Direito enquanto projeção do espírito

“O direito é uma projeção do espírito, assim como é movimento de vida espiritual toda experiência ética”.

É comezinho a todo estudante de direito ou de filosofia que presente e ativo, desde de sua concepção, está o preceito elaborado por Santo Agostinho de que o processo de conhecimento se dá por meio da integração da razão pela fé, e vice-versa, pressuposto dogmático diretivo do conhecimento humano e que, por sua vez, estabelece também uma diretiva de ordem jurídica, posto que a justiça integra-se ao direito da mesma forma.

Quem crê professa a sua vontade, constante e perene de compreender e, assim o fazendo promove o encontro da justiça pela ininterrupta aplicação do direito; algo que, prematuramente, pode se aproximar do princípio enunciado por ANSELMO, contemporâneo de Santo Agostinho, que com esta linha de raciocínio demonstrou de forma cabal a interpretação errônea que foi dada do dogma agostiniano.

Nesta vertente, temos  um verdadeiro corolário de verdade, estabelecendo uma razão de ser à ciência do direito, enquanto projeção do espírito em direção da eterna busca pela verdade. Trata-se de enunciado plenamente acolhível pelo direito natural ou jusnaturalismo, posto que produz seus efeitos em toda parte e a qualquer tempo, independente de vontade exterior ou de subordinação pela razão.

Ressalte-se que esta busca da verdade é a busca da justiça enquanto entidade que permeia as relações humanas e como tal revela-se como uma projeção do espírito sobre as relações humanas, observadas enquanto instituto vital para a continuidade e permanência da raça humana.

Como dissemos a acolhida pelo jusnaturalismo da tese aqui abarcada, mais se aproxima da análise de Anselmo do que aquele proferida por Santo Agostinho, orientando-se por uma verdade imutável  e eterna produzida pela razão humana, porém se revelando através do espírito que é a manifestação de um movimento deste espírito em direção da racionalidade, estabelecendo a ponte necessária para que se tenha como um procedimento aplicável – puro e isento de ânimo – para todo e qualquer evento a ser dirimido pelo direito a fim de fazer-se a esperada justiça.

Assim temos o que pode ser chamado, grosso modo, de um direito posto pela natureza, que a todos atinge e que por todos deva ser observado, cujos efeitos projetam-se para fora do mundo das idéias, produzindo alterações sensíveis no mundo concreto e transmutando as relações humanas em direção ao bem comum, o mesmo bem comum admitido com princípio do Direito Positivo para confecção de uma estrutura chamada de ordenamento jurídico. O que difere um de outro são os resultados, sendo que no primeiro (jusnaturalismo) tal bem é alcançado de forma não impositiva, sem necessidade de coerção de um pelo outro, enquanto que na segunda (juspositivismo) o mesmo bem almejado é obtido através do uso da força (coativa) que se impõe sobre o indivíduo obrigando-o ao cumprimento incontinenti da vontade superior da lei.

Todavia, o pressuposto acima colocado exige do indivíduo uma conduta adequada com ele, em plena sintonia com seu enunciado, de tal forma que, nasça dele próprio a vontade de cumprir os efeitos deste chamado direito posto pela natureza; deve haver ânimo em sentido congruente com a decisão que se lhe coloca de forma natural e sem imposição coercitiva, posto que desnecessária , a fim de que o cumprimento ocorra dentro da maior naturalidade possível.

Acerca desta conduta, ressalte-se necessária e suficiente para obtenção da verdade e, conseqüentemente da justiça, deve ser observada pela óptica da ética e não da moral; melhor explicando: entende-se, para fins da análise aqui adotada, que ética é a postura do indivíduo frente à verdade comum, submetendo-se à ela com ânimo de vê-la realizada com o forte intuito de promover o bem comum.

Por isto mesmo, temos que a conduta pautada pela ética encontra-se acima das normas estabelecidas pela moral que sempre é admitida em caráter geral e dotada de mínima coerção, mas mesmo assim dotada de coerção, enquanto que a ética é dotada de força interna própria que conduz o indivíduo ao cumprimento da norma natural de forma harmônica, sem qualquer imposição exterior, alienígena ao indivíduo, trazendo do interior de sua alma a determinação firme e consiste de ver o bem comum realizado, espraiando seus efeitos para todos os demais integrantes, promovendo a tão esperada paz social.

Na mesma vertente da proposição inicial o que se tem, então, é um movimento, contínuo, suave, determinado e ritimado do espírito em direção à ética, dando a ela a necessária consistência e elucidação que se impõe por si próprio, sem as incongruências e inconsistências originárias da moral que se revela fraca e impotente ante a vontade humana de ver realizado o bem comum. Um movimento que se revela também absolutamente natural, destituído de preconceitos e fatores alheios à sua própria realização, que se move de forma constante em direção ao bem do homem tomado não em si mas enquanto uma coletividade ávida e necessitada de plena realização de seus anseios, sedenta de verdade, obcecada por garantias de existência plena e protegida de insegurança, de inesperado, enfim, uma existência pautada pela ética que seja fruto absoluto do movimento do espírito humano na busca de sua completitude.

Por derradeiro, mas sem encerrar tema profícuo como este, vamos relembrar um dos ensinamentos originários do período renascentista, o qual serviu de fundamento para início da chamada “era das luzes”, pelo qual têm-se que o homem é a imagem do divino e que resume, como microcosmo,  a unidade múltipla do macrocosmo, desiderato de toda a humanidade ver-se refletida com como imagem do criador, reproduzindo, aqui na terra, a verdade e a justiça divinas e valendo-se para isso do conteúdo integral de seu espírito, direcionado em eterna busca da verdade e da justiça, através da razão e tendo como  instrumento fundamental para tal mister a sua conduta ética.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Simone Akemi Kussaba Trovão

 

Acadêmica de Direito na UNIFMU e estagiária em escritório de advocacia da área trabalhista.

 


 

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