Usucapião e jurisprudência

O usucapião é um instituto de grande relevância no direito brasileiro, que permite a aquisição de propriedade por meio da posse prolongada, contínua e pacífica. Ao longo dos anos, o entendimento jurídico sobre o usucapião tem sido enriquecido por diversas decisões judiciais que moldam sua aplicação prática. Essas decisões formam a chamada jurisprudência, que tem um papel fundamental na consolidação e na interpretação das normas que regem o usucapião.

Neste artigo, abordaremos a importância da jurisprudência no usucapião, analisando como as decisões dos tribunais influenciam a aplicação do instituto, as diferentes modalidades de usucapião e as principais teses firmadas pelos tribunais.

O conceito de usucapião

O usucapião é uma forma de adquirir a propriedade de um bem, móvel ou imóvel, por meio do exercício contínuo, ininterrupto e pacífico da posse, por um período de tempo previsto na lei. Esse instituto visa regularizar situações em que o possuidor de fato, embora não seja o proprietário formal do bem, age como tal e cumpre a função social da propriedade.

Existem diferentes tipos de usucapião no Brasil, como o usucapião extraordinário, ordinário, especial urbano, especial rural, e usucapião familiar, cada um com requisitos e prazos distintos. A jurisprudência exerce um papel importante na definição dos contornos práticos dessas modalidades, ajustando a aplicação das normas a casos concretos.

O papel da jurisprudência no usucapião

A jurisprudência é o conjunto de decisões reiteradas dos tribunais sobre um determinado tema jurídico. No contexto do usucapião, a jurisprudência tem um papel central, pois ajuda a esclarecer pontos de dúvida na aplicação das leis, além de uniformizar entendimentos entre os diferentes tribunais.

Os tribunais superiores, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF), têm sido responsáveis por consolidar entendimentos importantes sobre questões controversas no usucapião, como a definição de posse, os prazos de aquisição, os limites da função social da propriedade e os requisitos específicos de cada modalidade.

Através da análise de precedentes, os tribunais moldam a forma como o usucapião é aplicado, fornecendo orientações para os julgadores de instâncias inferiores e para os advogados que atuam em ações de usucapião.

Posse e jurisprudência: interpretação dos tribunais

Um dos pontos mais debatidos no usucapião é a definição e os limites da posse. A posse, para fins de usucapião, deve ser exercida de forma contínua, pacífica e com o ânimo de dono, ou seja, o possuidor deve agir como se fosse o proprietário do bem, sem reconhecer a titularidade de terceiros.

A jurisprudência tem estabelecido critérios claros para caracterizar a posse apta a gerar usucapião. Em decisões recentes, o STJ reafirmou que a posse deve ser mansa e pacífica, ou seja, exercida sem contestação, e que o âmbito de dono deve estar presente. Isso significa que o possuidor deve demonstrar, por meio de provas, que cuidou do imóvel como se fosse seu proprietário.

Outro ponto relevante da jurisprudência é a exigência de que a posse seja ininterrupta. Isso significa que, durante o período necessário para o usucapião, o possuidor não pode ter sido privado de seu direito de posse por terceiros, como proprietários ou herdeiros. A interrupção da posse pode invalidar o pedido de usucapião, conforme reiterado em várias decisões do STJ.

Função social da propriedade e usucapião

A função social da propriedade é um princípio constitucional que permeia todo o instituto do usucapião. Segundo esse princípio, a propriedade deve ser utilizada de maneira que atenda às necessidades da sociedade e do indivíduo, o que significa que o imóvel não pode ser deixado abandonado ou subutilizado.

A jurisprudência tem afirmado repetidamente que a função social da propriedade é um dos pilares do usucapião. Em várias decisões, os tribunais reconheceram o direito à usucapião para possuidores que demonstraram que o imóvel estava sendo utilizado de forma produtiva, seja para moradia, seja para atividades econômicas, enquanto o proprietário formal negligenciava o bem.

O STJ já se manifestou no sentido de que o usucapião visa garantir que a propriedade cumpra sua função social, protegendo o direito de quem realmente faz uso da terra ou do imóvel, em detrimento de proprietários que não demonstram interesse na utilização do bem. Esse entendimento é de suma importância para fortalecer o direito à moradia e a regularização fundiária.

Modalidades de usucapião e a jurisprudência

Existem diferentes modalidades de usucapião, cada uma com prazos e condições específicas. A jurisprudência tem desempenhado um papel essencial ao definir e ajustar os requisitos práticos dessas modalidades. Abaixo, analisaremos as principais modalidades e como os tribunais têm se posicionado em relação a elas.

  • Usucapião extraordinário: Essa modalidade exige o prazo de 15 anos de posse contínua e pacífica, sem necessidade de justo título ou boa-fé. A jurisprudência tem reafirmado que a posse prolongada, associada à utilização do imóvel, é suficiente para configurar o usucapião extraordinário, desde que não haja oposição de terceiros.
  • Usucapião ordinário: No caso do usucapião ordinário, que requer 10 anos de posse contínua, é necessário que o possuidor tenha justo título e boa-fé. A jurisprudência tem se debruçado sobre o conceito de justo título, afirmando que este deve ser um documento que, embora não transfira a propriedade, dá ao possuidor a aparência de que ele adquiriu o imóvel legitimamente. Quanto à boa-fé, os tribunais têm entendido que ela deve ser avaliada no momento da aquisição da posse.
  • Usucapião especial urbano: A jurisprudência tem dado grande importância ao usucapião especial urbano, previsto no artigo 1.240 do Código Civil e no Estatuto da Cidade. Para essa modalidade, o possuidor precisa ter exercido a posse contínua de um imóvel urbano de até 250 metros quadrados, por um período de 5 anos, e utilizá-lo como moradia própria ou de sua família. Decisões judiciais têm reiterado a necessidade de que o imóvel cumpra a função social, ou seja, esteja sendo utilizado para moradia.
  • Usucapião especial rural: No caso de imóveis rurais, o usucapião especial rural exige que o possuidor utilize o imóvel para fins produtivos e o faça como meio de subsistência para si e sua família. A jurisprudência tem reforçado a importância da comprovação de que a terra está sendo cultivada e não está subutilizada ou abandonada.
  • Usucapião familiar: A jurisprudência também tem abordado questões relativas ao usucapião familiar, que ocorre em casos de abandono do lar por um dos cônjuges. A posse precisa ser contínua por pelo menos 2 anos, e o imóvel deve ser utilizado para moradia da família. Decisões judiciais têm garantido esse direito a cônjuges que permaneceram no imóvel após o abandono do outro, desde que preenchidos os requisitos legais.

Jurisprudência sobre usucapião extrajudicial

A usucapião extrajudicial é uma forma de regularizar a posse de imóveis sem a necessidade de ação judicial, conforme previsto no Código de Processo Civil de 2015. A jurisprudência tem sido clara ao reafirmar que o procedimento administrativo só pode ser realizado quando não houver litígios ou disputas sobre o imóvel.

Diversas decisões dos tribunais têm reforçado a necessidade de que todos os interessados no imóvel, como confrontantes e coproprietários, concordem com o usucapião extrajudicial. Em caso de discordância ou oposição, o procedimento deve ser interrompido e a questão transferida para a via judicial.

Conclusão

A jurisprudência desempenha um papel crucial na aplicação do usucapião, fornecendo diretrizes e interpretações sobre os requisitos legais e ajustando o instituto às necessidades da sociedade. As decisões dos tribunais superiores, como o STJ e o STF, têm consolidado entendimentos sobre a posse, a função social da propriedade e os critérios específicos de cada modalidade de usucapião.

Com base na análise de casos concretos, a jurisprudência tem permitido que o usucapião seja um mecanismo eficaz para regularização de imóveis e garantia de direitos, contribuindo para a segurança jurídica e o respeito ao princípio da função social da propriedade.

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