Sigilo Bancário: Teorias Sobre Sua Natureza Jurídica

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Banking Secrecy: your theories its juridical nature

RAFHAEL GUANDALINI VIEIRA[1]

Orientador: Prof. Dr. Zulmar Fachin.

 

SUMÁRIO

 

  1. INTRODUÇÃO
  2. OS PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
    • CONCEITO
    • DIREITOS DA PERSONALIDADE
      • Direito a Intimidade e Privacidade – Art. 5º X da CF/88
  1. sigilo bancário
  • CONCEITO
  • FUNÇÕES
  • NATUREZA JURÍDICA
  • Teoria do uso ou consuetudinária
  • Teoria do contrato ou contratualista
  • Teoria da responsabilidade civil ou extracontratual
  • Teoria da lei ou legalista
  • Teoria da Constituição ou do direito fundamental ou do direito de personalidade
  • O Direito à Privacidade como fundamento do sigilo bancário
  • O Direito ao sigilo de dados e o segredo profissional como fundamento do sigilo bancário
  1. CONCLUSÃO

 

Resumo

O presente artigo tem como principal objetivo, comprovar se o Sigilo Bancário à luz da doutrina e da jurisprudência, possui “status constitucional” ou se deve ser tratado como uma simples previsão de nossa legislação ordinária, ou até mesmo como simples obrigação moral entre banco e cliente. De forma que se pretende com o presente trabalho, levantar os conceitos doutrinários relacionados, a princípios, garantias fundamentais, ao sigilo bancário, as funções de sua existência, os motivos para que os doutrinadores o entendam como como direito constitucional, bem como confrontar as diversas teorias que buscam justificativas para determinação da sua natureza jurídica, além de posicionar-se sobre a polêmica traçando paralelos dentre as doutrinas citadas.

Palavras-chave: Natureza Jurídica. Sigilo Bancário. Status Constitucional

 

Abstract

This paper has as main objective, check whether the Bank Secrecy in the light of doctrine and jurisprudence, has “constitutional status” or should be treated as a simple prediction of our common law, or even as a mere moral obligation between bank and customer. So that is intended with this work, raising doctrinal concepts related to principles, fundamental guarantees, banking secrecy, the functions of its existence, the reasons for the scholars to understand how as a constitutional right, and confront the various theories that seek justification for the determination of their legal nature, and stand on the controversial drawing parallels among the doctrines mentioned.

Keywords: Juridical Nature. Banking Secrecy. Constitutional Status.

 

  1. INTRODUÇÃO

 

Desde os primórdios de seu surgimento, o sigilo bancário tem apresentado ampla divergência de conceitos doutrinários no que tange as distintas configurações e fundamentações jurídicas, variando no tempo e espaço conforme finalidade de aplicação, vez que embora maior parte dos juristas pátrios exerça ferrenha defesa do sigilo como garantia fundamental, não há a expressa previsão no texto constitucional. O que a Carta Magna garante é o direito à intimidade, à privacidade e a inviolabilidade da transmissão de dados. Direitos estes que vagão no nebuloso campo interpretativo, não tendo por si sós definições fechadas acerca da tutela jurídica que vem a garantir.

Assim sendo, surge à questão fundamental que será desdobrada no presente estudo, qual seja, a de determinar a natureza jurídica do sigilo bancário no Brasil, bem como ainda analisar as suas limitações do ponto de vista constitucional. Vez que, sua inserção constitucional é interpretada por um binário de correntes antagónicas: A primeira fundamenta-se no sentido de posicionar o sigilo bancário em conjunto com contexto de direitos à intimidade ou à privacidade, direitos estes inseridos na Carta Magna. Por sua vez, a segunda corrente entende que o sigilo é consequência da atividade comercial.

Neste sentido, o presente artigo científico passará a analisar diversos conceitos doutrinários e opiniões existentes acerca do assunto em questão, comparando-os e, em seguida, concluindo pelos posicionamentos mais acertados, utilizando, para tanto, o método lógico-dedutivo, que consistirá no estudo da matéria sob a luz dos conceitos jurídicos, delimitando sua efetividade. Além disso, acrescenta-se a imprescindível contribuição jurisprudencial, empregando o método lógico-indutivo, por meio da análise de casos julgados, que se apresentam dentro de um contexto histórico-cultural, o que necessita de um enfoque particular e distinto do anterior.

Assim sendo, mediante emprego da metodologia supra, tem-se como principais objetivos desse artigo, levantar os conceitos doutrinários relacionados: a princípios, garantias fundamentais, ao sigilo bancário e os motivos que levaram o legislador a prevê-lo em nosso ordenamento jurídico, bem como confrontar as vantagens e desvantagens advindas dessa prática, além de posicionar-se sobre a polêmica traçando paralelos dentre as doutrinas citadas. Com a finalidade de comprovar se o referido sigilo bancário, possui status constitucional ou se deve ser tratada como uma simples previsão de nossa legislação ordinária.

 

 

  1. OS PRINCíPIOS, direitos e garantias FUNDAMENTAIS
    • CONCEITO

 

Antes de adentrarmos a fundo na discussão sobre o enquadramento do sigilo bancário como sendo um princípio, um direito ou uma garantia, necessário se faz o entendimento preciso e precioso dos termos mencionados, de forma a tornar mais cristalino o entendimento sobre os termos e fundamentos contidos neste artigo.

Entende-se, vulgarmente, a acepção da palavra princípio como início, momento em que alguma coisa tem origem, começo. Já no âmbito jurídico, o termo princípio empregado no plural “princípios”, tem significado completamente diverso, pois assume a ideia de preceitos ou regras basilares que norteiam não apenas a criação mais, por conseguinte, a aplicação das Leis no ordenamento jurídico, exercendo, com isso, cerceamento de ação aplicável a toda espécie de movimento jurídico. Dentre as conceituações tradicionais encontramos a de Celso Antônio Bandeira de Mello, que define como sendo:

Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.[2]

Os princípios, como valores inquestionáveis, surgiram posteriormente aos costumes. São fundamentados basicamente no direito natural, pois sua vigência e aplicabilidade independem da existência de qualquer documento ou norma formal. O duplo grau de jurisdição, como um bom exemplo, é invocado diariamente, pelos profissionais do direito, sempre que uma decisão judiciária, a seu ver, lhes parece errônea, quer pelo procedimento utilizado ou pela fundamentação descabida, permitindo, assim, futuras discussões acerca de sua aplicabilidade ou não.

Neste sentido, vislumbrando um melhor entendimento sobre o assunto, De Plácido e Silva aborda o presente tópico com o seguinte posicionamento:

Princípio. É, amplamente, indicativo do começo ou da origem de qualquer coisa. Princípios. No sentido jurídico, notadamente no plural, quer significar as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa.[3] […] Princípios jurídicos, sem dúvida, significam os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito. Indicam o alicerce do Direito. [4]

Neste sentido, tem-se que os princípios são institutos fundamentais para a existência do direito e sua prática cotidiana, quer na atividade forense, quer no trato das pessoas em suas relações habituais. Diante disso, traz-se à citação de um conceito inerente a definição do que sejam princípios jurídicos fundamentais.

Consideram-se princípios jurídicos fundamentais os princípios historicamente objetivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica e que encontram uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional. [5]

Os princípios fundamentais, diante da explanação supra, devem ser compreendidos de forma abrangente, entendendo ser fundamentais, não somente, os conceitos princípiológicos expressos na Magna Carta Constitucional, mas também, as acepções implícitas que nos leve a admitir princípios fundamentais não introduzidos formalmente no texto constitucional, e que, não menos importantes que aqueles, também produzem seus efeitos exacerbados na seara jurídica.

Neste sentido, sendo recepcionados, expressa ou implicitamente, pelo texto constitucional o princípio “constitucionalizado” passa a ter grande importância dentro do ordenamento jurídico, conforme bem leciona a ilustríssima Carmem Lúcia Antunes Rocha.

Os princípios constitucionais são os conteúdos primários diretores do sistema jurídico-normativo fundamental de um Estado. Dotados de originalidade e superioridade material sobre todos os conteúdos que formam o ordenamento constitucional, os valores firmados pela sociedade são transformados pelo Direito em princípios. Adotados pelo constituinte, sedimentam-se nas normas, tornando-se, então, pilares que informam e conformam o Direito que rege as relações jurídicas no Estado. São eles, assim, as colunas mestres da grande construção do Direito, cujos fundamentos se afirmam no sistema constitucional. [6]

Ainda no que se refere a princípios constitucionais fundamentais, vamos encontrar paralelamente os princípios gerais do direito constitucional que não se confundem com os primeiros. Tema este que é objeto de explanação pelo ilustríssimo doutrinador José Afonso da Silva:

Temos que distinguir entre princípios constitucionais fundamentais e princípios gerais do Direito Constitucional. Vimos já que os primeiros integram o Direito Constitucional positivo, traduzindo-se em normas fundamentais, normas-síntese ou normas-matriz, ‘que explicitam as valorações políticas fundamentais do legislador constituinte’, normas que contêm as decisões políticas fundamentais que o constituinte acolheu no documento constitucional. Os princípios gerais formam temas de uma teoria geral do Direito Constitucional, por envolver conceitos gerais, relações, objetos, que podem ter seu estudo destacado da dogmática jurídico-constitucional. [7]

Diferentemente da definição de princípios, cumpre-nos esclarecer o conceito de garantias constitucionais. Rotineiramente, tal expressão é confundida com direitos ou princípios, apesar dos mesmos terem, em certos momentos, profunda afinidade semântica, tanto que não é excepcional colocar princípios extraídos do texto com equivalência às garantias. Mesmo assim, não cabe a nós, determo-nos em maiores discussões sobre esse tema, bastando a nossa compreensão um conceito mais geral sobre o assunto.

As garantias constitucionais, em um conceito amplo, podem ser postas como os pressupostos e alicerces do exercício e tutela dos direitos fundamentais, ao mesmo passo que rege, com proteção adequada, nos limites da constituição, o funcionamento de todas as instituições existentes no Estado.[8] De forma, a servirem como pressupostos de validade dos atos estatais, tendo como o seu objeto a proteção dos direitos individuais e estruturas do Estado.

Para nosso fim, iremos considerar um conceito mais específico de garantia constitucional, o de garantia constitucional individual (ou garantia individual), usando para exprimir os meios, instrumentos, procedimentos e instituições de destinados a assegurar o respeito, a efetividade do gozo e a exigibilidade dos direitos individuais,[9] expressos principalmente no texto do artigo 5º, da Constituição da República Federativa do Brasil.

Essas garantias constitucionais, também denominadas pela doutrina como garantias fundamentais, diferem-se dos direitos fundamentais, pois estes são bens e vantagens prescritos na norma constitucional, enquanto as garantias são os meios, instrumentos através dos quais se asseguram o alcance e exercício dos já aludidos direitos, que previamente, ou prontamente os repara, caso sejam os mesmos violados.[10]

Dessa forma, de acordo com ilustríssimo Professor Paulo Bonavides[11], em sua obra “Curso de Direito Constitucional”, as Garantias Constitucionais podem ser compreendidas, em uma acepção lata como sendo um instrumento que garante à manutenção da eficácia e proteção da ordem constitucional contra fatores que possam colocá-la em risco. Já em uma acepção mais estrita, busca proteger de forma direta ou indireta os direitos fundamentais, mediante utilização de remédios jurídicos hábeis a impelir e combater qualquer ameaça de lesão ou violação de direitos fundamentais.

Os Direitos Fundamentais possuem um caráter mais normativo, vez que está positivado na Constituição Federal. São assim entendidos na medida em que passarão por declaração do Poder Constituinte para tanto, com fundamento no Princípio da Soberania Popular. De tal maneira que, tais direitos possuem eficácia e aplicabilidade imediata, situação que poderão apenas ser mitigados conforme os critérios de razoabilidade e proporcionalidade previstos na lei ou a serem arbitrados em determinados casos concretos. Desta forma, em que pese o fato da diferença entre as expressões serem tênues, deve-se observar cada um de maneira diferente para não haver uma leitura errônea do texto constitucional. Direitos fundamentais têm caráter meramente declaratório, enquanto as garantias são assecuratórias. Nessa esteira, quando o legislador constitucional mencionou que o direito está assegurado ou garantido, ele efetivamente gostaria de afirmar que aquele texto é uma garantia do indivíduo ou da coletividade.

Agora, diante dos conceitos de princípios, garantias e direitos fundamentais sob os mais variados aspectos de sua terminologia, passemos, ao exame dos direitos da personalidade, no qual estarão insertos os Direitos a Intimidade e/ou Privacidade e Inviolabilidade de Transmissão de Dados.

 

  • DIREITOS DA PERSONALIDADE

 

A Constituição Federal não apresenta um conceito fechado sobre direitos da personalidade, fazendo apenas o esboço de qual seria sua proteção. Construir a conceituação do instituto em exame constitui-se em atividade difícil e doutrinariamente ampla. Para tanto, cabe-nos apenas sopesar alguns destes conceitos e entendimentos para melhor compreensão dos direitos que serão abaixo explicitados.

Do nascimento a sua morte o homem é dotado de uma personalidade, que, conforme brilhante definição de Clóvis Bevilacqua, “é a aptidão, reconhecida pela ordem jurídica a alguém, para exercer direitos e contrarie obrigações”[12]. No entanto é imprescindível o entendimento de que a personalidade não é um direito, mas sim, um conceito sobre o qual se apoiam os direitos a ela inerentes.

Neste sentido, Caio Mário sustenta que “a idéia de personalidade está intimamente ligada à de pessoa, pois exprime a aptidão genérica de adquirir direito se contrair obrigações”[13], pois muito embora “não constitui esta ‘um direito’, de sorte que seria erro dizer-se que o homem tem direito à personalidade. Dela, porém, irradiam-se direitos, sendo certa a afirmativa de que a personalidade é o ponto de apoio de todos os direitos e obrigações.”[14]

Antes do advento da Constituição Federal de 1988, diversos doutrinadores e juristas buscaram disciplinar a matéria, na procura de tornar formal e explicito algo cuja proteção somente podia ser reconhecida através de fundamentos jurisprudenciais. No entanto, essa tutela dos direito da personalidade só foi acolhida e sancionada com a promulgação da Carta Magna de 1988, tendo por escopo a adoção da dignidade da pessoa humana, como princípio fundamental da República, o que justificou, admitiu e deu fundamento aos demais direitos e garantias, em especial dos direitos da personalidade, transcritos no art. 5.º, inciso X da Constituição Federal de 1988:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Após breve conceito, cabe-nos também destacar as principais características dos direitos da personalidade, características estas que a Doutrinadora Maria Helena Diniz explicitou com brilhantismo: originários ou inatos, pois são advindo do nascimento, independente da manifestação de vontade; vitalícios; inalienáveis; absolutos; indisponíveis; intransmissíveis; irrenunciáveis; impenhoráveis; imprescritíveis; inexpropriáveis e ilimitados.[15]

Neste ínterim, com base nos conceitos e características supra apontadas, passemos a analisar parte destes direitos da personalidade que influenciam de forma direta no entendimento do tema do presente artigo.

 

 

  • Direito a Intimidade e Privacidade – Art. 5º X da CF/88

 

 

Para iniciarmos à análise do que seria o direito a intimidade ou à privacidade, mister se faz uma rápida conceituação do real significado que o radical do direito (Intimidade) nos transmite de idealismo em concreto. Intimidade, palavra advinda do latim, intimus, tem sua raiz semântica no advérbio intus. Que significa em síntese, sentimento interior, algo intimo, oculto. Trazendo por si só uma ideia de algo que deve ser mantido em segredo, em confiança. Desta forma, pode-se dizer que, a intimidade tem um sentido subjetivo e mais individual, pois traz em essência a ideia de algo que para o individual é, ou deveria ser, confidencial. Já a conceituação da expressão privacidade é um tanto quanto mais ampla que a intimidade, vez que acaba por englobar tudo aquilo que não ser quer seja do conhecimento de todos. Também de origem latina, a privacidade é derivada da palavra privatus, que significa algo privado, de saber particular, e de interesse próprio do indivíduo.

Interessante conceito é o trazido por Paulo José da Costa Júnior, em sua célebre monografia O Direito de Estar só, onde define a intimidade como sendo:

A necessidade de encontrar na solidão aquela paz aquele equilíbrio, continuamente prometidos pela vida moderna; de manter-se a pessoa, querendo, isolada, subtraída ao alarde e à publicidade, fechada na sua intimidade, resguardada dos olhares ávidos. A intimidade corresponderia à vontade do indivíduo de ser deixado só.[16]

Passando a uma análise jurídica dos termos, e dos direitos abrangidos, de suma importância são os pensamentos do renomado jurista José Afonso da Silva, que afirma ser o conceito do Direito a privacidade muito mais abrangente que o Direito a intimidade, pois é mais “genérico e amplo, de modo a abarcar todas essas manifestações da esfera íntima, privada e da personalidade”[17]. Segundo o autor, o direito à intimidade é “a esfera secreta da vida do indivíduo na qual este tem o poder legal de evitar os demais”.[18], enquanto a “privacidade como ‘o conjunto de informações acerca do indivíduo que ele pode decidir manter sob seu exclusivo controle, ou comunicar, decidindo a quem, quando, onde e em que condições, sem a isso poder ser legalmente sujeito’”[19], abrangendo com isso toda a esfera de inviolabilidade, quer seja nas relações familiares e afetivas em geral, fatos, hábitos, local, nome, imagem, pensamentos e por que não até seus segredos.

Complementa Celso Ribeiro de Bastos, que a privacidade

Consiste ainda na faculdade que tem cada indivíduo de obstar a intromissão de estranhos na sua vida privada e familiar, assim como de impedir -lhes o acesso a informações sobre a privacidade de cada um, e também impedir que sejam divulgadas informações sobre esta área da manifestação existencial do ser humano.

Trilhando esse mesmo ideal, é o entendimento de Manuel Gonçalves Ferreira Filho, ao afirma que os conceitos constitucionais de intimidade e vida privada (privacidade) apesar de apresentarem aparente interligação, podem e devem ser diferenciados, principalmente pela menor amplitude da intimidade em detrimento da incidência que se encontra abrangida pela privacidade. De tal forma, que a intimidade tem relação mais subjetiva e de trato íntimo da pessoa, suas relações familiares e de amizade, enquanto a vida privada envolve todos os demais relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo etc.[20]

Diante dos renomados autores aqui elencados, podemos verificar o quão difícil é a formulação conceitual dos termos em estudo. No entanto, todos trazem em suas definições um propósito comum, uma ideia basilar e que norteia todos os conceitos. O desejo do indivíduo de estar só e de excluir do conhecimento alheio dados, acontecimentos e fatos que na esfera estritamente pessoal apenas ao individuo interessam.

 

 

  1. sigilo bancário

 

Após estudo dos diversos termos e expressões jurídicas que haverão de aparecer no decorrer do desenvolvimento do presente artigo, passaremos adiante a tecer com maiores detalhes sobre o conceito do sigilo, funções para sua existência, relação do sigilo bancário no sistema jurídico brasileiro e sua plausível inserção nos direitos fundamentais como sendo um direito decorrente do direito à privacidade.

 

    • CONCEITO

Apesar de antigo e muito conhecido, o sigilo bancário é instituto jurídico de difícil conceituação, em função de diversos fatores: a) Quer seja pelo fato de que cada país, doutrina e jurisprudência divergem sobre sua definição; b) Quer relacione-se com o objeto tutelado, ao conjunto de informações por ele protegido. Por exemplo, pode-se referir à totalidade de dados pessoais do cliente, apenas aos dados pessoais de natureza econômica, ou tão somente às operações de crédito (ativas e passivas). Desta forma, têm-se diferentes posições doutrinárias, nacionais e estrangeiras, visando estabelecer maior número de características e definições do direito em estudo. Assim sendo, buscando o que mais se enquadre aos nossos interesses, passaremos a explorar alguns dos conceitos de maior destaque.

Para Sergio Covello, o sigilo pode ser entendido como a obrigação que os Bancos têm de não revelar, salvo em havendo uma justa causa, as informações que possuem ou venham a possuir em virtude da sua atividade comercial junto aos clientes.[21] Por seu turno, para Arnold Wald o define como:

É a obrigação de discrição imposta aos bancos e aos seus funcionários, em todos os negócio dos seus clientes, abrangendo o presente e o passado, os cadastros, a abertura e o fechamento das contas e a sua movimentação[22]

Não distante das conceituações acima, mas de forma mais simplista e acertada, são as palavras de Nelson Abrão em que caracteriza o sigilo como sendo a obrigação própria do banqueiro, em benefício do seu cliente, de não expor a público certos fatos, atos, valores ou outras informações de obtivera ciência ou conhecimento em função da atividade profissional, sob penalidade de sanções de mais alto rigor, de ordem cível, penal ou administrativa.[23]

José Augusto Delgado, tem posicionamento no sentido de que o instituto é uma garantia constitucional que visa proteger a privacidade das pessoas no âmbito econômico e financeiro, cujo interesse é de não exposição pública das movimentações em conta bancária e eventuais aplicações do cidadão, de forma que, de forma alguma, seus atos privados sejam tornados de conhecimento público.[24]

Analisando sob um prisma de maior expressividade conceitual, vem a baila a conceituação de Luís Roberto Barroso diz tratar-se o sigilo:

(i) de uma proteção ao direito individual do cliente, inerente à sua privacidade, de não divulgar seus dados financeiros; (ii) de um dever do profissional (banqueiro) à discrição e, igualmente de um direito ao segredo comercial que integra o seu fundo de comercio; e, por fim, (iii) de uma garantia de interesse público, em favor da credibilidade e estabilidade do sistema bancário, assim como de segurança do Estado e da sociedade.[25]

Em decorrência da previsão constitucional da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem (art. 5º, inc. X, da CF/88), podemos concluir que o sigilo há de ser um direito fundamental, cuja sua revelação pode ferir a privacidade. No entanto, aprofundando-se no estudo do sigilo bancário, verifica-se que há sua proteção também no art. 1º, caput, da Lei Complementar 105/2001[26], mais amplo que o defendido pela Constituição, de forma a abranger também toda e qualquer informação bancária não só de clientes e terceiros, independente de sua relação e vinculo com sua privacidade. De forma que, não estariam por força exclusiva da Constituição Federal, abrangidos alguns tipos de documentos bancários, como cadastros e dados globais de movimentações, vez que sua exposição não representaria afronta ao direito fundamental.[27]

Para fins do entendimento deste trabalho, após a análise dos diversos conceitos supra aludidos, passemos agora a tecer uma compilação das ideias trazidas pelos autores. Fundamentando-se na Constituição o sigilo bancário tão-somente estaria protegido no que vincula-se ao direito a privacidade, concluindo-se portanto não haver uma direito fundamental que possa amparar cadastros e outros informes bancários quaisquer, uma vez que tais documentos não envolvam dados privativos, ou que possam ferir a privacidade de alguém. No entanto, há uma previsão legal (art. 1º, caput, da Lei Complementar 105/01) de que os cadastros bancários sejam resguardados sob o regime de segredo, mas que justamente por fundamentar-se em legislação e não em direito fundamental constitucionalmente protegido, tal sigilo (Cadastro) pode ser mais facilmente limitado, bastando apenas que a medida restritivo seja prevista em nova lei complementar.

 

 

  • FUNÇÕES

 

 

Para descrição das possíveis funções desempenhadas pelo Sigilo Bancário, quer como Direito Fundamental, quer como direito legalmente previsto, faremos uso das palavras da Doutora Márcia Haydée Porto de Carvalho, que de forma brilhante abordou o assunto, pois em suas palavras “a despeito de toda controvérsia acerca do fundamento jurídico desse instituto, a função básica do sigilo bancário é garantir o interesse do cliente e de terceiro envolvido na confidencialidade de seus dados, na maioria dos casos, com o fim de proteger o direito à privacidade do titular”.[28]

Afirma ainda que, muitos seriam os argumentos para sustentarmos essa conclusão, pois em regra a chave do sigilo bancário estaria radicada no direito à intimidade ou no direito à privacidade, sustentando essa posição através do apontamento das jurisprudências pátrias do Supremo Tribunal Federal que apontam de forma clara o nexo entre o sigilo e o direito a privacidade.

Não obstante a sua função básica, possui o sigilo bancário, outras funções, não tão destacadas, nem tão conhecidas, mas nem por isso de menor relevância: a)De atendimento aos interesses dos bancos na manutenção da confiança de seus clientes, no desenvolvimentos dos seus negócios, traduzindo-se como uma relação própria de confiança entre banco e cliente, vez que sem esse sigilo dificilmente alguém depositaria seus recursos ou pediria empréstimos, operações sem as quais os bancos inexistiriam; b) De interesse do próprio sistema financeiro nacional e economia de forma globalizada, pois sem este sigilo a atratividade de investimentos e a credibilidade de todo um sistema, estaria em frangalhos, face ao desestimulo dos investidores em ver informações particulares explicitamente abertas ao conhecimento público; c) Por ultimo, vem a visão do Supremo Tribunal Federal, que entende o sigilo como sendo um direito específico e restrito à garantia da intimidade e de certa forma ligado ao possível desenvolvimento da personalidade humana, relacionando-se também como sendo um direito de cunho patrimonialista e mercantil vez que envolve os bancos, interesses públicos e coletivos, no interesse de proteção do crédito e da moeda nacional.[29]

 

  • NATUREZA JURÍDICA

 

Antes de adentrarmos ao estudo de qual seria o fundamento jurídico do sigilo bancário, necessário se faz o entendimento sistemático do termo Natureza Jurídica e/ou Fundamento Jurídico. De tal forma, visando propiciar uma melhor compreensão do tema central do presente trabalho, passemos a analisar o conceito atribuído pela ilustre jurista Maria Helena Diniz, que em poucas palavras, mas de forma inspirada conceituou Natureza jurídica, como sendo a ‘afinidade que um instituto tem em diversos pontos, com uma grande categoria jurídica, podendo nela ser incluído o título de classificação’ Portanto, determinar a natureza jurídica de um instituto consiste em determinar sua essência para classificá-lo dentro do universo de figuras existentes no Direito. Seria como uma forma de localizar tal instituto topograficamente. É como se um instituto quisesse saber a qual gênero ele pertence, é a espécie procurando o gênero, é a subespécie procurando a espécie. Ex: qual a natureza jurídica da Caixa Econômica Federal, o que ela é, qual a sua essência? Ela é uma sociedade de economia mista! Muitas vezes, o instituto não é espécie de nada, pelo fato dele ser o gênero, daí se dizer que ele é sui generis, ex.: a natureza jurídica da OAB é sui generis. (único em seu gênero)[30]

O sigilo bancário apresenta-se expressamente prescrito na legislação nacional. Não obstante a isso, apesar de não haver sua expressa inclusão no rol das garantias constitucionalmente protegidas, os doutrinadores e a majoritária jurisprudência o incluem tacitamente inserido neste seleto grupo de direitos fundamentais, fundamentando em sua maior parte como sendo uma extensão dos direitos à intimidade, sigilo de dados, sigilo profissional e vida privada. Diante destas discussões acerca do tema, várias são as teorias que buscam fundamentar da melhor forma fundamento jurídico do sigilo bancários. Teorias estas que passaremos a analisar nos próximos itens do presente trabalho, dentre as quais se destacam: a) Teoria do uso ou consuetudinária; b) Teoria do contrato ou contratualista; c) Teoria da responsabilidade civil ou extracontratual; d) Teoria da lei ou legalista; e) Teoria da Constituição, do direito fundamental, ou do direito de personalidade.

 

  • Teoria do uso ou consuetudinária

 

 

Para os defensores desta teoria, sustentam ser o sigilo bancário uma obrigação ou dever jurídico em função de seu uso ao longo do tempo como uma prática consolidada, observada como já sendo uma espécie de tradição por parte das instituições bancárias, incorporando-se seu cumprimento a consciência coletiva. Na Espanha, por exemplo, pais em que não há qualquer norma jurídica que torne obrigatório o dever de sigilo bancário, seu cumprimento fundamenta-se primordialmente em função do uso habitual do comercio, residindo ai a natureza jurídica do sigilo.[31]

No direito pátrio, poucos são os juristas que defendem esta teoria, dentre eles Lauro Muniz Barreto, que em suas palavras certifica que os bancos mantem o sigilo “por força e convicção consciente, por usos e costumes consagrados” e que as leis que reconhecem esse direito, nada mais são senão a formalização dos usos e costumes.[32] De forma geral, a presente teoria sofre amargas críticas doutrinárias, dentre os doutrinadores que a repudiam está Álvaro Mello Filho, que afirma ter validade a presente teoria apenas para aqueles países em que não existe a imposição prescrita em lei, fato que não ocorre no Brasil já que o sigilo bancário está tutelado pelo Direito positivo nacional.[33]

 

  • Teoria do contrato ou contratualista

 

 

Esta teoria fundamenta o sigilo bancário como sendo obrigação derivada de cláusula contratual implícita ou explícita, no contrato firmado entre o cliente e o banco. É uma das teorias mais aceitas pelos doutrinadores, principalmente para aqueles países que não possuem previsão legislativa deste direito.

Como exemplos de países que adotam esta teoria, podemos citar a Alemanha, Espanha, Itália e Inglaterra. Para os doutrinadores brasileiros, dentre eles Sérgio Covello, esta teoria não é aplicável sob vários argumentos, dentre eles:

O banco, em verdade, raramente assume de maneira clara a obrigação de segredo. Os formulários da contratação bancária não abrigam nenhuma condição nesse sentido. E se se aceitar a tese da clausula implícita, que é contestada com bons argumentos por Di Amato e Prieto, ainda assim a teoria é falha, porque não explica o sigilo que o Banco deve manter mesmo que o contrato não chegue a consumar-se, hipótese que, segundo vimos, é corriqueira na prática bancária, nem a subsistência desse dever quando a relação contratual se extinga ou seja declarada nula. Não explica, também, o dever de sigilo para com terceiros estranhos à relação jurídica das partes. Observe-se, ademais que o interessado no sigilo pode ser incapaz de contratar (menor ou insano) e, neste caso, os partidários da corrente contratualista não teriam por onde justificar o sigilo bancário. Por último, é de ponderar que não se entrevê nenhum contrato entre o cliente e os auxiliares do Banco que tomam conhecimento dos segredos transmitidos à instituição financeira e, por isso, se obrigam a calar.[34]

 

  • Teoria da responsabilidade civil ou extracontratual

 

 

Para os defensores da responsabilidade civil, como fundamento para seu cumprimento, sua origem está na obrigação extracontratual que tem o Banco pelos possíveis danos injustificadamente causados aos clientes. Tal teoria não apresenta adeptos no Brasil, vez que é uma evidência que a responsabilidade civil é plausível de ser uma consequência para violação do sigilo, porém é imprestável para fundamentar sua existência enquanto instituto jurídico.[35]

 

  • Teoria da lei ou legalista

 

A presente teoria parte do princípio de que o sigilo bancário está fundamentado em uma norma legal, ou seja, baseia-se em um dispositivo legalmente previsto que torna obrigação bancária a guarda e manutenção de sigilo sobre os dados bancários. Consubstanciado nesta teoria, nosso país estaria amparado pelo art. 1º da Lei Complementar 105/01, pelo qual “as instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados”.

Tal teoria é criticada pela doutrina, por dois diferentes pontos de vista: o primeiro trata sobre a questão de apesar de não estar positivado em todos os países, o sigilo bancário é protegido da mesma forma; já o segundo, refere-se ao fato de que apesar de aplicável em alguns casos em que o sigilo não relaciona-se com direito a privacidade, não dá o fundamento jurídico do sigilo bancário, referindo-se apenas a sua forma e expressão.[36]

 

 

  • Teoria da Constituição ou do direito fundamental ou do direito de personalidade

 

De complexo entendimento, a presente teoria está embasada no fato de que o sigilo bancário tem sua justificação em um direito fundamental. Assim sendo, a presente teoria comporta várias subteorias: primeira, está amparada pela doutrina e jurisprudência majoritária, e defende ser o sigilo bancário um desdobramento alicerçado no direito à privacidade, entendida de forma ampla, abrangendo os direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, direitos previstos no art. 5º, inc. X, da Constituição Federal, resumido ainda por alguns autores como sendo derivação do direito fundamental à intimidade; a segunda subcategoria, afirma ser o sigilo de dados, inserido no art. 5º, inc. XII, da Constituição pátria, o fundamento que dá substrato jurídico para o sigilo bancário; in fine, a terceira concepção é a de que a confidencialidade bancária é uma das formas de sigilo profissional, análoga a proibição de revelar segredos de seus clientes, conforme outras profissões.[37]

Para melhor compreensão e consequentemente para efetiva identificação da natureza jurídica do sigilo bancário, tema do presente trabalho. Passemos agora ao aprofundamento da presente teoria de forma a entender melhor suas subcategorias.

 

  • O Direito à Privacidade como fundamento do sigilo bancário

 

A posição majoritária da doutrina e jurisprudência, conforme acima citado, afirma ser o sigilo bancário um direito fundamental, por trata-se de uma projeção do direito à privacidade e que, portanto nele está implícito. Nesse sentido, também é a manifestação do Supremo Tribunal Federal que de forma já consolidada entende ser o sigilo bancário uma das expressões do direito fundamental à privacidade, conforme pode-se verificar pelo acordão da Petição 577/DF, em que o Ministro Relator Carlos Velloso evidenciou este preceito, ao expressar de forma bem clara que o sigilo bancário

é espécie de direito à privacidade inerente à personalidade das pessoas e que a Constituição consagra (CF, art. 5º, X), além de atender a “uma finalidade de ordem pública, qual seja a de proteção de sistema de crédito”, conforme registra Carlos Alberto Hagström, forte no magistério de G. Ruta.[38]

Tão consolidada quanto a posição do STF é a posição entre maior parte dos doutrinadores, dentre eles Arnold Wald e Marcelo Figueiredo, autores que conforme sustentação de Márcia Haydée Porto de Carvalho são firmes em afirmar ser o sigilo bancário um tema constitucional, de tal forma que o direito a privacidade abrange o direito de impedir que outrem, quer seja um terceiro, Estado ou Fisco, possam ter acesso, controle, interferência ou conhecimento de seus dados bancários.[39]

Não obstante, existem aqueles que divergem de entendimento e entendem o sigilo como projeção exclusiva do direito à intimidade. Porém, ao manifestar a idéia de intimidade, englobam a vida privada, de modo que o que de fato chamam de direito à intimidade é correspondente ao próprio direito à privacidade.

Dentre os defensores desta premissa, podemos incluir Celso Bastos e Sergio Covello[40]. Para Bastos, existe uma relação entre a intimidade e a vida privada, pois uma não existe em sua totalidade sem a existência da outra, configurando-se então numa relação dependência.[41]

Existe ainda o posicionamento de alguns autores, que rechaçam, a inclusão do sigilo bancário como sendo um instituto constitucionalmente tutelado, em face do art. 5º, inc. X, da Constituição Federal, sob a justificação de que os dados econômicos não integram o objeto dos direitos da personalidade, dos quais a privacidade é inserida. Maria José Roque, defensora desse posicionamento é afirma não poder ser o sigilo bancário inserido dentro do direito da personalidade, pois todos nascem com direito à vida, à saúde, à intimidade entre outros, mas não é concebível dizer que alguém possa nascer com direito ao sigilo bancário, podendo inclusive esse direito ser excepcionado ou renunciado por seu titular. Afirma ainda que, os direitos da personalidade, embora muito importantes para liberdade dos cidadãos, não tem o condão de servir como instrumento para lesar os interesses de terceiros, inclusive o Fisco, afastando também a possibilidade de inserção no direito à intimidade, pois extrapola a esfera interior do indivíduo.[42]

 

3.3.5.2 O Direito ao sigilo de dados e o segredo profissional como fundamento do sigilo bancário

 

Alguns autores tentam inserir o sigilo bancário como sendo expressão da inviolabilidade de dados, logo estaria este amparado pelo art. 5º, inc. XII.[43] Da Constituição Federal. No entanto, verifica-se que o objeto de proteção a que se destina a norma é a comunicação de dados informáticos, ou seja, a transmissão e recebimento de dados eletronicamente, divergindo do sigilo bancário.

Não implica em dizer que os dados informáticos não estão tutelados pela Carta Magna. Pois, tratando-se de dados bancários, cujo conhecimento por terceiros possa afetar a privacidade de alguém, estarão amparados pelo direito à privacidade (art. 5º, inc. X), constatando-se assim o reconhecimento da constitucionalidade do sigilo bancário.

Por seu turno, existem também doutrinas que atestam estar no sigilo profissional o fundamento para o sigilo bancário. Contudo, muitos são os argumentos contrários a essa corrente, sendo as principais as seguintes: nem todos que trabalham no banco são banqueiros; o banqueiro não é bem um profissional e sim, propriamente um comerciante; o profissional atende exclusivamente um cliente no exercício de uma atividade; as entidades de crédito não podem ser entendidas como profissionais. Desta forma, fica evidente que o sigilo bancário é, de fato, uma espécie de sigilo profissional, porém isso não significa que sirva este de fundamento de confidencialidade bancário. Em verdade, o sigilo bancário, assim como o profissional, de forma genérica, tem no direito à privacidade o seu embaamento jurídico.[44]

 

  • CONCLUSÃO

 

 

Diante dos ensinamentos doutrinários e dos precedentes jurisprudenciais analisados, pode-se concluir que o sigilo bancário, instituto jurídico hora discutido, é complexo e a conclusão por sua natureza jurídica trata-se de uma das tarefas mais árduas, face ao grande número de posicionamentos e teorias acerca do tema. No entanto em face destes antagonismos doutrinários, é que, embora os bons argumentos citados em doutrina mostrem pela ausência do chamado “status constitucional” do instituto, a maioria absoluta é por sua constitucionalidade.

Nesse sentido, o fato de que incluir todos e quaisquer violação de dados protegidos pelo sigilo na seara jurídica da privacidade significaria a banalização do ideal constitucional do direito à privacidade, como sendo um direito da personalidade, e por fim todo um conceito de dignidade da pessoa humana a ele vinculado, contudo, é irrefutável  que muitos são os dados bancários que podem sim repercutir negativamente na esfera defendida pelo direito de privacidade, de tal forma que, o acesso a estas informações seria um risco imensurável de afronta ao direito personalíssimo à privacidade do interessado. Esta afirmação, tendo em vista a tutela constitucional ao direito à privacidade, prevista no art. 5º, inc. X da Constituição Federal, conduz a inegável conclusão de que a Carta Magna oferece todas as bases para extensão de seu manto protetor ao sigilo bancário, nas hipóteses em que este se vincular direta ou indiretamente ao direito à privacidade.

Assim sendo, embora não esteja previsto constitucionalmente, na maior parte das vezes, o sigilo bancário tem nexo de causalidade com o direito fundamental à privacidade, devendo ser assim considerado também como um direito fundamental, decorrente dos princípios e fundamentos da própria Constituição Federal, mais precisamente vinculado ao próprio direito à privacidade, exigindo do legislador maior cuidado ao tratar das relações privativas, principalmente no que tange a sua publicidade.

Contudo, conforme acima mencionado, nem todos os dados do cliente bancário ou de terceiros tem o condão de ferir à suas privacidades, como por exemplo, os dados cadastrais, numéricos ou contábeis, que podem facilmente ser conseguidas por outros meios. Nestes casos, é que entende-se estar a fundamentação do sigilo bancário previsto no art. 1º, caput, da Lei Complementar 105/01, e não propriamente no direito fundamental à privacidade, perdendo neste sentido o seu “status constitucional”.

Em suma, pode-se concluir que por não estar expressamente previsto na Constituição, sua constitucionalidade depende inegavelmente de um esforço interpretativo para seu enquadramento. Sendo que a doutrina majoritária e jurisprudencial defendem o sigilo bancário como sendo um direito fundamental, por trata-lo como uma extensão e/ou desdobramento do direito à privacidade, se achando ai implicitamente constituído. Porém, sua fundamentação pode necessariamente não estar vinculada a violação do direito à privacidade, passando então a ser legalmente protegida. Não obstante a tais informações, tem-se que mesmo quando apresenta natureza jurídica de direito fundamental, o sigilo bancário não pode ser entendido por absoluto, já que existem na própria Constituição Federal outros direitos e interesses com os quais tal direito entra em conflito e justificam sua limitação, mediante aplicação do princípio da proporcionalidade.

Diante do todo exposto, o entendimento da natureza jurídica aplicável ao sigilo bancário parece caminhar junto com a necessidade da justiça nacional, que exige um processo mais célere e efetivo, não considerando o sigilo bancário como norma absoluta apesar de seu “status constitucional”, porém com restrições para sua quebra de forma a não comprometer as garantias previstas na Constituição Federal.

 

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[1] Bacharel no Curso de Direito, Curso de Direito, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná , Cursando Pôs Graduação de Direito Civil, Processual Civil e do Trabalho, do Centro Universitário de Maringá (CESUMAR). Email: [email protected]

[2] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Elementos de direito administrativo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, p. 230.

[3] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. V.III. Rio de Janeiro: Forense. 1989. p.433.

[4] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. V.III. Rio de Janeiro: Forense. 1989. p.447.

[5] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra, Almedina: 2003. p. 1038.

[6] ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1994, p. 25.

[7] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20 ed., São Paulo: Malheiros, 2002. p. 99.

[8] Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10 ed., São Paulo: Malheiros, 2000. p. 493.

[9] Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20 ed., São Paulo: Malheiros, 2002. p. 418.

[10] Cf. LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 9 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Método, 2005. p. 517.

[11] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 509

[12] BEVILACQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. Rio de Janeiro, 1927, vol. I apud RODRIGUES, Silvio. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1980, vol. I, p. 37

[13] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1989, vol. I. p. 153.

[14] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1989, vol. I. p. 155.

[15] DINIZ, Maria Helena. “Parte Geral” In: Novo Código Civil Comentado. Coordenação Ricardo Fiúza. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 23

[16] COSTA JUNIOR, Paulo José da. O Direito de Estar Só. Apud Maria José Oliveira Lima Roque. Sigilo Bancário & Direito à Intimidade, pág.42.

[17] SILVA, José Afonso.  Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 28. ed. , 2007, p. 206.

[18] SILVA, José Afonso.  Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 28. ed. , 2007, p. 207.

[19] SILVA, José Afonso.  Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 28. ed. , 2007, p. 206.

[20] FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Comentários à constituição brasileira de 1988. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1997. P. 35.

[21] COVELLO. Sergio Carlos. O sigilo bancário: com particular enfoque na sua tutela civil. São Paulo: Leud. 1991. p.66.

[22] WALD, Arnold. O sigilo bancário no projeto de lei complementar de reforma do sistema financeiro e na lei complementar n. 70. Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas. São Paulo: RT, v. 1. out./dez. 1992. p.199.

[23] ABRÃO, Nelson. Direito Bancário. 8. ed. rev. at. por Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 58.

[24] DELGADO, José Augusto. O sigilo bancário no ordenamento jurídico brasileiro. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem. São Paulo, RT, v.4., n.13. jul./set. 2001. p.30.

[25] BARROSO, Luis Roberto. Banco central e receita federal: comunicação ao Ministério Público para fins penais: obrigatoriedade da coclusão prévia do processo administrativo. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem. São Paulo, RT, v.5. n.17. 2002. p. 212.

[26] De acordo com o art. 1º, caput, da Lei Complementar 105/2001 “as instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados”

[27] CARVALHO, Marcia Haydee Porto de. Sigilo Bancário: À Luz da Doutrina e da Jurisprudência. Curitiba, Juruá, 2007. p.27.

[28] CARVALHO, Marcia Haydee Porto de. Sigilo Bancário: À Luz da Doutrina e da Jurisprudência. Curitiba, Juruá, 2007. p.33.

[29] CARVALHO, Marcia Haydee Porto de. Sigilo Bancário: À Luz da Doutrina e da Jurisprudência. Curitiba, Juruá, 2007. p.34.

[30] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Teoria Geral do Direito Civil. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p.30.

[31] CARVALHO, Marcia Haydee Porto de. Sigilo Bancário: À Luz da Doutrina e da Jurisprudência. Curitiba, Juruá, 2007. p. 89-90.

[32] BARRETO, Lauro Muniz. Direito bancário. São Paulo: Ed. Universitária de Direito. 1975. p. 393.

[33] MELLO, Filho Álvaro. Dimensões Jurídicas do Sigilo Bancário, São Paulo: Revista Forense. 1984. vol. 287,  p. 466-477.

[34] COVELLO. Sergio Carlos. O sigilo bancário: com particular enfoque na sua tutela civil. São Paulo: Leud. 1991. p. 103-104.

[35] CARVALHO, Marcia Haydee Porto de. Sigilo Bancário: À Luz da Doutrina e da Jurisprudência. Curitiba, Juruá, 2007. p. 91.

[36] ROQUE, Maria José Oliveira Lima. Sigilo bancário e direito à intimidade. Curitiba: Juruá, 2002. p.93-96

[37] CARVALHO, Marcia Haydee Porto de. Sigilo Bancário: À Luz da Doutrina e da Jurisprudência. Curitiba, Juruá, 2007. p. 91.

[38] (Pet 577 QO, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 25/03/1992, DJ 23-04-1993 PP-06918 EMENT VOL-01700-01 PP-00012 RTJ VOL-00148-02 PP-00366)

[39] CARVALHO, Marcia Haydee Porto de. Sigilo Bancário: À Luz da Doutrina e da Jurisprudência. Curitiba, Juruá, 2007. p. 114-116.

[40] COVELLO. Sergio Carlos. O sigilo bancário: com particular enfoque na sua tutela civil. São Paulo: Leud. 1991. p. 137.

[41] BASTOS, Celso. Estudos e pareceres: direito público – constitucional/administrativo/municipal. São Paulo: RT, 1993. p. 57-58 apud   CARVALHO, Marcia Haydee Porto de. Sigilo Bancário: À Luz da Doutrina e da Jurisprudência. Curitiba, Juruá, 2007. p. 117.

[42] ROQUE, Maria José Oliveira Lima. Sigilo bancário e direito à intimidade. Curitiba: Juruá, 2002. p.93-95

[43] XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

[44] CARVALHO, Marcia Haydee Porto de. Sigilo Bancário: À Luz da Doutrina e da Jurisprudência. Curitiba, Juruá, 2007. p. 137-140.