinante para a fixação de diversos pressupostos históricos nas discussões sobre as normas jurídicas interventivas. (ANDRADE, 2014, P. 29).
Todavia, tal construção histórica muito mais serviu para a elaboração de discursos retóricos nos debates legislativos, do que para a retratação fidedigna do mercado e do ordenamento jurídico da época. Primeiro porque o estado jamais se absteve de legislar positivamente em prol de seus industriais. Nesse ponto José Maria de Arruda destaca importantes matérias que foram regulamentados naquele período, por exemplo: a delimitação da jornada de trabalho, a fixação de valor máximo de salário e a proibição de sindicatos operários (ANDRADE, 2014, p. 30). O ativismo dos estados europeus na proteção de seus mercados, entretanto, não terminava na perspectiva interna.
Além de legislarem ativamente, garantindo um ordenamento jurídico que lhes fosse favorável ao crescimento econômico, no âmbito externo, os Estados atuaram extensivamente em benefício da casse burguesa, seja na adoção de uma política colonialista, visando à ampliação de mercado ou na implementação de medidas protecionistas, garantindo, sempre que possível, as condições necessárias para o desenvolvimento de seu recém-nascido parque industrial (ANDRADE, 2014, P. 28).
Essas questões servem para demonstrar que a ideia de intervenção do Estado na economia, parte de um pressuposto falso de que houve um momento em que o mercado constituiu uma entidade autônoma, distinta do direito, e somente quando este atuasse positivamente naquele, haveria intervenção em um espaço que lhe é estranho, porque a economia deveria ser regulada por suas próprias “leis”[1]. Muitos veem o Capitalismo Liberal como o exemplo histórico desse momento. Eros Grau, todavia, defende que, tanto a família, como a sociedade civil e o Estado, são manifestações, que não se anulam, são manifestações de uma mesma realidade, a realidade do homem associado com outros homens (GRAU, 2018, p. 19). Desse modo que não faria sentido a afirmação de que haveria intervenção de um sobre o outro, quando, na verdade, todos fariam parte de uma mesma realidade.
Essa ideia coaduna com os fundamentos aqui defendidos: mesmo que o Estado nada regulamentasse expressamente sobre a ordem econômica, ainda assim o estaria fazendo, na forma de regulamentação negativa (AGUILLAR, 2012, p. 16 – 28). Ou seja, não era que antes o mercado era livre e ali não haveria Estado, mas que foi o próprio ordenamento que prescreveu o mercado daquela forma, com maior liberdade dos agentes. Era um ordenamento altamente permissivo, mas, ainda assim, regulamentado. Uma futura alteração ou restrição na liberdade dos agentes econômicos, como veio a acontecer, não configuraria uma intervenção do Estado no mercado, mas apenas a alteração das normas jurídicas que regulamentavam o locus economicus. O mercado, portanto, seria, do ponto de vista jurídico, somente mais uma das várias instituições jurídicas existentes (GRAU, 2018, p. 19).
Portanto, não se pode dizer que a regulamentação da livre concorrência é algo recente, apenas porque a doutrina costuma a apontar que foi só no final do século XIX em que houve as primeiras legislações que buscaram combater a formação de monopólios, trustes ou carteis. Na verdade, basta haver um sistema jurídico positivo que, de certa forma, todos os fatos sociais tornam-se regulados, principalmente quando se tem em vista a existência de regulamentação negativa, como nos ensina Kelsen:
“Negativamente regulada por um ordenamento normativo é a conduta humana quando, não sendo proibida por aquele ordenamento, também não é positivamente permitida por uma norma delimitadora do domínio de validade de outra norma proibitiva – sendo, assim permitida num sentido meramente negativo.”(KELSEN, 2011, p. 18)
Ou seja, ainda que estivéssemos diante de um sistema em que houvesse apenas normas-regras e que não houvesse nenhuma vedação expressa à formação de conglomerados econômicos que visassem à dominação de determinado mercado com a respectiva destruição da concorrência, não se poderia dizer que se trata de um ordenamento jurídico que se absteve de regular a concorrência.
Existindo o Estado, houve regulação. A abstenção por parte do legislador em editar normas garantidoras da livre concorrência se trata de uma opção política, uma legítima permissão estatal para a formação de monopólios ou carteis, por exemplo. Deve-se ter em mente que a livre concorrência é, em um primeiro momento, apenas uma situação de fato, não possuindo qualquer carga normativa. Seus efeitos normativos só surgem quando positivada. Enquanto isso não ocorre, se mantem aquela regulamentação negativa permissiva.
Entretanto, apesar de sempre ter havido intervenção estatal na ordem econômica, é inegável a insignificância numérica de normas proibitivas, havendo, na verdade, um sistema amplamente regulado por normas permissivas, sendo só nesse sentido que se pode falar que houve pouca regulamentação estatal no âmbito econômico.
Feita essa observação preliminar, passamos agora a observar o sistema brasileiro regulamentou à concorrência, partindo, inicialmente, de uma análise descrição do plexo de instituições administrativas responsáveis pela sua proteção.
2 BREVE DESCRIÇÃO DO SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA
A Lei 12529/2011, apesar de não definir o que exatamente seria o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC, estabelece uma série de competência e objetivos a serem perseguidos pelas entidades e órgãos que o compõe. É somente a partir da descrição das funções e competências de seus integrantes que se pode, em uma interpretação sistemática da legislação, melhor defini-lo.
Inicialmente, buscar-se-á demonstrar os valores constitucionais que devem orientar a própria estrutura do SBDC, com o fim de, uma vez sabendo os valores normativos em que se funda, melhor defini-lo. Com esse objetivo, relevante se faz a análise do o artigo 1º do mesmo diploma normativo que já traz consigo uma série de valores e fins privilegiados pelo legislador.
Da própria redação do texto já é possível observar algumas semelhanças com o artigo 170 da Constituição Federal, que estabelece os princípios direcionadores da ordem econômica. Todos os princípios previstos no artigo acima, também se encontram na Constituição. Ocorre que, a mera prescrição legal de princípios constitucionais, não tem o condão de rebaixá-los à categoria de princípios legais[2], o que gera gigantescos efeitos na análise dos casos realizados pelos Tribunais Administrativos. Essa consequência, contudo, será explicada mais a frente quando da análise do Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Para o momento importa que o SBDC tem com finalidade a proteção da ordem econômica, orientada por todos aqueles princípios previstos no art. 1º da Lei nº 12.529/2011.
2.1 Da Composição do SBDC
Em segundo lugar, torna-se relevante para a qualquer definição, analisar do que ou de quem se compõe o objeto analisado. Com este fim, o art. 3º daquela mesma legislação, definiu o SBDC como aquele composto pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE e pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda. Enquanto a esta última a Lei atribuiu funções predominantemente opinativas e parecerísticas, ao CADE, foram cometidas atribuições de maior peso para os fins deste trabalho. Por conta disso, sua estrutura merece uma analise mais apurada.
2.2 Conselho Administrativo de Defesa Econômica
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade tem sua estrutura prevista também na Lei nº 12.529/2011, como uma entidade da administração pública indireta. O art. 4º[3] é o responsável pela sua conceituação. Todavia, algumas considerações sobre o artigo precisam ser feitas, sobretudo no que se refere ao reiterado uso de expressões técnicas que poderiam levar um interprete desatento a conclusões em desacerto com a ordem jurídica posta.
Em primeiro lugar, como entidade judicante, deve-se ler apenas como uma autarquia à qual foi legalmente atribuída a função de analisar determinados casos em vista de determinada legislação vigente, exercendo sobre eles um controle de legalidade ou determinando a aplicação penalidades legalmente previstas, com atuação em todo o território nacional. Em um caso ou no outro, suas decisões constituem atos administrativos, suscetíveis, portanto, ao controle externo do Poder Judiciário, de modo que não se pode, em nenhuma hipótese, pretender atribuir-lhe jurisdição, no sentido técnico da palavra (OLIVEIRA, 2000, p. 56).
Considerando jurisdição como “função atribuída a terceiro imparcial de realizar o direito de modo imperativo e criativo, reconhecendo/efetivando/protegendo situações jurídicas concretamente deduzidas, em decisão insuscetível de controle externo e com aptidão para tornar-se indiscutível” (DIDIER Jr., 2017, p. 173), não se pode dizer jamais que o CADE seria uma entidade dotada de jurisdição, justamente por suas decisões, como atos administrativo que são, serem passíveis de controle externo pelo judiciário, não possuindo aptidão para formar coisa julgada.
Tratando dos tribunais administrativos, Didier Jr. também leciona:
“Há os tribunais administrativos das agências reguladoras, que funcionam como terceiros imparciais, compostos por “juízes administrativos que se submetem a regras de impedimento e suspeição, criam normas jurídicas individualizada, substituindo a vontade dos interessados, mas não podem sem designados de órgãos jurisdicionais, exatamente porque suas decisões não têm aptidão para ficar imutáveis pela coisa julgada material. Do ponto de vista formal, as decisões das agências reguladoras poderiam ser consideradas jurisdicionais; não o são, porém, exatamente pela falta do atributo exclusivo da jurisdição, que é a aptidão para a coisa julgada: essas decisões administrativas podem ser revistas pelo Poder Judiciário.”(DIDIER Jr., 2017, p. 176)
Ou seja, apesar da utilização de expressões tipicamente do Direito Processual Civil, como jurisdição, foro e competência, é preciso, e isso é necessário se repetir, que o CADE é uma autarquia, submetida, portanto, ao regime de Direito Administrativo, não pode confundir sua atuação com a atividade jurisdicional realizada pelos órgãos do Poder Judiciário, uma vez que aquela não possui alguns atributos essenciais desta.
2.3 Composição do CADE
De acordo com a previsão do art. 5º da Lei 12.529/2011 o CADE é composto por três órgãos. A Superintendência-geral, o Departamento de Estudos Econômicos e, por fim, o Tribunal Administrativo de Defesa da Econômica. Esse último, devido às suas funções, se torna ponto relevante para este trabalho, merecendo uma análise mais minuciosa.
O Departamento de Estudos Econômicos tem sua competência estabelecida no art. 17 daquela Lei, incumbindo-lhe a elaboração de estudos e emissão de pareceres, de ofício ou por solicitação do Plenário, do Presidente, do Conselheiro-Relator ou do Superintendente-Geral, zelando pelo rigor e atualização técnica e científica das decisões do órgão”. O órgão e dirigido por um Economista-Chefe, e escolhido entre brasileiros de reputação ilibada e com notório conhecimento econômico.
Por sua vez, à superintendência é um órgão de atribuições executivas, motivo pelo qual lhe foram conferidas um extenso rol de competências, em geral relacionadas com funções fiscalizatórias e investigativas, zelando pela aplicação da Legislação, mais especificamente da própria Lei nº 12.359/2011. é composto por um Superintendente Geral e dois Superintendentes adjuntos, com mais de 30 anos e notório saber jurídico, nomeados pelo Presidente da República para mandatos de dois anos, após aprovação do Senado Federal. Para o que importa neste artigo, relevante é o fato de que à superintendência cabe receber para análise os atos de concentração econômica, podendo aceita-los de imediato ou requerer novas diligências para uma análise mais profunda, todavia não pode rejeitar os atos de concentração nem estabelecer limitações, caso entenda por essas hipóteses deve impugnar o ato ao Tribunal, que irá analisá-lo, podendo entender ou não pela sua rejeição.
Tribunal Administrativo de Defesa Econômica, portanto, é aquele incumbido de exercer a atividade julgadora. É composto um Presidente e seis Conselheiros escolhidos dentre cidadãos com mais de 30 (trinta) anos de idade, de notório saber jurídico ou econômico e reputação ilibada, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovados pelo Senado Federal.
As competências do Tribunal Estão arroladas no art. 9º da Lei nº 12.359/2011, dentre elas a competência de decidir a respeito da existência ou não de infração à ordem econômica, aplicando as penalidades legalmente previstas, bem como examinar os atos de concentração econômica, seja para os admitir ou os impedir.
Deste artigo algumas questões interessantes ficam mais explicitas. Por exemplo, ao Plenário do Tribunal, cabe apenas o controle de legalidade. Ou seja, não lhe é permitido a análise dos casos que lhe são apresentados, a partir de normas constitucionais. Limita-se, portanto a interpretar e aplicar as normas prevista na Lei. Essa limitação às normas legais decorre não apenas da reiterada menção ao fato de que Tribunal analisará as questões com base na Lei, mas principalmente da tripartição de poderes e do modelo de controle de constitucionalidade adotado pelo ordenamento brasileiro, uma vez que só o Poder Judiciário é quem foi autorizado a declarar a inconstitucionalidade das normas legais.(CUNHA Jr., 2016, p. 269)
Imagine que ao analisar um caso de concentração econômica o Tribunal Administrativo de Defesa Econômica percebe que, apesar de tal ato se enquadrar em uma exceção à proibição aos atos de concentração, ele prejudicaria desproporcionalmente a busca pelo pleno emprego, princípio constitucionalmente orientador da ordem econômica nacional e, por conta disso, decide afastar a incidência da norma que regulamente positivamente uma permissão de modo a garantir a incidência da norma proibitiva. Nesse caso, o que fez o Tribunal é, na verdade, declarar, diante do caso concreto, a inconstitucionalidade da norma permissiva[4], o que é vedado pelo sistema.
Todavia, não se pode olvidar o fato de que os princípios constitucionais possuem uma funcionalidade outra além da regulamentação, ainda que indireta, dos comportamentos humanos. Possuem também uma função interpretativa, de modo a auxiliar a construção da norma (ÁVILA, 2016, p.122). Não se pode confundir a norma com o texto, é, na verdade, construída a partir deste, não podendo contrariá-lo. Todavia, seu real significado só pode se dar, com concretude, a partir da conjunção dos valores fundamentais norteadores do sistema jurídico brasileiro, sendo os princípios normas imediatamente finalísticas, seus objetivos devem ser levados em conta na hora de, por exemplo, definir os limites semânticos de expressões linguísticas utilizadas no texto legal.
Com isto em mente, eis o questionamento se o Tribunal do CADE poderia interpretar uma norma legal restritivamente com base em um princípio constitucional. Neste caso, poder-se-ia argumentar que não seria uma declaração de inconstitucionalidade. Haveria apenas, o exercício da normal de sua competência, que seja a aplicação do direito. Isso porque a aplicação da norma ao caso concreto exige o reconhecimento da sua hipótese de incidência, que já existia, mas, devido à complexidade do sistema, não era clara. Ou seja, seu texto poderia dar margem a interpretações tanto ampliativas como restritivas, alargando ou restringindo a hipótese de incidência, mas, em vista de uma interpretação sistemática, se percebe que a melhor interpretação é a da norma com uma hipótese de incidência mais restrita, em detrimento de outra com uma hipótese mais abrangente, que não necessariamente seria inconstitucional. Por outro lado, dizer que apenas uma das normas seria mais adequada constitucionalmente, envolve inequívoco exercício de interpretação conforme a constituição, de modo que a questão sobre como se dá o exercício interpretativo das normas legais por órgãos julgadores administrativos realmente precisa de um maior aprofundamento, o que não é, a priori, o objetivo deste trabalho.
Além disso, destaca-se que, apesar de a própria Lei nº 12.529/2011 apresentar as infrações à ordem econômica e suas penalidades, se, por ventura, houver infrações e penalidades contra a ordem econômica previstas em outra Lei, nada impede que o CADE venha a analisá-lo. A Lei restringe a atuação do tribunal às normas legais de determinadas matérias, mas em momento nenhum determinou que atuação do tribunal deve ser circunscrita somente à Lei nº 12.529/2011, quando se trata da aplicação de sanções.
O art. 9º, portanto, atribuiu não apenas um plexo de funções a serem desempenhadas pelo Plenário do Tribunal do CADE, mas também estabeleceu sobre quais matérias ele poderá se pronunciar, determinando, desse modo, qual seria sua competência de julgamento em relação à matéria. Além disso, vale relembrar que o artigo 4º ao definir o Cade, acabou por também definir sua competência territorial, quando determina que” O Cade é entidade judicante com jurisdição em todo o território nacional, que se constitui em autarquia federal”. Ou seja, a competência territorial do Tribunal se confunde em todo o território nacional, podendo julgar as matérias sobre as quais possui competência, bastanto-se, para tanto, que tenham ocorrido dentro do país.
Assentada essas premissas, tem-se, portanto, o SBDC, como um complexo de entidades destinadas a assegurar a livre concorrência no brasil, seja pela realização de estudos nas mais diversas áreas econômicas, seja realizando o controle preventivo e repressivo contra atos e práticas ofensivas à concorrência no Brasil.
No que tange aos objetivos deste trabalho, trataremos de modo mais direcionado sobre uma das funções designadas tanto à Superintendência-Geral como ao Tribunal. O foco, então, a partir desse momento, será na análise da forma prescrita em lei sobre a apreciação dos processos administrativos de atos de concentração econômica, ou seja, será uma análise descritiva do procedimento de controle prévio e de seus limites previsto na própria Lei nº 12.529, todavia, necessário se faz definir o que seria um ato de concentração econômica, objetivo do próximo tópico.
3 DO CONCEITO LEGAL DE ATO DE CONCENTRAÇÃO ECONÔMICA.
O Art. 9º, X, da Lei nº 12.529/2011 prescreve a competência do tribunal para apreciar os processos administrativos referentes a atos de concentração econômica. A melhor determinação do modus operandi do procedimento se dará a partir e uma interpretação conjunta de diversos dispositivos legais. Todavia, antes de iniciar um estudo mais aprofundado do procedimento legalmente estabelecido para a análise desses casos, cumpre entender o que seria um ato de concentração econômica.
De pouco adiantaria detalhar com rigorosa carga crítica e descritiva os procedimentos adotados para esses casos se não se soubéssemos sobre quais matérias o tribunal pode analisar por esse rito. De outra forma, o tribunal definiu um procedimento específico para a análise dos atos de concentração econômica, ou seja, uma vez que ele é verificado, deve-se adotar o procedimento “x”. É, portanto, essencial a sua definição, de modo a melhor entender a hipótese de incidência da norma, para, só depois, aprofundarmos o estudo do consequente normativo, que é a adoção do procedimento legalmente previsto para essas matérias.
Neste caso específico, o Legislador já conceituou o que seria um ato de concentração econômica para fins de aplicação do controle de concentração previsto no art. 88 da Lei nº 12.529/2011. Tal definição se encontra no art. 90 do mesmo diploma normativo.[5]
Destaca-se que o legislador mesmo reconheceu que os atos de concentração, ao contrário do que se poderia imaginar a partir de uma análise rasa, não implicam necessariamente eliminação da concorrência. Ato de concentração econômica, segundo o rol estabelecido no artigo acima, são, de modo simplificado, aqueles que implicam a comunhão de interesses na prática de atividades econômicas, que podem se referir à mesma área de atuação ou a áreas relacionadas, como também pode se referir a atividades que não tenham nenhuma relação entre si e, portanto, de reduzido efeito no âmbito concorrencial.
O artigo 88, §5º, prescreve que só são proibidos os atos de concentração econômica que impliquem a eliminação de concorrência em parte substancial, e além disso, que possam criar ou reforçar uma posição dominante. Ora, se assim o é, torna-se evidente que, há atos que não se adequam à hipótese dessa norma proibitiva. Se contrário fosse, e toda ato de concentração já resultasse em uma clarividente eliminação da concorrência, para nada serviria o mencionado dispositivo.
Além disso, operações de fusão de sociedades empresárias que atuam em área diametralmente opostas, por exemplo, estariam vedadas pelo ordenamento, uma vez que fusões são um ato de concentração econômica. Todavia, nesse caso, é difícil extrair de tal ato, uma consequência tão grave à livre-concorrência, que implique sua proibição, uma vez que não haveria, a priori, conjunção de esforços para dominação de uma parcela do mercado, mas sim a atuação de uma empresa em diversos ramos, competindo com outras que naquelas outras áreas também atuassem. O que não impede que, caso o ato de fusão implique realmente as consequências arroladas pelo §5º, ele seja impedido.
Sobre o processo de controle dos atos de concentração e sobre a fusão trataremos logo à frente, por ora, importa destacar que, a definição legal de ato de concentração econômica, não comporta, necessariamente, em seu significado a eliminação da concorrência ou qualquer outra situação prevista no art. 88, §5º. O que faz o legislador é, estabelecer uma séria de situações que, possam gerar, por sua própria natureza, a possibilidade de dano à livre-concorrência, devendo em tais casos adotar o procedimento previsto para controle dos atos de concentração, visando verificar sua adequação ao sistema brasileiro de defesa da concorrência.
Impende, portanto, analisar cada uma das situações que o legislador elencou como sendo um ato de concentração econômica.
3.1 Da fusão e da aquisição como atos de concentração econômica.
O inciso I do art. 90 trata na verdade de operações societárias que visam à união de duas ou mais empresas para a formação de uma nova. Trata justamente das operações de fusão, prevista no art. 228 da Lei nº 6.404.[6]
Portanto, realizada a fusão, as pessoas jurídicas que participaram do processo se extinguem, dando origem a uma nova personalidade jurídica a qual as sucederá todos os direito e obrigações daquelas extintas (MUNIZ, 2015, p.84). Inegável é o potencial de eliminação da concorrência nesses casos, quando, após a fusão, as duas personalidades que exerciam atividade econômica, que antes disputável sua parcela do mercado, agora não mais existem, uma vez que sucedidas por uma outra pessoa, titular de todos o patrimônio daquelas. Os agentes que antes competiam entre si, não mais existem, pois foram sucedidos por uma única entidade que, por óbvio, não pode competir consigo mesma.
A aquisição, por sua vez, encontra sua definição legal no art. 227 da Lei nº 6.404.[7] Diferentemente das operações de fusão, não há a formação de uma personalidade jurídica nova, nem a extinção de todas as pessoas jurídicas envolvidas no processo (MUNIZ, 2015, p.84). Ocorre, na verdade, a absorção de uma sociedade pela outra, que irá lhe suceder em seus direitos e obrigações:
Assim, “sobreviverá” uma única pessoa jurídica, cujo patrimônio corresponderá ao de todas as sociedades envolvidas no processo de aquisição que, por ventura, tenham sido incorporadas (MUNIZ, 2015, p.85). Do mesmo modo que na fusão, a possibilidade de eliminação da concorrência é evidente, pela concentração de todo o patrimônio, incluindo a própria atividade empresarial, nas mão de uma única pessoa jurídica que, assim como já dito, não pode concorrer consigo mesma, devido a ausência de interesses conflitantes.
Vale redestacar que, apesar de esses dois atos, fusão e aquisição, serem considerados como atos de concentração econômica, não necessariamente são atos prejudiciais à livre-concorrência, são, na verdade, atos que por sua natureza aglutinante, comportam a real possibilidade de o serem. Todavia, a violação à concorrência por esses atos só se dá no caso concreto e não por ficção jurídica.
3.2 Dos atos que acarretem controle de uma sociedade empresária por outra.
O inciso II do art. 90 da Lei nº 12.529 apresenta um rol não exaustivo de situações em que uma sociedade possa tomar o controle de outra. São casos, por exemplo, em que uma pessoa jurídica se torna sócia de uma outra pessoa jurídica. Todavia, não basta, segundo o dispositivo ser sócia, é necessário a tomada, ainda que parcial, do controle da outra sociedade empresária.
São casos em que, diferentemente das situações de fusão ou aquisição, todas as sociedades empresárias mantêm sua existência. Entretanto, após os atos praticados, uma tem, direta ou indiretamente, controle total ou parcial de uma ou mais pessoas. A legislação corretamente não impões um rol exaustivo de operações que serão proibidas por este dispositivo. Na verdade, qualquer operação societária que acarreta o controle ainda que de moto indireto e parcial de outra sociedade empresária será considerado um ato de concentração econômica.
Ocorre que são inúmeras as possibilidades de operações com essa finalidade. As formas e meios são limitados apenas pela criatividade humana, desde que os atos sejam lícitos e, portanto, permitidos pelo sistema jurídico. Ou seja, sabendo o legislador da dificuldade de prever e prescrever essas inúmeras possibilidades, optou por adotar um rol extensivo de operações, possibilitando o enquadramento nessa definição, de qualquer ato que acarrete as consequências previstas no dispositivo, que seja a tomada ainda que de modo indireto e parcial do controle de outra empresa.
A tomada do controle de modo direto se dá com o vínculo societário imediato de uma pessoa jurídica como sócia da outra, sem qualquer outra sociedade interposta. O controle indireto por sua vez se dá quando a sociedade controladora exerce seu poder por meio de uma terceira sociedade, esta sim, sócia imediata da controlada. Desse modo, previne-se que sociedades empresárias realizem uma cadeia societária com o fito de escaparem do enquadramento como ato de concentração econômica.
3.3 Da competência em relação à pessoa para análise dos atos de concentração.
Antes de analisarmos o procedimento em si, mais uma questão necessita ser melhor desenvolvida. Para que os negócios jurídicos sejam submetidos ao procedimento de análise dos atos de concentração econômica, o art. 88, I e II da Lei 12.529, exige, não apenas o seu enquadramento no conceito, conforme o quanto disposto no art. 90, mas também que as sociedades envolvidas nos atos de concentração possuam um faturamento mínimo.
Ou seja, o inciso I do artigo 88, já suscitado, prescreve que, pelo menos, um dos grupos envolvidos na negociação necessita do faturamento bruto anual ou o volume de negócios no país no ano anterior à operação na quantia de R$ 400.000.000,00, quatrocentos milhões de reais. Todavia, além disso, é necessário que ao menos um dos outros grupos envolvidos na operação possua um faturamento bruto anual ou volume de negócios no total de R$ 30.000.000,00, trinta milhões de reais.
Com isso, limita-se o âmbito de analise dos atos de concentração econômica pelo CADE, de modo que uma concentração econômica que não alcançar o valor previsto na legislação não necessitará de ser submetida à análise. (ANDRADE, 2014, p. 196.)
Questão interessante é a indagação se tal condição se trata, na verdade de uma situação de competência em virtude do valor da causa, ou em relação à pessoa. A melhor interpretação, é no sentido de que se trata de uma competência em relação à pessoa. Trata-se de uma condição subjetiva das partes que realizam o negócio jurídico. O negócio, em si, pode ter sido efetuado por um valor muito inferior ao faturamento daquelas pessoas jurídicas, pouco importando as cifras envolvidas no acordo.
O que importa é a relevância econômica daquelas empresas no mercado nacional, verificada a partir dos seus faturamentos brutos anuais, portanto, atributo exclusivamente subjetivo de cada uma das partes envolvidas. O tribunal só tem competência para analisar os atos de concentração envolvendo as pessoas que se enquadrarem na condição subjetiva exigida pela norma extraída do art. 88.
4 DO PROCEDIMENTO DE ANÁLISE DOS ATOS DE CONCENTRAÇÃO ECONÔMICA.
Até o momento, analisou-se i) qual o conceito dos atos de concentração econômica; ii) quais atos de concentração econômica são proibidos pelo sistema e iii) qual a importância econômica mínima a partir da qual a liberdade de contratar e de se organizar passa a ser restringida pela necessidade de submissão pelas partes dos atos de concentração econômica para análise do Tribunal do CADE.
A partir de agora, a atenção se voltará para a explicação do procedimento de análise dos atos de concentração econômica pelo Tribunal.
4.1 Da análise prévia dos atos de concentração econômica
Uma vez enquadrado como um ato de concentração econômica, o art. 88 determina que ele deverá ser submetido previamente à analise. Ou seja, o controle é feito antes de o ato se consumar, e assim deve ser para evitar que haja qualquer dano à ordem econômica. O objetivo desta análise é evitar dano à ordem econômica e não apenas dirimi-lo.
Ocorre que, por vezes, as consequências do ato de concentração que acarrete a eliminação da concorrência são irremediáveis, uma vez que há concorrência já ficou prejudicada. O caso, por exemplo, de uma fusão que gere uma dominação do mercado tão grande que as demais concorrentes não conseguem competir e acabam falindo. Independentemente de uma decisão posterior que resolva a fusão anteriormente feira, outras empresas já fecharam suas portas e os empregos ali gerados já foram perdidos, bem como o consumidor ficou suscetível aos arbítrios da empresa dominante, não sendo possível retornar ao status quo ante.
Um controle prévio busca justamente evitar que esses efeitos econômicos indesejados e, alguma vezes, irreversíveis, ocorram. Todavia, enquanto no controle posterior as consequências são passíveis de observação análise, uma vez que já existem, no controle prévio estabelecido pela Lei nº 12.529 ainda não há, por óbvio, qualquer consequência a ser analisada, exigindo dos aplicadores um exercício de prognose, de previsão, que gera o inconveniente de poder não se concretizar no mundo dos fatos. Desse modo, ao escolher o controle prévio, o legislador enfrentou um trade-off legislativo, optando por garantir uma maior segurança ao sistema econômica, todavia, sujeitando-se aos inconvenientes da falibilidade prognóstica.
Além disso, não apenas exigiu a que as partes envolvidas sujeitassem o ato de concentração à análise prévia, como também fixou, desde logo, no §3º do art. 88, que o descumprimento da regra acarretaria multa. Tamanha é a preocupação com a manutenção da concorrência que o legislador fez questão de evitar que as partes envolvidas no ato de concentração econômica passassem a atuar em comunhão de interesses antes da aprovação do respectivo negócio jurídico em análise. O §4º do art. 88, portanto, não é um mero reforço à determinação do procedimento prévio. Em verdade, o mencionado parágrafo busca evitar que as sociedades adotem medidas econômicas em conjunto. Visa, assim, à manutenção do status de concorrência entre elas.
Mas a quem deve ser entregue os atos de concentração? O art. 13, já tratado acima, em seu inciso XII, estabelece que cabe à Superintendência-Geral, receber instruir e aprovar os processos administrativos de concentração econômica.[8] Entretanto, a Superintendência-Geral não é competente para desaprovar o ato de concentração econômica. Quando entender que é caso de desaprovação do ato, o que lhe cabe é, fundamentadamente, impugnar a decisão no tribunal para que, ele sim, julgue ou não pela sua rejeição.[9]
Desse modo, cabe à Superintendência-Geral, a instrução inicial dos processos referentes a atos de concentração. Por conta disso, faz sentido que o protocolo dos atos de concentração econômica e seu pedido de aprovação, deva lhe ser endereçado. Ora se é de sua competência a analise inicial, não faria sentido que o pedido e os atos de concentração fossem encaminhados a outro órgão. Além disso, é obrigação dos requerentes que ao protocolarem os atos de concentração econômica, acostem aos autos todos os documentos necessários para instauração do processo, definidos em resolução do CADE, sob pena de arquivamento.
Dito de outra forma, quando um determinado negócio jurídico se enquadrar no conceito de ato de concentração e as sociedades envolvidas se compatibilizam com os requisitos mínimos exigidos pelo art. 88, I e II, então aquelas pessoas jurídicas devem protocolar o requerimento endereçado à Superintendência-Geral do CADE, antes da consumação do ato, sob pena de multa, além da instauração de um processo administrativo autônomo.
Caso a documentação instruída com o processo dispense a realização de novas exigências ou o ato seja de menor potencial ofensivo à concorrência, a Superintendência geral deverá conhecer de imediato o pedido, dispensando a realização de novas diligências. Ou, caso necessário, deverá determinar a instrução complementar, detalhando as diligências que deverão ser produzidas. Por fim, de modo fundamentado, a Superintendência poderá declarar a operação como complexa e, mais uma vez, determinar a produção de novas diligências. Ocorre que, é possível que um ato aparentemente simples, quando destrinchado pelas diligências iniciais, demonstra-se como um ato de maio complexidade, envolvendo inúmeras sociedades em diversos países. É para casos assim que essa nova produção de diligências faz sentido.
Por fim, o art. 57, dispõe que caberá à Superintendência-Geral, proferir a decisão para aprovar o ato, sem restrições ou, casa haja alguma ressalva a ser feita, alguma restrição a ser imposta ao ato, ou sua total rejeição deverá impugnar o ato ao Tribunal, não podendo rejeitar ou impor-lhe qualquer limitação, essa atribuição competirá somente ao Tribunal
Interessante questão surge acerca da necessidade de demonstração circunstanciada ao Tribunal, por parte da Superintendência-Geral, do potencial lesivo do ato à concorrência, conforme o previsto no parágrafo único do mesmo art. 57. Parte da doutrina entende que a utilização de modelos econômicos que visam trazer demonstrações dos malefícios futuros a serem causados pela concentração não é apenas possível, como também indicada. (ANDRADE, 2014, p. 194). Por estarmos tratando, como já dito, de prognose, estabelecer uma fórmula pronta para a previsão de certos acontecimentos pode gerar inúmeros inconvenientes. Nesse sentido Arruda defende que:
Como não é possível ter certeza a respeito dos resultados decorrentes da operação de concentração, ou seja, a respeito de quais serão as condutas do novo agente econômico (quanto à quantidade e ao preço para ficar no mais importante); como se já está no campo da prognose, uma extrema rigidez dogmática pode ser indesejável. (ANDRADE, 2014, p. 194).
Assim, a utilização dos modelos de modelos econômicos, poderia servir de grande auxílio no enquadramento do fato à norma, além de garantir uma maior robustez e transparência argumentativa. Do mesmo modo as situações de que trata o artigo 88, §6º, abrem margem para a utilização de métodos econômicos na argumentação jurídica, todavia, trataremos desse parágrafo com mais ênfase logo adiante. Por hora, interessa o destaque doutrinário para a utilização de métodos econômicos como formas de fundamentação jurídica.
4.2 Do processo no Tribunal
Uma vez fundamentadamente impugnado, em até quarenta e oito horas, o processo será distribuído a um conselheiro relator. O requerente, por sua vez, em homenagem ao contraditório, poderá oferecer no prazo de 30 dias da data da impugnação, suas razões de fato e de direito em virtude das quais se opõe à impugnação da Superintendência-Geral.
Manifestado o requerente ou decorrido o prazo para sua manifestação, o conselheiro relator possui duas hipóteses; i) determinar, se necessário, a realização de novas diligências ou ii) pautar o julgamento, caso entenda pela desnecessidade de novas diligências. Interessante o fato de que o Conselheiro-Relator poderá autorizar liminar e precariamente a autorização a realização do ato de concentração econômica, desde que garanta a reversibilidade de operação. Uma vez cumpridas as diligências necessárias o processo deverá ser colocado em pauta para julgamento, fase em que o Tribunal poderá, aprová-lo integralmente, rejeitá-lo ou aprova-lo com ressalvas.[10]
Quanto à aprovação integral e sua rejeição não há muito o que se dizer, todavia, questão importante de ser discutida é o instituto de aprovação com ressalvas. Ao tribunal é dada a possibilidade de, uma vez verificado um ato que inicialmente não seria aprovado, efetuar-lhe, quando possível, modificações possíveis a fim de se aproveitá-lo, mas sem malferir a concorrência. Para tanto, o §2º do art. 61 estabelece um rol de restrições passíveis de serem adotadas para mitigas eventuais efeitos nocivos do ato de concentração. Destaca-se que se trata de um rol meramente exemplificativo, uma vez que o inciso VI do mesmo parágrafo estabelece uma cláusula de abertura para qualquer outro ato necessário à eliminação de consequências prejudiciais à ordem econômica.
Por fim, julgado o mérito do processo, o ato não mais poderá ser novamente analisado e nem revisto no âmbito do poder executivo. Todavia, isso não impede a discussão do mérito na esfera do poder judiciário, uma vez que, como já dito alhures, trata-se de um processo administrativo, que não torna o objeto do processo passível de trânsito em julgado, e portanto, ao final do processo administrativo, ainda pode-se recorrer ao poder judiciário caso assim entenda necessário (DIDIER Jr.,2017, p. 176).
5 DAS EXCEÇÕES À PROIBIÇÃO DOS ATOS DE CONCENTRAÇÃO POTENCIALMENTE LESIVOS À CONCORRÊNCIA.
Como já dito acima, o art. 88, §5º, estabelece quais são os atos de concentração proibidos no sistema brasileiro. Ou seja, um determinado negócio jurídico para, no âmbito do controle prévio do CADE, ser rejeitado necessita de i) se enquadrar no conceito de ato de concentração econômica, previsto no art. 90; ii) que as sociedades alcancem o montante necessário para serem objeto de análise; iii) se adequar às hipóteses de proibição prevista pelo art. 88, §5º e, por fim, iv) não sejam nenhuma das hipóteses de exceção à proibição do §5º, previstas no §6º do mesmo artigo. É sobre esses últimos que falaremos neste momento.
Da imediata análise do artigo 88, §6º, faz-se ver que não se exige a manutenção da concorrência como critério para enquadramento na exceção ao §5º. Isso é fato relevante, uma vez que a Lei nº 8884/1990, previa a necessidade de manutenção da concorrência como um requisito obrigatório para que o ato fosse excepcionado, o que hoje não mais se faz necessário (ANDRADE, 2014, p. 197), bastando que estejam presentes os limites necessários para a consecução da eficiência econômica produtiva, inciso I, “a”, da eficiência dinâmica, inciso I, “b” e “c”, e o repasse aos consumidores de parte relevante dos benefícios (ANDRADE, 2014, p. 194).
Ou seja, ainda que os atos de concentração econômica impliquem a extinção da concorrência, há a possibilidade de eles serem aprovados, caso cumpram os requisitos dispostos no artigo acima. Todavia, o reconhecimento do enquadramento ou não na exceção só se dá por meio do procedimento de controle, sendo necessário, assim como nos demais atos, a submissão dos atos de concentração econômica ao CADE e, no decorrer do procedimento, será reconhecida ou não a exceção, acarretando ou o seu provimento ou a sua rejeição.
Surge então a questão: como seria possível comprovação da adequação de determinado ato de concentração aos requisitos de eficiência exigidos pelo §5º? Trata-se aqui, de uma rara intersecção entre o Direito Positivo e a Ciência Econômica. Segundo arruda, é possível a convivência entre o direito e a economia, a discussão não perderia sua natureza jurídica, e nem resultaria em flexibilização do positivismo, mas pelo contrário o fortaleceria (ANDRADE, 2014, p. 190). A utilização de modelos econômicos aqui, atuariam como uma prova, uma garantia, que, por sua vez, o convencimento do julgado sobre um fato concreto ou sobre a certeza de sua ocorrência, permitindo a subsunção da norma respectiva.
Nesse sentido, é completamente possível a adequação de métodos econômicos não colide com o positivismo jurídico, sendo possível a convivência metodologia entre os dois, uma vez que a os modelos econômicos são importantíssimos para ajudar na construção de uma norma decisório para o caso concreto, desde que o fundamento último da decisão ainda seja o direito posto (ANDRADE, 2014, p. 218 e 219).
Portanto, não é apenas possível, mas indicado, que o requerente, no decurso do processo administrativo, busque demonstrar sua adequação às hipóteses de exceção por meio de modelos econômicos, do mesmo modo que caberá à superintendência demonstrar, inclusive por meio de modelos econômicos, o enquadramento do ato ao §5º, bem como não ser nenhum dos casos de exceção previstos no §6º. A adoção de tais técnicas argumentativas, inclusive com modelos econômicos baseados em teorias divergentes, garantiria, não apenas maior clareza na subsunção do fato à norma, mas maior robustez da decisão.
CONCLUSÃO
O Sistema Brasileiro de Controle da Concorrência é um complexo de entidades destinada ao estudo e à proteção da livre concorrência no Brasil. Dentro deste complexo, o Cade é uma autarquia, uma entidade da administração pública indireta, não possuindo, portanto, jurisdição no sentido técnico da palavra. Cabe-lhe apenas o controle de legalidade de determinados fatos ou negócios jurídicos, não sendo, sua decisão, passível de formar coisa julgada.
Ato de concentração econômica, para fins de aplicação da Lei nº 12.529/2011, é um conceito jurídico positivo, abarcando uma gama de atos que não necessariamente são proibidos ou acarretam danos à concorrência. Pelo contrário, são, em regra, permitidos, só sendo proibidos nas hipóteses do §5º do art. 88 da mesma Lei.
Ainda que um negócio jurídico se enquadre como um ato de concentração, é preciso que se alcance um valor mínimo para que seja possível exigir o seu controle prévio. Ao escolher pelo controle prévio dos atos de concentração o legislador aceitou a possibilidade de que suas previsões não se concretizem no mundo dos fatos, proibindo um ato que na prática, não geraria danos à concorrência, devido a um erro no prognóstico. Em contrapartida, previne-se danos irremediáveis à economia.
Cabe, inicialmente à Superintendência-Geral instruir o processo de controle prévio, podendo aprova-lo de imediato. Entretanto, somente o Tribunal pode rejeitá-lo ou estabelecer ressalvas. Todavia, ainda que um ato se enquadre com um ato de concentração econômica lesivo à concorrência, nos moldes do §5º do art. 88 da Lei nº 12.529, é possível sua aprovação, desde que se enquadre nas hipóteses de exceção, previstas no §6º.
A subsunção de um ato à exceção também exige um exercício de futurologia do intérprete, de modo que faz-se útil a utilização de métodos econômicos na sua aplicação, garantindo-lhe maior certeza sobre as situações de fato que ensejam a incidência da norma.
REFERÊNCIAS
AGUILLAR, Fernando Herren. Direito Econômico: do direito nacional ao direito supranacional. 3a ed. São Paulo, SP: Editora Atlas, 2012.
ANDRADE, José Maria Arruda de. Economicização do Direito Concorrencial. 1 ed. São Paulo: Quartier Latin, 2014.
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 17.ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2016.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº10. Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1216>. Acesso em: 25 out. 2018.
BRASIL. Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6404compilada.htm. Acesso em: 25 out. 2018.
BRASIL. Lei nº 12.529 de 30 de novembro de 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12529.htm. Acesso em: 25 out. 2018.
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Jus Podivm, 2016.
DIDIER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento.19. ed. Salvador: Jus Podivm, 2017.
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2018.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução João Baptista Machado. 8. Ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.
MUNIZ, Ian de Porto Alegre. Fusões e Aquisições: Aspectos Fiscais e Societários. 3. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2015.
OLIVEIRA, Amanda Flávio de. Controle judicial das decisões do CADE. Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/BUOS-965PKA/disserta__o_amanda_fl_vio_de_oliveira.pdf?sequence=1>. Acesso em: 25 out. 2018.
PINHEIRO, Maria Júlia dos Santos. Análise do ato de concentração das empresas sadia e perdigão submetido à apreciação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Diponível em:<http://www.egov.ufsc.br:8080/portal/sites/default/files/anexos/maria_julia_tcc_sumario_pronto.pdf>. Acesso em 24 out 2018.
[1] Aqui não no sentido formalista de lei, mas no sentido de princípios específicos da ciência econômica.
[2] Sobre a inexistência de correspondência entre texto e norma ler Teoria dos Princípio de Humberto Ávila, p. 50.
[3] Art. 4º O Cade é entidade judicante com jurisdição em todo o território nacional, que se constitui em autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, com sede e foro no Distrito Federal, e competências previstas nesta Lei.
[4]BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº10. Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1216>. Acesso em: 25 out. 2018.
[5] Art. 90. Para os efeitos do art. 88 desta Lei, realiza-se um ato de concentração quando:
I – 2 (duas) ou mais empresas anteriormente independentes se fundem;
II – 1 (uma) ou mais empresas adquirem, direta ou indiretamente, por compra ou permuta de ações, quotas, títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações, ou ativos, tangíveis ou intangíveis, por via contratual ou por qualquer outro meio ou forma, o controle ou partes de uma ou outras empresas;
III – 1 (uma) ou mais empresas incorporam outra ou outras empresas; ou
IV – 2 (duas) ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture.
Parágrafo único. Não serão considerados atos de concentração, para os efeitos do disposto no art. 88 desta Lei, os descritos no inciso IV do caput, quando destinados às licitações promovidas pela administração pública direta e indireta e aos contratos delas decorrentes.
[6] Art. 228. A fusão é a operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar sociedade nova, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações.
[7] Art. 227. A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações.
[8] Art. 13. Compete à Superintendência-Geral:
XII – receber, instruir e aprovar ou impugnar perante o Tribunal os processos administrativos para análise de ato de concentração econômica;
[9] Art. 57. Concluídas as instruções complementares de que tratam o inciso II do art. 54 e o art. 56 desta Lei, a Superintendência-Geral:
II – oferecerá impugnação perante o Tribunal, caso entenda que o ato deva ser rejeitado, aprovado com restrições ou que não existam elementos conclusivos quanto aos seus efeitos no mercado.
Parágrafo único. Na impugnação do ato perante o Tribunal, deverão ser demonstrados, de forma circunstanciada, o potencial lesivo do ato à concorrência e as razões pelas quais não deve ser aprovado integralmente ou rejeitado.
[10] Art. 61. No julgamento do pedido de aprovação do ato de concentração econômica, o Tribunal poderá aprová-lo integralmente, rejeitá-lo ou aprová-lo parcialmente, caso em que determinará as restrições que deverão ser observadas como condição para a validade e eficácia do ato.
- 1o O Tribunal determinará as restrições cabíveis no sentido de mitigar os eventuais efeitos nocivos do ato de concentração sobre os mercados relevantes afetados.
- 2o As restrições mencionadas no § 1o deste artigo incluem:
I – a venda de ativos ou de um conjunto de ativos que constitua uma atividade empresarial;
II – a cisão de sociedade;
III – a alienação de controle societário;
IV – a separação contábil ou jurídica de atividades;
V – o licenciamento compulsório de direitos de propriedade intelectual; e
VI – qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica.