Embora seja previsto como crime ambiental, a presença dos lixões urbanos em locais inadequados é uma constante nos municípios brasileiros, decorrente do desinteresse e o despreparo das administrações municipais, bem como, da ausência de efetiva fiscalização por parte dos órgãos competentes e da própria sociedade.
1. INTRODUÇÃO
Os “lixões urbanos” são práticas antigas e constantes nas cidades brasileiras, nas quais encontramos os seus resíduos sólidos em locais inadequados e sem qualquer tratamento, geralmente ás margens de rodovias, à céu aberto e próximos a locais habitados, o que vem a ocasionar danos ao meio ambiente (contaminação do solo e de lençóis freáticos), e colocando em risco a vida e a saúde da população, tendo em vista provocarem a proliferação de vetores de doenças (moscas, mosquitos, baratas, ratos). Todavia, se obedecidas as normas legais, deveriam estar localizados há dois quilômetros do núcleo urbano, a 200 metros de distância de regiões de água e três metros acima do lençol freático e em local isolado.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), no ano de 2000 – 64% dos municípios brasileiros depositam os resíduos sólidos, sem tratamento, em lixões a céu aberto. Através de dados processados pelo UNICEF, através da pesquisa realizada pelo Fórum Nacional Lixo e Cidadania (respostas enviadas a organização até 16 de Junho de 2000), ficou demonstrado que, no Brasil, 64% dos resíduos é depositado em lixões á céu aberto, e numa análise regional, as regiões norte e nordeste apresentam os piores percentuais, de 90% e 85%, respectivamente. (Fonte: http://www.lixoecidadania.org.br/lixoecidadania/pesquisaunicef)
Citamos como exemplos práticos os lixões das cidades de Ilhéus e Itororó, ambas no estado da Bahia. No município de Ilhéus, os resíduos sólidos são lançados no mangue próximo a praia do Cururupe, causando a contaminação do solo e, com o decorrer do tempo, o “chorume” (líquido produzido pela decomposição da matéria orgânica contida no lixo) alcança as águas superficiais e subterrâneas (lençóis freáticos). O lixo urbano é depositado sem nenhum tratamento ou monitoramento, bem como sem estudo de impacto ambiental prévio, o que veio a provocar a poluição do mangue e do lençol freático. Já na cidade de Itororó, o lixão é depositado, também de forma inadequada, às margens da BA263. Diante tal situação, percebemos o descaso e o desinteresse dos gestores municipais, bem como a falta de uma efetiva fiscalização.
A situação do tratamento dado aos resíduos sólidos poderia ser diferente se o cumprimento da legislação ambiental vigente fosse efetivo e fiscalizado pelos órgãos competentes e pela própria sociedade.
2. A LEGISLAÇÃO AMBIENTAL
A Carta Magna, prevê em seu art. 24, a competência concorrente da União, dos Estados e Municípios, para legislar sobre o meio ambiente, visando sua proteção e combatendo a poluição. Salienta-se ainda, que no art. 225 da mesma Carta, estabelece-se que todos têm direito a um meio ambiente equilibrado, cabendo ao Poder Público e á coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para a presentes e futuras gerações. No parágrafo 3º do mesmo artigo, lê-se que as condutas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas física ou jurídicas, as sanções penais e administrativas, além da obrigação de reparar o dano.
Também por determinação constitucional, é competência dos Municípios legislarem sobre assuntos de interesse local, entre eles a tarefa de limpeza pública, coleta, transporte e disposição de resíduos sólidos. (art. 30, I CF/88).
Na legislação infraconstitucional, a Lei nº 9.605/98 trata dos crimes ambientais, cabendo-nos relevar o art. 54, o qual traz o seguinte, “in verbis”:
“Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
Pena: reclusão, de um ano a quatro anos, e multa.
§ 2º Se o crime:
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V – ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos:
Pena: reclusão, de um a cinco anos.”
Em virtude da responsabilização criminal das pessoas jurídicas, passou a ser travada uma grande discussão doutrinária quanto a responsabilidade criminal da pessoa jurídica de direito público.
Entre os defensores da aplicação de responsabilidade criminal, encontram-se Walter Rothenburg, Flávia de Paiva Medeiros de Oliveira, Renato de Lima Castro e Paulo Affonso Leme Machado, os quais argumentam que as normas constitucional e infraconstitucional não impuseram diferenças e/ou exclusões entre a pessoa jurídica de direito público da pessoa jurídica de direito privado, devendo desta forma, a penalização também recair sobre as pessoas jurídicas de direito público. Salientam também, que a responsabilidade criminal da pessoa jurídica de direito público não a fragiliza, e sim a auxilia no cumprimento de suas finalidades quanto ao direito constitucional ao meio ambiente.
Contrários a esta doutrina, os defensores da inaplicabilidade da responsabilidade criminal dos entes de direito público, aduzem que a pessoa jurídica de direito público deve ter tratamento distinto da pessoa jurídica de direito privado, vez que são distintas quanto a natureza, objetos e interesses, alegando também que a penalização de um ente de direito público prejudicaria a comunidade como um todo, tendo em vista perseguirem fins de interesses públicos, e em não ocorrendo isto, deveriam seus administradores serem punidos criminalmente. Outro argumento defendido é que como o Estado é o detentor do “jus puniendi”, seria incompatível a condição de autor de crimes ambientais e aplicador da própria pena. Dentre seus defensores, citamos Guilherme José Purvin de Figueredo, Solange Teles da Silva, Vladmir Passos de Freitas, Gilberto Passos de Freitas e Fernando Galvão da Rocha.
Em uma análise crítica, nos posicionamos no sentido da aplicabilidade da responsabilidade criminal das pessoas jurídicas de direito público, devendo o Ministério Público, na qualidade de “custus legis”, ou órgão ambiental competente, acionar a Administração Pública, o mesmo ocorrendo quanto aos gestores municipais, os quais são os responsáveis diretos pelo desenvolvimento e aplicação de políticas públicas voltadas para a preservação do meio ambiente e combate da poluição.
3. GESTOR MUNICIPAL
A função do gestor municipal é essencial para efetivação do direito constitucional ao meio ambiente equilibrado, visto que cabe a ele a criação de meios adequados de proteção e conservação e a fiscalização de atividades que possam vir a causar danos ao meio ambiente.
Mudam-se os gestores, mas a prática permanece inalterada e sem perspectiva de solução. Deparamos-nos com administrações municipais despreparadas e desinteressadas, que consideram o “lixão” como uma forma barata de descarregar os dejetos do município, sem levar em consideração a possibilidade de poluir o meio ambiente e causar danos à saúde dos munícipes, vez que os lixões além de causadores de poluição, são grandes focos de doença, como a leptospirose, dengue, diarréias, febre tifóide, cólera, entre outras (Fonte: Fundação Nacional de Saúde/Ministério da Saúde).
Notamos, atualmente, que alguns públicos já estão sendo julgados por crimes ambientais, fato que vem a demonstrar a mudança de paradigmas do direito penal ambiental. Vejamos o exemplo dos prefeitos de São Marcos (RS) e Chuí (RS) que foram condenados pelo Tribunal de Justiça daquele Estado, pela prática de crime ambiental, pois depositavam o lixo da cidade em local inadequado. Vale citar também as penalidades administrativas aplicadas contra as prefeituras de Nazaré (Ba) e de Itaparica (Ba), que foram multadas pelo IBAMA (Gerencia Regional de Santo Antônio de Jesus), por depositarem lixos urbanos em locais indevidos, causando poluição e agressões ao meio ambiente.
Na cidade de Macarani(Ba), no ano de 2001, o Ministério Público solicitou a regularização do lixão, o qual, há uma década, era localizado próximo a Ba 130, a apenas 250 metros do centro da cidade, próximo a residências e do hospital local. Neste caso, o prefeito cumpriu a determinação ministerial, construindo um aterro sanitário em local apropriado, evitando assim uma demanda judicial.
4. BONS EXEMPLOS.
Através de dados elaborados pela CONDER (Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia), em 1992 76,17% dos resíduos sólidos produzidos na Região Metropolitana de Salvador (que abrangue 10 cidades) estavam depositados em locais impróprios, já no ano de 2002 constatou-se que 95% destes resíduos já estavam tendo uma destinação adequada e segura. Esta mudança decorreu do programa desenvolvido pela CONDER, denominado Programa Destinação Final de Resíduos Sólidos. Também com o auxílio da CONDER, através do Programa Pró-Saneamento da Caixa Econômica federal, foram construídos aterros sanitários em outras cidades do Estado, tais como Itapetinga, Catu, Santo Antônio de Jesus, Jequié e Teixeira de Freitas.
No Estado de São Paulo, a situação também não era diferente. Segundo o relatório da CETESB (Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental), das 41 cidades do Vale do Paraíba e Litoral, 21 (vinte e uma) ainda não tratam de forma adequada os seus lixões. Porém, no âmbito estadual houve significativa melhora, pois segundo dados da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, no ano de 1997 apenas 10,9% dos municípios depositavam o lixo em aterros sanitários, sendo que em 2002 este percentual aumentou para 70,7%.
No Rio de Janeiro, dos seus 92 municípios, 65 deles possuem lixões em locais ou em situação inadequados. Ocorre que, no ano de 2003 foi aprovada a Lei nº. 4193/03 (DOE de 01/10/03), a qual visa combater a prática dos lixões concedendo o prazo de 01 (um) ano para que os municípios encontrem área adequada para os resíduos sólidos e também determinando que incluam em suas leis orgânicas área adequada para o lixo.
CONCLUSÃO
O direito ao “meio ambiente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida”, é um direito constitucional que deveria ser extensivo a todos os nacionais, cabendo ao Estado a sua defesa e conservação. A prática dos “lixões” é um problema constante no nosso país, que deveria ser combatido de forma efetiva e rápida, visando evitar os danos ambientais e à saúde pública.
A Carta Magna e a legislação infraconstitucional ainda não são plenamente aplicadas e embora existam divergências doutrinárias quanto à aplicabilidade da responsabilidade criminal as pessoas jurídicas de direito público, entendemos que a responsabilização criminal é extensiva a todas as pessoas jurídicas indistintamente.
Ainda não alcançamos a condição ideal de fiscalização e combate à prática dos crimes ambientais, mas percebemos que os gestores municipais começam a cumprir a determinação legal, ainda que pressionados pelo Ministério Público, e as penalidades administrativas e condenações criminais estão sendo aplicadas aos responsáveis pela prática de crimes ambientais.
Informações Sobre o Autor
Magda Suely Lima Figueiredo
Delegada da Polícia Civil do Estado da Bahia