Sumário: I- Introdução; II- Caso Concreto; II.1-Atividade de auxiliar de enfermagem; II.2-Supervisão do enfermeiro; II.3- Registro no COREN; II.4 Da Contravenção Penal; II.5- Da jurisprudência; III- Vínculo empregatício; IV- A audiência; V- Conclusão.
I- Introdução
Após alguns anos de militância na advocacia percebemos a grande importância, dificuldade e grandeza desta profissão. Para se tornar um grande advogado não basta somente estudar, escrever, participar de encontros, proferir palestras, tem que ser BOM.
Por isso, digo a estagiários do escritório, alunos na universidade e demais profissionais que é necessário primeiramente, para a formação e escolha do caminho que o bacharel pretenda seguir, o exercício da advocacia preferencialmente acompanhado por um advogado já estabelecido em um escritório ou banca para que possa estar apto a exercer seu mister como promotor, procurador, juiz, etc.
Digo isso para relatar um caso interessante ocorrido recentemente em nosso escritório envolvendo questão onde se discutia o tipo de vínculo trabalhista exercido pela reclamante e que ilustra bem os caminhos que o causídico precisa percorrer para a defesa e satisfação de seu cliente.
II-Caso Concreto
A história começou quando fomos procurados por um de nossos clientes que relatou haver recebido uma notificação da Justiça do Trabalho acompanhada de reclamação trabalhista de sua ex-empregada onde a mesma pleiteava diferenças salariais e diversos outros direitos. Nela reclamava a equiparação a auxiliar de enfermagem, pois, por ter diploma de auxiliar de enfermagem e trabalhar cuidando de enfermo na residência de nosso cliente, teria direito a todas as diferenças uma vez que o reclamado pagava apenas um salário mínimo a reclamante.
Para obter êxito em sua empreitada a reclamante ainda colacionou duas jurisprudências para embasar sua pretensão. A primeira sobre ônus da prova que admite que quando reconhecida à relação de emprego cabe ao reclamado o ônus de provar a verdadeira relação existente transferindo assim a obrigação de provar e a segunda, no sentido de demonstrar que os requisitos formais existentes para o exercício da atividade de auxiliar de enfermagem não seriam imprescindíveis para o reconhecimento de vínculo. Vejamos os julgados:
Relação de emprego – ônus da prova- Admitida a prestação de serviço, o ônus de comprovar que a relação havida entre as partes não é de emprego é da reclamada, nos termos do art. 818 da CLT c/c art. 333, II, do CPC, a qual deveria demonstrar a inexistência dos requisitos dos artigos 2º e 3º da CLT. Em caso não o fazendo, prevalece a conclusão da existência do vínculo empregatício havido entre as partes. (TRT 3A R-RO 13.389/99 – 4A T. Rel. Juiz Rodrigo Ribeiro Bueno- DJMG 26.02.2000- p.10)
DIFERENÇAS SALARIAIS- AUXILIAR DE ENFERMAGEM- ART.11 DO DECRETO Nº 94.406/87- Hipótese em que a comprovação do exercício das funções previstas no art. 11 do Decreto nº 94.406/87, por si só, é suficiente a autorizar o pagamento do piso salarial do auxiliar de enfermagem ao exercente, na prática, deste cargo. Prescindibilidade do preenchimento dos requisitos formais previstos para o exercício do cargo em apreço, para o reconhecimento do desvio de função e determinação do pagamentos das diferenças salariais postuladas na inicial. (TRT 4ª T. – Rel ª Juíza Conv. Beatriz Renck- J.26.09.2002).
Diante das argumentações, documentações e decisões juntadas na inicial presumia-se que a reclamante tinha direito as diferenças salariais e reflexos em todas as verbas trabalhistas, porém como defensor dos interesses de nosso cliente temos a obrigação de pesquisar e confeccionar contestação que neutralize as pretensões da reclamante que à princípio seriam procedentes.
Como já falamos no início para exercer a advocacia não bastam conhecimentos comuns a todo e qualquer bacharel. Ë preciso pensar, encontrar soluções jurídicas, investigar os fatos e analisar a situação respeitando sempre é claro, o Código de Ética da Ordem do Advogados.
Para derrubarmos então referidos pleitos constantes na reclamação inicial necessitamos analisar e contestar cada argumento isoladamente para alcançar o objetivo conforme poderemos constatar nos tópicos seguintes.
II.1-Atividade de auxiliar de enfermagem
A reclamante aduziu que, em virtude de possuir o curso de auxiliar de enfermagem e de exercê-lo ao acompanhar a esposa do reclamado em sua higiene pessoal e alimentação, medicações, verificação de pressão arterial e acompanhamento em todas atividades, inclusive na fisioterapia, tinha direito a receber o mesmo piso salarial de um auxiliar de enfermagem.
Na oportunidade pudemos observar preliminarmente que as atividades delineadas na inicial em nenhum momento lembravam as privativas de um auxiliar de enfermagem descritas no Decreto Nº 94.406, de 08 de junho de 1987 (Regulamenta a Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre o exercício da Enfermagem, e dá outras providências) que as enumera no seguinte artigo:
Art. 11 – O Auxiliar de Enfermagem executa as atividades auxiliares, de nível médio atribuídas à equipe de Enfermagem, cabendo-lhe:
I – preparar o paciente para consultas, exames e tratamentos;
II – observar, reconhecer e descrever sinais e sintomas, ao nível de sua qualificação;
III – executar tratamentos especificamente prescritos, ou de rotina, além de outras atividades de Enfermagem, tais como:
ministrar medicamentos por via oral e parenteral;
realizar controle hídrico;
fazer curativos;
d) aplicar oxigenoterapia, nebulização, enteroclisma, enema e calor ou frio;
e) executar tarefas referentes à conservação e aplicação de vacinas;
f) efetuar o controle de pacientes e de comunicantes em doenças transmissíveis;
g) realizar testes e proceder à sua leitura, para subsídio de diagnóstico;
h) colher material para exames laboratoriais;
i) prestar cuidados de Enfermagem pré e pós-operatórios;
j) circular em sala de cirurgia e, se necessário, instrumentar;
l) executar atividades de desinfecção e esterilização;
IV – prestar cuidados de higiene e conforto ao paciente e zelar por sua segurança, inclusive:
a) alimentá-lo ou auxiliá-lo a alimentar-se;
b) zelar pela limpeza e ordem do material, de equipamentos e de dependência de unidades de saúde;
V – integrar a equipe de saúde;
VI – participar de atividades de educação em saúde, inclusive:
a) orientar os pacientes na pós-consulta, quanto ao cumprimento das prescrições de Enfermagem e médicas;
b) auxiliar o Enfermeiro e o Técnico de Enfermagem na execução dos programas de educação para a saúde;
VII – executar os trabalhos de rotina vinculados à alta de pacientes:
VIII – participar dos procedimentos pós-morte.
Portanto não havia praticamente, nenhuma semelhança entre a atividade exercida pela reclamante com a de auxiliar de enfermagem.
II.2-Supervisão do enfermeiro
Outro pressuposto para o exercício de auxiliar de enfermagem é o previsto na Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986 que dispõe sobre a Regulamentação do Exercício da Enfermagem, e dá outras Providências que entende necessária a supervisão de um enfermeiro. Vejamos:
Art. 13 – O Auxiliar de Enfermagem exerce atividades de nível médio, de natureza repetitiva, envolvendo serviços auxiliares de enfermagem sob supervisão, bem como a participação em nível de execução simples, em processos de tratamento, cabendo-lhe especialmente.
Percebemos então que em nenhum momento houve a intervenção, supervisão ou auxílio de qualquer enfermeiro descaracterizando assim a pretensão da reclamante em pleitear piso salarial da categoria.
II.3- Registro no COREN
Soma-se a tudo isso o fato de que a reclamante não possuía registro no Conselho Regional de Enfermagem do Pará e, portanto não estava habilitada a exercer esta profissão nos termos do Decreto nº 94.406, de 08 de junho de 1987 que Regulamenta a Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre o exercício da Enfermagem, e dá outras providências. Conforme artigo transcrito abaixo:
Art. 1º – O exercício da atividade de Enfermagem, observadas as disposições da Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986, e respeitados os graus de habilitação, é privativo de Enfermeiro, Técnico de Enfermagem, Auxiliar de Enfermagem e Parteiro e só será permitido ao profissional inscrito no Conselho Regional de Enfermagem da respectiva região.
Bem como o previsto da Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986 que dispõe sobre a regulamentação do exercício da enfermagem, e dá outras Providências em seu artigo 1º. Dispõe:
Art. 1º – É livre o exercício da Enfermagem em todo o Território Nacional, observadas as disposições desta Lei.
Art. 2º – A Enfermagem e suas atividades auxiliares somente podem ser exercidas por pessoas legalmente habilitadas e inscritas no Conselho Regional de Enfermagem com jurisdição na área onde ocorre o exercício.
Portanto, pudemos observar que a reclamante não poderia exercer a atividade de auxiliar de enfermagem sob o aspecto legal por não estar habilitada no Conselho regional de Enfermagem. Mas para que isso ocorre-se anexamos declaração do COREN negativando sua inscrição para comprovar a falta de habilitação para a atividade.
II.4 Da Contravenção Penal
Argumentamos também que a afirmação da reclamante na inicial de que exercia os mesmos atos e, portanto, faria jus as diferenças de um auxiliar de enfermagem constituia contravenção penal capitulada no artigo 47 da LCP, Decreto- Lei 3.688 de 03 de outubro de 1941 pelo exercício ilegal de profissão ou atividade. Vejamos:
Art. 47 – Exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício:
Pena – prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, ou multa.
Assim, restou provado que a reclamante nem exercia e muito menos poderia exercer a atividade de auxiliar de enfermagem por não desempenhar referida atividade além de, como demonstrado, não ter autorização legal para tanto.
II. 5- Da jurisprudência
A decisão colacionada na reclamação proferida pela Juíza do TRT da 4º. Região não tinha nenhuma semelhança com o caso em questão pois a reclamante no processo litigava contra um Hospital que não possuía quadro de carreira e utilizava dos serviços da reclamante que era efetivamente auxiliar de enfermagem para obter lucro conforme acórdão na íntegra.
Portanto foi necessário que nós averiguássemos o acórdão em seu inteiro teor para que pudessemos descaratecterizá-lo para o caso em epígrafe.
III-Vínculo empregatício
Após as argumentações acima estabelecidas nos restou reconhecer que a reclamante nada mais era do que uma empregada doméstica regida pela Lei nº 5.859/72, regulamentada pelo Decreto nº 71.885/73, tendo seus direitos elencados na Constituição Federal/1988 no parágrafo único do artigo 7º pois prestava serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa ao reclamado no âmbito residencial deste.
Conforme pudemos constatar na jurisprudência dominante a natureza desse serviço realizado pela reclamante era a de empregada doméstica. Vejamos:
“os serviços prestados na residência do empregador, como acompanhante de enfermo que integra a família respectiva, sem qualquer finalidade lucrativa, por parte do tomador dos serviços, enquadra-se na definição do art. 1º., da lei n 5.859, de 11.12.72, pouco importando se realizava funções semelhantes as de auxiliar de enfermagem. A natureza do vínculo, em tais casos, é doméstico (RO 0128/98, Amaury Rodrigues pinto Junior, ac. Tp 0981/98)(1)
Assim como os senhores podem perceber constestamos item por item. Veja: a) A atividade declinada na reclamação trabalhista era diferente da exercida por um auxiliar de enfermagem; b) Exige a lei a supervisão de um enfermeiro; c) a lei exige o registro no Conselho Regional de enfermagem; d) A reclamante exercendo a profissão estava cometendo uma contravenção penal; e) A jurisprudência colacionada não trazia consigo situação semelhante em virtude da reclamante naquele processo executar serviços em um Hospital; f) A juntada de jurisprudência que vai de encontro com nossa contestação.
IV-A audiência
No dia da audiência como já previamos o juiz, como vem se tornando comum em audiências trabalhistas, fez um pré-julgamento onde rapidamente indicou o que iria decidir, no sentido de reconhecer o vínculo domestico e não o de auxiliar de enfermagem em virtude do reclamado não ter fins lucrativos e o serviço ter sido prestado no ambiente familiar.
Ultrapassada esta fase em nossa opinião deveria o julgamento ser no sentido de reconhecer o vínculo doméstico e ordenar a assinatura da CTPS e condenar o reclamado ao pagamento das verbas resilitórias. No entanto, por sugestão do juiz as partes conciliaram fazendo um acordo pecuniário por mera liberalidade. Outra prática condenável porém corriqueira na Justiça do Trabalho é a de permitir que vinculos empregatícios reconhecidos sejam transacionados já que, em nossa concepção, devem haver limites nos acordos e, quando houver reconhecimento de relação de emprego a CTPS deverá ser necessariamente assinada por tratar-se de norma de ordem pública não sujeita a vontade das partes e muito menos a do juiz da causa.
V-Conclusão
Em resumo nesse caso, nem os direitos reconhecidos pelo reclamado foram pagos de forma regular. Se reconhecido pelo juízo o vínculo doméstico a reclamante teria direito a valores superiores ao acordado. Portanto, a reclamante somente teve prejuízos, perdeu o reconhecimento do vínculo de auxiliar de enfermagem, o vínculo de doméstica e ainda recebeu menos do que deveria realmente tudo, com a benção do juízo.
Outro fato interessante que não podemos deixar de mencionar é que para o cliente muitas vezes o advogado não teve trabalho nenhum, pois realizou um acordo na Justiça que ele mesmo poderia ter feito por intermédio do jus postulandi, no entanto muitos não sabem que para conseguirmos vantagens e acordos irrisórios desta natureza há necessidade de todo o trabalho de pesquisa, conhecimento, coleta de provas, enfim tudo que ora foi apresentado para induzir o reclamante a aceitar o acordo.
Por fim esperamos que esta exposição sirva para nortear aqueles que desejam seguir a profissão de advogado bem como valorizar sua atuação tão necessária e decisiva na solução de litígios e consecução da justiça.
Informações Sobre o Autor
Mário Antônio Lobato de Paiva
Advogado em Belém; sócio do escritório Paiva & Borges Advogados Associados; Sócio-fundador do Instituto Brasileiro da Política e do Direito da Informática – IBDI; Presidente da Comissão de Estudos de Informática Jurídica da OAB-PA; Conferencista