Apesar de adepto da primeira versão do Napster 1 no início da era P2P2 no Brasil, nunca achei adequado baixar músicas online de artistas sem o devido pagamento dos direitos relacionados. Porém, aquela era (e ainda é) a forma mais prática e barata de se ter e ouvir música.
Naquela época, as gravadoras não se preocuparam em disponibilizar músicas online e, efetivamente, ter a chance de cobrar por elas. Já por outro lado, a tecnologia do Napster facilitou a vida de quem gostaria de obter músicas on-line. Existia apenas um pequeno problema para as gravadoras: o Napster as disponibilizava gratuitamente por meio de seu servidor central.
Pouco antes de ir para Stanford3, no início de 2003, ouvi falar do iTunes (software)4 e do iPod (aparelho que utiliza o iTunes e tem a função igual a de um walkman), ambos da Apple. Pelo iTunes, um usuário de Internet pode ouvir rádios on-line e colocar todas as suas músicas em formato digital em playlists.
A novidade neste caso é que o usuário do iTunes pode comprar músicas pela Internet por meros U$0.99 (noventa e nove centavos de dólar), ou seja, pode comprar apenas a
música de sua escolha. Não há mais a necessidade de se pagar U$15 (ou R$35-40) por um CD inteiro para adquirir sua música favorita.
Em complemento, o iPod permite que seu usuário tenha em “seu bolso” todas as músicas listadas no iTunes. Prático, bonito, inteligente e, nos padrões norte-americanos, não muito caro.
Este avanço tecnologico combinado com as ondas de processos judiciais da RIAA 5 contra o Napster, mais recentemente contra o Kazaa6 e contra usuários de internet que baixaram grandes quantidades de músicas on-line7, fizeram com que o iTunes e seus similares pagos, como o novo Napster, se transformassem na melhor forma, juridicamente falando, de se baixar músicas pela rede.
Entretanto, recentemente encontrei um problema nesta estrutura, problema este que, como veremos, também já foi rapidamente remediado pela tecnologia.
Procurando por certas bandas americanas famosas de rock, notei que tais bandas não colocaram seus CDs à venda no iTunes, no novo Napster ou em qualquer outro canal de venda de música on-line. Qual o motivo? Realmente não sei, mas este fato me deixou com certa “raiva” destas bandas, uma vez que elas estariam, em tese, dificultando a forma de como eu e muitos outros gostariam de obter músicas e pagar por elas.
Na verdade, o que elas estão fazendo é algo que vai contra os princípios que elas tanto defendem do direito de usufruir, economicamente, da propriedade intelectual que elas criam. Isto porque esta postura leva a maioria dos usuários honestos a procurarem outros canais on-line, que não os pagos, para obterem o que desejam.
Como já demonstrado no passado, a tecnologia não demora para perceber a insolência de bandas ou gravadoras que não a procuram para favorecer milhões de usuários que querem comprar músicas online. Ela, a tecnologia, mais uma vez procurou pelas músicas destas bandas, só que desta vez de uma forma muita mais aperfeiçoada, rápida, novamente mais barata e com uma vantagem adicional: é quase impossível descobrir quem está baixando uma certa música.
Hoje, a maioria das músicas, videos e outros programas e arquivos podem ser baixados pelo programa P2P chamado Bit Torrent, um programa gratuito e que apresenta duas características inovadoras em seu funcionamento.
A primeira é que, uma vez achado o arquivo desejado, o usuário começa o download não apenas de um único outro usuário, mas de vários que possuem o mesmo arquivo8. De cada usuário ele recebe um pedaço do arquivo que ao final o Bit Torrent junta para ser utilizado. Isto torna o download muito mais rápido e efeciente, pois não é um arquivo “gigante” que está sendo baixado, mas sim vários pequenos pedaços do mesmo arquivo.
Por exemplo, em um único download podese baixar rapidamente todos os CDs de uma banda cujo “peso” final pode passar de 1Gb.
A segunda inovação é que ao mesmo tempo em que o usuário está efetuando o download, ele está servindo de fonte para que outros usuários realizem o upload das partes do arquivo que ele já baixou. Não existe servidor central e não é apenas um usuário que fornece todo o arquivo. Adicionalmente às inovações do Bit Torrent, devemos dar créditos também ao formato de compressão RAR, atualmente um dos mais avançados. O RAR pode comprimir arquivos com uma taxa de compressão muito superior ao ZIP, além de possuir vantagens com relação à este último tais como: (1) utilizar o Unicode (um mesmo número para um mesmo caractere, não importando a plataforma, programa ou linguagem utilizada), (2) poder comprimir arquivos multi-volumes em um mesmo documento, e (3) utilizar a encriptação AES- 128. A maioria dos arquivos encontrados no Bit Torrent estão comprimidos em RAR.
Não sou a favor da distribuição de músicas ou qualquer conteúdo on-line sem o pagamento de seu respectivo valor, mas também não sou a favor de que qualquer indústria ou pessoa prive outras de obterem propriedade intelectual por meios novos, mais fáceis e confortáveis.
No final, depois de 6 meses procurando no iTunes e no novo Napster sem sucesso as músicas que desejava comprar, fiquei tentado a utilizar o Bit Torrent. Porém, decidi comprar o CD de uma das bandas por U$14.99. Paguei este valor para ouvir apenas 4 músicas que considerei boas, já que as outras 9, com certeza, nunca mais ouvirei. Poderia ter pago apenas U$3.96 e com o resto do valor poderia ter comprado músicas de outro álbum da mesma banda ou de outros artistas, fomentando ainda mais a indústria fonográfica, incentivando a produção artística e premiando obras de qualidade.
Alguns podem pensar que a banda venceu e eu perdi, afinal comprei o CD inteiro e dei $11.03 por um produto que eu nunca vou usar (as 9 outras músicas). Na verdade foi a banda quem perdeu. Eu sou um em milhões que vai à loja e efetivamente compra o CD, os demais baixam suas músicas favoritas ou todos os CDs da banda, sem pagar um centavo se quer, pelo Lime Wire, Kazaa e agora pelo BitTorrent, por exemplo.
Um conselho que eu tenho para as gravadoras brasileiras e internacionais é incentivar a disponibilização de músicas online de todos os seus artistas. Existem pessoas honestas que estão dispostas a pagar $0.99 por música boa e disponível online e que não tem vontade de usar outros softwares para praticar atos que não julguem corretos.
Estou ciente de iniciativas do gênero, mas este esforço ainda não é suficiente. Não percam estes consumidores e associem-se aos provedores P2P de conteúdo on-line pago, fazendo com que seus artistas sejam obrigados, por contrato, a disponibilizarem seus conteúdo on-line.
Juntem-se ao poder do P2P, assim, o lucro certamente continuará e as pessoas não terão motivos para agir de forma diversa da correta. Entretanto, se a preferência for pelo caminho inverso, processando empresas desenvolvedoras de softwares, pessoas comuns e usuários inofensivos, o futuro certamente não será azul e amigável.
Informações Sobre o Autor
Carlos Motta
Fundador e Presidente do CBEJI; Advogado associado ao Souza, Cescon Avedissian, Barrieu e Flesch Advogados, formado pela Universidade Mackenzie, foi aluno convidado do curso de pós-graduação em E-Commerce da Faculdade do Largo de São Francisco. Primeiro brasileiro a cursar o LL.M. (Master of Laws) em Law, Science & Technology na Stanford University (2003-2004).