Renan Costa Barbosa – Advogado militante; Pós-graduado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerai; Graduado pela Universidade Católica Dom Bosco – MS
Resumo:O presente estudo possui escopo de analisar a aplicação da Teoria da Taxatividade Mitigada do agravo de instrumento, nos autos do incidente de demandas repetitivas do recurso especial processado no Superior Tribunal de Justiça, sob o nº REsp 1.704. O julgado em questão refere – se ao rol do art. 1.015 do Código de Processo Civil e vem sendo amplamente debatido em razão da discussão acerca da taxatividade ou exemplificabilidade do mencionado artigo. As análises que serão abordadas ao longo do estudo demonstrarão que, desde a promulgação do CPC de 2015, surgiu a grande divergência não só doutrinária, mas também jurisprudencial, a qual trazia três linhas de raciocínio acerca de tal recurso, sendo elas : I ) o rol é absolutamente taxativo e deve ser interpretado restritivamente ; II ) o rol é taxativo, mas comporta interpretações extensivas ou analogia ; III ) o rol é exemplificativo. Além disso, deve – se verificar o que os doutrinadores vêm lecionando sobre o novo recurso de agravo de instrumento confrontando posicionamentos distintos dos doutrinadores acerca do novo rol do artigo 1.015 do Código de Processo Civil, bem como com as divergências doutrinárias e o entendimento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça.
Palavra-chave: Agravo de instrumento; Teoria da taxatividade mitigada; Rol exemplificativo; Rol taxativo; REsp 1.704; Artigo 1.015 Código de Processo Civil
Abstract: The present has the scope character of an application of the Theory of Taxativity Mitigation of the Interlocutory Appeal, in the case of the repetitive demands incident of the special appeal processed in the Superior Court of Justice, under the number REsp 1.704. The judgment in question refers to the list of art. 1.015 of the Code of Civil Procedure and has been widely debated in the reason for discussion on taxation or exemplification of the address. The policies that have been addressed over the long term have shown that from the promulgation of the 2015 CPC, a great divergence arose not only doctrinal but also jurisprudential, which brings three stages of reasoning about the appeal, namely: it is absolutely exhaustive and should be interpreted restrictively; II) the role is exhaustive, but includes extensive or similar interpretations; III) the role is exemplary. In addition, it should be noted what the indoctrinators have been receiving about the new instrument aggravation appeal by confronting the indoctrinates’ subordinates about the translation of the new 1.015 Civil Code, such as the divergences in their areas and the understanding of the Superior Court. of justice.
Keyword: Interlocutory appeal; Mitigated taxativity theory; Exemplary role; Taxative list; REsp 1.704; Article 1.015 Code of Civil Procedure
Sumário: Introdução; 1 Apresentação do caso; 1.1 Solução dada pelo Tribunal; 2 Análise de decisões divergentes; 3 Entendimento doutrinário; 4 Conclusão. Referências
INTRODUÇÃO
O presente estudo possui escopo de analisar a aplicação da Teoria da Taxatividade Mitigada do agravo de instrumento, nos autos do incidente de demandas repetitivas do recurso especial processado no Superior Tribunal de Justiça, sob o nº REsp 1.704.520.
O julgado em questão refere-se ao rol do art. 1.015 do Código de Processo Civil e vem sendo amplamente debatido em razão da discussão acerca da taxatividade ou exemplificabilidade do mencionado artigo.
Neste sentido, tem-se, por certo, que o rol é taxativo. Entretanto, deverá ser mitigado em caso de urgência de matéria não versada nas hipóteses do art. 1.015, do CPC.
As análises que serão abordadas ao longo do estudo demonstrarão que, desde a promulgação do CPC de 2015, surgiu a grande divergência não só doutrinária, mas também jurisprudencial, a qual trazia três linhas de raciocínio acerca de tal recurso, sendo elas: I) o rol é absolutamente taxativo e deve ser interpretado restritivamente; II) o rol é taxativo, mas comporta interpretações extensivas ou analogia; III) o rol é exemplificativo.
Desta forma, diante a interposição de vários recursos sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça, buscando a uniformização do tema, instaurou o procedimento de demanda repetitiva que aqui se analisa.
Além disso, deve-se verificar o que os doutrinadores vêm lecionando sobre o novo recurso de agravo de instrumento confrontando posicionamentos distintos dos doutrinadores acerca do novo rol do artigo 1.015 do Código de Processo Civil, bem como com as divergências doutrinárias e o entendimento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça.
- APRESENTAÇÃO DO CASO
O julgamento do recurso repetitivo a ser analisado foi prolatado em 18 de dezembro de 2018, pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Recurso Especial nº 1.704.520 – MT, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi.
Buscando contextualizar o caso, cumpre ressaltar que o recurso a ser estudado foi interposto no bojo de ação de rescisão contratual cumulada com reparação de danos patrimoniais e morais, ajuizada no Estado de Mato Grosso sob a alegação de descumprimento de contrato de franquia celebrado com cláusula de eleição de foro e de danos de natureza material e extrapatrimonial.
Foi oposta a incompetência do foro pelos réus que restou acolhida através de decisão interlocutória submetendo o processo à julgamento perante o foro da comarca do Rio de Janeiro.
Os autores interpuseram recurso de agravo de instrumento, que, após apreciação, foi negado por decisão unanimidade, sob a argumentação de que o meio processual utilizado seria incabível, vez que não estaria previsto no rol do agravo de instrumento elencado no art. 1.015, do CPC.
Irresignados, em sede de Recurso Especial, foi alegado pelos recorrentes a contrariedade ao art. 1.015, II, e 932, III, ambos do CPC, sob fundamento no sentido de que a questão debatida através do recurso interposto, com referência à competência, não poderia aguardar o reexame apenas em sede preliminar de julgamento de apelação, pois a tramitação de tal processo em juízo incompetente geraria danos à atividade judiciária e prejuízo às partes.
Ao receber o recurso o TJ/MT entendendo estar presente os requisitos de admissibilidade do recurso especial previsto no art. 1.019 e seguintes do CPC, e verificando a presença de múltiplos recursos envolvendo a mesma matéria jurídica, selecionou o processo em tela a fim de que este fosse afetado e processado sob o rito dos recursos repetitivos, conforme preceitua o art. 1.036 e seguintes do CPC.
Em manifestação, o Ministério Público, posicionou-se contra o processamento sob demanda de recurso repetitivo arguindo, em síntese, que não havia multiplicidade de recursos abordando a mesma controvérsia jurídica.
O processo então foi encaminhado ao STJ, que, por unanimidade, proferiu o seguinte acórdão de afetação:
A PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SELEÇÃO. AFETAÇÃO. RITO. ARTS. 1.036 E SS. DO CPC/15. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTROVÉRSIA. NATUREZA. ROL DO ART. 1.015 DO CPC/15.
- Delimitação da controvérsia: definir a natureza do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, para se admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente versadas nos incisos de referido dispositivo do Novo CPC.
- Afetação do recurso especial ao rito do art. 1.036 e ss. Do CPC/2015.[1]
Desta forma, o recurso repetitivo foi admitido pela Ministra Relatora Nancy Andrighi que determinou o seu regular processamento. Diante desse panorama, o julgamento do recurso em exame abarca a problemática discussão acerca do rol taxativo de interposição do agravo de instrumento e acerca da possível interpretação extensiva do mencionado rol recursal.
É essa a dúvida respondida pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1.704.520 – MT, decidida através de recurso repetitivo, e que se pretende aclarar no presente trabalho.
1.1 Solução dada pelo Tribunal
O recurso especial interposto e processado sob o nº 1.704.520, observado o procedimento de recurso repetitivo previsto no art. 1.036 e seguintes do CPC, tem como cerne a definição acerca da natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC – Agravo de Instrumento.
Tal mecanismo recursal tinha como principal questionamento a possibilidade de interposição do agravo de instrumento fora do âmbito das hipóteses abarcadas no art. 1.015 do CPC, que até então era interpretado apenas de forma taxativa, e não extensível.
Desta forma, diante das diversas decisões que alegavam não ser possível a extensão interpretativa de tal instituto, o STJ ao julgar o recurso em tela, foi compelido a atribuir entendimento que pudesse encerrar as divergências da jurisprudência e doutrina, e manter, ainda que momentaneamente, julgamento uniforme a ser aplicado no ordenamento jurídico, verificando-se em suas razões, a possibilidade de admitir interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa ao rol do art. 1.015 do CPC.
Preliminarmente, ao analisar o recurso especial repetitivo, surgiram-se três linhas de posicionamento, a saber: I) o rol é absolutamente taxativo e deve ser interpretado restritivamente; II) o rol é taxativo, mas comporta interpretações extensivas ou analogia; III) o rol é exemplificativo.
Sob esta ótica, a Ministra Nancy Andrighi iniciou a fundamentação em seu voto condutor.
De início, expôs que parte da corrente doutrinária argumentava que o rol seria absolutamente taxativo, vez que o Código de Processo Civil buscou trazer um rol fechado, objetivando descarregar o judiciário e evitar recursos meramente protelatórios, alegando ainda que não poderia ser ampliada a interpretação do instituto pois causaria comprometimento de todo o sistema eleito pelo CPC.
Em segunda ordem de questionamento, revelou que outra parte da doutrina vinha formalizando entendimento de que o rol poderia admitir uma interpretação extensiva, haja vista que algumas hipóteses não abarcadas pelo rol do agravo de instrumento, causariam graves danos, nos casos em que fossem decididas questões de urgência, por exemplo, questões de incompetência, sigilo processual, entre outras.
Por último, argumentou que outro terço da doutrina, defendia que o rol não era nem taxativo de forma fechada ou taxativo de interpretação extensiva, mas sim, um rol meramente exemplificativo, de modo que, a recorribilidade da decisão interlocutória, deveria ser imediata, ainda que a matéria não constasse nos incisos do art. 1.015 do CPC.
Assim, a partir de tais ponderações, a insígne Ministra extraiu as seguintes conclusões prévias, a saber:
(i) A controvérsia limita-se, essencialmente, à recorribilidade das interlocutórias na fase de conhecimento do procedimento comum e dos procedimentos especiais, exceto o processo de inventário, em virtude do que dispõe o art. 1.015, parágrafo único, do CPC, que prevê ampla recorribilidade das interlocutórias na fase de liquidação ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.
(ii) A majoritária doutrina se posicionou no sentido de que o legislador foi infeliz ao adotar um rol pretensamente exaustivo das hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento na fase de conhecimento do procedimento comum, retornando, ao menos em parte, ao criticado modelo recursal do CPC/39.
(iii) O rol do art. 1.015 do CPC, como aprovado e em vigor, é insuficiente, pois deixa de abarcar uma série de questões urgentes e que demandariam reexame imediato pelo Tribunal.
(iv) Deve haver uma via processual sempre aberta para que tais questões sejam desde logo reexaminadas quando a sua apreciação diferida puder causar prejuízo às partes decorrente da inutilidade futura da impugnação apenas no recurso de apelação.
(v) O mandado de segurança, tão frequentemente utilizado na vigência do CPC/39 como sucedâneo recursal e que foi paulatinamente reduzido pelo CPC/73, não é o meio processual mais adequado para que se provoque o reexame da questão ventilada em decisão interlocutória pelo Tribunal.
(vi) Qualquer que seja a interpretação a ser dada por esta Corte, haverá benefícios e prejuízos, aspectos positivos e negativos, tratando-se de uma verdadeira “escolha de Sofia”.
(vii) Se, porventura, o posicionamento desta Corte se firmar no sentido de que também é cabível o agravo de instrumento fora das hipóteses listadas no art. 1.015 do CPC, será preciso promover a modulação dos efeitos da presente decisão ou estabelecer uma regra de transição, a fim de proteger às partes que, confiando na absoluta taxatividade do rol e na interpretação restritiva das hipóteses de cabimento do agravo, deixaram de impugnar decisões interlocutórias não compreendidas no art. 1.015 do CPC.
A respeito da natureza jurídica, entendeu-se que, por tratar-se de ramo do direito público, tal questionamento deveria sempre ser lido e interpretado a luz do texto constitucional.
De acordo com o diploma processual vigente, o agravo de instrumento pode ser oposto acerca das 12 questões previstas no art. 1.015.
O CPC/73 previa a recorribilidade imediata das decisões interlocutórias proferidas, porém, com a promulgação do CPC/15, o dispositivo alterado trouxe sérias discussões no judiciário, vez que extinguiu a possibilidade de socorrer-se imediatamente do Tribunal ad quem, e em seu lugar trouxe um rol taxativo, que passara a impossibilita a recorribilidade anteriormente prevista naquele codex.
Assim, confrontando quesitos em seu voto condutor, a Ministra Nancy Andrighi considerou que seria favorável um posicionamento que admitisse a interposição de agravo de instrumento à causas urgentes e questões de difícil reparação, caso estas não sejam apreciadas no momento em que forem arguidas.
Como exemplo, a insigne Ministra citou o caso de uma decisão negatória de segredo de justiça, in litteris:
Se por ventura o requerimento do segredo for indeferido, ter-se-ia pela letra do artigo uma decisão irrecorrível que somente seria contestada em preliminar de apelação, quando seria inútil, pois todos os detalhes da intimidade do jurisdicionado teriam sido devassados pela publicidade.
Por conseguinte, ao discorrer acerca da preclusão, sustentou, que se admitida a possibilidade de se impugnar decisões interlocutórias não previstas no art. 1.015 em caráter excepcional, tendo como requisito objetivo a urgência, não haveria que se falar em preclusão de qualquer espécie.
Ao final a Ministra conheceu o recurso especial repetitivo, fixando a tese jurídica de que:
O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.
E, concluiu modulando seus efeitos, para que a aplicabilidade seja feita apenas em decisões interlocutórias posteriores a publicação do acórdão.
Passado o mencionado voto à decisão dos demais colegiados, foi conhecido o recurso especial, por maioria, e dado provimento nos termos da Relatora.
O acórdão, por fim, restou assim ementado, ipsis litteris:
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NATUREZA JURÍDICA DO ROL DO ART. 1.015 DO CPC/2015. IMPUGNAÇÃO IMEDIATA DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NÃO PREVISTAS NOS INCISOS DO REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL. POSSIBILIDADE. TAXATIVIDADE MITIGADA. EXCEPCIONALIDADE DA IMPUGNAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. REQUISITOS.
1- O propósito do presente recurso especial, processado e julgado sob o rito dos recursos repetitivos, é definir a natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa, a fim de admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente previstas nos incisos do referido dispositivo legal.
2- Ao restringir a recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento do procedimento comum e dos procedimentos especiais, exceção feita ao inventário, pretendeu o legislador salvaguardar apenas as “situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação”.
3- A enunciação, em rol pretensamente exaustivo, das hipóteses em que o agravo de instrumento seria cabível revela-se, na esteira da majoritária doutrina e jurisprudência, insuficiente e em desconformidade com as normas fundamentais do processo civil, na medida em que sobrevivem questões urgentes fora da lista do art. 1.015 do CPC e que tornam inviável a interpretação de que o referido rol seria absolutamente taxativo e que deveria ser lido de modo restritivo.
4- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria taxativo, mas admitiria interpretações extensivas ou analógicas, mostra-se igualmente ineficaz para a conferir ao referido dispositivo uma interpretação em sintonia com as normas fundamentais do processo civil, seja porque ainda remanescerão hipóteses em que não será possível extrair o cabimento do agravo das situações enunciadas no rol, seja porque o uso da interpretação
extensiva ou da analogia pode desnaturar a essência de institutos jurídicos ontologicamente distintos.
5- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria meramente exemplificativo, por sua vez, resultaria na repristinação do regime recursal das interlocutórias que vigorava no CPC/73 e que fora conscientemente modificado pelo legislador do novo CPC, de modo que estaria o Poder Judiciário, nessa hipótese, substituindo a atividade e a vontade expressamente externada pelo Poder Legislativo.
6- Assim, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, fixa-se a seguinte tese jurídica: O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.
7- Embora não haja risco de as partes que confiaram na absoluta taxatividade com interpretação restritiva serem surpreendidas pela tese jurídica firmada neste recurso especial repetitivo, eis que somente se cogitará de preclusão nas hipóteses em que o recurso eventualmente interposto pela parte tenha sido admitido pelo Tribunal, estabelece-se neste ato um regime de transição que modula os efeitos da presente decisão, a fim de que a tese jurídica somente seja aplicável às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do presente acórdão.
8- Na hipótese, dá-se provimento em parte ao recurso especial para determinar ao TJ/MT que, observados os demais pressupostos de admissibilidade, conheça e dê regular
prosseguimento ao agravo de instrumento no que tange à competência.
9- Recurso especial conhecido e provido.[2]
2. ANÁLISE DE DECISÕES DIVERGENTES
Conforme já exposto, desde a entrada em vigor do CPC/2015 a doutrina e a jurisprudência não entraram em um consenso acerca da aplicabilidade do rol do art. 1.015, restando dúvidas a respeito do entendimento cabível ao mencionado rol, impossibilitando assim, a sua aplicação de forma uniforme no ordenamento jurídico.
Inicialmente, o STJ ao analisar a questão através do Ministro Luis Felipe Salomão, em 14/11/2017, proferiu acórdão a respeito do tema, alegando que, em tese, as causas relativas a incompetência, ainda eram recorridas através de agravo de instrumento, apesar de não estarem previstas expressamente no rol deste, restando assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. APLICAÇÃO IMEDIATA DAS NORMAS PROCESSUAIS. TEMPUS REGIT ACTUM. RECURSO CABÍVEL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N.1 DO STJ. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA COM FUNDAMENTO NO CPC/1973. DECISÃO SOB A ÉGIDE DO CPC/2015. AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO CONHECIDO PELA CORTE DE ORIGEM. NORMA PROCESSUAL DE REGÊNCIA. MARCO DE DEFINIÇÃO. PUBLICAÇÃO DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. RECURSO CABÍVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA OU EXTENSIVA DO INCISO III DO ART. 1.015 DO CPC/2015.
[…]
- Apesar de não previsto expressamente no rol do art. 1.015 do CPC/2015, a decisão interlocutória relacionada à definição de competência continua desafiando recurso de agravo de instrumento, por uma interpretação analógica ou extensiva da norma contida no inciso III do art. 1.015 do CPC/2015, já que ambas possuem a mesma ratio -, qual seja, afastar o juízo incompetente para a causa, permitindo que o juízo natural e adequado julgue a demanda.
- Recurso Especial provido. [3]
Desta forma, o Superior Tribunal de Justiça fixou entendimento de que, quando a decisão referir-se a incompetência, esta poderia, de forma excepcional, ser atacada através de agravo de instrumento. No entanto, a decisão limitou-se a isto, não discorrendo de fato acerca de possibilidade modulação interpretativa.
Quanto à análise do tema pelos Tribunais de Justiça, estes já prolataram decisões nas quais se embasaram sobre duas ordens de questionamento sendo elas: a) o rol é absolutamente taxativo e deve ser interpretado restritivamente; b) o rol é taxativo, mas comporta interpretações extensivas ou analogia.
O Tribunal de Minas Gerais, firmou entendimento de que o rol do agravo de instrumento é taxativo, não admitindo interpretação extensiva, verbis:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ORDINÁRIA – DECISÃO AGRAVADA – ROL TAXATIVO DO ART. 1.015 DO CPC/2015 – HIPOTESE NÃO ELENCADA.
- O art. 1.015 do CPC/2015 prevê um rol taxativo de hipoteses para o cabimento do recurso de agravo de instrumento, em se tratando de processos em fase de conhecimento.
- A interposição do recurso contra decisão não contemplada nos casos previstos em lei acarreta a sua inadmissão. V.V. A decisão insterlocutória que relacionada à modificação de competência desafia agravo de instrumento, diante da possibilidade de interpretação extensiva ao art. 1.015, III do CPC/2015.
- Agravo de Instrumento conhecido.
(TJ-MG – AI: 10000181035932001 MG, Relator: Claret de Moraes, Data de Julgamento: 27/11/2018, Data de Publicação: 13/12/2018)
Em julgado proferido pelo Egrégio Tribunal do Rio de Janeiro, também houve o entendimento de que se tratava de rol taxativo de forma fechada, a saber:
Agravo Interno, com base no art. 1.021, do CPC. Agravo de Instrumento. Ação de obrigação de fazer. Decisão que declinou da competência para o Juizado Especial Fazendário. Descabimento da interposição de agravo de instrumento, na espécie. Hipótese do recurso, não contemplada no rol do art. 1.015, do CPC. Decisão que não pode ser impugnada por meio de agravo de instrumento, mesmo que consideradas extensivas as hipóteses ali previstas, por não ser o caso dos autos. Inviável se ultrapasse o Juízo de admissibilidade recursal, por ausência de requisito extrínseco. Não se conheceu do recuso, com base no art. 932, II, do CPC, Agravo Interno a que se nega provimento. [4]
No entanto, mesmo proferindo por fim entendimento de que tratava-se de rol taxativo, a Des. Relatora Helda Lima Meireles, ao analisar a questão em seu voto condutor ponderou que:
Entendo que o legislador tentou abarcar, no rol do art. 1.015, do CPC, as situações que poderiam gerar prejuízo imediato às partes (ou a terceiros) de modo a justificar o pronto acesso ao Juízo de 2ª instância, mostrando-se preceptível que algumas situações não alcançadas pelo aludido dispositivo, poderão ocasionar não só eventuais prejuízos, como também, caso apreciáveis apenas e somente por ocasião de outro eventual recuso, retardando o trâmite do processo, colidindo com um dos objetivos precípuos da nova legislação processual, que é o de distribuir o maior índice possível de resultados úteis ao processo civil. Assim, evidencia-se que algumas situações não previstas no art. 1.015, do CPC, como passíveis de interposição de Agravo de Instrumento, que poderiam gerar prejuízo imediato à parte ou à própria efetividade do processo, indicando, dessa forma, a necessidade de se atribuir ao litigante, alguma via impugnativa da decisão não acobertada pelo dispositivo em questão, de forma imediata. [5]
Assim, notadamente já havia conflitos em seus próprios decisum, que apesar de entender que tal instituto deveria ser interpretado de forma taxativa, reputavam reconhecer a possibilidade em casos de urgência serem julgados preliminarmente, sob pena de confrontar-se com a essência de resultado útil ao processo, prevista no diploma processual vigente.
Quanto a possibilidade de tratar-se de rol exemplificativo, não houve nenhum tribunal que entendeu desta forma, admitindo-se tão somente o mero entendimento extensível, ainda que conforme o caso concreto fosse impossível uma interpretação de meramente taxativa.
Importante registrar que não obstante a decisão STJ proferida em 19/12/2018, a qual traçou entendimento à mencionada questão, houve decisão em sentido contrário, como a seguir elencada, proferida pelo TJ/SP em 31/01/2019, a saber:
Agravo de instrumento – Ação de prestação de contas – Contrato de prestação de serviços advocatícios – Primeira fase – Procedência do pedido inicial – Segunda fase – Intimação da parte contrária para apresentar as contas exigidas – Despacho de mero expediente – Despacho não agravável – Não conhecimento – Hipótese não prevista no rol exaustivo do artigo 1.015 do Código de Processo Civil. Não cabe agravo de instrumento contra despacho de mero expediente (arts. 1.001 e 203, §3º do CPC/2015) – Além disso, o artigo 1.015 do atual Estatuto Processual contém um rol taxativo de decisões que poderão ser contrastadas com o emprego imediato do agravo de instrumento, devendo todas as demais questões ser arguidas em apelação ou contrarrazões de apelação, ja que “as questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não serão cobertas pela preclusão” (CPC/2015, art. 1.009, §1º). Trata-se de um rol taxativo, só sendo admissível o agravo de instrumento interposto contra decisões que estejam previstas nos incisos do dispositivo legal mencionado. Agravo a que se nega seguimento. [6]
Da leitura do apresentado, nota-se que no caso surgiu um recurso a respeito de um despacho, que conforme o artigo 1.001 não permite ser atacado. No entanto, apesar da decisão acertada, ao final o desembargador ainda consignou que além da ausência de previsão legal da recorribilidade dos despachos, mesmo que se trata-se de uma decisão interlocutória, este não poderia ser conhecido, visto que o agravo de instrumento possui um rol taxativo, impossibilitando a interposição de recurso para as hipóteses que não se encontrarem previstas no art. 1.015 do CPC.
Assim, ante o exposto, denota-se que apesar de ilustre e recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça, tal tema, ainda gera aplicabilidade diferenciada no ordenamento jurídico, merecendo guarida, portanto, o cumprimento de forma una do entendimento pelos Tribunais pátrios.
3. ENTENDIMENTO DOUTRINÁRIO
Esclarecido o posicionamento jurisprudencial sobre o tema, cabe analisar os posicionamentos doutrinários quanto a taxativididade do rol do agravo de instrumento.
De início, cumpre mencionar que na vigência do CPC/1973, tendo em vista a ampla recorribilidade das decisões, era comum surgirem diversos recursos interpostos com o único intuito de adquirir tempo processual, o que fazia com que os Tribunais ficassem sobrecarregados de atos meramente protelatórios e que não mereciam nenhuma análise ou provimento jurisdicional.
Luiz Guilherme Marinoni, Sergio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, afirmam que:
A fim de limitar o cabimento do agravo de instrumento, o legislador vale-se da técnica da enumeração taxativa das hipóteses em que o agravo de instrumento pode ser conhecido. Isso não quer dizer, porém, que não se possa utilizar a analogia para interpretação das hipóteses contidas no texto. (NOVO CURSO DE PROCESSO CIVIL, VOLUME 2, PÁG 534).
Assim, o legislador ao estipular o CPC/2015, analisando tal impasse, buscou limitar o rol do agravo de instrumento, a fim de que tal prática fosse bruscamente reduzida, ou se possível, eliminada.
A mesma lógica processual foi utilizada na formulação do CPC/39, que à época de sua promulgação, foi duramente criticado pela doutrina durante toda a sua vigência porque, não raro, surgiam hipóteses imprevistas que pela lei, eram irrecorríveis de imediato, causando sérios prejuízos às partes e demandando dos especialistas a criação de uma anomalia – o mandado de segurança contra ato judicial.
Importante, consignar que com a promulgação do CPC/2015, em um primeiro momento, muitos operadores do direito optaram pela impetração do mandado de segurança, caso de necessária recorribilidade da decisão interlocutória não abarcada nas hipóteses do art. 1.015, no entanto, a jurisprudência e a doutrina logo se mostraram contrárias a essa opção.
Em razão da negativa da impetração do mandado de segurança, alguns doutrinadores passaram a admitir a impugnação da decisão não prevista no rol do agravo de instrumento, por meio de uma interpretação extensiva do artigo 1.015 do CPC.
Inicialmente, coube aos doutrinadores verificar que a partir dali, não mais poderiam ser impugnadas, de imediato, as decisões interlocutórias que pudessem vir a causar lesão grave e de difícil reparação às partes envolvidas no processo, ficando sujeitas à recorribilidade apenas em preliminar de apelação, caso não abarcasse nenhuma das hipóteses previstas no seleto rol do agravo de instrumento, passando então a discorrer sobre a taxatividade ou não do mencionado rol.
Ao tratar do tema Cassio Scarpinella Bueno, exemplifica as hipóteses e menciona o seu posicionamento no sentido de que,
[…] ao tratar da recorribilidade das interlocutórias, as decisões interlocutórias serão sempre recorríveis. O que variará, no entanto, é o recurso cabível: agravo (art. 1.015 ou hipóteses previstas em outros dispositivos ou legislação extravagante) ou apelação (art. 1.009). Nesse último caso pode-se dizer que a recorribilidade é diferida, logo, não há que se falar em preclusão temporal.
A não “agravabilidade” geral evidencia-se pela redação do art. 1.015, que enumera hipóteses de cabimento, sendo extremamente relevante a constatação de que ora o legislador opta pela descrição da matéria impugnável independentemente de a decisão ter sido positiva ou negativa (ex.: tutelas provisórias), ora especifica apenas uma posição, de acolhimento ou rejeição (ex.: rejeição da alegação de convenção de arbitragem).[7]
O mencionado Cássio Scarpinella Buena, buscou esclarecer que em nenhum momento o legislador buscou o cerceamente da defesa ou impediu a interposição de recurso, apenas empenhou-se em organizar algumas decisões que teriam recorribilidade imediata, enquanto outras deveriam aguardar o momento processual oportuno por não estarem expressamente previstas no rol do Agravo de Instrumento.
Assim, caberia ao legislador ao redigir o rol do agravo de instrumento, mencionar todas as hipóteses existentes, dentro do processo civil ou mais interessante ainda, que houvesse um rol que deixasse claro que não poderia ser recorrido através do agravo de instrumento, como aduz Daniel Amorim Assumpção Neves
E mesmo partindo-se da premissa de que a limitação de recorribilidade das decisões interlocutórias por agravo de instrumento se justifica, o legislador deveria ter criado um rol legal exauriente de não cabimento do recurso. Pela técnica legislativa empregada, há um rol legal de cabimento do agravo de instrumento, o que faz com que decisões interlocutórias fiquem fora dessa recorribilidade sem se ter certeza se era mesmo esse o objetivo do legislador. Teria sido muito mais adequado se tivesse discriminado de forma pontual o não cabimento do agravo de instrumento em vez de prever seu cabimento. [8]
A respeito das possibilidades interpretativas, passa-se à analise da taxatividade, taxatividade mitigada ou diferida e exemplificabilidade, as quais dividem-se em três linhas de raciocínio.
A primeira corrente doutrinária, defende que trata-se de rol taxativo de maneira fechada, não permitindo nenhuma interpretação extensiva. Para o renomado Alexandre Camara, só é cabível o agravo de instrumento para os casos expressamente previstos em lei, não se admitindo interpretação extensiva:
[…] agravo de instrumento é o recurso adequado para impugnar algumas decisões interlocutórias, expressamente indicadas em lei como recorríveis em separado. Ademais, admite-se agravo de instrumento contra qualquer outra decisão interlocutória que a lei processual expressamente declare agravável, como se dá, por exemplo, no caso da decisão que receba a petição inicial após o desenvolvimento da fase preliminar do procedimento da “ação de improbidade administrativa” (art. 17, §10, da Lei 84259/1992).[9]
Desta forma, nota-se que o referido autor caminha totalmente contra ao entendimento proferido pelo STF, e também com as demais correntes doutrinárias, afirmando incisivamente, tratar-se de rol taxativo fechado, não comportanto nenhuma interpretação extensiva.
Para uma segunda terça parte da doutrina, embora o rol seja taxativo, este permite uma interpretação extensiva quanto as hipóteses de cabimento. Nesta linha de raciocínio conduz Fredie Didier Jr.:
[…] as hipóteses de agravo de instrumento estão previstas em rol taxativo. A taxatividade não é, porém, incompatível com a interpretação extensiva. Embora taxativas as hipóteses de decisões agraváveis, é possível interpretação extensiva de cada um do seus tipo. Tradicionalmente, a interpretação pode ser literal, mas há, de igual modo, as interpretações corretivas e outras formas de reinterpretação substitutiva.[10]
Conforme leciona o autor supra citado, em que pese o artigo 1.015 do CPC tenha estabelecido um rol taxativo, este pode ser interpretado extensivamente ou analogicamente, para que possa usar de tal recurso em teses não previstas de forma expressa na Lei e nem no rol do mencionado artigo.
Já Daniel Amorim Assumpção Neves, aproveita o ensejo de Fredie Didier Junior e faz dura crítica ao rol do artigo 1.015 do CPC, que conforme aquele, as limitações trazidas não oferecem nenhuma vantagem para o sistema processual civil, havendo inclusive, um cerceamento de defesa das partes:
[…] num primeiro momento, duvido seriamente do acerto dessa limitação e das supostas vantagens geradas pelo sistema processual. A decantada desculpa de que o agravo de instrumento é o recurso responsável pelo caos vivido na maioria de nossos tribunais de segundo grau não deve ser levada a séria.[11]
O mencionado processualista, em sua obra, ainda defende que seja realizada uma interpretação ampliativa do cabimento do rol do agravo de instrumento.
Fredie Didier Junior, assume a mesma posição de Daniel Amorim, e ainda coloca em debate a questão da volta do uso indevido do mandado de segurança, caso não seja possível a adoção da interprestação extensiva do rol do agravo de instrumento.
A interpretação extensiva opera por comparações ou isonomizações, não por encaixes ou subsunções. As hipóteses de agravo e instrumento são taxativas e estão previstas no art. 1.015 do CPC. Se não se adotar a interpretação extensiva, corre-se o risco de se ressuscitar o uso anômalo e excessivo do mandado de segurança contra ato judicial, o que é muito pior, inclusive em termos de política judiciária.
É verdade que interpretar o texto normativo com a finalidade de evitar o uso anômalo e excessivo do mandado de segurança pode consistir num consequencialismo. Como se sabe, o consequencialismo constitui um método de interpretação em que, diante de várias interpretações possíveis, o intérprete deve optar por aquela que conduza a resultados econômicos, sociais ou políticos mais aceitáveis, mais adequados e menos problemáticos. Busca-se, assim, uma melhor integração entre a norma e a realidade. É um método de interpretação que pode servir para confirmar a interpretação extensiva ora proposta.[12]
Adotada a interpretação literal, não se admitindo o agravo de instrumento contra decisão que trate de competência, nem contra decisão que nega eficácia a negócio jurídico processual (para dar dois exemplos, explicados no exame do inciso III do art. 1.015 do CPC), haverá o uso anômalo e excessivo do mandado de segurança, cujo prazo é bem mais elástico que o do agravo de instrumento. Se, diversamente, se adota a interpretação extensiva para permitir o agravo de instrumento, haverá menos problemas no âmbito dos tribunais, não os congestionando com mandados de segurança contra atos judiciais.
Segundo ele, não faz sentido existir um rol taxativo de cabimento, uma vez que o mesmo não abarca todas as situação possíveis que possam surgir no andamento de um processo, arrematando ainda, que caso se adota uma interpretação extensiva, haveria ainda o descongestionamento no judiciário, vez que não seriam utilizados mandados de segurança como meio de recorribilidade de decisões interlocutórias.
Há também a terceira corrente doutrinária que defende que se trata de rol meramente exemplificativo, sendo esta a com menor incidência e a que possui baixa logicidade, visto que parece não refletir a vontade exaurida pelo legislador ao editar a norma em discussão.
Este é o posicionamento de Flávio Luiz Yarshell ao aduzir que trata-se de rol exemplificativo, explicando sua tese jurídica no sentido de que,
Foi infeliz a disposição que pretendeu restringir o cabimento de recurso, limitada que foi à hipótese da decisão que indeferir totalmente a produção antecipada de prova. Aqui pareceu ignorar que o deferimento da antecipação pode violar direitos constitucionalmente assegurados. No curso do processo é possível que haja atos de caráter decisório – sobre competência, composição da relação processual, de deferimento ou indeferimento de quesitos, de nomeação de perito suspeito, apenas para ilustrar – a gerar prejuízo imediato, pela simples razão de que, com a sentença nada resolverá sobre o mérito, isso tende a tornar realmente desnecessário eventual recurso de apelação. (YARSHELL, 2015).
Nesta linha de raciocínio, haveria um rol que apenas mencionasse quais hipóteses seriam passíveis de recurso através do agravo de instrumento, mas não exaurindo, ficando o artigo aberto à qualquer outra possibilidade, ainda que ali não estivesse sido englobado.
Em que pese as mais variadas fundamentações, frisa-se, que para ampliar às hipóteses de cabimento de agravo de instrumento, mediante uma interpretação analógica, aderir o caráter exemplificativo do rol em estudo, é uma alternativa menos adequada e pouco eficiente para consertar as anomalias do Código.
Ora, realizar uma leitura exemplificativa do referido dispositivo além de ofender o princípio da taxatividade, o qual preceitua que apenas por meio de processo legislativo pode haver a criação de recurso e de suas correspondentes hipóteses de cabimento, também insulta a qualidade democrática do dispositivo legal (SILVA, 2018).
Quanto a possível preclusão da recorribilidade das decisões, Fredie Didier Junior, explica que,
[…] proferida uma interlocutória não agravável que contenha algum vício, cabe à parte suscitá-lo na primeira oportunidade que tiver para falar nos autos, sob pena de preclusão (art. 278, CPC). Se suscitar, poderá impugná-la na apelação. Se não suscitar, a matéria estará preclusa, não podendo constar da apelação.[13]
Assim, segundo o mencionado jurista, caso a decisão não for imediatamente impugnada, não poderá mais ser feita através de preliminar de apelação, já que estaria preclusa.
Portanto, conjectura capaz de suprir o rol do artigo 1.015 do Código de Processo Civil é a alteração legislativa, tanto com a inclusão de novas hipóteses de recorribilidade, quanto com a inclusão de um rol de hipóteses em que não se pode recorrer por agravo de instrumento, acarretando, assim, no fim da discussão quanto a possibilidade de se recorrer ou não por agravo de instrumento.
4. CONCLUSÃO
O recurso de agravo de instrumento é um dos principais recursos do sistema processual brasileiro. É o meio utilizado para impugnar algumas decisões interlocutórias cujo tema está previsto na Lei ou no rol do artigo 1.015 do Código de Processo Civil.
Desde a entrada em vigor do referido diploma processual em 16 de março de 2015, surgiram inúmeras discussões sobre a sua taxatividade, bem como a respeito da modulação de seus efeitos.
A nova ordem jurídica processual trouxe uma série de novidades no que concerne o recurso de agravo de instrumento, principalmente, quanto às hipóteses de cabimento, formalidades e as questões controversas acerca da taxatividade ou não do rol do artigo 1.015 do Código de Processo Civil.
Nessa linha de raciocínio, verifica-se que a reforma do Código de Processo Civil introduziu no ordenamento jurídico pátrio, novos dispositivos, cuja função é demonstrar para os jurisdicionandos quais são as hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento, não se admitindo mais a recorribilidade de toda e qualquer decisão interlocutória que venha causar a parte dano grave e de difícil reparação, como acontecia no Código de Processo Civil de 1973.
Com a inovação da legislação processual civil, tanto a jurisprudência, quanto a doutrina, vieram trazendo diferentes interpretações acerca do rol de possibilidades inserido para hipóteses de cabimento para o recurso de agravo de instrumento.
Com a análise do recurso repetitivo que aqui se teve, restou entendido, segundo posicionamento do STJ, que o rol é taxativo de forma mitigada, ou seja, admite-se interpretação extensiva nos casos em que a falta de provimento jurisdicional imediato cause danos às partes ou até mesmo ao curso do processo, aceitando a recorribilidade de decisões interlocutórias que não estão previstas no rol do referido artigo.
Mesmo com a decisão proferida, seria necessário que houvesse uma alteração legislativa que arrolasse no rol do art. 1.015 todas as hipóteses passíveis de interposição por recurso de agravo de instrumento, ou, de forma mais viável, a alteração para um rol de não cabimento.
Por fim, os Tribunais a quo devem aplicar a tese firmada pelo STJ, no caso de interposição de agravo de instrumento fora das hipóteses previstas no mencionado artigo, garantindo assim, a uniformização da jurisprudência.
REFERÊNCIAS
CÂMARA, Alexandre de Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2016.
DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. 15ª ed. Salvador: Juspodivm, 2018. p. 248-251
BUENO, Cassio Scarpinella. Comentários ao código de processo civil – Volume 4 – São Paulo: Saraiva, 2017.
DIDIER JR., Fredie. CUNHA. Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil – 13. Ed. Reform. – Salvador: Ed. JusPodvm, 2016
ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos – 9. Ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2017.p. 620
SILVA, Luciana Teixeira. Recorribilidade das Decisões Interlocutórias no Novo Código de Processo Civil. Monografia. Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul, Tubarão. 2018. Disponível em: <https://riuni.unisul.br/bitstream/handle/12345/5091/tcc.versaofinal%20%28Luciana%20.%29 .pdf?sequence=1&isAllowed=y > Acesso em: 26 mar. 2019.
YARSHELL, Flávio Luiz. Das provas. In: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa et al (coord.) Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Ed: RT, 2015.
STJ. RECURSO ESPECIAL: REsp 1704520 MT/20171924-6. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. DJ: 05/12/2018. JusBrasil, 2018. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/661785891/recurso-especial-resp-1704520-mt-2017-0271924-6/certidao-de-julgamento-661785905?ref=serp>. Acesso em: 04/01/2019
STJ. RECURSO ESPECIAL: REsp 1694300 RJ 2017/0226667-5. Relator: Ministro Antonio Carlos Ferreira. DJ: 20/03/2018. JusBrasil, 2018. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/558710714/recurso-especial-resp-1694300-rj-2017-0226667-5/decisao-monocratica-558710724>. Acesso em: 04/01/2019.
STJ. ProAfR no REsp 1696396 MT 2017/0226287-4. Relatora: Ministra Nancy Andrighi, DJ: 20/02/2018, JusBrasil,2018. Disponível em <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/550644099/proposta-de-afetacao-no-recurso-especial-proafr-no-resp-1696396-mt-2017-0226287-4?ref=serp>. Acesso em: 06/01/2019.
TJ-SP. Agravo de Instrumento. AI: 2003251-31.2019.8.26.0000. Relator Lino Machado. DJ: 31/01/2019. JusBrasil, 2019. Disponível em: <https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/670071470/agravo-de-instrumento-ai-20032513120198260000-sp-2003251-3120198260000/inteiro-teor-670071488>. Acesso em: 03/03/2019.
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TJ-RJ. Agravo de Instrumento. AI 004672552-2018.8.19.0000. Relator: Helda Lima Meireles. DJ: 05/12/2018. JusBrasil, 2018. Disponível em <https://tj-rj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/657261462/agravo-de-instrumento-ai-467255220178190000-rio-de-janeiro-capital-2-vara-faz-publica/inteiro-teor-657261473>. Acesso em: 26/02/2019.
[1] STJ – ProAfR no REsp: 1704520 MT 2017/0271924-6, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 20/02/2018, CE – Corte Especial, Data de Publicação: DJe 28/02/2018.
[2] STJ – REsp 1704520 MT/20171924-6. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. DJ: 05/12/2018, CE – Corte Especial, Data de Publicação: DJe 19/12/2018.
[3] Resp 1679909/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 14/11/2017, Dje 01/02/2018.
[4] TJ-RJ – AI: 00467255220178190000. Terceira Câmara Cível. Rio De Janeiro Capital 2ª Vara Faz Pública, Relatora: Helda Lima Meireles, Data de Julgamento: 05/12/2018.
[5] Resp 1679909/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 14/11/2017, Dje 01/02/2018.
[6] TJ-SP – AI 20092513120198260000 SP 2003251-31.2019.8.26.0000, Relator: Lino Machamdo, Data de Julgamento 31/01/2019, 30ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 31/01/2019.
[7] BUENO, Cassio Scarpinella. Comentários ao código de processo civil – Volume 4 – São Paulo: Saraiva, 2017.
[8] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil – Volume único, 8. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 1560.
[9] CÂMARA, Alexandre de Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 523.
[10] DIDIER JR. Op.cit. p. 209
[11] NEVES op.cit. p.1.561.
[12] Didier Jr. Fredie. Curso de direito processual civil. v. 3. 13. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 209
[13] DIDIER JR. Op.cit. p. 515.