Violência contra a mulher transgênero: Para além da agressão física

Resumo: A situação em que vivem as mulheres transgêneros no Brasil é assustadora. É um grupo com 90% de seus membros se prostituindo, expectativa de vida não superior a trinta e cinco anos e que mora no país que mais mata a população trans no mundo. Esse artigo tem por objetivo apontar a realidade opressora a que está submetida a transgênero no Brasil em situações que transcendem à violência física, mas que servem como seus alicerces, chamadas aqui de violência psicológica baseada no conceito de violência simbólica do renomado sociólogo francês Pierre Bourdieu. Esta violência psicológica foi aqui subdividida em social, institucional e linguística, observando suas variações conforme o poder aquisitivo da violentada. Utilizando-se de estudos de Maria Berenice Dias e Berenice Bento, pesquisadoras do Direito Civil e Ciências Sociais, foi possível expor dificuldades encontradas por elas sob o viés jurídico-social e, mirando propostas legislativas, especificamente o Projeto de Lei 5.002/2013 e o Estatuto da Diversidade Sexual, conclui-se que para garantir sua plena humanização, faz-se necessário a combinação do dispositivo legal com a representatividade social.[1]

Palavras-chave: Mulher transgênero; Violência simbólica; Brasil;

Abstract: The situation of transgender women living in Brazil is scary. They are a group witch 90% of it’s members prostitute themselves, have life expectation less than thirty-five years and live in the country with the highest level of trans population murder in the world. The objective of this article is pointing their oppressive reality in situations above the physical violence, working as it foundation, called here psychological violence based on the reputed sociologist Pierre Bourdieu’s symbolic violence concept. This kind of violence was subdivided in social, institutional and linguistic, observing the way it varies according to their purchasing power. Using Maria Berenice Dias’s and Berenice Bento’s previous studies, Civil Rights and Social Sciences’s researchers, it was possible to expose the difficulties faced by trans women under the juridical and social bias, and at last, inspecting law projects in transit, specifically 5.002/2013 and Sexual Diversity Statute, concludes that to guarantee their full humanization, is necessary to combine the prescript with social representative.

Keywords: Transgender woman; Symbolic violence; Brazil;

Sumário: Introdução. 1. Realidade opressora. 2. Violência psicológica. 2.1. Social. 2.2. Institucional. 2.3. Linguística. 3. Ponderação conforme o poder aquisitivo. 4. Avanços no Brasil. Conclusão. Referências.

Introdução
Alarmantes dados obtidos pela organização não governamental Transgender Europe (TGEU), rede europeia de organizações que apoiam os direitos da população transgênero[2], apontam que o Brasil é o país que mais mata transexuais e travestis no mundo (CAZARRÉ, 2015). Os altos índices de violência física aparecem como justificativa para uma investigação que tem por objetivo analisar as bases que acarretam na violência extrema contra o grupo, colocando o Brasil no topo dessa lista.

Estabelecendo uma conexão com o conceito de violência simbólica de Pierre Bourdieu, aquela que age silenciosamente, quase imperceptível e penetra na própria ideia da dominada, esta face da violência investigada foi aqui denominada de psicológica e subdividida no plano social, institucional e linguístico, auferindo-se também a maneira com que as agressões variam conforme o poder aquisitivo da violentada.

Analisando a acusação de Bourdieu a respeito da binariedade do masculino e feminino em que a sociedade se baseia, combinando suas ideias com as de uma das principais teóricas do feminismo na atualidade, Judith Butler, pode-se trazer para o grupo das transgêneros as complicações oriundas dessa predeterminação.
Utilizando de estudos de autoras renomadas do Direito Civil como Maria Berenice Dias e pesquisadoras no ramo das Ciências Sociais, infere-se que esses indivíduos permanecem à margem da sociedade civil. As trangêneros, seja transexual ou travesti, permanecem excluídas, sofrendo preconceito direta ou indiretamente por diversas esferas sociais.

Ao verificar as propostas em trânsito no Brasil que visam combater alguns aspectos da violência sofrida por mulheres transgêneros, especificamente o Projeto de Lei 5002/2013 – João W. Nery: Lei de Identidade de Gênero e o Estatuto da Diversidade Diversidade Sexual, elaborado pela Comissão Especial da Diversidade Sexual do Conselho Federal da OAB, pode-se notar que estamos caminhando lentamente visando a humanização dessas pessoas ao propor garantia de direitos à expressão de sua individualidade e amenização da violência sofrida.

A pesquisa tem natureza bibliográfica, buscando fundamentos em pesquisadoras do Direito Civil, baseando-se particularmente em Maria Berenice Dias e sua obra “Homoafetividade e os direitos LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e Intersexuais)”, e de Ciências Sociais, principalmente Berenice Bento.

Além disso, utilizou-se de dados coletados na imprensa digital, como o jornal O Estado de São Paulo, Revista Fórum, Carta Capital e Agência Brasil, bem como projetos de legislação em trâmite no país.

1. Realidade opressora

A população transgênero, sob toda a construção histórica da cultura propriamente brasileira, formou-se marginalizada, permanecendo, via de regra, excluída do convívio social. Segundo dados da ANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transexuais, atualmente 90% das mulheres trans no Brasil estão se prostituindo (LAPA, 2013).

Atualmente, segundo o doutor em psicologia social Pedro Sammarco, autor do livro “Travestis Envelhecem”, a expectativa de vida desse grupo social não passa dos 35 anos, aproximando-se de taxas comparadas às sociedades mais primitivas da história, enquanto no geral a expectativa de vida do brasileiro é de 75,2 anos, conforme o estatísticas do IBGE em relação a 2015 (FUHRMANN; LONGO, 2016). Nestes dados pode-se considerar todos os fatores negativos a que estão submetidas enquanto maioria na condição de garota de programa, como doenças, assédio e violência. Ainda, nota-se a presença do crime de ódio, onde as transgêneros assassinadas são frequentemente encontradas com muitas perfurações de bala ou facadas e notório espancamento e/ou abuso.

2. Violência psicológica

Paralelamente, apresenta-se a violência psicológica, que pode ser tratada como base da agressão física, como o estágio inicial nessa cronologia da violência até ser consumada em seu nível mais extremo pelas mãos do agressor, subdividida aqui em social, linguística e institucional.

A teoria da dominação do homem sobre a mulher formulada por Bourdieu trata em um de seus pontos principais o conceito de violência simbólica, que foge à utilização de violência física, representando a violência constituída por atitudes e posições historicamente empregadas a cada gênero. “Violência suave, insensível, invisível as suas próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento, ou, mais precisamente, do desconhecimento, do reconhecimento, ou, em última instância, do sentimento” (BOURDIEU, 2016, p. 12).

Pode-se trazer a violência simbólica contra mulher também para o plano das agressões a que as transgêneros femininas estão submetidas. Em sua análise, Bourdieu acusa a ideia de um pensamento instaurado na sociedade baseado na binariedade, que trata do masculino e feminino como únicas maneiras de designação possível, afirmando ser uma das bases da opressão.

2.1 Social

A violência social é instaurada na vida da transgênero desde seus primeiros anos de vida. A sociedade funda-se em uma determinação binária de sexos (feminino e masculino), e desde antes do momento do nascimento do ser humano lhe é relacionado também o gênero, atribuindo-se a forma como deve-se viver, vestir-se, portar-se e até sentir. “A hipótese de um sistema binário dos gêneros encerra implicitamente a crença numa relação mimética entre gênero, na qual o gênero reflete o sexo ou é por ele restrito”. (BUTLER, 2003, p. 24).

Já em fase adolescente e adulta, quando a trans já tiver exteriorizado sua disforia de gênero, os empecilhos tornam-se maiores e mais frequentes. São afetados os relacionamentos interpessoais em todas as esferas de convívio social, vítimas de preconceitos na vizinhança, no ambiente escolar, profissional e no seio da família, notando-se que, portanto as pessoas transgênero sofreram marginalizações múltiplas, sem recursos e tampouco familiaridade com instituições civis, e restam mais uma vez à margem do Estado. Muitas abandonam a escola, não frequentam hospitais não fazem carteira de identidade e evitam se socorrer dos órgãos públicos pelo medo de serem tratadas com desrespeito à sua identidade e expressão de gênero (DIAS, 2014, p. 269).

É possível afirmar que, excetuando casos raros, a prostituição é uma válvula de escape unicamente movida pela necessidade; o único modo para garantir o sustento dentro da sociedade capitalista. Posto que a grande maioria das transgêneros encontra-se em situação de prostituição, relaciona-se involuntariamente, portanto, a imagem da trans à promiscuidade, contribuindo cada vez mais para sua opressão diante da sociedade civil.

2.2 Institucional

 Outrossim, existe a violência institucional que o próprio sistema aplica. Hoje, para uma transexual realizar a cirurgia de redesignação do sexo psicológico ao biológico, denominada transgenitalização, exige-se atestado de que o paciente é portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo, com tendência a automutilação ou ao autoextermínio. O paciente deve pelo período de dois anos, submeter-se a acompanhamento de equipe interdisciplinar formada por médico psiquiatra, cirurgião, psicólogo e assistente social. Somente após o diagnóstico médico de transgenitalismo é que a cirurgia pode ser realizada (DIAS, 2014, p. 275). Ainda que o Estado brasileiro ofereça pelo Sistema Único de Saúde a cirurgia gratuita aos cidadãos que se submeterem aos procedimentos propostos, enfrentam a morosidade do sistema devido ao grande número de pacientes, submetidos ao tempo de espera de até doze anos (DIÓGENES & PALHARES, 2016).

Ainda, caminha a jurisprudência no sentido de negar a alteração do nome de registro civil pelo nome social, aquele pelo qual é conhecida na sociedade, quando não houver ocorrência da cirurgia de transgenitalização, revelando a responsabilidade também do poder judiciário na violência psicológica/simbólica institucional. Verifica-se em sentença proferida por um magistrado na comarca de Piracicaba no ano de 2014: “O requerente é pessoa do sexo masculino e, como visto da inicial, não se submeteu a procedimento cirúrgico para retirada total de seus órgãos genitais, a chamada "transgenitalização" mesmo que sua aparência (fl. 11) e, provavelmente, comportamento, sejam típicos das mulheres, e ainda que padeça os aborrecimentos informados na inicial (para abrir conta bancaria e utilizar sanitários públicos, fl. 02), do que igualmente não se descrê, no plano biológico ainda é pessoa do sexo masculino, e, como tal, assim deve ser conhecida”. (Piracicaba, 2014)

Decisões mais recentes já caminham no sentido oposto da maioria dos magistrados, permitindo a alteração do nome sem cirurgia, mas é clara a necessidade de avanço nesse sentido. Constata-se que neste caso deve ser respeitado também o direito que as pessoas têm de não desejar remodelar seu órgão sexual, como o caso das travestis, mas, ainda sim, adequar seu nome, visando maior ser tratada com maior respeito diante da coletividade.

2.3 Linguística

Já no plano da linguagem, o termo mais adequado, que não remete à opressão sofrida, nem a qualquer espécie de distúrbio mental, seria “transexualidade” e não “transexualismo”, comumente utilizado ao referir-se às transexuais. Em segundo lugar, transexuais ou travestis femininas sentem-se frequentemente ofendidas ao serem tratadas por pronomes referentes ao gênero oposto. Desta forma, é possível citar a entrevista da transexual Valkíria Santos ao Jornal da Tribuna do Brasil em 2006: “É horrível nos sentirmos mulheres, vivermos como mulheres, em alguns casos passar pela cirurgia, mas ser vista como homem. Estou com os papéis prontos para dar entrada na mudança de nome. A operação não era o mais importante, mas melhorou muito minha vida. A primeira vez que fiz xixi como mulher, foi um alívio. Estou mais leve, me libertei de um corpo que não era meu”. (BENTO apud SANTOS, 2008, p. 74)

Além do mais o sufixo ­ismo na língua portuguesa é frequentemente utilizado para designação de patologias e condições adversas, como bruxismo, tabagismo e alcoolismo e, como sabe-se, a Organização Mundial de Saúde considera ainda o transexualismo como doença, portanto, passível de tratamento, conforme o CID-10 (Código Internacional de Doenças).

No mesmo sentido, mescla-se com a institucional, pois nas decisões cujos magistrados indeferem os pedidos de alteração do nome diante de variadas evidências de que a pessoa pertence e se enxerga como sendo do gênero oposto, nota-se clara violação à dignidade da pessoa humana, prevista no artigo 5° da Constituição Federal. Posto que o nome é a representação da pessoa no seio da sociedade, a forma como é conhecida em seus ambientes e, na medida em que o nome que lhe foi atribuído sem seu consentimento lhe expõe ao ridículo e à situação vexatória, dever-se-ia ter o direito expresso de alterá-lo, respeitando a forma como enxerga a si própria.

3. Ponderação conforme o poder aquisitivo

Dessarte, nota-se que a violência tem variação conforme a renda da pessoa que sofre a agressão. As mulheres trans que não tem outra forma de sustento que não a prostituição, estão muito mais expostas à violência física, por enfrentar dia-a-dia a intolerância nas ruas, como também à violência psicológica, quando posta em comparação às ricas. De maneira que a cirurgia de transgenitalização é um procedimento caro e não mais de caráter experimental, podendo ser realizado em qualquer hospital público ou privado, conforme a resolução 1.955/2010 do Conselho Federal de Medicina, sucumbem-se ao Estado para tal realização somente as transexuais pobres, de maioria prostituta pela falta de oportunidade educacional e profissional, somando muitos anos de espera quando considerados o tempo do estudo social mais o tempo hábil para agendamento da cirurgia através do sistema de saúde público, enquanto a transexual de melhor poder aquisitivo, a qual tem acesso à estudo de qualidade e/ou inserida no mercado de trabalho, ao ingressar pelo sistema privado, pode garantir seu anseio de redesignação de sexo com maior rapidez, por vezes alcançando o procedimento em outro país que não exige o estudo psíquico para sua realização, encurtando assim o período de constrangimento.

Comparado ao fato do poder judiciário contribuir para a opressão, indeferindo pedidos de alteração de nome sem o procedimento cirúrgico, em desrespeito à expressão da individualidade do ser humano, as transgêneros de poder aquisitivo superior têm maiores oportunidades de emergirem da situação geral que o grupo marginalizado encontra-se perante a sociedade e somente assim caminhar no sentido de garantir a dignidade de sua pessoa. Na condição atual, a única chance das trans obterem a oportunidade de buscar integridade, como qualquer outra pessoa perante a sociedade, é quando possui situação financeira favorável para tal.

Pode-se dizer que a imagem negativa da trans, construída historicamente, de promiscuidade, doença, anomalia, é tida como natural. Ou melhor, o pensamento opressor e a relação de dominação foi naturalizado e incorporado à imagem do grupo social e principalmente introjetado nas próprias ideias das transgênero menos abastadas e que não possuem condições de estudo. Consequentemente, torna-se mascarada a posição inferior que lhes foi atribuída socialmente e sua imagem perante a sociedade, caracterizando a violência simbólica, silenciosa, que como magia transfere o pensamento opressor ao próprio oprimido, naturalizando assim a relação. (BOURDIEU, 2016, p. 56)

4. Avanços no Brasil

No Brasil pode-se afirmar que as proposições visando o avanço no sentido de garantias civis para a população trans são promissoras. O projeto de lei 5.002/2013 proposto pelos deputados Jean Wyllys – PSOL/RJ e Erika Kokay – PT/DF denominado João W. Nery – Lei de Identidade de Gênero em seus pontos principais garante a manifestação da identidade de gênero individual, a não necessidade de realização de cirurgia para alteração do prenome, a não necessidade de laudo ou tratamento psiquiátrico e/ou psicológico para realização de cirurgia de transgenitalização e a alteração do prenome no registro civil sem necessidade de processo jurídico ou administrativo. O projeto visa, portanto, a satisfação quase imediata dos desejos de expressão da individualidade da população trans, e sua aprovação, é possível dizer, amenizaria a violência psicológica sofrida pelas mulheres transgênero, dignificando sua imagem perante a sociedade e, principalmente, a despatologização da disforia de gênero, impedindo a estigmação das identidades trans e propiciando um tratamento adequado à elas por parte do Estado.

Quanto à violência física, nada se menciona. Visivelmente não é o objetivo do projeto a criminalização da violência física específica contra o grupo, denominada transfobia[3]. O intuito claro é amenizar a violência simbólica sofrida, para que a curto prazo as trans tenham dignidade garantida pelo texto legal e a longo prazo sejam tratadas normalmente perante a sociedade.

Além do mais, tem-se o Estatuto da Diversidade Sexual elaborado pela Comissão Especial da Diversidade Sexual do Conselho Federal da OAB, cujo objetivo é proposta de emenda constitucional que garante direitos a toda a população LGBTI e trata em seus artigos 33 a 45 das pessoas trans, propondo também alteração do prenome sem necessidade de trâmite judicial, não necessidade de laudo médico para cirurgia e diferenciando-se do Projeto de Lei João W. Nery no quesito da realização de cirurgia em pessoas que não adquiriram a maioridade civil, pois enquanto este permite, desde que haja consentimento dos representantes legais, o Estatuto veda.

É de suma importância ressaltar que enquanto o projeto de lei não trata em nenhum de seus pontos a respeito da violência física, combatendo somente a psicológica, o Estatuto prevê os crimes específicos em razão da orientação sexual ou identidade de gênero juntamente com medidas de inclusão social da população trans.

Se o objetivo do projeto de lei é dignificar exclusivamente a pessoa trans, enquanto o Estatuto abrange toda a população LGBTI, toda e qualquer espécie de violência, dentre as demonstradas, deveria ser tipificada e incluída em uma mesma redação, para ao mesmo tempo criminalizar a transfobia, visto que as agressões são específicas e escracham o ódio contra o grupo, e garantir os direitos civis. Para a emersão da condição de dominação e violência em que se encontram, a ação deve ser tomada em conjunto, pois de nada valerão facilidade na alteração do nome e realização da cirurgia de transgenitalização enquanto continuarem a ser assassinadas e os crimes permanecerem tratados como comuns, justamente no país que menos garante sua integridade física.

Conclusão

Nota-se que a violência contra mulheres trans no Brasil é fenômeno complexo e possível de ser destrinchado e analisado por muitos ângulos. É perceptível que as propostas existentes visam sanar alguns dos aspectos da violência apontada, mais especificamente a simbólica subdividida em social, institucional e linguística, que dão margem e configuram as raízes dos altos índices de violência física.
Nota-se que a violência, nos seus mais variados aspectos, acompanha a transgênero feminina por toda sua vida, desde antes mesmo de seu nascimento, com uma predeterminação de gênero imposta, nas relações interpessoais posteriores, na linguagem, na dificuldade de ingresso ao mercado de trabalho que resulta no único abrigo encontrado na prostituição, nos obstáculos impostos pelo sistema para redesignação do sexo e alteração do nome, dentre muitas outras dificuldades, até sua morte poder ser consumada pelo crime de ódio, fechando o ciclo da transfobia.

A segregação das mais pobres é evidente, sua dificuldade de conseguir amparo judicial e invisibilidade maior perante a população não deve ser tratada como comum, pois um grupo social que tem 90% de seus membros na prostituição não deve ser tratado igualmente aos outros. Esse tratamento digno que traz resultados imediatos, demandante na situação, faz-se com intervenção direta do Estado na criação de novas leis e sua efetiva aplicação.

Contudo, a respeito da violência chamada de psicológica, enraizada na sociedade e na própria trans oprimida, analisada sob o prisma da violência simbólica de Pierre Bourdieu, mais do que um projeto de lei visando a garantia de alteração do nome de registro para o nome social ou possibilidade de realização da cirurgia de transgenitalização sem maiores dificuldades e a própria criminalização da violência direcionada, a representatividade em diversas esferas da sociedade como partidos políticos, profissões de prestígio, figuras públicas etc, faz-se necessária para, somente então, a longo prazo proceder a emersão da realidade opressora em que vivem essas pessoas inferiorizadas e violentadas socialmente para, só assim, promover a sua plena humanização.
 
Referências
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BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 3. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2016.
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Notas:

[1] Trabalho orientado pelos Professores Luiz Carlos Andrade de Aquino. Docente da UNIVAP, Doutorando em Educa‹o pela UNIMEP/Piracicaba, Mestre em Cincia Pol’tica pela USP/SP, Bacharel em Cincias Econ™micas e Licenciado em Cincias Sociais pela UNIVAP, Especialista em Avalia‹o Educacional pela UnB e Especialista em Liderana Universit‡ria pela OUI; e, Daniel Lipparelli Fernandez. Docente da UNIVAP, Doutorando em Planejamento Urbano e Regional pela UNIVAP, Mestre em Hist—ria pela PUC-SP, Bacharel em Hist—ria pela PUC-SP
[2] Transgêneros, ou trans, são pessoas que possuem uma disforia de gênero, ou seja, não se identificam completamente com o gênero que lhe foi atribuído, e engloba a transexual, pessoa que tem aversão a sua genitália e a seu gênero, buscando de todas as formas a adequação cirúrgica, e a travesti, que apesar de ser uma transgênero, consegue atingir satisfação com seu órgão sexual e não aspira a realização da cirurgia (DIAS, 2014, p. 43).
[3] Termo atribuído para referir-se à preconceito e/ou discriminação em função da identidade de gênero de pessoas transexuais ou travestis.
 

Informações Sobre o Autor

Renan Ribeiro de Moraes

Acadêmico de Direito na Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP)


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