Sim, o vigia pode ter direito ao adicional de periculosidade, mas esse direito não é automático: ele depende das circunstâncias específicas do exercício da função. A legislação trabalhista brasileira prevê o pagamento do adicional de periculosidade a trabalhadores que atuam em atividades que envolvem risco acentuado, incluindo a segurança patrimonial e pessoal, desde que a atividade envolva exposição a violência física, como assaltos ou agressões.
Neste artigo, vamos explicar com profundidade os critérios legais que determinam quando um vigia pode receber adicional de periculosidade, quais são as diferenças entre vigia e vigilante, qual a base legal e as normas regulamentadoras aplicáveis, como é feito o cálculo do adicional, o que diz a jurisprudência e quais os procedimentos para requerer esse direito.
O que é adicional de periculosidade
O adicional de periculosidade é um benefício garantido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) aos trabalhadores que exercem atividades consideradas perigosas, ou seja, que apresentam riscos à integridade física ou à vida do empregado. Está previsto no artigo 193 da CLT, que dispõe:
“São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem o contato permanente com inflamáveis, explosivos ou energia elétrica, bem como roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.”
O valor do adicional é de 30% sobre o salário-base do trabalhador e deve ser pago enquanto houver exposição ao risco.
Diferença entre vigia e vigilante
Um ponto central para entender se o vigia tem direito à periculosidade está na distinção entre as funções de vigia e de vigilante.
Vigilante é o profissional que atua na segurança patrimonial ou pessoal, geralmente em empresas de segurança privada, e está submetido à Lei nº 7.102/1983. Esse profissional passa por curso de formação, precisa de reciclagem periódica, portar arma de fogo (em muitos casos) e atuar com autorização da Polícia Federal.
Vigia, por outro lado, é aquele trabalhador que exerce função de fiscalização ou guarda de bens, imóveis ou estabelecimentos, mas sem os requisitos legais impostos aos vigilantes. O vigia geralmente atua de forma passiva, não tem porte de arma e não passou por curso específico de segurança.
Portanto, embora exerçam funções semelhantes, a legislação trata essas atividades de forma diferente. E isso impacta diretamente na análise do direito ao adicional de periculosidade.
Quando o vigia tem direito ao adicional de periculosidade
Embora a CLT, em seu artigo 193, mencione expressamente o direito ao adicional de periculosidade para os profissionais de segurança pessoal ou patrimonial, o entendimento consolidado pela jurisprudência é que esse direito se aplica aos vigilantes regularmente habilitados e registrados na Polícia Federal, e não automaticamente a todos os vigias.
No entanto, há exceções. O vigia pode ter direito ao adicional de periculosidade se:
- Exercer efetivamente atividade de segurança patrimonial ou pessoal, ainda que a nomenclatura do cargo seja “vigia”.
- Estiver exposto ao risco de violência física, como furtos, assaltos ou agressões, especialmente durante o turno noturno.
- Houver comprovação da natureza perigosa da função por meio de laudo pericial, mesmo sem porte de arma.
- Utilizar algum tipo de arma (mesmo que não letal), como cassetete ou arma de choque, e for incumbido de impedir acessos, coibir invasões e proteger pessoas ou patrimônio.
Assim, o direito ao adicional dependerá da realidade da função exercida e não apenas do nome do cargo registrado na carteira de trabalho.
Base legal e interpretação do artigo 193 da CLT
O artigo 193 da CLT sofreu alterações importantes com a Lei nº 12.740/2012, que incluiu os profissionais de segurança entre os que podem receber o adicional de periculosidade. Com essa alteração, o dispositivo passou a incluir expressamente as atividades de risco relacionadas à segurança patrimonial ou pessoal.
No entanto, a jurisprudência firmou entendimento de que a norma tem destinatários específicos: os vigilantes devidamente registrados e habilitados, que atuam com base na Lei nº 7.102/1983.
Entretanto, em alguns casos, a Justiça do Trabalho tem flexibilizado esse entendimento e reconhecido o direito ao adicional de periculosidade para vigias, desde que fique comprovado que a função apresenta os mesmos riscos enfrentados por vigilantes armados.
O papel da jurisprudência no reconhecimento ao direito
A jurisprudência brasileira sobre o tema é bastante rica e mostra que, em muitos casos, a Justiça reconhece o direito ao adicional de periculosidade a vigias que, embora não sejam formalmente vigilantes, exercem funções de proteção patrimonial e estão sujeitos aos mesmos riscos.
Veja um exemplo de decisão favorável:
“Ainda que o trabalhador não possuísse formação como vigilante, a prova testemunhal e o laudo pericial comprovaram que ele desempenhava funções típicas de segurança patrimonial, com risco acentuado de violência física, sendo devido o adicional de periculosidade.”
(TRT-4 – Processo nº 0020732-68.2019.5.04.0731)
Outro exemplo:
“A nomenclatura do cargo não pode afastar o direito ao adicional de periculosidade se a atividade efetivamente exercida envolve risco à integridade física do trabalhador.”
(TST – RR-11296-61.2015.5.03.0071)
Esses julgados evidenciam que o que importa é a natureza da atividade exercida na prática, e não o título do cargo ou a ausência de registro como vigilante.
A importância do laudo pericial
Para que o direito ao adicional de periculosidade seja reconhecido judicialmente, é essencial que seja feita uma perícia técnica, geralmente determinada pelo juiz em uma ação trabalhista.
O perito analisa as atividades do trabalhador e o ambiente de trabalho para verificar se há, de fato, risco de violência física. Os pontos observados incluem:
- Localização do posto de trabalho (zona de risco, regiões violentas)
- Natureza das funções exercidas (se inclui impedir invasões, controlar entradas e saídas, atuar em situações de risco)
- Condições de segurança do local (câmeras, grades, iluminação)
- Equipamentos fornecidos ao vigia
- Registro de ocorrências (assaltos, furtos ou ameaças anteriores)
Se o laudo pericial concluir que o vigia está exposto a risco acentuado, mesmo sem ser vigilante armado, o juiz pode conceder o adicional de periculosidade.
Cálculo do adicional de periculosidade
O adicional de periculosidade é de 30% sobre o salário-base do trabalhador, conforme o artigo 193, §1º, da CLT. Não entram na base de cálculo:
- Horas extras
- Adicional noturno
- Quebra de caixa
- Comissões ou prêmios
Exemplo:
Se um vigia recebe R$ 1.800,00 de salário-base, o adicional de periculosidade será de R$ 540,00, totalizando R$ 2.340,00 mensais.
Além disso, o adicional reflete nas seguintes verbas:
- Férias + 1/3 constitucional
- 13º salário
- FGTS
- Aviso prévio
- Verbas rescisórias
Portanto, sua ausência impacta diretamente na remuneração e direitos do trabalhador.
Como o vigia pode requerer o adicional
Se o vigia entende que sua atividade apresenta risco à integridade física, mas não recebe o adicional de periculosidade, ele pode tomar as seguintes medidas:
- Diálogo com o empregador: a primeira tentativa pode ser administrativa, solicitando o pagamento com base no artigo 193 da CLT.
- Denúncia ao Ministério do Trabalho: o trabalhador pode fazer uma denúncia para que haja fiscalização no local.
- Ação judicial trabalhista: o meio mais eficaz, especialmente quando o empregador se recusa a pagar. O trabalhador pode ingressar com ação requerendo:
- O pagamento retroativo do adicional
- Reflexos nas verbas trabalhistas
- Atualização monetária e juros
- Honorários de sucumbência (em alguns casos)
Na ação, será realizada perícia técnica para comprovar o risco da atividade.
Casos em que o adicional pode ser suspenso
O adicional de periculosidade é devido enquanto durar a exposição ao risco. O pagamento pode ser suspenso quando:
- O trabalhador for transferido para atividade sem risco
- Houver alteração no local de trabalho, eliminando o risco
- A empresa adotar medidas que eliminem ou neutralizem os riscos (embora, no caso de violência física, isso seja mais difícil de ocorrer)
Importante observar que a simples mudança de título do cargo não elimina o direito se as atividades exercidas permanecerem as mesmas.
Diferenças com outros adicionais
É comum que haja confusão entre o adicional de periculosidade e o adicional de insalubridade. Vale ressaltar:
- Periculosidade: risco iminente de morte ou lesão grave (violência, eletricidade, explosivos).
- Insalubridade: exposição a agentes nocivos à saúde (ruído, calor, produtos químicos).
O vigia pode ter direito a um ou a outro, mas não simultaneamente, salvo exceções com decisão judicial específica. Em geral, o adicional de periculosidade é mais vantajoso.
Responsabilidade do empregador e penalidades
A empresa que não paga o adicional de periculosidade quando devido está sujeita a:
- Ação fiscalizatória do Ministério do Trabalho
- Multas administrativas
- Condenação judicial
- Obrigação de pagamento retroativo com juros e correção
- Pagamento de indenizações, em alguns casos
Além disso, a conduta pode configurar violação aos princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho, previstos na Constituição Federal.
Perguntas e respostas
Todo vigia tem direito ao adicional de periculosidade?
Não. O direito depende da exposição habitual e permanente a risco de violência física. Deve ser comprovado que a função envolve risco semelhante ao do vigilante.
Qual a diferença entre vigia e vigilante?
O vigilante é profissional formado, com porte de arma e registrado na Polícia Federal. O vigia exerce atividades semelhantes, mas sem formação específica e, geralmente, sem porte de arma.
O título da função na carteira de trabalho impede o direito ao adicional?
Não. O que importa é a atividade efetivamente exercida. Se o vigia atua como vigilante, o direito pode ser reconhecido mesmo com outro nome de cargo.
É preciso fazer perícia para receber o adicional?
Sim, na maioria das ações judiciais a perícia é essencial para comprovar o risco da atividade.
Qual o valor do adicional?
30% sobre o salário-base. Não incide sobre adicionais ou comissões.
O adicional integra outras verbas trabalhistas?
Sim. Ele reflete em férias, 13º, FGTS e verbas rescisórias.
Posso pedir retroativo se nunca recebi o adicional?
Sim. O prazo prescricional é de até 5 anos. Pode-se pedir os valores dos últimos cinco anos anteriores à ação.
Conclusão
O vigia pode, sim, ter direito ao adicional de periculosidade, desde que sua função envolva risco real à integridade física, especialmente por exposição à violência. Embora a legislação e parte da jurisprudência sejam mais favoráveis ao vigilante armado, cada caso deve ser analisado com base na realidade prática das atividades exercidas.
A Justiça do Trabalho tem reconhecido esse direito em diversas situações, principalmente quando a prova testemunhal e pericial demonstram que o vigia exerce funções típicas de segurança patrimonial. O trabalhador deve estar atento aos seus direitos e buscar orientação jurídica para garantir o recebimento do adicional, quando cabível.
Garantir o pagamento do adicional de periculosidade não é apenas uma questão legal, mas também de valorização da função do vigia, que frequentemente enfrenta riscos invisíveis, mas reais, no seu dia a dia de trabalho.