Resumo: inexiste no ordenamento jurídico pátrio legislação federal que regulamente o uso de algemas e uniformize esse procedimento no Brasil, um país de dimensões continentais com vários órgãos contemplados no capítulo constitucional sobre a segurança pública e, portanto, com diversas instituições se valendo do referido instrumento. O uso de algemas em nosso país teria que ser regulado por decreto federal, conforme prevê a Lei nº 7210/84 em seu artigo 199, o qual não foi promulgado pelo Executivo até a edição da Carta Magna, devendo, agora, a matéria ser objeto de lei, até hoje inexistente. A verdade é que enquanto o Legislativo não cumpre sua missão, surgem estudiosos e profissionais do direito que manifestam suas opiniões e seus argumentos. A celeuma é acirrada, havendo necessidade de se analisar tanto os argumentos contrários quanto os favoráveis, a fim de se ponderar se o uso de algemas é permitido e, se sim, em que situações e para quais pessoas. Diante dessas dúvidas que surgem, este trabalho procurou relacionar os principais argumentos apresentados por ambas as opiniões para, ao final, verificar um posicionamento a ser defendido[1].
Palavras-chave: uso algemas. decreto federal. ausência. lei específica. segurança. fuga. resistência. mídia. constrangimento. dignidade. insegurança jurídica.
Abstract: does not exist in the legal system parental federal legislation regulating the use of handcuffs and standardize this procedure in Brazil, a country of continental dimensions with various organs contemplated in the constitutional chapter on public safety and therefore with various institutions making use of this instrument. The use of handcuffs in our country would have to be regulated by federal decree, pursuant to Law No. 7210/84 on Article 199, which was not promulgated by the Executive to the issue of the Constitution and must now be the subject object law, until now non-existent. The truth is that while the Legislature does not fulfill its mission, there are scholars and legal practitioners who express their views and arguments. The uproar is fierce, there is a need to analyze both the counterarguments as favorable, in order to consider whether the use of handcuffs is permitted and, if so, in what circumstances and for which people. Given these doubts arise, this work related the main arguments presented by both opinions to, at the end, check a position to be defended.
Keywords: use handcuffs. federal decree. absence. specific law . safety. escape. resistance. media. embarrassment. dignity. juridical insecurity.
Sumário: Introdução. 1. Noções Gerais sobre Algemas e suas Origens Históricas. 1.1. Conceito. 1.2. Estereótipo das Algemas para a Sociedade.1.3. Do Surgimento das Punições. 1.4. As Algemas e o Estado de Direito. 1.5. Origem, Criação e Evolução Material das Algemas. 2. Da Evolução Legislativa. 2.1. As Ordenações Filipinas. 2.2. O Código Criminal Do Império. 2.3. Das Normas Internacionais. 3. Da Discussão Sobre O Uso De Algemas. 3.1. Uso De Algemas Em Adolescentes Infratores. 3.2. Uso De Algemas No Tribunal Do Júri. 4. Dos Projetos De Lei Existentes Sobre O Uso De Algemas. Conclusão. Referências.
Introdução
Tem suscitado muita polêmica a problemática do uso de algemas, a qual tem gerado críticas e debates em todas as camadas da população brasileira, profissionais da área de segurança pública ou não.
Ao se abordar esse tema foi causado grande discussão entre os estudiosos do direito, que buscam veementemente apresentarem seus argumentos, uns favoravelmente ao uso de algemas como regra e outros contrariamente, afirmando-se que seu emprego é exceção.
Alguns doutrinadores têm entendido que se deve atentar para o bom senso e, acima deste, a segurança, defendendo o seu uso, desde que moderado, a fim de garantir a segurança do preso, de terceiros e do policial. Os adeptos desta linha de raciocínio, ainda sustentam a inexistência de constrangimento ilegal em seu uso, já que as algemas visam apenas a neutralização da força, servindo tão somente para a imobilização do delinquente.
Todavia, há aqueles que entendem o contrário, e não são poucos, afirmando impetuosamente que o uso de algemas deve ser exceção, ou seja, a regra é sua não utilização.
É fato que, este assunto ainda é tormentoso por falta de disciplina jurídica específica sobre o assunto. A Lei de Execução Penal, em seu artigo 199, determina que o emprego de algemas será regulado por decreto federal, o que acabou não ocorrendo. Desse modo, várias são as interpretações divergentes entre si que surgem, todas buscando amparo em legislação existente.
Num país que tem como tradição o sistema civil law (todo direito é exteriorizado na forma escrita), indubitavelmente a falta desse decreto específico traz uma insegurança jurídica.
Trata-se de um tema bastante discutido na atualidade, porquanto, a atuação policial que diariamente vem sendo exibida na mídia, tem contribuído para o questionamento do assunto proposto.
Desse modo, este trabalho busca relacionar os principais argumentos, tão discutidos, analisar a legislação vigente em nosso sistema jurídico sobre o objeto de estudo, bem como, visa relacionar outros argumentos que são apresentados durante a discussão.
A presente pesquisa se faz necessária a fim de que, enquanto não houver uma legislação específica para o uso de algemas, seja o direito existente corretamente interpretado e aplicado aos casos concretos.
Outrossim, visa analisar todos os aspectos sobre o uso de algemas, sejam eles subjetivos ou objetivos, com intuito de trazer melhor compreensão sobre o tema, matéria esta que interessa a toda sociedade.
Este trabalho será realizado por meio de consultas em doutrinas, jurisprudências, artigos de revistas e, principalmente, sites especializados.
Necessário mencionar que o trabalho foi realizado de acordo com as regras da Associação Brasileira de Normas Técnicas, encontradas no Manual de Apresentação de Trabalhos Acadêmicos do Conselho de Pesquisa e Extensão do Centro Universitário Toledo.
1 Noções gerais sobre algemas e suas origens históricas
1.1 Conceito
A palavra algema é um vocábulo latino originário do idioma arábico, al djamia, que significa pulseira. Este termo ingressou na língua portuguesa em razão da influência árabe-sarracena na Península Ibérica.
Tal ferramenta ou equipamento, confeccionado em vários materiais metálicos, pode ser usada nas duas mãos ou somente em uma delas, e/ou pés, bem como nos dedos das mãos. Ressalte-se que, os ingleses usam o vocábulo Handcuffs, os espanhóis Grilletes e os franceses Menottes, para denominá-la.
1.2 Estereótipo das algemas para a sociedade
As algemas são parte do imaginário humano, um paradigma voltado a exemplificar o que caracteriza desobedecer à norma constituída pela sociedade, e para alguns, símbolo de poder e ascensão sobre uma pessoa, estimulando em alguns casos a libido destas.
Sempre que alguém ver, ou ouvir a menção de algemas, estará visível em sua mente alguém que praticou alguma conduta contra o ordenamento jurídico, ou que indícios veementes indicam que este o tenha praticado tudo bem claro e sólido, perfazendo o modelo do arquétipo.
Esta imagem se projeta desta maneira por um motivo muito simples, as algemas, ou seus equivalentes, estão presentes em nosso cotidiano deste os primórdios da humanidade.
Este equipamento, que pode ser confeccionado a partir de várias ligas de metais, atrai as pessoas a ponto de aguçar a mente humana, levando-as ao estudo, admiração, coleção, e até mesmo influenciando seus relacionamentos afetivos, em especial a sua vida sexual, pois para muitos, o uso de algemas na parceira ou no parceiro estimula a libido, pela sua acepção de poder e dominação que transmite à mente humana.
Como se vê, é notório o grande fascínio causado por ela nas pessoas, pois atinge o imaginário humano, bem como as suas fantasias relacionadas ao poder e dominação, obtendo, destarte, um valor diferenciado daquele usualmente empregado para qualificá-la.
O objeto deste estudo está tão presente nas nossas vidas, que não paramos para pensar no quanto ela é antiga, seus usos, sua importância e presença em nossas vidas através dos tempos imemoriáveis da História da Humanidade, algo aparentemente simples que, todavia, pode tomar dimensões polêmicas como está acontecendo nos dias atuais.
1.3 Do surgimento das punições
É fato que, desde os primórdios, o homem tem a necessidade de viver em sociedade, cuja convivência causou, desde o início, o surgimento de controvérsias e lides, sendo que na maioria dos casos eram de fácil resolução, entretanto, em alguns casos, tamanha era a repercussão destes conflitos nos meios sociais, que o Estado viu-se obrigado a intervir para a solução pacífica do caso. Mas, como é sabido, não bastou apenas o Estado intervir na solução das lides, uma vez que houve a necessidade de se reprimir também as condutas lesivas à população, as quais atingiam diversos bens jurídicos importantes, circunstância esta em que, coube ao Estado, detentor do poder, zelar por estes bens. Foi nesta oportunidade que surgiram as figuras dos Tabus e o embrião, o que no futuro seria denominado crime.
Dentro deste aspecto social e cultural, a sociedade passou a gerar ações decisivas e fortes na proporção da gravidade das condutas, assim foram surgindo as punições, através da privação da liberdade de locomoção, com a conseqüente prisão dos acusados para futura investigação, ou como aplicação imediata de pena pela conduta praticada.
Nas sociedades mais rudimentares e primitivas o julgamento das condutas era realizado pelo chefe da tribo e, posteriormente, com a modernização das sociedades, pelos Reis e Príncipes dos Estados. Vislumbra-se que esta necessidade de conter as pessoas que perpetraram estas ações e encaminhá-las para julgamento, passou de uma necessidade para um status de poder do Estado de punir todas as transgressões das normas impostas por ele, Estado, aos membros da sociedade, elemento principal para coibir a ocorrência de novas transgressões aos costumes ou às normas.
É neste contexto que surgem, inicialmente, os equipamentos, aparelhos e petrechos para limitar o movimento das pessoas aprisionadas por crime, ou até mesmo pela Guerra, evento também muito comum naqueles dias do passado remoto da humanidade.
Dentre os equipamentos rudimentares, utilizados nos primórdios das sociedades, estão as cordas de cipós e, em seguida, aquelas elaboradas com cizal. Após, vieram as correntes, as argolas de ferro, e modernamente as algemas. Esta, como é de que conhecimento de todos, tornou mais forte e eficaz a imobilização e detenção dos criminosos.
1.4 As algemas e o Estado de Direito
O uso de algemas é sinônimo universal da atuação do Estado contra àqueles que descumprem o Ordenamento Jurídico, seja ele formal e ou informal, sendo encontrado em todos os tempos e em todas as sociedades, até mesmo nas mais liberais.
As algemas sempre estiveram ao lado do Estado e do Direito, símbolo da legalidade e da atuação contra aqueles que transgridam aos mandamentos Estatais, pois, sem elas, teríamos uma grande dificuldade para a aplicação das leis e do ordenamento jurídico. Isto é tão verdade que, em certos momentos as duas figuras se fundem, pois são sempre os agentes públicos que as aplicam, fazendo o seu mais importante uso, ou seja, lembrar ao algemado de que o Estado está presente, e a sua ação produziu um desequilíbrio social tamanho, que merece a repreenda da sociedade dominante naquele momento, bem como para inibir o detido quanto a uma reação de fuga ou de ataque aos agentes públicos que o estão custodiando.
A atividade policial como meio de prevenção e combate ao crime é exercida diuturnamente pelas forças policiais dos estados da federação e da União, em observância ao preceito constitucional regrado em seu artigo 144, no capítulo referente aos órgãos de segurança pública.
A policia tem o dever de preservação e manutenção do Estado Democrático de Direito, sem elas, o convívio não existira numa sociedade civilizada, hoje em dia o interesses difusos esta cheios de conflitos.
Esses conflitos geram desigualdades sociais,e por outro lado geram pobreza, falta de empregos, fome etc. Hoje todos nós querem ser respeitados e terem seus direitos protegidos pelo Estado. Quando um cidadão desrespeita a lei, cabe ao Estado coibir tal conduta com base no regramento jurídico vigente, impondo ao infringente uma sanção por meio do seu ius puniendi.
O Estado cumpre o seu poder de coibição através da policia, que são incumbidos da fiscalização dos deveres impostos por lei ao conjunto social, e devem respeitar e garantir os direitos e garantias fundamentais do cidadão, previstos na Carta Constitucional de 1988.
Portanto, aos órgãos policiais incumbe uma enorme responsabilidade no contexto social, referente a cada área de competência exercida por cada um deles. Como se não bastasse, exige-se do policial uma cultura profissional, aliada a higidez física e mental, autodomínio, abnegação e respeito à dignidade da pessoa humana.
Para a realização das suas atividades no campo da segurança pública, o policial possui uma superioridade que lhe é atribuída por força da Constituição Federal, seja no policiamento ostensivo, investigativa, ou rodoviário. Cada órgão possui sua competência delineada na CF e atua nos limites da sua jurisdição.
Desse modo, os órgãos policiais possuem meios de utilizar a lei nos casos em que esta for violada. Isso se a lei for desrespeitada, o policial propter oficium tomará as medidas necessárias para que o infringente seja detido, a fim de receber do Estado uma punição.
No qual o policial se depara com um fato típico e antijurídico cometido por um cidadão, logo aparece para aquele o dever de tomar providências contra o infrigente, que deve ser preso e levado à presença da autoridade competente para a lavratura do flagrante.
Assim, enquanto para o cidadão comum surge a faculdade de prender alguém em flagrante delito, para o policial, que é preposto do Estado, surge um dever, uma obrigação funcional devido ao seu status. “Art. 301. Qualquer um do povo poderá, e as autoridades policiais e seus agentes deverão, prender quem quer que seja encontrado em estado de flagrante delito”.
A atividade policial diuturna é exercida de modo sistemático pelos órgãos policiais, visando a manter e proteger o Estado Democrático de Direito, pois as pessoas esperam do ente estatal proteção aos seus direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal. E diante de tão grande responsabilidade, cabe ao policial da federação agir conforme os preceitos legais a que este está subordinado, sendo até mesmo permitido, se necessário, o uso da força para cumprir o seu dever-poder funcional, fato este, em perfeita consonância com o Estado de Direito vigente.
1.5 Origem, criação e evolução material das algemas
Sua primeira menção histórica, segundo Maurice Moser, um membro ativo da Scotland Yard, em seu artigo publicado em 1894 na Strand Magazine, vol. VII, p. 94/98, ocorreu no Século IV, antes de Cristo, quando uma força Grega derrotou os Cartagineses, ocasião em que foi encontrado com os derrotados uma grande quantidade de algemas, dispostas em carroças, as quais posteriormente foram apreendidas como espólio de Guerra. Os Cartagineses presumiam, logicamente, uma grande vitória quando planejaram levá-las.
As algemas estiveram ao redor do mundo por séculos fazendo parte da cultura e da História de todos os povos, sendo ligadas ao uso da força pra conter condenados e presos, tudo de maneira rústica e desconfortável, uma vez que eram todas de um tamanho único, compostas por simples anéis de metal que travavam numa mesma posição. Por esta razão, causavam muito desconforto e dor, principalmente para aqueles com pulsos grossos, bem como eram ineficazes quando usada para deter pessoas pequenas.
A Darby Handcuffs, produzida pela Companhia de Ferramentas Providence, era um modelo de tamanho único, que foi muito utilizada na Inglaterra, bem como em toda América.
No sítio de Internet www.handcuffs.org são encontrados vários modelos de algemas, desde as mais rudimentares até as mais modernas, usadas por diversos países ao longo do tempo, possibilitando uma viagem histórica através dos tempos e da História.
A Flexible (figura nº 1) representa um tipo comum de algemas inglesa usada no cotidiano dos detetives, da qual não se esperava uma rápida e efetiva prisão, tendo em vista a sua dificuldade de manejo e fixação nos punhos.
A SNAP (figura nº. 2) também foi muito usada na Inglaterra. Essa consistia em dois arcos, sendo que um deles, o menor, é colocado em dos pulsos do preso com um apertão, e o arco maior que é segurado pelo policial no transporte do detido.
A NIPPERS (figura nº 03) tem como elementos: simplicidade, eficácia e crueldade. Esta algema era usada na parte selvagem da América do Sul, quando os encarregados do cumprimento da lei viajavam pelo interior atrás de cativos para o trabalho escravo, correndo grandes riscos. Ela era colocada em volta dos pulsos e apertada até as presilhas estarem firmes, o que infringia grande dor ao prisioneiro.
A TWISTER (figura nº 04) faz parte do mesmo grupo de algemas da NIPPER, equipamento rudimentar para aprisionamento de pessoas e que causava muito dor, constituída por um dispositivo de ferro, em forma de T, com uma corrente fixada em laço na ponta. Neste dispositivo os punhos eram introduzidos nas correntes, e como sugere o nome, se torcia as correntes para apertar os punhos. O torcer era aumentado à medida da resistência apresentada pelo prisioneiro.
As algemas das figuras 05 e 06 são uma das primeiras tentativas de se criar uma algema com pulseiras ajustáveis aos punhos do aprisionado, com um mecanismo de trava interno utilizando-se chave.
A algema da figura n° 07 foi criada por um ingênuo detetive francês num momento em que todos procuravam a perfeição, ela é chamada La Ligote ou Le Cabriolet.
O que chama a atenção desta algema é a sua simplicidade e eficácia, utilizando o mesmo sistema preconizado pela TWISTER, que era uma corda de metal retorcido, com uma empunhadura em forma de T em dada extremidade. Há dois tipos, um composto por vários pinos de ferro entrelaçados e outra formada por cordões metálicos unidos. Qualquer tentativa de fuga era rapidamente debelada através da dor, onde o policial apertava o instrumento em torno das mãos controlando a situação. Modelo largamente utilizado na França e na Argélia. O sistema Francês foi mais efetivamente usado do que o Inglês.
As Algemas das figuras nº 08 e 09 são Mexicanas. Estas traziam como novidades o uso de um sistema de ajuste através de um pino e chave de torção. No detalhe se percebe um cadeado usado para bloquear a chave de torção.
A figura nº 10 mostra um eficiente método de algemas em casos de emergência. O policial pega um pedaço de corda e faz um nó duplo apertando os nós em volta dos pulsos do prisioneiro, e o restante da corda é amarrada em volta do corpo do aprisionado como um cinto, usando um princípio rudimentar de imobilização do prisioneiro, o mais antigo deles.
Na figura nº 11 nos mostra um outro tipo de algemas de origem Européia, provavelmente da França do século 18, e suas colônias. Ela permite uma certa mobilidade das mãos, e eram usadas por prisioneiros conduzidos através do mar. Ainda podemos perceber o uso de dois cadeados para fixar o ajuste dos punhos do prisioneiro. A figura nº 12 mostra um modelo usado mais no Leste Europeu.
Tudo isso mudou em 17 de junho de 1862, quando um inventor de nome W. V. Adams patenteou um projeto de algemas que incorporou catracas ajustáveis, com um desenho radical para a época. A foto abaixo mostra um exemplo desta algema.
Este projeto foi escolhido por Tower John, um empreendedor que começou um das mais bem sucedidas companhias americanas de algemas em 1865. As Algemas da Tower foram manufaturadas até a Segunda Guerra, e todos os modelos foram baseados na patente original de Adams.
A segunda parte da história moderna das algemas tem início alguns anos depois da patente de Adams, quando Orson C. Phelps inventou e patenteou a sua versão de astes para algemas desenhando uma nova fechadura, em 17 de julho de l.866. O desenho de Phelps trouxe as travas das pulseiras para dentro do mecanismo de travamento na ponta dos braceletes, fazendo uma fechadura mais firme e segura. O desenho abaixo mostra um exemplo de algemas fabricadas segundo o modelo de Phelps.
desenvolveram. Após as etapas iniciais de modelos e desenhos, o próprio John J. Tower criou seus modelos de algemas, fortemente influenciado pelas patentes de Phelps e Adams, até se chegar ao atual desenho de travas, a criação do botão de travamento, novos materiais a serem utilizados na confecção, diminuindo o desconforto e humanizando o seu uso, outrora doloroso e torturante.
Além dos modelos acima apresentados, existem uma outra gama de algemas, quais sejam, aquelas utilizadas para prender pé e/ou dedos, como a seguir ilustradas:
Como se vê, as algemas fazem parte da história e da cultura da humanidade, circunstância esta que demonstra que seu estudo é no mínimo interessante e no máximo indispensável para a compreensão das polêmicas e debates que atualmente referido instrumento tem suscitado.
2 Da evolução legislativa
Indispensável para a melhor compreensão do estudo a ser realizado é a exposição cronológica de toda legislação do Direito Brasileiro, bem como das normas internacionais vigentes em nosso sistema jurídico pertinentes ao tema.
2.1 As ordenações filipinas
As Ordenações Filipinas, sancionada em 1595 por Filipe I, a qual todavia só foi definitivamente mandada observar no Século XVII, em 1603, quando já reinava Filipe II, previa no seu Livro 5, Título CXX, que tratava da maneira que os Fidalgos e os Cavalheiros, e semelhantes pessoas devem ser presas, que:
“Os Fidalgos de Solar, ou assentados em nossos Livros, e os nossos Desembargadores, e os Doutores em Leis, ou em Canones, ou em Medicina, feitos em Studo universal per exame, e os Cavaleiros Fidalgos, ou confirmados per Nós, e os Cavalleiros das Ordens Militares de Christo, Santiago e Aviz, e os Escrivães de nossa Fazenda e Camera, e mulheres dos sobreditos em quanto com elles forem casadas, ou stiverem viuvas honestas, não sejão presos em ferros, senão por feitos, em que mereção morrer morte natural, ou civil.”
Ficava este seleto grupo, desde então, preso sobre sua menagem no Castelo da Cidade, ou Villa onde o feito ordenado, ou em outra caza honesta, se ahi Castello não houver, segundo arbítrio do Julgador.
Observa-se que a lei, separa, há séculos, uma casta da sociedade em detrimento de outra, criando para a especial, regalias de uma prisão distinta e sem ferros.
As Ordenações Filipinas, embora muito alteradas, constituíram a base do direito português até à promulgação dos sucessivos códigos do Século XIX, sendo que algumas disposições vigeram no Brasil até o advento do Código Civil de 1916.
2.2 O código criminal do império
O Código Criminal do Império, de 1830, disciplinava no seu Título II, Capitulo I – Da Qualidade Das Penas, e da maneira como hão de impor e cumprir, no seu artigo 44 que “a pena de galés sujeitará os réos a andarem com calceta no pé, e corrente de ferro, juntos ou separados, e a empregarem-se nos trabalhos publicos da provincia, onde tiver sido commettido o delicto, á disposição do Governo”. Contudo, excepcionava as mulheres, os menores de vinte um anos e os maiores de sessenta anos, conforme disposto no artigo 45. Ainda no referido código encontra-se a seguinte disposição no seu artigo 60:
“Se o réu for escravo, e incorrer em pena, que não seja a capital, ou de galés, será condenados na de açoites, e depois de os sofrer, será entregue ao seu senhor, que se obrigará a trazê-lo com um ferro, pelo tempo, e a maneira que o Juiz designar.”
Provavelmente, mencionada pena de galés que sujeitou os réus a andarem acorrentados deu-se em razão das revoltas contra a Coroa na época.
Acompanhante policial, de acordo com a periculosidade do passageiro, que o algemará ou não, conforme seu entendimento.
2.3 Das normas internacionais
A Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, o Pacto de San José da Costa Rica, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, bem como a Resolução da ONU de 30 de agosto de 1955 não vedam o uso de algemas, mas a utilização desta como pena ou forma de coação ao detido ou preso.
3 Da discussão sobre o uso de algemas
3.1 Uso de algemas em adolescentes infratores
Os direitos das crianças e dos adolescentes vêm sendo amplamente reconhecidos nas últimas décadas, inclusive com a publicação da Lei n° 8069/90, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Não obstante, algumas pessoas têm-se aproveitado equivocadamente desta norma, na medida em que passaram a empregar menores de idade para o auxílio ou prática de delitos, fazendo, destarte, com que a criminalidade infanto-juvenil crescesse visivelmente, principalmente nos delitos mais graves. Desta forma, aumentaram-se os procedimentos policiais envolvendo adolescentes infratores, o que acabou por gerar vários questionamentos referentes às rotinas empregadas nas prisões dos menores.
Como será demonstrado, há várias polêmicas e discussões acaloradas sobre o tema uso de algemas, e esta prática em crianças e adolescentes não foge à regra.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 1º, dispõe sobre a proteção integral dos menores, recomendando que estes gozem de proteção diferenciada, especializada e integral, possuindo direitos próprios e especiais, devido à condição peculiar de pessoas em desenvolvimento.
De acordo com o artigo 2º, são consideradas crianças as pessoas até 12 (doze) anos de idade incompletos e, adolescentes aquelas entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade.
Em seu artigo 103, o Estatuto da Criança e do Adolescente define que ato infracional é aquela conduta descrita como crime ou contravenção penal.
Pela definição finalista, crime é fato típico e antijurídico. A criança e o adolescente podem vir a cometer crime, mas não preenchem o requisito culpabilidade, pressuposto de aplicação da pena.
Isso porque a imputabilidade penal inicia-se somente aos 18 (dezoito) anos, ficando o adolescente que cometa infração penal sujeito à aplicação de medida sócio educativa por meio de sindicância.
3.2 Uso de algemas no Tribunal do Júri
Com efeito, a não regulamentação por lei do uso de algemas teve reflexos também nas sessões plenárias do Tribunal do Júri, o que acabou por gerar divergências entre aplicadores do Direito e a jurisprudência. Senão vejamos.
Há quem entenda que a utilização de algemas pelo réu no plenário do Júri acarreta desigualdade entre as partes, bem como influi no julgamento dos jurados em razão de acarretar uma má apresentação do réu. Nesse sentido opina GOMES FILHO (1992, p. 115) que:
“Esse tipo de tratamento imposto ao acusado, além de aviltar os direitos humanos mais elementares, compromete a igualdade das partes que caracteriza o processo acusatório e é condição primeira do fair hearing nos países civilizados e afirmados pelos textos internacionais, sem o qual não será possível atingir-se uma decisão correta e imparcial.”
O doutrinador ainda manifesta-se dizendo que a utilização de algemas seria capaz de acarretar uma má apresentação do acusado diante de seus julgadores que, leigos, poderiam se impressionar com a cena e, desde logo, emitirem um juízo de valor desfavorável ao réu.
4 Dos projetos de lei existentes sobre o uso de algemas
Conclusão
O desenvolvimento desta monografia teve como objetivo demonstrar não só a possibilidade do uso de algemas, mas também a necessidade de sua utilização como forma de segurança da equipe policial, de terceiros e do próprio preso.
A história demonstra que as algemas foram objeto de regulamentação das Ordenações Filipinas (século XVII), do Código Criminal do Império (1830) e do Decreto Imperial nº 4824, em 1871. Já a primeira codificação penal da República (1890) e a Consolidação das Leis Penais (1932) foram omissas quanto ao assunto, que só voltou à discussão com o advento do Código de Processo Penal de 1940, artigos 284 e 292.
Da análise dos referidos artigos do Código, se depreende que será possível utilizar-se da força ou dos meios necessários quando houver resistência à prisão ou tentativa de fuga. Assim, observa-se que a lei não emprega a palavra algemas, todavia presume-se que a força e os meios necessários compreendem o uso de algemas.
Referências
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BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, promulgada em 5 de outubro de l988. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
BRASIL. LEI FEDERAL Nº 8.096, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências.
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CARNEIRO, Rodrigo Gomes. Algemas – Isonomia e o novo projeto de lei. Disponível em
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GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Sobre o uso de algemas no julgamento pelo Júri. São Paulo: Revista Brasileira de Ciências Criminais, 1992.
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VIEIRA, Luis Guilherme. Algema – uso e abuso. Porto Alegre: Síntese, 2002.
VIEIRA, Luis Guilherme. Abuso de Autoridade – Uso de Algemas é degradante. Disponível em
XAVIER, Marina Corrêa. Dignidade presa com algemas. Disponível em:
Nota:
[1] Trabalho orientado pelo Prof. Gilberto Antônio Luiz, Advogado, Especialista em Direito Penal, Professor das Faculdades Integradas de Santa Fé do Sul – SP FUNEC
Informações Sobre o Autor
Renan Busto de Lima
Acadêmico de Direito nas Faculdades Integradas de Santa Fé do Sul SP FUNEC