Ela continua nos noticiários. Continua sendo a vedete. Aparece desde sempre, e sempre aparece. Não pára. Muitos e muitos foram os casos trazidos a público nos últimos anos: “Máfia dos Fiscais”, “escândalo do TRT”, “Operação Anaconda”, “Túnel Ayrton Senna” (triste ter que lembrar de um querido corredor com a corrupção havida para a construção do túnel que lembrou o seu nome. Tudo que ele não merecia era isto); “Caso Valdomiro Diniz”(ainda não esclarecido); outros incontáveis casos isolados de grande, médio e pequeno porte; e mais atualmente “Propinoduto em Rondônia”, “roubo do dinheiro da merenda escolar por Prefeitos de cidades miseráveis”, e a mais recente “CPI dos Correios”.
A corrupção é de fato endêmica no Brasil. Parece ter contaminado todos os setores públicos. Extirpá-la afigura-se utopia. Ela está presente, inclusive, em países do chamado primeiro mundo: Suécia, Noruega, Finlândia, Alemanha, etc. mas com uma diferença. Lá a corrupção mantém-se em níveis toleráveis. Aqui, está em insuportável descontrole.
Vejo-a como uma questão cultural. Somente através das próximas gerações poderemos atingir no nível baixo, não admissível, mas compreensível e tolerável daqueles países. É preciso, então, que todo cidadão brasileiro tenha acesso à educação de base, de condições de se tornar verdadeiramente um cidadão, a ponto de conhecer e exercer os seus direitos e deveres. Sim, porque no Brasil somente uma pequena parcela dos cidadãos tem a exata consciência e, mais que isso, exerce, efetivamente, a sua cidadania.
Digo que se trata de um fator cultural porque, se não praticado, é, no mais das vezes tolerado. Quantos vêem a corrupção acontecer, em sua própria repartição pública e não a entregam. Fazem vistas grossas. Fingem que não viram, afinal, o que eles têm a ver com isso? Depois poderão ser perseguidos pelo corrupto. Se não provarem o que viram, serão, eles sim, punidos, ou pior, perderão o emprego. Mais que isso, pensam, e se o corrupto, – ou os corruptos (corrupto e corruptor) forem pessoas violentas e vierem revidar e agredir a família?…E se delatar, como confiar na ação das autoridades para uma investigação séria? Melhor “não mexer com isso”, concluem. E a corrupção campeia.
Parece indisputável que a corrupção somente começará a ser reduzida efetiva e eficazmente quando eles, os colegas de repartição, os subordinados começarem a não admitir a situação, causando, no mínimo desconforto para o corrupto. Claro que muitos dos pagamentos não acontecem no âmbito da repartição pública, mas os sinais exteriores de riqueza e ações duvidosas também merecem melhor atenção. Todo funcionário público deve ser vigiado, pelos próprios colegas e pela população. Eles lidam com a coisa pública – com o dinheiro público e com funções públicas. São pagos pelos cofres públicos para executar tarefas públicas, e recebem os salários do dinheiro da população. Podem e devem ser vigiados. A população não pode ter vergonha, muito menos medo, de indagar, desconfiar, informar, contestar e exigir posturas claras de todo e qualquer funcionário público, desde o de menor grau até o Presidente da República. Mas esse direito só é exercido, efetivamente, e nem sempre, por aqueles que tem a exata consciência dos seus direitos e deveres, porque foram suficientemente instruídos e politizados. A sociedade sempre tem meios para agir, mas precisa agir.
Também é fato que há instituições no Brasil que procuram ocultar, minimizar e até dificultar ação contra os corruptos, para não ver “manchada” (ainda mais), o nome da sua instituição. Pensam que com a publicidade das falcatruas de seus membros, perderão prestígio e conseqüentemente poder. Mas na verdade ocorre o contrário. Historicamente demonstrou-se que aquelas instituições que punem severamente os seus maus funcionários mostram-se eficientes e ganham prestígio e poder. Não se pode “empurrar a sujeira para debaixo do tapete”. Lembro-me de políticos que outrora alardeavam a necessidade de CPIs e moralidade, na Câmara dos Vereadores de São Paulo, durante a conhecida operação da “Máfia dos Fiscais”, hoje se calam, não a subscrevem e não querem CPIs. Mas o gesto de nobreza vem exatamente daqueles não concordam com a sujeira, e querem limpá-la da própria casa.
E a curto prazo, torna-se preciso seguir os modelos que deram certo. Impossível deixar de lembrar a famosa “operação mãos limpas”, na Itália das décadas de 1980/1990. A Itália encontrava-se a níveis insuportáveis de corrupção. Algo deveria ser feito, imediatamente, para evitar o perecimento total do Estado. Seria o descrédito internacional, com desastrosas conseqüências econômicas, por falta de credibilidade das instituições – caminho que pode tomar o Brasil se algo semelhante não for feito… Através de uma Lei de reestruturação do Código de Processo Penal italiano decidiu-se fortalecer, estruturar e aparelhar o Ministério Público. Criaram-se as “Super Procuras” – “super promotorias”. Com poderes inigualáveis o Ministério Público foi chamado a agir e cumpriu o seu dever. Foram anos de ação incansável, sempre com o apoio necessário, irrestrito e incondicional dos bons policiais. E a Itália venceu a luta. Mas aqui no Brasil a OAB, muitos setores da polícia e até, quem diria, alguns Juízes (poucos, é verdade), formam fortes lobbies para se contrapor ao caminho do sucesso. Por vaidade, no mínimo. E não conseguem enxergar o evidente: Se a corrupção vencer, toda a sociedade perderá, inclusive, os filhos, parentes e amigos daqueles que, repito, por essa vaidade, não querem ver o Ministério Público forte. Enquanto os países desenvolvidos discutem quanto e como aumentar – ainda mais – os poderes de investigação e ação do Ministério Público, aqui alguns buscam amordaçá-lo, atar suas mãos, restringi-lo á produção policial.
E não é só. Há parcela de culpa dos próprios Ministérios Públicos, de alguns, daqueles que resistem à idéia de investir e tomar medidas corajosas. É preciso mudar, atualizar, avançar, ousar. Acreditar. Implementar. Agir. Da mesma forma que um computador de 5 anos atrás, já desatualizado, as formas e estratégias precisam ser repensadas. Alguns Ministérios Públicos, por seus chefes, pensam muito nas conseqüências políticas de seus atos, sem ousar enfrentá-las. Deixam as coisas como estão e, quando um escândalo acontece, têm dificuldade de encontrar um Promotor para, sem estrutura mínima, de forma específica, assumir o caso com seriedade no plano da investigação e prosseguir com a ação penal. Não encontram promotor disposto, juridicamente preparado, porque não incentivam estudos específicos. São questões que exigem mais conhecimento técnico do que os processos rotineiros. Mas preferem fazer política. E eu digo. Não basta pagar bem o promotor de justiça. É preciso mexer com o seu brio. Com o sentimento de “ser promotor” de verdade”. Não basta punir o miserável que furtou shampoo no supermercado e produzir índices de produtividade. Números. Quantidade. É preciso enxergar muito à frente, desenvolver olhos com visão de raio x para ver o crime que está oculto, invisível a olho nu. Qualidade. A missão do Ministério Público vai muito além dos crimes comuns e de pequeno potencial ofensivo. É preciso agir ainda mais contra os grandes!
Não quero ser pessimista, mas os fatos ocorrem, repetem, e se sucedem. Aumentam. O dinheiro público que entra no bolso dos corruptos não é transformado em bens e serviços para a população. A população se revolta. Excluídos socialmente pegam armas e roubam. E os crimes de corrupção se convertem rapidamente em crimes violentos, mais e mais. E o ciclo vicioso converte-se em bola de neve, cada vez mais distante da paz social, para desgraça da sociedade, como um todo.
“Si el delito fuese el hombre que muere, no nos quedaria, desgraciadamente nada que hacer. Pero el hombre que muere es el daño; el delito es el hombre que mata. El daño es un hecho del cuerpo; el delito es un hecho del espiritu”. Francesco Carnelutti in “La lucha del derecho contra el mal”
Informações Sobre o Autor
Marcelo Batlouni Mendroni
Promotor de Justiça/SP – GEDEC, Doutor em Processo Penal pela Universidad de Madrid, Pós-Doutorado na Università di Bologna/Italia